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08/07/2015 Trabalho escravo ou só um emprego ruim? | EXAME.com
http://exame.abril.com.br/revista­exame/edicoes/1091/noticias/trabalho­escravo­ou­so­um­emprego­ruim 1/3
(http://www.assine.abril.com.br/portal/assinar/revista­exame?
origem=sr_ex_selo_novo&campanha=DTQ5&utm_source=editoriais&utm_medium=sites_editoriais&utm_campaign=sr_ex_selo_novo)
São  Paulo  ­  Em  fevereiro,  uma  equipe  de  fiscais  do Ministério  do  Trabalho  identificou  que  a mineradora  Vale  contava  entre  os
fornecedores com uma empresa que mantinha os funcionários num regime de trabalho considerado análogo à escravidão. O caso
se  deu  em  Itabirito,  no  interior  de Minas Gerais,  onde  a Vale  (http://www.exame.com.br/topicos/vale)  extrai  minério  de  ferro.  Os
“escravos” eram 309 motoristas contratados pela transportadora Ouro Verde.
A fiscalização constatou que eles cumpriam jornadas de trabalho mais longas do que o permitido por lei. Os banheiros dos vestiários
do pessoal estavam imundos e entupidos. Não há dúvida: podia não ser o emprego dos sonhos. Mas é razoável compará­lo a um
trabalho escravo? Os motoristas ganham o piso salarial,  têm plano de saúde e transporte para  ir e voltar do trabalho — as horas
extras, embora excessivas, também são pagas.
O auditor fiscal Marcelo Gonçalves Campos, de 53 anos, líder da fiscalização em Itabirito, não tem dúvida das semelhanças com a
escravidão. “As condições eram degradantes e feriam a dignidade dos trabalhadores”, diz. Procuradas pela reportagem, em nota a
Vale negou irregularidades e a Ouro Verde alega que fez os ajustes exigidos. Ambas afirmam ainda que houve uma manifestação
no  dia  anterior  à  fiscalização  (http://www.exame.com.br/topicos/fiscalizacao)  e  que  o  local  de  trabalho  foi  degradado  por
funcionários.
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Ações  de  fiscalização,  como  a  ocorrida  na  Vale  e  em  seus  fornecedores,  têm  construído  a  fama  de  Campos.  Ele  é  uma  das
principais autoridades do país em casos de trabalho análogo à escravidão. Sua carreira no Ministério do Trabalho, onde ingressou
em 1995 depois de ser aprovado em concurso público, foi toda com base nessas investigações.
Formado  em direito  e  história,  costuma dar  palestras  nas  quais  se  emociona  ao  fazer  relatos  de  trabalhadores  resgatados. Sua
justificativa tem muito a ver com as premissas da Justiça do Trabalho no Brasil, que enxerga no trabalhador uma criatura indefesa.
“No processo capitalista de produção, o direito entende que o trabalhador está em situação de fragilidade e deve ser socorrido”, diz
Campos.
Mineiro de Moeda, cidadezinha de 5 000 habitantes localizada a 60 quilômetros de Belo Horizonte, ele não é casado nem tem filhos.
De  2003  a  2010,  coordenou  um  grupo  de  fiscalização  que  fazia  operações  de  combate  ao  trabalho  escravo
(http://www.exame.com.br/topicos/trabalho­escravo)  em  todo  o  país.  Nos  últimos  quatro  anos,  passou  a  atuar  só  em  território
mineiro.
No ano passado, Minas Gerais  foi o estado em que houve o maior número de  resgates, como são chamadas as operações que
“libertam” quem é considerado submetido à escravidão. No total, 380 trabalhadores  foram resgatados em Minas. Além da Vale, a
equipe  de  Campos  já  fez  denúncias  de  empresas  como  a  mineradora  Anglo  American,  a  distribuidora  de  energia  Cemig  e  a
construtora MRV.
Temido pelos empresários, ele ganhou entre eles a alcunha de Marcelo Perverso. A fama não o incomoda — muito pelo contrário.
“Ser temido e respeitado é positivo e importante”, diz Campos. “O medo tem poder coercitivo.”
Rigor excessivo
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Trabalho escravo ou só um emprego ruim?
Revista Exame 08/06/2015 05:55
08/07/2015 Trabalho escravo ou só um emprego ruim? | EXAME.com
http://exame.abril.com.br/revista­exame/edicoes/1091/noticias/trabalho­escravo­ou­so­um­emprego­ruim 2/3
Apesar de temido, Campos tem sido bastante questionado. A principal reclamação: embora graves em alguns casos, boa parte das
irregularidades  identificadas pelos  fiscais não seria suficiente para aplicar um rótulo pesado como o de empresa conivente com o
trabalho escravo.
“Quando submetido a uma situação semelhante à escravidão, a pessoa perde sua dignidade e é reduzida a coisa”, diz o advogado
Daniel Dias, da área trabalhista do escritório Lobo & de Rizzo — a pedido de EXAME, ele examinou quatro relatórios produzidos por
Campos e sua equipe. “Muitas das conclusões a que eles chegam são exageradas.”
O processo  iniciado pelos  fiscais  comandados por Campos contra a Vale e a Ouro Verde pode  ter duas consequên​cias para as
empresas. Com base no relatório, elas estão sendo investigadas por promotores do trabalho — o que pode resultar na obrigação de
pagar indenização por danos morais e na assinatura de um termo de ajuste de conduta.
Além disso, o Ministério Público pode encaminhar à Justiça uma ação pelo crime de manter trabalhadores em regime de escravidão.
A pena pode chegar a oito anos de prisão para os sócios ou gestores que forem considerados culpados no final do processo.
A legislação trabalhista brasileira é uma das mais rigorosas do mundo. Em princípio, nada do que fiscais como Campos fazem está
fora da lei. O Código Penal lista quatro situações que podem enquadrar uma empresa por manter trabalho escravo.
Em duas delas, há pouca controvérsia: quando os empregados são impedidos de sair do local de trabalho — como uma fazenda ou
uma oficina — e  quando  são mantidos  cativos  por  dívidas  contraídas  com os  empregadores. Os  outros  dois  casos,  porém,  são
polêmicos.  Segundo  a  lei,  podem  ser  considerados  vítimas  de  um  regime  análogo  à  escravidão  os  empregados  que  têm
frequentemente jornadas exaustivas ou que trabalham em ambiente insalubre. É aí que os conceitos ficam confusos.
“Temos 35 normas do trabalho, reunindo milhares de regras”, diz Nelson Mannrich, professor de direito do trabalho na Universidade
de São Paulo. “A insegurança é tamanha que qualquer empresa poderá ser acusada de escravidão por não sinalizar o ambiente ou
oferecer menos extintores de incêndio do que o exigido.”
É nessa barafunda que as empresas se complicam. A concessionária de energia Cemig foi acusada há dois anos de manter trabalho
escravo em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Na época, os fiscais consideraram que 180 funcionários de uma
empresa terceirizada de manutenção, a CET Engenharia, trabalhavam e estavam alojados em condições degradantes.
Algumas das irregularidades: a empresa não fornecia 250 mililitros de água por funcionário a cada hora de trabalho, como manda a
lei. Nos alojamentos, havia camas duplas, beliches sem proteção lateral ou com menos de 1,1 metro de distância do teto, conforme
prescrito pelas normas. A Cemig recorreu e, em nota, afirma aguardar uma decisão sobre o caso.
A  construtora  Modelo,  prestadora  de  serviços  para  a  Anglo  American  no  município  mineiro  de  Conceição  do  Mato  Dentro,  foi
enquadrada em 2013 porque 19 dos 142 trabalhadores excediam com frequência o limite de 10 horas de trabalho por dia, algo que é
costumeiro nos escritórios de grandes empresas.
Na defesa, a Modelo argumenta que os funcionários não foram obrigados a trabalhar além do estipulado em lei — eles aceitaram
livremente. Afirma ainda que as atividades de alguns que fizeram jornadas excessivas não eram contínuas. Exemplo: motoristas que
não ficam o dia todo dirigindo. Algumas dessas situações, de fato, podem fazer de um emprego um tormento — e seria ideal que
não existissem. Mas daí a qualificá­los como escravidão vai uma longa distância.
Em outros países, o conceito de escravo é restrito a condições nas quais é mais  fácil concluir que o  trabalhador  fica cativo. A  lei
americana considera escravidão apenas o trabalho feito sob coação ou ameaça. Na Alemanha, além dos trabalhos forçados, chama­
se deescravidão a submissão de estrangeiros ou menores de 21 anos ao trabalho ilegal.
O maior problema: ser associado a trabalho escravo representa um baque na imagem de uma empresa. Clientes, consumidores e
investidores  podem  se  afastar.  No  Brasil,  as  penalidades  incluem  a  inscrição  da  empresa  na  chamada  “lista  suja”  do  trabalho
escravo, em que permanece por até dois anos — enquanto isso, fica impedida de receber empréstimos de bancos públicos.
Em dezembro, a divulgação da lista foi suspensa por uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal à Associação Brasileira
de Incorporadoras. As empresas alegam que é preciso uma lei para autorizar a divulgação dos inscritos, que ainda não foi editada. A
associação  também sustenta que o nome dos empregadores é  inscrito na  lista sem um processo  legal. Por enquanto, muitos se
sentem reféns de fiscais como Marcelo Campos.
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