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http://www.brasilmedicina.com/noticias/pgnoticias_det.asp?Codigo=1227&AreaSelect=1 em 24 de maio de 2012 Alternativas ao uso de animais em pesquisa Por Ekaterina Akimovna Botovchenco Rivera Por não ser uma ciência estática, a pesquisa com animais tem sofrido grandes transformações nestas últimas décadas. Assim, deve ser constantemente questionada à luz dos mais recentes avanços científicos e tecnológicos, bem como da evolução do comportamento humano. O novo status dos animais dado pela sociedade atual gerou controvérsias sobre a experimentação animal, fazendo com que nos perguntemos se esta é ou não compatível com os conceitos modernos de proteção e de bem-estar animal. Portanto, devemos avaliar se há ou não uma verdadeira necessidade de se usar animais em experimentação e não podemos aceitar como inevitável seu uso nas pesquisas médicas e biológicas. Apesar de alguns segmentos da sociedade, a exemplo dos ativistas, pressionarem para que a experimentação animal seja banida por completo, é evidente que medida tão extrema ou restrições legais colocariam o bem- estar dos animais acima de nosso dever de proteger o homem e os demais animais. Também tirariam os direitos do homem de pesquisar e de adquirir novos conhecimentos, o que representaria um dano considerável, seja na busca de novos medicamentos para combater as diversas patologias ainda sem cura ou para assegurar alimentos para o mundo, poder cuidar do meio ambiente e desenvolver outras atividades na busca de um futuro melhor. Por estas razões, os pesquisadores ou usuários de animais se deparam em seu dia-a-dia com o dilema ético da experimentação animal. É preciso pesar, de um lado, o uso de animais e o sofrimento a eles causado pelas pesquisas e, do outro lado, tentar conseguir os mais elevados padrões de segurança e de benefícios para o homem e para os animais. Além dos conflitos éticos e de bem-estar animal, os pesquisadores se deparam com questões de natureza econômica, legisladora, de segurança e científica que os obrigam a buscar métodos alternativos que não utilizem animais em seus estudos. Na década de 1950, veio em auxílio dos pesquisadores o conceito dos três Rs enunciado pelos cientistas Russel e Burch (1959). A visão evolucionária e humanitária do conceito causou um dos maiores impactos nas mudanças ocorridas quanto ao uso de animais em experimentação, testes ou ensino. Este conceito se baseia nas palavras replacement, reduction e refinement, traduzidas para o português como “alternativas (ao uso de animais)”, “redução (no número de espécimes)” e “aprimoramento (das técnicas empregadas)”. Com esta visão, foi ganhando força o princípio de que haveria um caminho do meio entre a abolição total dos experimentos com animais e a liberdade científica. E o uso de alternativas é sem dúvida este caminho, ainda que estas não sejam capazes, até o presente momento, de reproduzir as complexas interações entre os sistemas e as reações bioquímicas que ocorrem entre as milhares de proteínas, hormônios, substâncias mensageiras, e outras substâncias essenciais existentes em um organismo vivo, e também os diferentes processos de metabolismo, alergias, desenvolvimento de células cancerígenas dentre outros. O debate que durou anos sobre o que definiríamos como alternativas deixou de existir. Hoje, se chegou ao consenso de que “alternativas ao uso de animais em experimentação são procedimentos que ou podem substituir completamente os animais, ou reduzir o número de animais utilizados ou que diminuam o grau de dor ou de sofrimento causado aos animais.” Vemos, então que as alternativas podem ser classificadas em absolutas (sem uso de animais) e relativas (quando usam animais, mas levam em consideração os outros dois Rs – redução e aprimoramento). Mas alternativas não significam a solução perfeita. Devemos ter muito cuidado sobre as expectativas geradas pelas mesmas, pois, estas não são respostas imediatas aos nossos anseios de não usar animais em experimentação ou testes. As protetoras criam expectativas não-realistas e proclamam que já não mais necessitamos de animais em nossas pesquisas. Os cientistas dão pouca prioridade ao assunto e recebem pouco financiamento para este fim. Já as agências regulamentadoras não crêem em alternativas. Estes diferentes pontos de vista entravam o progresso de soluções que trariam benefícios para todos os segmentos que usam animais em experimentos. Russell e Burch lamentavam não haver uma teoria geral de alternativas e reconheciam que o desenvolvimento de métodos alternativos era parte da evolução da metodologia científica. Por outro lado, a ciência sozinha não consegue atingir seus fins, necessitando de apoio político e financeiro para atingir suas metas. Para que a comunidade acadêmica e outros usuários de animais de laboratório possam aceitar testes alternativos, devem exigir que estes tenham boa qualidade científica, e tenham sido preliminarmente testados com sucesso e validados por órgão creditado para tal fim. É importante que os parâmetros avaliados reproduzam com fidelidade os mesmos resultados que os testes que usam animais. Por exemplo: será que uma certa dose de substância química que produz dano às células hepáticas in vitro produzirá o mesmo dano para o homem se este ingerir a mesma dose desta substância? Considerando que num futuro próximo ainda não será possível substituir toda a experimentação com animais, o que se pode fazer é unir esforços para se descobrir métodos alternativos que usem sistemas não-sensitivos e procedimentos menos estressantes e dolorosos aos animais do que os atuais. O conceito dos três Rs não deve ser um ideal restrito a um grupo de cientistas. Ele precisa enraizar-se no meio acadêmico, tanto no ensino quanto na pesquisa, bem como nos laboratórios que utilizem animais para testes obrigatórios. Devemos modificar nossa forma de pensar e não podemos mais admitir ter a morte como fim em nossas pesquisas, como no caso da DL 50 (abreviação do teste de Dose Letal Média). Desde 2002, este teste não é mais aceito pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Agência Ambiental Norte-Americana (EPA) e pela Agência Norte-Americana de Controle de Alimentos e Drogas (FDA), dentre outros. Essa mudança de atitude pode começar com a abolição, sempre que possível, de animais em aulas práticas, que também se beneficia com o uso de alternativas. E fica aqui o questionamento: a mudança de atitude com relação aos animais que permeia nossa sociedade hoje em dia, nos levou à introdução de procedimentos que não utilizem animais em pesquisa, testes ou ensino, ou foi a introdução de novos procedimentos alternativos que nos levou a reduzir o número de animais usados e ao aprimoramento no sentido de evitar a dor e o sofrimento aos animais? Alternativas cientificamente validadas já existem, muitas das quais usadas rotineiramente. Portanto, devemos procurar conhecê-las e utilizá-las. Assim, seu uso sistemático e racional resultará em uma ciência melhor e mais humanitária. Ekaterina Akimovna Botovchenco Rivera é Médica Veterinária, Doutora, Mestre em Ciência de Animais de Laboratório de Experimentação, Membro da Comissão de Ética e Bem-Estar Animal do CFMV. E-mail: e- rivera@uol.com.br.
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