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48
Lúpus eritematoso sistêmico
Eduardo Ferreira Borba Neto
Cristina Costa Duarte Lanna
Edgard Torres dos Reis Neto
Elisa Martins das Neves de Albuquerque
Eloisa Bonfá
Emilia Inoue Sato
Evandro Mendes Klumb
Francinne Machado Ribeiro
Lilian Tereza Lavras Costallat
Luiz Carlos Latorre
Maria de Fátima Lobato da Cunha Sauma
Odirlei André Monticielo
Sandra Gofinet Pasoto
Simone Appenzeller
CONCEITO
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, autoimune, de etiologia pouco
conhecida, decorrente de um desequilíbrio do sistema imunológico e produção de autoanticorpos. Estes são
dirigidos contra várias proteínas celulares, com consequente formação de imunocomplexos que, ao se
depositarem em vasos de pequeno calibre, resultam em vasculite, lesão tecidual e disfunção do órgão/sistema
acometido. Além disso, a lesão ou a disfunção podem ocorrer por outros mecanismos, como ação de
autoanticorpos junto aos receptores de neurotransmissores, ocasionando disfunção em sistema nervoso central,
trombose por efeito de anticorpos antifosfolípides e ação direta de anticorpos dirigidos contra antígenos celulares
específicos, ocasionando citopenias.
A doença é pleomórfica, uma vez que o envolvimento de órgãos e tecidos ocorre nas mais diversas
combinações e em graus variados de gravidade. O LES evolui clinicamente com períodos de exacerbação de
atividade inflamatória, intercalados com remissão parcial ou completa. Alguns pacientes podem manter um
padrão de atividade crônica.
EPIDEMIOLOGIA
A doença é muito mais prevalente em mulheres na idade reprodutiva, sendo que os primeiros sinais e sintomas
iniciam-se com maior frequência na segunda e terceira décadas de vida. Nessa faixa etária, existe um nítido
predomínio do sexo feminino, na proporção de 10 mulheres para 1 homem. A doença também ocorre em
crianças e adultos mais idosos, mantendo o predomínio do sexo feminino, porém em uma proporção de 3
mulheres para 1 homem. Os estudos epidemiológicos apresentam dados variáveis quanto à sua incidência e
prevalência. Nos Estados Unidos, a prevalência do LES é de aproximadamente de 124 por 100.000 e a incidência
anual é de 1,8-7,6 por 100.000. No Brasil estima-se uma incidência anual aproximada de 4,8 a 8,7 casos por
100.000 habitantes. Trata-se de uma doença universal encontrada em todas as etnias e nas mais diferentes áreas
geográficas, mas parece ser mais prevalente em afrodescendentes. As características da doença e sua gravidade,
bem como a sua prevalência podem diferir em diversos grupos étnicos, sexo e idade de início da doença. A
mortalidade do LES, embora tenha diminuído nas últimas décadas, ainda é alta, comparada com o esperado na
população, com coeficiente padronizado de mortalidade variando de 2 a 3.
ETIOLOGIA
Embora ainda não completamente esclarecida, a etiologia do LES é multifatorial, com participação de fatores
genéticos, epigenéticos, hormonais, ambientais e imunológicos.
Estudos recentes de avaliação genômica (genome-wide association studies, GWAS) identificaram pelo menos
100 loci com polimorfismos relacionados a risco de doença poligênica, assim como mais de 30 genes associados
a formas monogênicas de fenótipos de LES e LES-símile. Além dos genes predisponentes, como TREX1 e
DNAse1, é consistente a associação com alguns alelos do complexo principal de histocompatibilidade (MHC),
principalmente os alelos DR2 e DR3 de classe II. Há alta prevalência da doença entre gêmeos monozigóticos (29
vezes maior que a da população geral) e nos parentes de primeiro grau (risco 17 vezes maior de desenvolver
LES). A associação entre risco de desenvolver LES e deficiência de algumas proteínas do sistema complemento,
especialmente C1q (responsável pela depuração de células apoptóticas), C2 e C4, é bem determinada.
Outras associações importantes estão relacionadas à assinatura de interferon (IFN). Genes ligados à
imunidade inata, como STAT4, IRF5 e TLR7, entre outros, estão ligados à sinalização e produção de IFN tipo I,
que tem sua expressão aumentada no soro de 60-80% dos pacientes. Os SNPs (single nucleotide polymorphisms)
são a forma mais comum de polimorfismo do genoma humano e no LES alguns já foram associados, como o
SNP no STAT4, que aumenta o risco de síndrome antifosfolipídeo (SAF), glomerulonefrite e presença do
anticorpo anti-dsDNA, e o SNP associado ao LYN, que diminui o risco de LES e de manifestações
hematológicas em caucasianos. A despeito da identificação dos polimorfismos, os aspectos genéticos até então
identificados estão associados a menos de 30% da suscetibilidade para o LES, sugerindo um papel significativo
de fatores ambientais e influência epigenética de genes ainda não determinados.
O papel patogênico dos hormônios baseia-se na hipótese de imunomodulação. Os estrógenos têm papel
estimulador de várias células imunes, como macrófagos, linfócitos B e T CD4+ e CD8+. Eles também favorecem
a adesão dos mononucleares ao endotélio vascular pela expressão de moléculas de adesão e MHC, estimulam a
secreção de algumas citocinas, como interleucina (IL)-1 e aumentam a expressão de IL-21 nas células T CD4+.
Do mesmo modo, a via do IFN tipo I é regulada positivamente pelo estrogênio e negativamente pelos
progestágenos e ambos promovem resposta Th2, mostrando a importância do equilíbrio entre eles. A
progesterona inibe a proliferação das células T e aumenta o número de células CD8+. Os estrogênios também
têm ação semelhante à das moléculas de BLyS/BAFF, reduzindo a apoptose das células autorreativas e
acelerando a sua maturação, especialmente das células B com alta afinidade pelo DNA. Esses dados justificam a
maior predisposição feminina aos fenótipos clínicos. Outros hormônios também exercem influência: existe maior
incidência de anticorpos antitireoidianos entre paciente com LES, e os pacientes apresentam resposta anormal ao
estresse, sugerindo anormalidades no eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal.
Entre os fatores ambientais, é importante ressaltar o papel da luz ultravioleta. A exposição solar determina a
apoptose de queratinócitos com subsequente expressão de moléculas como RNP, Ro, nucleossoma e
fosfolipídeos nos corpúsculos apoptóticos, a secreção de citocinas (IL-1, IL-3, IL-6, TNFα, GM-CSF) com
amplificação da resposta imune, além de promover a ativação de macrófagos e processamento de antígenos, o
que desencadeia uma resposta inflamatória sistêmica.
Por outro lado, os vírus são potentes estímulos para a ativação da resposta imune e existem evidências da
interface entre a infecção por Epstein-Barr virus e citomegalovírus. De fato, existe a detecção de autoanticorpos
no soro dos pacientes infectados cujos sintomas simulam autoimunidade e o surgimento de LES verdadeiro ou
sua exacerbação após infecção por esses micro-organismos ou outros agentes. A formação de anticorpos contra
esses micro-organismos (mimetismo molecular) e contra retrovírus endógenos, bem como o desequilíbrio do
microbioma, contribuem para a autoimunidade. É importante lembrar que o uso de algumas medicações,
especialmente hidralazina e isoniazida, pode não só provocar sintomas similares, mas também atuar como
gatilho para as manifestações da doença. A exposição ao pó de sílica aumenta o risco para desenvolver LES,
sobretudo em mulheres afrodescendentes. O tabagismo tem sido associado ao desenvolvimento do LES e
também reduz os efeitos terapêuticos da hidroxicloroquina. Não há evidência de associação entre a doença e
exposição a tinturas de cabelo, batom, exposição ocupacional a solventes ou uso de pesticida.
PATOGENIA
O LES é caracterizado por vários defeitos no sistema imune por perda da autotolerância que resultam em um
processo que começa na quebra da homeostasia celular e culmina com a produção anormal de autoanticorpos,
cujo aparecimento pode preceder em anos os primeiros sintomas da doença.
Entre os distúrbios da regulação imune, destacam-se: aumento da expressão de IFN tipo I, especialmente
durante os períodos de atividade inflamatória; redução do número e função das células T citotóxicas e
supressorasem paralelo ao aumento do número e atividade dos linfócitos T CD4+ (helper) e ativação policlonal
de células B autorreativas; múltiplas anormalidades na sinalização linfocitária, incluindo hiper-reatividade,
decorrente dos defeitos determinados genética ou epigeneticamente; defeitos da tolerância dos linfócitos B,
relacionados aos defeitos na apoptose e deficiência de complemento; aumento da expressão de BLyS/BAFF,
gerando redução da apoptose das células produtoras de autoanticorpos e aumento da ativação dos toll-like
receptors (TLR) e dos níveis de IFN tipo I; defeitos na sinalização entre as células T e B, com consequente
redução da expressão de IL-2 e do número de células T regulatórias; redução da depuração dos imunocomplexos
circulantes e do material apoptótico pelos macrófagos; aumento do microquimerismo fetal e dos níveis de
micropartículas contendo material nucleico e que podem funcionar como estímulos para a autoimunidade;
aumento da sinalização dos TLR7 e TLR9 nas células B, dendríticas e plasmáticas; e aumento do processo
conhecido como NETose, que é uma forma de apoptose específica dos neutrófilos e que libera uma espécie de
“rede” composta por DNA ligado a proteínas e que é capaz de estimular a produção de IFN tipo I e anti-dsDNA,
através da ação do TLR9.
QUADRO CLÍNICO
Manifestações gerais
Sintomas gerais como anorexia e perda de peso podem ser observados como quadro inicial da doença e preceder
o aparecimento de outras manifestações em meses. O lúpus é causa de febre de origem indeterminada em menos
de 5% dos pacientes, mas a febre pode ser um primeiro sinal da doença, e em torno de 42% dos pacientes podem
ter febre como manifestação do lúpus ativo, principalmente observada em crianças e adolescentes.
Linfadenopatia generalizada ou localizada, com predomínio das cadeias cervical e axilar pode ser observada em
mais de um terço dos casos, assim como a presença de hepato e/ou esplenomegalia.
Manifestações cutâneas
As manifestações cutâneas são extremamente importantes para o diagnóstico. Ocorrem em 70% dos pacientes no
início da doença e em até 80-90% na sua evolução. As principais lesões compreendem o lúpus cutâneo agudo,
subagudo e discoide, além de um amplo espectro de manifestações cutâneas, e foram incorporadas nos critérios
de classificação da doença de 2012 (Systemic Lupus International Collaborating Clinics Classification Criteria
for Systemic Lupus Erythematosus – SLICC Classification Criteria 2012). Em 2019 foi desenvolvida uma nova
proposta de critérios classificatórios do European League Against Rheumatism (EULAR) juntamente com o
American College of Rheumatology (ACR), no sentido de unificar a definição de doença, que recebeu o nome de
2019 EULAR/ACR Classification Criteria para LES (Figura 1).
A principal lesão cutânea aguda é o eritema malar ou eritema em “asa de borboleta”, identificado em 30% a
60% dos casos, sendo altamente fotossensível. Caracteristicamente, após o controle da atividade inflamatória,
essas lesões podem evoluir com hiperpigmentação, confundindo-se com o cloasma gravídico. A sua forma
generalizada é conhecida como eritema maculopapular ou dermatite lúpica fotossensível e se apresenta como
erupção exantematosa ou morbiliforme generalizada. O lúpus bolhoso e a necrose epidérmica tóxica são também
outras formas de lesões agudas da doença, juntamente com a fotossensibilidade.
Por outro lado, o lúpus cutâneo subagudo manifesta-se como placas eritematosas descamativas em áreas
expostas e com intensa fotossensibilidade (7%-27%), habitualmente associada ao anticorpo anti-Ro/SS-A. A
lesão discoide no seu início é caracterizada por placa eritematosa que evolui deixando uma cicatriz central
hipopigmentada com atrofia, preferencialmente identificada na face, no couro cabeludo, pavilhão auricular e
pescoço (15%-30%).
As úlceras orais são indolores e observadas no exame físico em até 25% dos casos. A alopecia difusa pode
ser identificada em até 50% dos casos e se relaciona com maior atividade da doença. Entre 20% e 70% dos
pacientes apresentam vasculite cutânea que pode se manifestar como lesões puntiformes palmoplantares,
purpúricas (principalmente em membros inferiores), urticariformes, úlceras e necrose digital. O fenômeno de
Raynaud pode ser a primeira manifestação da doença e está relacionado com a presença dos anticorpos anti-RNP.
Manifestações articulares
A presença de artralgia e/ou artrite possibilita forte suspeita diagnóstica, podendo ser identificada no início da
doença em 75% a 85% dos casos e na maioria dos pacientes durante a evolução. Embora não possua um padrão
específico de acometimento, na maioria das vezes observa-se uma poliartrite simétrica aditiva, por vezes com
rigidez matinal, semelhante à da artrite reumatoide. Outro achado importante na doença é a artropatia de
Jaccoud, identificada em 8% a 10%, que é caracterizada pela presença de um desvio ulnar dos dedos e
deformidades redutíveis do tipo “pescoço de cisne” decorrentes do acometimento inflamatório de tendões e
ligamentos.
Manifestações cardíacas e pulmonares
Dentre as manifestações pulmonares, a pleurite é a mais frequente e ocorre em 30% a 60% dos pacientes, sendo
que derrame pleural é observado em 16% a 40% durante o curso da doença. A síndrome do pulmão encolhido
pode levar à instalação aguda/subaguda de dispneia, com redução dos volumes pulmonares diante da elevação de
diafragma, determinando uma restrição da função pulmonar. A hemorragia alveolar difusa é outra condição que
determina dispneia de início súbito, associada a tosse, hemoptises (presentes em apenas 50%), febre e infiltrados
pulmonares difusos, e associada à marcada redução dos níveis de hemoglobina. A hipertensão pulmonar pode
ocorrer em decorrência da própria doença ou secundária à valvulopatia cardíaca, doença intersticial pulmonar ou
embolia pulmonar (geralmente devido à associação com a SAF). Os quadros de pneumonite aguda e crônica na
doença são menos frequentes.
A pericardite pode ser a primeira manifestação do LES em 5% dos pacientes, podendo aparecer isoladamente
ou associada a serosite generalizada, particularmente a pleurite. Os quadros variam desde assintomáticos até
tamponamento, podendo ser detectados por atrito pericárdico, alterações ecocardiográficas ou na tomografia de
tórax (6%-45%). A miocardite sintomática é suspeitada na presença de taquicardia persistente e sinais clínicos de
insuficiência cardíaca aguda, geralmente com alterações na ressonância magnética cardíaca e das enzimas
musculares. A endocardite de Libman-Sacks é caracterizada pela presença de vegetações verrucosas localizadas
próximas das bordas valvares, e habitualmente não produzem repercussão clínica, sendo observadas em até 50%
das autópsias.
FIGURA 1 Critérios de classificação do lúpus eritematoso sistêmico (LES) segundo o EULAR/ACR de 2019.
Adaptada de: Aringer et al. 2019; Aringer et al. 2019.
Manifestações neuropsiquiátricas
O ACR propôs uma nomenclatura padronizada para a classificação de 19 manifestações neuropsiquiátricas
encontradas em pacientes com LES, descritas na Tabela 1. Essas condições são subdivididas em sistema nervoso
central e periférico, e podem ser atribuídas ao LES desde que afastadas outras causas, principalmente infecções e
distúrbios metabólicos. São observadas em 25%-70% dos pacientes, podendo ser a primeira manifestação da
doença e ocorrer mesmo na ausência de outras manifestações.
Os distúrbios de comportamento podem ser observados em aproximadamente metade dos pacientes e a
psicose decorrente do LES ocorre em até 10% dos casos. A maioria dos quadros convulsivos é do tipo grande
mal, com convulsões tônico-clônicas generalizadas. Acidente vascular cerebral e mielite transversa exigem
diagnóstico diferencial com a SAF.
Manifestações renais
Até 74% dos pacientes com LES apresentarão alguma manifestação clínica e/ou laboratorial devido ao
acometimento renal durante o curso da doença, podendo se manifestar como síndrome nefrítica ou nefrótica. A
biópsia renal permite estabelecer com precisãoa extensão e gravidade através da determinação do padrão
histopatológico.
A maioria dos autores utiliza a classificação histológica proposta pela International Society of Nephrology e
pela Renal Pathology Society (Tabela 2). As classes I e II abrangem as glomerulonefrites (GN) cujo depósito de
imunocomplexos atinge apenas o mesângio, sem ou com hipercelularidade mesangial, respectivamente. A GN
focal (classe III) compromete menos de 50% do total de glomérulos, enquanto a classe IV (GN difusa) envolve
50% ou mais dos glomérulos. Além disso, a classe IV é ainda subdividida em acometimento segmentar ou
global. A classe V compreende a GN membranosa, e a classe VI, a esclerose glomerular. As classes de GN
devem ser identificadas quanto ao predomínio de lesões ativas e/ou crônicas. O diagnóstico histopatológico deve
sempre descrever os acometimentos túbulo-intersticial e vascular. Na impossibilidade de realização da biópsia
renal, podemos tentar inferir a provável classe histológica utilizando variáveis clínicas e laboratoriais.
TABELA 1 Síndromes neuropsiquiátricas do lúpus eritematoso sistêmico segundo o Comitê de Nomenclatura do
Colégio Americano de Reumatologia
Sistema nervoso central
Crises convulsivas
Meningite asséptica
Cefaleia (incluindo enxaqueca e hipertensão intracraniana benigna)
Doença cerebrovascular
Síndrome desmielinizante
Mielopatia
Desordem do movimento (coreia)
Mielopatia
Estado confusional agudo
Desordens de ansiedade
Disfunção cognitiva
Alterações do humor
Psicose
Sistema nervoso periférico
Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda (síndrome de Guillain-Barré)
Desordens autonômicas
Mononeuropatia
Miastenia gravis
Neuropatia craniana
TABELA 1 Síndromes neuropsiquiátricas do lúpus eritematoso sistêmico segundo o Comitê de Nomenclatura do
Colégio Americano de Reumatologia
Sistema nervoso central
Plexopatia
Polineuropatia
Adaptada de ACR ad hoc Committee on neuropsychiatric lupus nomenclature, 1999.
O sedimento urinário ativo, definido pela presença de hematúria (especialmente se com dismorfismo de
padrão glomerular), leucocitúria e cilindros celulares, é um dos parâmetros mais importantes para caracterização
de GN em atividade. A proteinúria, medida em 24 horas ou estimada pela relação proteinúria/creatininúria (R
P/C) em amostra isolada de urina, também pode indicar o comprometimento renal. A redução da filtração
glomerular, a proteinúria nefrótica e a presença de hipertensão arterial sistêmica sugerem maior gravidade e pior
prognóstico.
TABELA 2 Classificação da glomerulonefrite do lúpus eritematoso sistêmico segundo a International Society of
Nephrology/Renal Pathology Society, 2003
Classe I Nefrite lúpica mesangial mínima
Glomérulos normais à microscopia óptica
Depósitos imunes mesangiais à imunofluorescência
Classe II Nefrite lúpica mesangial proliferativa
Hipercelularidade puramente mesangial em qualquer grau ou expansão da matriz mesangial à
microscopia óptica, com depósitos imunes mesangiais. Pode haver alguns depósitos
subepiteliais ou subendoteliais isolados, visíveis à imunofluorescência ou à microscopia
eletrônica, porém não à microscopia óptica
Classe III Nefrite lúpica focal
Glomerulonefrite endocapilar ou extracapilar; focal, segmentar ou global; ativa ou inativa,
envolvendo 90% dos glomérulos globalmente esclerosados, sem atividade residual
Adaptada de Weening, 2004.
Assim como outras manifestações da doença, a GN apresenta, por vezes, períodos de atividade com rápida
instalação e evolução, o que determina o início imediato da fase de indução, com uma imunossupressão mais
intensa. Na prática clínica, nem sempre é possível realizar uma biópsia renal, o que não justifica postergar o
início do tratamento, que deve ser instituído o mais rapidamente possível. A proteinúria isolada em 12 meses é
um preditor de desfecho renal de longo prazo e deve ser utilizada como um dos alvos da terapêutica da nefrite
lúpica.
Manifestações hematológicas
Algumas das alterações hematológicas observadas são itens dos critérios classificatórios da 2019 EULAR/ACR
Classification Criteria para lúpus eritematoso sistêmico (Figura 1). Leucopenia e linfopenia são encontradas com
alta frequência no LES e são identificadas em mais de 55% durante a evolução da doença. A plaquetopenia pode
ser a primeira manifestação de doença e pode preceder em anos outras manifestações clínicas do LES.
Clinicamente observam-se petéquias ou equimoses, principalmente de membros inferiores. Fenômenos
hemorrágicos, ainda que possíveis, são incomuns, mesmo diante de valores bastante diminuídos de plaquetas. A
anemia hemolítica com teste de Coombs direto positivo também pode ocorrer de forma isolada no início da
doença, contudo, o achado mais frequente é a anemia de doença crônica.
EXAMES LABORATORIAIS
Os exames laboratoriais são fundamentais para o diagnóstico e monitorização dos pacientes com LES (Tabela 3).
Esses exames podem identificar o acometimento de órgãos/sistemas, como as alterações hematológicas e o
comprometimento renal, alterações inflamatórias e as alterações imunológicas características da doença.
As anormalidades imunológicas incluem a produção de vários autoanticorpos circulantes, bem como a
redução do complemento total e frações. A maioria dos pacientes (> 98%) tem o teste de FAN (fator antinuclear)
ou autoanticorpos anticélulas HEp-2 (FAN) positivo em altos títulos, principalmente durante os episódios de
exacerbação da doença. Assim, o FAN é de grande importância no apoio diagnóstico, pois, ainda que não seja
específico do LES (ocorrendo também em outras doenças autoimunes, infecciosas e neoplásicas e até em
indivíduos saudáveis), tem alto valor preditivo negativo para essa doença. A identificação de vários anticorpos
específicos associados ao FAN é também de fundamental importância para o diagnóstico da doença [anti-dsDNA
(40%-70%), anti-Sm (20%-40%) e anti-P (10%-40%)], para a monitorização da atividade da doença [anti-
dsDNA (geral e renal), anti-P (geral e psicose)] e na tentativa de caracterização fenotípica do paciente [anti-
dsDNA (renal), anti-P (psicose), anti-Ro/SS-A e anti-La/SS-B (síndrome de Sjögren secundária, síndrome do
lúpus neonatal, lúpus cutâneo subagudo, fotossensibilidade, leuco/linfo e plaquetopenia) e anticorpos
antifosfolipídes (SAF associada ao LES)]. Mais recentemente, foram descritos os anticorpos antinucleossomo
(aNu), que são dirigidos a um complexo constituídopor DNA e histonas e que apresentam sensibilidade (59,9%
vs. 52,4%) e especificidade (94,9% vs. 94,2%) comparáveis ao anti-dsDNA, respectivamente, apresentando bom
desempenho para o diagnóstico do LES, principalmente do LES juvenil. Além disso, esses anticorpos estão
associados à atividade geral do LES e com a nefrite lúpica. O anticorpo anti-C1q não é específico do LES, mas
auxilia na avaliação da atividade e do prognóstico renal. Por sua vez, o anticorpo antirreceptor N-metil-D-
aspartato (anti-NMDA), dirigido ao receptor do glutamato, não é específico do LES, mas quando detectado no
liquor, pode ser útil para o diagnóstico do lúpus neuropsiquiátrico. O consumo de complemento (C3, C4 e
complemento hemolítico total) é uma característica da doença que auxilia no diagnóstico e acompanhamento do
paciente (Tabela 3).
Com relação aos exames utilizados para a detecção e monitorização dos acometimentos orgânicos, na Tabela
3 destacam-se: hemograma (anemia, leucopenia, linfopenia, trombocitopenia por atividade de doença e efeitos
adversos de drogas), provas de hemólise, função renal, eletrólitos, gasometria venosa, exame do sedimento
urinário (proteinúria, hematúria, leucocitúria, cilindrúria), biópsia renal (classe histológica da nefrite), enzimas
musculares (miosite), enzimas hepáticas (hepatite, toxicidade às drogas), ressonância magnética e liquor
(atividade sistema nervoso central e infecção) e eletroneuromiografia (neuropatia periférica), entre outros. Os
exames devem ser realizados de acordo com a suspeita dos envolvimentos orgânicos, porém as manifestações
hematológicas e renais devem ser ativamente pesquisadas e monitorizadas independentemente da presença de
sintomas, devido à sua alta frequência e morbidade. Os reagentes de fase aguda são inespecíficos e incluem a
velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C-reativa (PCR). No LES, os níveis de PCR não são
comumente muito elevados, exceto quando da ocorrência de infecção associada.
TABELA 3 Exames laboratoriais no lúpus eritematoso sistêmico (LES) que identificam anormalidades imunológicas,
acometimento de órgãos/sistemas e alterações inflamatórias
Anormalidades imunológicas
Auxilia diagnóstico Útil acompanhamento Observação
FAN Sim Não Foi incluído como item
obrigatório nos novos
critérios de classificação de
lúpus EULAR/ACR 2019
Anti-dsDNA Sim (40%) Sim Associação com atividade
renal
Anti-Sm Sim (35%) Não Específico para o
diagnóstico
Anti-P Sim (15%) Sim (psiquiátrico) Associação com psicose
lúpica
Anti-Ro/SSA e anti-La/SSB Não Não Associação com síndrome
de Sjögren secundária,
lúpus neonatal e citopenias
Antifosfolípides Sim Não SAF associada ao LES
Antinucleossomo Sim Sim Associação com nefrite
lúpica
Complemento Sim Sim –
Acometimento de órgãos/sistemas
Auxilia diagnóstico Útil acompanhamento Observação
Hemograma Sim Sim Investigação independente
de manifestação clínica
aparente
Exame do sedimento
urinário
Sim Sim Investigação independente
de manifestação clínica
aparente
Biópsia renal Sim Sim No contexto de envolvimento
renal
Enzimas hepáticas Sim Sim Investigação no contexto
clínico
Enzimas musculares Sim Sim Investigação no contexto
clínico
Tomografia
computadorizada
Sim ? Investigação no contexto
clínico
Ressonância nuclear
magnética
Sim ? Investigação no contexto
clínico
Eletroneuromiografia Sim ? Investigação no contexto
clínico
Alterações inflamatórias inespecíficas
Auxilia diagnóstico Útil acompanhamento Observação
VHS Não ? Grau de inflamação,
infecção
TABELA 3 Exames laboratoriais no lúpus eritematoso sistêmico (LES) que identificam anormalidades imunológicas,
acometimento de órgãos/sistemas e alterações inflamatórias
Anormalidades imunológicas
Auxilia diagnóstico Útil acompanhamento Observação
PCR Não Sim Auxilia na diferenciação de
infecção e resposta ao
antibiótico
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial é amplo e depende das manifestações clínicas apresentadas, principalmente no início
da doença, o que determina considerar:
Infecções: virais como citomegalovírus, Epstein-Barr, parvovírus B19, HIV, hepatite B e hepatite C, além
de bacterianas como endocardite, tuberculose, sífilis e hanseníase.
Doenças autoimunes: artrite reumatoide – particularmente na fase inicial dos quadros articulares (verificar
positividade de anti-CCP, fator reumatoide, radiografia de mãos); doença mista do tecido conectivo – por
possuir manifestações que se sobrepõem ao LES (considerar títulos elevados de anti-RNP); síndrome de
Sjögren – quando manifestações extraglandulares podem ser observadas no LES (verificar presença de
xeroftalmia e xerostomia, além de positividade de anti-Ro/SSA e anti-La/SSB); vasculites sistêmicas
primárias, doença de Behçet, doenças inflamatórias intestinais, dermatomiosite/polimiosite.
Outras doenças hematológicas: doenças linfoproliferativas, púrpura trombocitopênica imunológica, púrpura
trombocitopênica trombótica, doença de Kikuchi e esclerose múltipla, entre outras.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de LES baseia-se na combinação de manifestações clínicas e alterações laboratoriais. Para fins de
pesquisa, critérios de classificação para LES foram desenvolvidos, para a identificação de grupos relativamente
homogêneos de pacientes. Na prática clínica, os critérios são frequentemente utilizados para diagnóstico, devido
à alta sensibilidade e especificidade. Até 2019, os critérios de classificação da doença propostos em 2012 (SLICC
Classification Criteria 2012) eram utilizados. Em 2019, foi estabelecido o 2019 EULAR/ACR Classification
Criteria para LES (Figura 1). Sua sensibilidade é de 96,1% e especificidade de 93,4% (Figura 1), sendo que
exige a positividade de FAN como critério de entrada. Na avaliação subsequente de sete domínios clínicos e três
domínios imunológicos específicos, os critérios são categorizados com escores individualizados, e uma
pontuação maior ou igual a 10 classifica o indivíduo como LES (Figura 1).
A atividade de doença é avaliada através da combinação da história clínica, exame físico, testes funcionais
específicos e estudos sorológicos. O uso de métricas é importante para o seguimento dos pacientes, tanto na
prática quanto nos estudos clínicos. Existem vários índices de atividade de doença: SLEDAI (Systemic Lupus
Erythematosus Disease Activity Index) e suas versões (SELENA-SLEDAI e SLEDAI-2K), SLAM (Systemic
Lupus Activity Measure), BILAG (British Isles Lupus Assessment Group), ECLAM (European Consensus Lupus
Activity Measurement). Todos foram elaborados para uma monitorização mais acurada da atividade inflamatória.
O SLEDAI é um índice global que mede a atividade da doença nos últimos 10 dias através de 24 medidas
objetivas de manifestações clínicas e laboratoriais, sendo considerado um índice reprodutível e de fácil utilização
na prática clínica. O período de avaliação de 30 dias é utilizado na SLEDAI-2K.
Para avaliação de danos, foi desenvolvido o Systemic Lupus International Colaborating Clinics/American
College of Rheumatology – Damage Index (SLICC-ACR-DI), com a recomendação de uma avaliação anual. É
um escore útil para medir o grau de sequela verificando os danos cumulativos decorrentes do LES e/ou de sua
terapêutica, além de comorbidades. Esse índice avalia 41 itens em 12 sistemas, e para distinguir danos da
atividade reversível da doença, um item deve estar presente por pelo menos seis meses para ser pontuado, com
exceção de eventos agudos como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico. O instrumento tem
valor prognóstico, com numerosos estudos mostrando que o dano prediz morbidade e mortalidade. Maior dano
permanente também está associado ao aumento dos custos econômicos, além de redução da qualidade de vida
relacionada à saúde.
TRATAMENTO
Devido à grande variabilidade fenotípica e das manifestações clínicas, o tratamento de pessoas com LES requer
inicialmente a definição da extensão e gravidade da doença. É recomendado que a doença seja tratada por
médicos reumatologistas. No entanto, o papel do clínico geral em reconhecerprecocemente os primeiros sinais
de adoecimento não deve ser minimizado, à medida que o atendimento médico inicial é feito na maioria das
vezes por generalistas. Em áreas onde não há um número suficiente de reumatologistas, o generalista pode ter
papel de grande relevância não só como condutor da investigação inicial, mas também como membro da equipe
médica responsável pelo tratamento do paciente com LES. É fundamental reforçar que principalmente nas
formas moderadas e graves da doença, é necessária a participação de uma equipe multidisciplinar incluindo
médicos de diversas especialidades, psicólogos, fisioterapeutas e farmacêuticos, além de uma estrutura de apoio
hospitalar e de investigação complementar.
Além de reconhecer que a doença está em atividade, o profissional deve identificar os fatores associados à
reativação, como exposição à luz ultravioleta, infecções superpostas e/ou distúrbios emocionais que deverão ser
evitados e controlados. Um importante fator que deve ser avaliado a cada consulta é a não adesão ao tratamento,
e talvez esta seja uma das mais importantes causas do não controle da doença. A falta de adesão adequada ao
tratamento pode estar associada a diversos fatores e inclui não apenas a falta de acesso ao medicamento, mas
também a presença de efeitos adversos, falta de compreensão sobre o esquema prescrito, interações
medicamentosas e/ou fatores sociais como o número de crianças em casa. Por isso, é fundamental a educação do
paciente e de seus familiares sobre a evolução natural da doença e potencial gravidade do acometimento de
diferentes órgãos, além de possíveis comorbidades e danos associados ao LES e/ou seu tratamento. Deve-se
enfatizar o papel fundamental do paciente como ator central e responsável pela condução do próprio tratamento.
Medidas terapêuticas não medicamentosas devem ser enfatizadas para a melhora dos distúrbios imunológicos
da doença, redução de comorbidades e mortalidade. A dieta deve ser equilibrada e saudável e ajustada
individualmente. Recomenda-se atividade física regular devido aos seus benefícios sobre a imunidade inata e
adaptativa, diminuição do risco cardiovascular e proteção da massa óssea, além da melhora da qualidade de vida
(redução da fadiga, aumento da vitalidade e melhora do sono).
O tratamento medicamentoso requer a definição da etiologia dos sinais e/ou sintomas, à medida que febre,
derrame pleural, lesões vasculares periféricas e/ou adenomegalia, por exemplo, podem decorrer de complicações
associadas, como infecções. Para a programação terapêutica específica e estabelecimento de prognóstico, a
doença pode ser classificada em leve, moderada e grave, cuja divisão, ainda que imprecisa, permite uma
ordenação prática no emprego dos diversos medicamentos a serem utilizados. A forma “leve” incluiria sintomas
constitucionais, articulares, lesões mucocutâneas e pleurite sem acometimentos sistêmicos que determinem risco
à vida. O LES moderado englobaria casos de gravidade “intermediária” como miosite, pericardite e
trombocitopenia, enquanto a doença grave incluiria situações de risco à vida ou que determinem lesões
permanentes de órgãos, como as manifestações neurológicas, psiquiátricas, anemia hemolítica, nefrite
proliferativa, miocardite, pneumonite, vasculite necrosante e pancreatite, dentre outras.
Estabelecer objetivos a serem alcançados à semelhança do que já está bem definido para doenças como
diabetes, HAS e artrite reumatoide, seria o ideal para o manejo dos pacientes com LES. Existe atualmente um
esforço de diversos grupos em definir remissão e doença com baixa atividade. A maioria dos grupos pontua que
não é aceitável que a remissão clínica ocorra com o uso de doses elevadas de glicocorticoides e/ou
imunossupressores, dada a elevada morbidade secundária ao seu uso. Recentemente, as recomendações DORIS
2021 (Definitions Of Remission In SLE) foram publicadas, definindo a remissão como:
SLEDAI clínico = 0.
Avaliação Global do Médicoo micofenolato, o inibidor de calcineurina, com terapia multialvo ou rituximabe para os casos refratários (Figura
3). Os inibidores da enzima conversora da angiotensina e/ou bloqueadores dos receptores de angiotensina são
recomendados como antiproteinúricos para todos os pacientes (exceto contraindicação). Deve-se estimular uma
dieta com restrição de sal, mas rica em cálcio. Suplementação de vitamina D deve ser considerada para a
manutenção de níveis adequados. Estudos de pacientes com NL evidenciaram o benefício do uso do tacrolimo
em associação como MMF e esta é uma associação a ser considerada, apesar de existirem poucos estudos em
populações latino-americanas e afrodescendentes e pouco tempo de acompanhamento.
A voclosporina é outro inibidor da calcineurina, cujos resultados foram bastante positivos, permitindo que
esse agente tenha sido recentemente aprovado nos Estados Unidos e Europa, mas ainda não Brasil, para uso em
pacientes com NL.
FIGURA 2 Tratamento da nefrite lúpica classe III ou IV (associada ou não à classe V).
FIGURA 3 Tratamento da nefrite lúpica classe V.
O tratamento das manifestações neuropsiquiátricas se fundamenta nos resultados obtidos em poucos estudos
controlados que compararam ciclofosfamida aos CE isoladamente em que se confirmou que o uso intravenoso
mensal da ciclofosfamida foi superior ao uso isolado de CE. Para as manifestações psiquiátricas, após terem sido
afastadas causas infecciosas e/ou metabólicas, incluindo psicose induzida por glicocorticoides, é necessário
enfatizar que o uso de agentes antipsicóticos está indicado paralelamente aos agentes imunossupressores e CE.
Um ponto extremamente importante e atual no tratamento da doença foi a possibilidade de uso de terapia
imunobiológica, com destaque para três medicações podem ser utilizadas em diferentes contextos clínicos:
rituximabe, belimumabe e anifrolumabe.
O rituximabe, anticorpo monoclonal quimérico que desencadeia depleção de linfócitos B, é uma medicação
bastante utilizada em pacientes com doença grave e refratária. Entretanto, dois ensaios clínicos (Explorer e
Lunar) que avaliaram perfis de pacientes com doença moderada a grave com envolvimento renal e extrarrenal
não atingiram seus desfechos clínicos e laboratoriais definidos em protocolo. O desenho desses estudos talvez
não tenha permitido mostrar mais claramente os benefícios do uso dessa medicação. Porém, ficou evidenciado
um papel importante dela no tratamento de pacientes com doença grave e refratária ao manejo convencional, não
apenas nos casos com envolvimento renal, mas também musculoesquelético, hematológico, cutâneo e
neurológico. Utiliza-se geralmente em ciclos com a dose total de 1.000 mg intravenosa, tendo cada aplicação o
intervalo de duas semanas. Não há consenso sobre o melhor esquema para manutenção com esse agente, mas os
ciclos poderiam ser repetidos a cada seis meses, em geral por um período de dois anos. Após esse período
recomenda-se avaliar a sustentabilidade da resposta clínica e a necessidade de novos ciclos.
O belimumabe apresentou resultados positivos em ensaios clínicos randomizados que determinaram sua
aprovação pelas agências regulatórias. Trata-se de um anticorpo monoclonal cujo mecanismo de ação se dá pela
ligação ao BLyS/BAFF (B lymphocyte stimulator/B cell activating factor) solúvel, impedindo sua ligação ao
linfócito B, diminuindo sua maturação, diferenciação e sobrevida. Dois estudos (BLISS-52 e BLISS-76, que
excluíram pacientes com nefrite e SNC) evidenciaram que na dose de 10 mg/kg IV nas semanas 0, 2 e 4 e após a
cada 4 semanas em associação ao tratamento padrão promoviam melhor controle da atividade de doença aferida
em 52 semanas. O estudo BLISS-SC avaliou belimumabe administrado por via subcutânea na dose de 200 mg
semanal durante 52 semanas e obteve resultados semelhantes aos estudos anteriores. A eficácia do belimumabe
na nefrite lúpica foi avaliada no estudo BLISS-LN e os resultados positivos na semana 104 corroboraram sua
indicação como terapia adjuvante em pacientes com nefrite lúpica classes III ou IV associados ou não a classe V
tratados com terapia padrão (ciclofosfamida ou MMF). Análise post hoc deste estudo demostrou que a eficácia
do belimumabe foi maior naqueles pacientes com formas proliferativas de nefrite e com proteinúria basal medida
por P/C inferior a 3 g/g. O belimumabe não é recomendado em pacientes com história de depressão e risco de
suicídio, uma vez que o estudo BASE avaliou a segurança do belimumabe intravenoso em mais de 4.000
pacientes com LES e concluiu que seu uso determinava uma maior frequência de eventos psiquiátricos graves e
reações infusionais.
A recomendação do uso do belimumabe tem sido em associação à terapia-padrão para o tratamento dos
pacientes com LES que apresentam recorrência de atividade de doença (de moderada a alta, com SLEDAI ≥ 6),
particularmente nos quadros musculoesqueléticos e cutâneos. Os pacientes devem estar em uso de antimaláricos,
não terem obtido resposta com pelo menos dois imunossupressores (em doses adequadas por 3-6 meses), e por
isso se encontram em uso de baixas doses de CE. Pode também ser indicado para pacientes com nefrite lúpica
classes III ou IV (associados ou não à classe V) adjunto à terapia-padrão (ciclofosfamida ou MMF/MS),
especialmente nos casos de recidivas recorrentes e dificuldade da redução da dose de CE, situações associadas a
dano progressivo na doença. Deve ser considerada a descontinuação do tratamento com belimumabe quando não
houver melhora no controle da doença após 6 meses de tratamento.
O anifrolumabe é um anticorpo monoclonal IgG1κ totalmente humano contra a subunidade 1 do receptor de
IFN-I e demonstrou benefícios clínicos significativos em desfecho composto (BICLA – BILAG based Composite
Lupus Assessment) e específico de órgão (CLASI – Cutaneous Lupus Erythematosus Disease Area and Severity
Index), além de redução de exacerbação de atividade de doença e redução de dose de CE em 3 estudos clínicos
(MUSE – fase 2, TULIP-1 e TULIP-2 – fase 3). O perfil de pacientes estudados foi com moderada a alta
atividade de doença, desde que não houvesse nefrite e lúpus neuropsiquiátrico ativos considerados graves. Os
eventos adversos ao longo dos estudos foram geralmente de baixa frequência. A infecção por herpes-zóster foi
mais comum no grupo de pacientes que utilizaram anifrolumabe, bem como as infecções do trato respiratório. A
dose recomendada é de 300 mg a cada 4 semanas. De maneira geral, a indicação seria para aqueles pacientes
com atividade de doença moderada a alta e refratários ao tratamento padrão com antimaláricos e pelo menos 2
esquemas imunossupressores, de forma semelhante ao que foi descrito anteriormente com o belimumabe.
Entretanto, os domínios musculoesquelético e cutâneo demostraram melhor resposta terapêutica até o momento.
Importante salientar a necessidade de vacinação para reduzir risco de herpes-zóster e de outras infecções virais.
Embora existam poucos estudos no LES, em pacientes com manifestações refratárias, especialmente
plaquetopenia autoimune, anemia hemolítica autoimune ou situações em que exista atividade de doença grave
(hemorragia alveolar e sistema nervoso central, por exemplo) associada a infecções, a imunoglobulina
endovenosa (IgIV) na dose de 400 mg/kg/dia por 5 dias pode ser uma opção terapêutica. Seus mecanismos de
ação incluem supressão de linfócitos B, redução da fagocitose, inibição da ativação do complemento e da
expressão de moléculas de adesão, efeitos antiproliferativos sobre os níveis de citocinas. Na plaquetopenia
autoimune, o uso isolado da IgIV não é superior ao corticoide e deve ser reservado, além de situações em que há
concomitância de infecções e impossibilidade do uso de corticosteroides, para situações de urgência e
emergência com necessidade de resposta rápida. Eventos adversos incluem reações infusionais, anafilaxia
(especialmente em pacientes com deficiência de IgA que desenvolveram anticorpos IgE anti-IgA em altos
títulos), eritema multiforme, eczema,cefaleia, meningite asséptica, insuficiência renal aguda (mais comum nas
apresentações endovenosas que contêm sucrose, sendo geralmente reversível) e, mais raramente, fenômenos
trombóticos (fatores de risco: idade acima de 65 anos, doença cardiovascular preexistente, hipertensão arterial,
diabetes mellitus, dislipidemia, hiperparaproteinemia/hiperviscosidade, desidratação) e dissecção vascular.
O melhor entendimento da fisiopatogenia do LES tem permitido avanços na descoberta de novas potenciais
moléculas que, atuando em determinados eixos do sistema imune, podem ser úteis no melhor controle da
atividade de doença. Dentre os novos potenciais alvos, destacam-se os bloqueadores/inibidores do eixo de
ativação do IFN, BAFF/APRIL, IL-17, IL-12/23, células dentríticas plasmocitoides, plasmócitos e vias de
ativação/coestimulação de células B e T, além de novos medicamentos depletores de linfócitos B e pequenas
moléculas que interferem em eixos de sinalização intracelular, especialmente inibidores de JAK.
O tratamento de pacientes com LES ainda é de elevada complexidade mesmo para reumatologistas
experientes, embora tenha evoluído muito frente à possibilidade de novos esquemas terapêuticos. Porém,
quadros mais graves da doença ainda permanecem com um baixo percentual de remissão completa e elevada
frequência de danos permanentes.
PROGNÓSTICO
O prognóstico de pacientes com LES melhorou muito nas últimas décadas. Em países desenvolvidos, a sobrevida
de 5 anos que era de 50% na década de 50 passou para 95% a partir da década de 90 e se mantém estável até os
dias atuais. Em revisão sistemática, a sobrevida de adultos com LES em países em desenvolvimento foi
semelhante, entretanto, a sobrevida de crianças com lúpus foi menor em países em desenvolvimento do que em
países desenvolvidos. É reconhecido que diversos fatores demográficos, socioeconômicos e relacionados à
doença estão associados ao prognóstico destes pacientes. O LES de início infantojuvenil, em etnia não
caucasiana e baixo nível socioeconômico e de educação formal está relacionado a um pior prognóstico. A doença
com envolvimento cardiovascular, neurológico, renal e plaquetopenia grave, assim como maiores índices de
atividade da doença (SLEDAI) e de dano (SLICC-ACR-DI) também estão associados a pior prognóstico. Por
outro lado, antimaláricos mostraram ter efeito protetor na sobrevida de pacientes com LES, independentemente
do grupo étnico e das manifestações clínicas, o que reforça a recomendação de seu uso para todos os pacientes
com LES.
Meta-análise recente mostrou que pacientes com LES possuem risco 2,98 vezes maior de óbito quando
comparados à população controle. O risco de morte por doença cardiovascular foi 2,7 vezes maior; por infecção,
4,9 vezes maior; e por insuficiência renal, 7,9 vezes maior que o da população geral da mesma faixa etária e
sexo. Estudo no Estado de São Paulo constatou que a média de idade por ocasião do óbito foi de 35,7 anos, bem
menor do que em outros países, e as causas mais frequentes foram infecção e insuficiência renal, seguidas por
doença cardiovascular. Revisão sistemática e meta-análise dos estudos sobre óbitos em LES mostraram que
infecções foram responsáveis por 15% dos óbitos em países desenvolvidos e por 37% em países em
desenvolvimento; enquanto o LES per si, foi responsável por 12,3% e 34% dos óbitos em países desenvolvidos e
em países em desenvolvimento, respectivamente. Esses dados confirmam que a atividade do LES continua sendo
causa de óbito muito importante em países em desenvolvimento.
Em estudos baseados em certificados de óbitos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados
Unidos de 2.000 a 2.015, o LES está entre as principais causas de morte em mulheres jovens, após exclusão de
causas externas. O LES foi a 10ª causa de óbito (causa básica e não básica) em mulheres que faleceram com 15 a
24 anos de idade. Essa frequência foi maior entre as mulheres afrodescendentes, sendo a 5ª causa de óbitos entre
15 e 24 anos e a 6ª causa nos óbitos entre 25 e 34 anos de idade.
Manter atualizada a carteira vacinal é extremamente importante para reduzir o risco de infecções. Os
antimaláricos parecem aumentar as taxas de soroconversão e soroproteção das vacinas dos pacientes, mesmo
quando em uso de terapêuticas imunossupressoras.
Reduzir a morbimortalidade e melhorar a qualidade de vida de nossos pacientes são importante metas no
tratamento e dependem diretamente de um melhor controle da atividade da doença e das comorbidades, com

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