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Unidade 4 O Direito Digital no Brasil ANAÏS EULÁLIO BRASILEIRO Direito Digital Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Diretora Editorial ANDRÉA CÉSAR PEDROSA Projeto Gráfico MANUELA CÉSAR ARRUDA Autor JOANA ÁUREA CORDEIRO BARBOSA Desenvolvedor CAIO BENTO GOMES DOS SANTOS ANAÏS EULÁLIO BRASILEIRO Oi! Meu nome é Anaïs Eulálio Brasileiro. Sou formada em Direito, com especialização em Direito Penal e Processual Civil, Mestre em Direito Constitucional, na linha de Direito Internacional, e agora, Doutoranda em Direito. Sou advogada desde 2016, mas ganhei mais experiência no ano de 2019 ao trabalhar em um escritório com causas diversas. Posso dizer com certeza que sou apaixonada pela área do direito, principalmente a parte de estudar e pesquisar sobre os mais variados assuntos, transmitindo minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo!. O AUTOR Olá. Meu nome é Manuela César de Arruda. Sou a responsável pelo projeto gráfico de seu material. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: ICONOGRÁFICOS INTRODUÇÃO: para o início do desen- volvimento de uma nova competência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamento do seu conhecimento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido sobre; ACESSE: se for preciso acessar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma ativi- dade de autoapren- dizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Lei dos crimes informáticos 10 Análise técnica da lei dos crimes informáticos 10 Identificação e aplicação da lei 15 O Marco Civil da Internet 17 Compreendendo o marco civil da Internet 17 Modificações trazidas pelo marco civil 22 Código de Processo Civil de 2015 25 O ciberespaço nos códigos de processo civil e penal antigos 25 O ciberespaço no código de processo civil de 2015 31 Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD 33 Análise técnica da LGPD 33 Implicações da lei em casos práticos 37 Direito Digital 7 UNIDADE 04 O DIREITO DIGITAL NO BRASIL Direito Digital8 Vimos, ao longo das unidades, como o direito digital abrange um enorme universo, com características próprias e pensamentos específicos. Vimos como ele é tratado pelo direito internacional e as questões divergentes entre os sujeitos do direito internacional quanto à governança do ciberespaço. Entretanto, como o Brasil lida especificamente com o direito digital? Há uma norma específica sobre o assunto? Precisamos de lei? Como fica a persecução penal de crimes cibernéticos que acontecem por aqui? Precisamos conhecer o que temos de teoria quanto ao assunto do ciberespaço e como acontecem casos que envolvem o mundo cibernético e virtual. Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar nessa nova perspectiva junto comigo! Preparado? INTRODUÇÃO Direito Digital 9 Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 04 – O direito digital no Brasil. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes compe- tências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Estudar a lei dos crimes informáticos do Brasil e suas tipificações; 2. Analisar o marco civil na Internet e todas suas modificações; 3. Compreender como o Código de Processo Civil de 2015 lida com o ciberespaço; 4. Verificar a Lei Geral de Proteção de Dados e suas particularidades. E então? Pronto para adentrar nesse novo conhecimento? Vamos lá! OBJETIVOS Direito Digital10 Lei dos crimes informáticos INTRODUÇÃO: Ao término deste capítulo você será capaz de entender, a partir de um estudo sobre a lei de crimes informáticos do Brasil, como os crimes cibernéticos são compreendidos no Brasil e como se dá a sua identificação e aplicação. Isso será fundamental para a compreensão em uma ampla perspectiva do mundo digital. E então? Motivado para desenvolver esse aprendizado? Então vamos lá. Avante! Análise técnica da lei dos crimes informáticos Você deve se lembrar que uma das coisas que abordamos ao falar de crimes cibernéticos é a resposta dos governos de países soberanos. Entre elas, o que comumente se vê, além do desenvolvimento de tecnologias de vigilância, é a criação de leis nacionais que focam em situações típicas do ciberespaço. Apesar de normalmente a doutrina aceitar que normas gerais sejam aplicadas de forma análogas às situações do cibercrime, no âmbito criminal temos o pequeno detalhe da analogia não ser admitida caso ela não seja benéfica para o autor do crime – é o que chamamos de analogia in malam partem. Não admitimos a analogia in malam partem porque iria ferir o nosso princípio da legalidade, a partir do pressuposto que, no Brasil, só temos de fato crimes com leis que antes o definam. É o simples raciocínio de que para praticar conduta criminosa, os indivíduos precisam ter em mente que essa conduta é um crime. Admitir a analogia in malam partem seria prejudicar o réu de forma direta, que é um conceito o qual não somos favoráveis enquanto país soberano. SAIBA MAIS: Você pode verificar mais detalhes sobre o assunto da analogia no direito penal no site disponível em: <https://bit. ly/2Xbuu5B>, do professor Douglas Silva. Direito Digital 11 Sabendo disso, bastou um caso polêmico envolvendo uma pessoa famosa para que o Brasil finalmente tivesse sua própria lei de crimes informáticos em 2012: O caso envolvendo a atriz Carolina Dieckmann, investigado pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Internet (DRCI). O que foi divulgado pela mídia sobre o caso, foi que a atriz recebeu um e-mail com um link malicioso, que ao clicar, deu acesso aos hackers ao seu computador. Dentro do seu computador, a atriz mantinha algumas fotos íntimas, em situações igualmente íntimas, as quais os hackers tiveram acesso. Ao descobrir a identidade da vítima e imaginar que a atriz possui uma grande fortuna, os cibercriminosos tiverem a ideia de tentar extorqui-la, ameaçando-a de que divulgariam todas as suas fotos caso ela não pagasse a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais). Até então, o Brasil não tinha nenhuma lei específica de invasão e roubo de dados, muito menos de extorsão cibernética. Com um caso desse nível, que tomou conta da mídia brasileira rapidamente, foram discutidas novas leis de caráter urgente sobre crimes no ciberespaço. Como Valle (2013) afirma, o caso de Carolina Dieckmann aconteceu em maio de 2012, e apenas seis meses depois tivemos a entrada da Lei nº 12.737 de 2012 em vigor. Como esperado, a lei ficou popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann. Mas o que temos nessa lei? O que podemos ver de novo? Ela é suficiente para o nosso país? Como fica essa aplicação? A Lei Carolina Dieckmann contém apenas quatro artigos, tratando especificamente sobre a tipificação de crimes cibernéticos, e ela teve o objetivo de acrescentar ao Código tradicional Penal de 1940 as partes específicas sobre delitos no ciberespaço. Primeiramente, o art. 2º da Lei Carolina Dieckmann acrescenta uma tipificação e sua respectiva ação penal, tipificando o delito de invadir dispositivo informático no art. 154-A do CódigoPenal brasileiro e determinando-o como ação penal pública condicionada. O que isso quer dizer? O art. 154 do Código Penal trata sobre o crime de violação do segredo profissional. A lei Carolina Dieckmann achou por bem pegar esse artigo e acrescentar um novo crime a partir dele, o art. 154-A, que trata da invasão de dispositivo informático com a finalidade de obter dados, modificá-los ou destruí-los. Direito Digital12 Vejamos agora a análise técnica desse novo tipo penal mediante as características do direito penal. Figura 01: Análise do tipo penal do art. 154-A do Código Penal. Fonte: A Autora. Primeiramente, observamos o bem jurídico a ser protegido pelo artigo: a liberdade individual e pessoal, a privacidade. Ele foi acrescido no capítulo que prevê os crimes contra a inviolabilidade de segredos, tendo Eliezer e Garcia (2014, p. 71) afirmado que as proteções maiores são as relacionadas a intimidade e a vida privada. A letra da lei demonstra que o tipo penal é comum, formal e instantâneo – ou seja, é um crime comum porque pode ser praticado por qualquer pessoa, bem como a vítima pode ser qualquer pessoa. Inclusive, a vítima pode até mesmo ser uma pessoa jurídica, uma empresa que tenha dados salvos em dispositivos informacionais. Sobre o assunto, é importante destacar que caso o invasor do dispositivo informático seja o próprio dono do dispositivo, isso não irá se configurar como crime. Você pode estar imaginando que esse fato é óbvio, mas complica a análise da situação quando temos uma situação do tipo: • Temos um computador de uma empresa, mas só uma pessoa, que chamaremos de Maria, o utiliza. Maria está desenvolvendo um meca- nismo próprio nesse computador para alguma atividade relacionada ao trabalho, e caso ela obtenha sucesso, ela pode ser promovida. Sabendo disso, alguém da administração da empresa não quer que ela seja promovida e acaba invadindo esse computador e alterando os dados, ou até deletando-os. Nesse caso, não há tecnicamente crime algum, pois o computador pertence à empresa. Direito Digital 13 É um crime formal porque o tipo penal prevê que a ação em si já consiste como crime. Quer dizer, a pessoa que pratica o crime não precisa necessariamente obter sucesso e adquirir ou alterar os dados do sistema informático: o mero ato de invadir e instalar programas já se configura como crime. Por esse motivo, é também um crime instantâneo, pois não precisamos esperar um tempo para ter a consumação desse crime. Por ser um crime que já se considera consumado quando tem a prática dos verbos “invadir” e “instalar”, ele admite a sua forma tentada. Quer dizer que se temos uma pessoa que queira invadir o dispositivo de uma terceira pessoa, mas que por um acaso não consegue e é descoberto diante das medidas de segurança (por exemplo, o dispositivo barrou o acesso e tirou uma foto de quem estava tentando invadir), essa pessoa pode ser acusada de tentativa de violação de dispositivo informacional. Por ter dois núcleos, que são os vermos contidos no artigo, considera-se que esse crime é misto e alternativo, pois prevê uma OU mais ação. Caso, por exemplo, tenhamos uma pessoa que invade um sistema de uma terceira pessoa E instala um programa espião, para obter dados da mesma vítima, na mesma circunstância, a pessoa terá apenas praticado um crime, ainda que tenha realizado as duas ações previstas. Além disso, é um crime de forma vinculada ou livre, pois não tem meios específicos para ser praticado. Entretanto, o artigo é claro ao dizer que a ação tem que ser através de violação de mecanismos de segurança, o que vincula o delito de certa forma a um tipo específico. Isso quer dizer que, caso você esteja em seu próprio computador e por descuido esquece de renovar o antivírus, ou o seu sistema não ter medidas de segurança própria, ou mesmo ausência de senhas, e a pessoa que invade não precisar violar nada do tipo... Então, não teremos um crime. É o caso, a título ilustrativo, de uma pessoa que não tem senha no computador. Alguém encontrar esse aparelho móvel e resolve ver o que tem dentro, encontrando diversas fotos comprometedoras. Sabendo que o aparelho não é seu, a pessoa divulga essas fotos. Isso não estaria previsto no artigo como conduta típica, pois não houve qualquer forma de violação de medidas de segurança – ou seja, não estaríamos diante de qualquer crime. Direito Digital14 Esse tipo de violação tem por elemento subjetivo o dolo, o que significa que a pessoa que invade ou instala o sistema, sabe o que está fazendo e quer que os efeitos dessas ações realmente aconteçam. Não admite, entretanto, a forma culposa, quando quem acaba invadindo não possui essa intenção de destruir, alterar, ou copiar os dados provenientes da invasão. Acerca dos elementos normativos, temos as expressões “alheio” e “sem autorização”, que dão ênfase a dois aspectos desse delito: como vimos anteriormente, o dispositivo tem que ser de outra pessoa, e essa pessoa não pode ter lhe dado permissão. É o caso, por exemplo, de uma pessoa que está consertando o seu computador e você deixou com ele as senhas e a autorização para acessar tudo. Essa situação não se configura como crime. Seguindo com a leitura do art. 154-A, em seus parágrafos, adqui- rimos ainda mais informações sobre o tipo penal. Observe: Figura 02: Análise dos parágrafos do art. 154-A do Código Penal. Fonte: A Autora. A equiparação do tipo penal previsto no caput é a de ações em que pessoas realizam a produção, o oferecimento, a distribuição, a venda ou a difusão do dispositivo informático ou do programa que é instalado no computador da futura vítima. Esse parágrafo está diretamente interligado ao caput do artigo, pois aqui, temos pessoas que possuem o mesmo objetivo, seja ele de adquirir, destruir ou modificar os dados do dispositivo – ou seja, o dolo é sempre presente. Direito Digital 15 No parágrafo segundo temos o que denominamos de majorante – ou seja, um aumento da previsão básica da pena de um sexto a um terço nos casos em que se obtenha um prejuízo econômico para a vítima. No caso da própria atriz Carolina Dieckmann, por exemplo, se ela tivesse tido que pagar a quantia que os hackers solicitaram, ela teria tido um grande prejuízo econômico e a pena dos cibercriminosos poderia recair nessa hipótese. Já a qualificação do crime, ou seja, quando o próprio artigo dá uma nova pena a uma nova hipótese, presente no parágrafo terceiro refere-se ao conteúdo final da conduta criminosa: ou seja, a natureza dos dados que foram acessados. Se eles se encaixarem em qualquer dessas possibilidades do parágrafo, os cibercriminosos terão uma pena maior. Os parágrafos quarto e quinto também se referem às majorantes que podem atribuir uma pena maior caso a situação prevista neles se configure. O último parágrafo, entretanto, se refere apenas aos sujeitos passivos específicos do país, que possuem um certo tipo de proteção diferenciada por serem comumente alvos muito relevantes de condutas criminosas, como o Presidente da República. O art. 154-B se refere à conduta típica e ilícita trazida no artigo anterior, deixando claro que a ação penal se dá apenas mediante representação. O que isso quer dizer? Significa que nos casos que não afete os poderes da Federação do Brasil (ou seja, em casos normais), a vítima precisa dizer de forma expressa que quer seguir com a persecução criminal. Além desses dois novos artigos, a Lei Carolina Dieckmann acrescenta em seu artigo terceiro a previsão do ciberespaço nos casos dos artigos 266 e 298 do Código Penal, apresentando novas expressões como “interrupção ou perturbação de serviço informático” e “falsificação de cartão”. Identificação e aplicação da lei Ainda que tenhamos visto a necessidade de termos alguma lei no Brasil que previsse de forma legal os crimes cibernéticos, como já começamos a ver no tópico anterior, a redaçãoapressada da lei Carolina Dieckmann pode apresentar algumas lacunas que propiciam em maior dificuldade na hora de sua aplicação. Além da questão de o dono do computador não poder ser o sujeito ativo do crime e além também do termo “violação de mecanismos de Direito Digital16 segurança”, temos outras questões que merecem ser destacadas, a começar do próprio título do crime: invasão de dispositivos informáticos. De acordo com Vieira (2013), “dispositivo informático” se refere apenas aos dispositivos ligados à informática, não incluindo, por exemplo, celulares ou tablets, ou até televisões. Segundo o autor, o ideal teria sido se o legislador tivesse se utilizado da expressão “dispositivo eletrônico”, pois abarcaria todas suas modalidades. Vieira (2013) também aborda outra importante questão acerca da utilização do termo “violação de mecanismos de segurança”: e quanto às pessoas que não têm condições suficientes de comprar uma licença original de antivírus? A lei claramente não protege esses indivíduos que, como sabemos, existem no nosso país, revelando que ela pode ser também injusta, já que nesses casos não temos a configuração de crimes. Mas... e como funciona a aplicação dessa lei na prática? Ela é funcional e possível? Analise o caso e a consequente decisão. Três mulheres invadiram o dispositivo de uma menor de idade, sendo esse dispositivo a rede social Facebook, violando seu mecanismo de segurança, e conseguiram acesso de fotos impróprias da menor, encontradas em mensagens privadas. Um tempo depois, as autoras do crime publicaram essas fotos íntimas em outra rede social, o Instagram. Temos aqui um crime configurado? Segundo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sim. Apesar de não ter sido invadido um dispositivo informático na letra fria da lei, houve invasão comprovada da rede social, ao qual os julgadores enquadraram como o art. 154-A do Código Penal, que é o crime previsto pela Lei Carolina Dieckmann. As provas foram colhidas a partir de depoimentos e verificou-se o nexo causal. É importante aqui destacar que, para as brechas oferecidas na Lei Carolina Dieckmann, o poder judiciário conseguiu encobri-la bem. Inclusive, no inteiro teor da decisão você pode ver que um dos argumentos das Apelantes foi justamente a invasão de uma rede social, e não de um computador, o que foi rechaçado de pronto pelos julgadores que admitem qualquer dispositivo e meio eletrônico. E aí? Gostou da primeira parte do nosso material? Entendeu por que é importante estudar sobre as nossas próprias leis a partir do que estudamos de forma internacional? Agora, só para termos certeza de Direito Digital 17 que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que havia necessidade de termos leis específicas sobre crimes cibernéticos, tendo em vista o nosso não aceitamento de analogia in malem partem realizadas a partir de outras leis normais no mundo real. Além disso, vimos toda a análise técnica da lei, entendendo suas particularidades, para no fim, vermos sua aplicabilidade. Agora sim podemos dar continuidade ao nosso ordenamento jurídico e sua relação com o ciberespaço! O Marco Civil da Internet INTRODUÇÃO: Ao término desta competência, você poderá analisar o Marco Civil da Internet aqui no Brasil, entendendo suas particularidades, direitos e deveres, além das modificações trazidas por ele ao país. Vamos lá, seguir para esse universo do ciberespaço no Brasil? Compreendendo o marco civil da Internet Depois de entender a lei de crimes informáticos daqui do Brasil, é necessário estudar e analisar outra lei que veio um pouco depois da Lei Carolina Dieckmann e que foi amplamente discutida pelos juristas na época: A Lei nº 12.965/14, conhecida popularmente como o Marco Civil da Internet. Era compreensível, diante a necessidade de leis que versem sobre o ciberespaço, que a promulgação de apenas uma lei que tratasse especificamente sobre o mundo digital não seria suficiente, principalmente quando consideramos o tamanho da Lei Carolina Dieckmann e o pouco conteúdo que ela aborda. Assim, precisávamos de uma normatização maior que auxiliasse o comportamento nacional no ciberespaço: um conjunto de leis que pudesse apresentar os direitos e deveres de cada um no mundo digital, com princípios e garantias que respeitassem a Constituição Federal de 1988. Tendo seu processo inicializado em 2009 e seu projeto passado cinco anos em discussão no Congresso, admitindo participação da opinião popular, a Lei 12.965 possui 32 artigos no total e abarca principalmente os Direito Digital18 direitos deveres, princípios e garantias quando da utilização da Internet em território brasileiro, com cinco capítulos diferentes. Em razão dessa sua grande abrangência, a lei ficou conhecida como “marco civil da internet” a partir da ideia de funcionar como uma grande base para o universo do ciberespaço no país, como se fosse uma constituição do mundo cibernético, delimitando o período em que o Brasil finalmente adquiriu normas específicas acerca do assunto. Além de resumir os seus objetivos no artigo primeiro, o marco civil da internet também afirma que contém as diretrizes de comportamento de competências para as unidades federativas do Brasil em relação ao ciberespaço. Logo nos artigos segundo e terceiro, o marco civil determina seus preceitos e princípios básicos que regem toda a interpretação de utilização da internet. Entre eles, a lei faz questão de enfatizar o respeito à liberdade de expressão e acrescenta como fundamentos o reconhecimento da internet em nível mundial, os direitos humanos, a pluralidade, a abertura, a livre iniciativa e a finalidade social da internet em seus incisos, sem, entretanto, ser mais específico quanto aos conceitos. Sobre os princípios trazidos pelo artigo terceiro, ele traz oito em destaque nos seus incisos. Ele repete a proteção da liberdade de expressão como princípio na utilização da internet, o que é de comum acordo tanto com o primeiro documento internacional do ciberespaço, como também com a própria Constituição Federal Brasileira. Sobre a liberdade de expressão, observe a figura abaixo. Figura 03: Liberdade de expressão e crimes. Fonte: A Autora Direito Digital 19 Como você pode observar, liberdade de expressão no ciberes- paço não quer dizer que você tem autonomia para falar o que quiser, como bem quiser, para qualquer pessoa sem esperar que seja responsa- bilizado legalmente na esfera penal em razão disso. Aqui, devemos entender que crimes contra a honra envolve a calúnia (quando alguém diz que você praticou algum crime e quando isso for mentira, como “Fulano desviou o dinheiro inteiro da empresa para viajar a lazer”, de acordo com o art. 138 do Código Penal), difamação (quando alguém ofende sua reputação ao dizer que você fez algo, como “Fulano nunca paga suas dívidas”, de acordo com o art. 139 do Código Penal) e a injúria (quando alguém ofende sua dignidade, lhe chamando de alguma coisa como “Ela é uma ladra”, de acordo com o art. 140 do Código Penal). Além disso, devemos deixar claro que manifestações que incitem ódio, que sejam racistas e/ou xenofóbicas também não serão consideradas como liberdade de expressão, e, juntamente com os crimes contra a honra, devem fazer com quem pratique essas ações se responsabilize criminalmente. O marco civil traz o princípio da proteção da privacidade e dos dados pessoais, a neutralidade de rede, a estabilidade da rede por meio de medidas técnicas que sejam do mesmo nível do padrão internacional, estimulando sempre a boa prática, a responsabilização dos autores de más condutas na internet, a natureza participativa da rede e, por fim, a liberdade de realização de negócios na internet que não sejam proibidos por lei. Em outras oportunidades, a lei trabalha novamente com o princípio da privacidade,determinando, por exemplo, que as empresas não podem armazenar dados de sua clientela por um período maior do que um ano. Acerca da neutralidade da rede, um dos princípios que o artigo terceiro do marco civil traz, é interessante perceber que ele é mais direcionado aos provedores da internet do que aos usuários em si. Quer dizer, a partir desse princípio, os provedores da internet não podem limitar determinados usos de dados da internet em razão de eles consumirem mais. Imagine que você queira fazer uma maratona de séries em um serviço streaming, em casa, em um fim de semana. Se não fosse a neutralidade de rede, o provedor da sua internet poderia limitar a quantidade de episódios que você poderia assistir, ou até cobrar mais pela quantidade de dados que você consumisse. Direito Digital20 É necessário ressaltar que os princípios elencados no marco civil não são taxativos – ou seja, o parágrafo único afirma que podem existir outros princípios que sejam aplicados ao conteúdo do ciberespaço tanto na Constituição quanto em tratados que o Brasil seja signatário (casos que o Brasil seja parte). No artigo quarto, o marco civil traz os objetivos gerais da lei, como a promoção da internet para todos os cidadãos brasileiros, em conjunto com um maior acesso à informação, desenvolvimento de tecnologias e maior acessibilidade aos padrões tecnológicos com sistemas abertos – ou seja, instrumentos informacionais que sejam de livre acesso para todos. O artigo quinto é interessante por trazer os conceitos dos termos utilizados, provavelmente com a intenção de evitar a má interpretação pelos julgadores. Dessa forma, apesar de parecerem conceitos básicos, o marco civil define os termos como apresenta a figura abaixo: Figura 04: Definição de termos segundo o marco civil. Fonte: A Autora. O capítulo dois do marco civil traz os direitos e garantias das pessoas que utilizam a internet de acordo com os princípios e objetivos trazidos nos artigos anteriores, garantindo por exemplo a inviolabilidade da privacidade e do sigilo, bem como manutenção da internet, informações sobre o serviço e sobre o armazenamento de dados entre outros. Direito Digital 21 O terceiro capítulo do marco civil é subdividido em seções e subseções que versam sobre o assunto dos provedores e a conexão e aplicações da internet que eles promovem. É o caso da neutralidade da rede, que é bem explicada no artigo nono, bem como acontece com a proteção aos dados e registros pessoais em conjunto com as respectivas comunicações privadas tratada no artigo 10. Aqui é necessário ressaltar que o marco civil garante no artigo 10 a proteção da vida privada em geral dos usuários da internet, não podendo o provedor dela divulgar registros e dados a não ser em razão de ordem judicial. Nesse caso, os provedores são obrigados a disponibilizar o que foi requerido pelas autoridades judiciais. O artigo 12 prevê as sanções nos casos de desrespeito à essa proteção de dados e registros da internet, incluindo as formas individual ou cumuladas da advertência, da multa até 10% do faturamento, suspensão de atividades, chegando até a mais grave sanção que é a proibição da atividade dos provedores da internet. Ao administrador do sistema autônomo, cabe o dever de manter o sigilo das conexões, previsto no artigo 13. Nesse sentido, o marco civil prevê que o registro dessas conexões deve permanecer com o administrador até um ano depois, e essa responsabilidade não pode ser nem transferida a terceiros, em virtude da proteção do registro de dados. Os artigos 18 a 21 do marco civil tratam especificamente das situações de danos decorrentes de conteúdos originados por terceiros e a responsabilidade existente, incluindo a previsão da não responsabilidade do provedor da internet nos casos que seus clientes gerem danos civis. Apesar da previsão dessa não responsabilidade do provedor da internet, o artigo 19 acrescenta a possibilidade de que, caso o provedor, dentro das suas habilidades e técnicas do serviço, não retirar conteúdo ofensivo “do ar” após ordem judicial expressa para o fazer, ele será responsabilizado. SAIBA MAIS: É interessante que você, estudante, leia atentamente os artigos 7º e 8º do marco civil, na íntegra, para maior compreensão do abordado, bem como uma leitura geral do texto normativo. Você pode realizar essa leitura no endereço <https://bit.ly/36inHeQ>. Direito Digital22 Em relação às requisições de registros vindas pelo órgão judiciário, o marco civil define em seu artigo 22 que é permitido a qualquer parte requerer à justiça registros para complementar ou formar documentos comprobatórios de processos judiciais, sejam cíveis ou penais. Entretanto, a requisição judicial, sendo essa a decisão favorável das autoridades judiciais, deverá conter os fundamentos de indícios e justificativas, além do período específico do que deverá ser buscado. Aos entes federativos do Brasil, o marco civil determina dez diretrizes para sua atuação, incluindo governança transparente e demo- crática, racionalização da gestão e publicidade e disseminação de dados públicos de acordo com os princípios gerais da administração pública, incluindo a prestação de serviços públicos online, oferecendo mais canais de apoio e acesso remoto. É ressaltado no marco civil, em seu artigo 26, que a capacitação a outras práticas educacionais como a utilização do ciberespaço com fins educativos, é uma das responsabilidades e deveres constitucionais para a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, tendo em vista que a educação é um dos principais pilares da nossa democracia. Para isso, o poder público pode ter iniciativas próprias do ciberespaço, desenvolvendo ferramentas que promovam a inclusão digital a todos, a redução de desigualdades em relação ao acesso à tecnologia da informação e a fomentação de conteúdo nacional. Por fim, como disposições finais, o marco civil determina a previsão de controle parental dos terminais a partir da livre escolha dos pais, respeitando o Estatuto da Criança e do Adolescente (E.C.A). Além disso, deixa ressalvado aos indivíduos utilizadores da internet a opção de defender seus direitos fundamentados em todos os artigos de forma judicial. Modificações trazidas pelo marco civil Bom, realizamos uma análise da lei do marco civil, indo quase de artigo por artigo e ressaltando os principais pontos. Mas qual foram as modificações efetivas que essa legislação trouxe? E o que o marco civil em si representa no ordenamento jurídico brasileiro no âmbito do ciberespaço? Direito Digital 23 A primeira modificação que percebemos trazida pelo marco civil da internet é a obrigação de autoridades e decisões judiciais para a entrega de registros do que acontece no mundo cibernético. Antes do marco civil, esse pedido de dados e registros poderia ser realizado na esfera administrativa, ou seja, sem que ninguém precisasse pedir autorização a um juiz. Relacionado a esse fato, temos também os elementos comproba- tórios eletrônicos advindos de dados e registros no ciberespaço que auxiliam, e muito, no momento de um processo tanto cível quanto criminal. EXPLICANDO MELHOR: Imagine que aconteceu uma situação muito desagradável com você no ciberespaço: você comprou um produto através do e-commerce, mas o produto nunca chegou em sua residência. Na verdade, o vendedor disse que não tinha registro de compra alguma. Se você escolher entrar com um processo contra o vendedor, caso o site não lhe dê amparos suficientes, você pode ter os registros e dados da internet como prova no processo, o que facilita o andamento. Além disso, a própria neutralidade da rede foi uma importante modificação trazida pelo marco civil, trazendo um sentimento de segurança aos utilizadores da internet muito maior do que o que era antes existente. O Brasil, inclusive, foi um dos primeiros países a adotar essa medida, enquantooutros países estão permitindo justamente o contrário. A mesma qualidade de acesso a todos com certeza reduz a desigualdade entre as pessoas, impedindo tarifas extras e manipulação de velocidade da internet. Apesar do marco civil trazer essas modificações importantes para o nosso país, é importante destacar a opinião de autores como Tomasevicius Filho (2016, p. 276), que critica a lei principalmente no que tange a sua não efetividade na prática. O autor explica que o primeiro problema do marco civil é que a lei só se refere a problemas e situações que aconteçam dentro do território brasileiro. Porém, como vimos anteriormente em nossos estudos das unidades dessa disciplina, as situações do ciberespaço envolvem muito mais do que um só território soberano: as situações do mundo digital são transnacionais. Direito Digital24 Outro ponto criticado pelo autor é a própria neutralidade da rede, que, apesar de ser defendida pelo marco civil, apresenta contradições no próprio campo normativo. É o caso do artigo 9º e seu inciso I do primeiro parágrafo, que prevê a possibilidade de decreto do Presidente da República modificar o tráfego da rede para atender requisitos técnicos, ou até o inciso II do parágrafo seguinte que apresenta a possibilidade de modificações da rede, desde que obedeça os princípios da administração pública. E mais: o autor (p. 277) acrescenta que a neutralidade individual do Brasil não adianta no contexto internacional, em que os outros países não fazem o mesmo, pois o marco civil trata da rede brasileira sem levar em consideração que o tráfego internacional pode ser diferenciado. Segundo o estudioso, mais importante do que a neutralidade da rede, teria sido se o marco civil tivesse apresentado mais direitos funda- mentais às pessoas que utilizam a internet, como o direito de ir e vir de qualquer endereço para qualquer outro, independentemente de ser pago ou gratuito. REFLITA: No que diz respeito a neutralidade da rede, será que o marco civil da internet realmente prevê algo inútil, ou será que esse aspecto trouxe pontos positivos sim para a nossa realidade? Vale a pena pensar sobre o assunto. Será que já está dando para clarear mais sua mente sobre as leis que temos no Brasil no âmbito do ciberespaço? Espero que sim! Nesta segunda parte aprendemos os detalhes da lei do marco civil da internet de 2014, que teve a participação da população na discussão de seu projeto por cinco anos consecutivos. Vimos que a lei veio com novidades que modificaram o jeito tradicional da justiça brasileira no que tange o ciberespaço, como a maior ênfase às requisições de registros e dados apenas por meio de decisão de autoridades do órgão judiciário. Além disso, vimos também que há estudos críticos sobre a lei, o que deixa bem clara a situação de que sempre precisamos investir mais nessa área do ciberespaço. Mas e então? Vamos continuar essa caminhada pelo ordenamento jurídico brasileiro? Direito Digital 25 Código de Processo Civil de 2015 INTRODUÇÃO: Ao término desta competência você compreenderá como era o ordenamento jurídico com o código de processo civil de 1973 e como é atualmente com o novo código, bem como poderá ter uma noção também do código penal – todos contextualizados no âmbito do ciberespaço. O ciberespaço nos códigos de processo civil e penal antigos Já sabemos que o ciberespaço envolve um mundo digital que se diferencia em muitos pontos com o mundo real. Questões que levamos anos para responder no mundo real, como a territorialidade, voltaram a levantar incertezas no mundo atual. Não só isso: hoje temos crimes cibernéticos no ciberespaço, guerras no mundo digital, ferramentas específicas de espionagem, um avanço impressionante de novas tecnologias informacionais que permitem novas espécies de realização de negócios como o próprio comércio online... Como até já discutimos nas unidades anteriores, o direito precisa acompanhar o fato social. O direito precisa se adequar à medida que a sociedade evolui e se modifica. Para isso, alguns países que possuem as normas codificadas, como é o caso do Brasil, tendem a sofrer um pouco mais para ter o direito adaptado às modificações sociais. O que isso quer dizer? O Código de Processo Civil que tínhamos antes do nosso atual foi datado de 1973, mas o seu texto passou 34 sendo discutido para ser aprovado e entrar em vigor. Depois de vinte anos, tendo que passar por modificações no meio do caminho, foi substituído pelo Novo Código de Processo Civil em 2015, projeto que já estava em tramitação há anos. Quando temos as nossas normas codificadas, a forma de modificá- las ou criar outras regulamentações tendem a ser mais burocráticas. O efeito disso é que quando a norma é finalmente aprovada e entra em vigor, ela já está, em certos termos, atrasada. Direito Digital26 Mas... Se as leis brasileiras não estavam preparadas para o mundo digital até recentemente (e será que já estão preparadas?), como lidamos com situações que envolvia a sociedade da informação e as tecnologias? Comecemos pelo panorama criminal: temos dois códigos dessa esfera do direito, o Código Penal de 1940 e o Código de Processo Penal de 1941. É de se deduzir que na década de 40 ainda não tínhamos necessidade de prever em nossa legislação a possibilidade de situações no ciberespaço. Em razão disso, fomos adquirindo outros decretos ao longo dos anos em uma tentativa de atualização das normas, ainda que de forma sutil. Veja a figura abaixo. Figura 05: Alterações sobre o ciberespaço no âmbito criminal. Fonte: A Autora. Com o Código Penal, percebemos que ele possui leis que acrescentam ou modificam suas normas, como é o caso da própria lei Carolina Dieckmann estudada no primeiro capítulo. Além das alterações dessa lei, temos o caso também da Lei 13.968 de 2019, que atualiza o crime de instigação ao suicídio (art. 122), prevendo em seu parágrafo quarto, condutas realizadas no ciberespaço. O mesmo evento acontece com a Lei nº 11.719 de 2008, que incluiu o parágrafo primeiro do art. 405 do Código de Processo Penal, prevendo o registro digital ou técnica similar de depoimentos nos casos criminais, incluindo a opção de registros por meio de vídeo também. Sobre o Código de Processo Penal, é interessante notarmos que quanto à questão de competência das situações que ocorrem no ciberespaço, o art. 70 determina que será prevento o juízo do local em que se consuma o delito ou quando a última conduta for praticada e o local que aconteceu no caso dos crimes em suas formas tentadas. Direito Digital 27 No caso dos crimes plurilocais, ou seja, as ações criminosas que resultam em diferentes locais (independente se dentro ou fora do Brasil), o mesmo artigo ainda prevê em seus parágrafos as situações de: • Quando a ação criminosa for iniciada no Brasil, mas a consumação acontecer em outro país, considera-se a competência aqui no Brasil como o do local que a última conduta antes da consumação aconteceu; • Quando, entretanto, o último ato de execução acontece também fora do Brasil, a competência que é considerada é a do local que a ação criminosa produziu (ou deveria ter produzido no caso de tentativa) o resultado; • Quando o local da ação criminosa for incerto, ou seja, quando houver dúvida entre limites de territórios e jurisdições, a competência será firmada pela prevenção. É importante entender que apesar de na época o artigo não prever que os delitos pudessem acontecer em um mundo digital, o artigo cabe também no sentindo do ciberespaço, como é o caso dos crimes contra a honra vistos no capítulo anterior. Mas... como é que cabe em situações do ciberespaço, se não temos fronteiras palpáveis no mundo digital? Os autores que estudam sobre o assunto, como Conte (2008), afirmam que uma opção possível é de se considerar os envolvidos com base no artigo 70, ou ainda seguir o artigo 88 quando oresultado dos crimes acontecem fora do Brasil, que prevê a competência do local que o acusado tiver morado por último, ou no Distrito Federal no caso de o acusado nunca ter morado aqui. O autor chama atenção para o detalhe de saber se os crimes no contexto do ciberespaço são formais ou materiais. Ou seja, os crimes formais são crimes que não precisam nem produzir um resultado, enquanto os materiais precisam de resultar em uma conduta específica para que a conduta seja considerada criminosa. De acordo com Conte (2008), alguns autores apontam os crimes relacionados ao ciberespaço como materiais e a sua competência seria o local desse resultado propriamente dito, enquanto outros estudiosos os crimes que ocorrem no campo do mundo digital são essencialmente formais. Direito Digital28 Além disso... Levando em consideração que não conseguimos ver as fronteiras no ciberespaço, e levando em consideração que cada país possui sua própria norma penal, o que acontece caso mais de um país acredite que a competência é sua? Como lidar com crimes que acontecem no domínio internacional público? São apenas questões que podem ser levantadas se soubermos identificar a parte autora e realizar a persecução penal também no âmbito do ciberespaço, através de ferramentas exclusivas desse mundo digital. Ou seja, pelo menos em termos criminais, como você pode ver, ainda caminhamos em passos bem lentos. IMPORTANTE: Caro Estudante, aqui chamamos sua atenção para relembrar um pouco da Convenção de Budapeste que trata sobre os crimes cibernéticos no ciberespaço, dedicando uma parte apenas para a competência que possa envolver diferentes países soberanos que reivindiquem a competência de determinado caso. O art. 22 determina que nos casos que crimes que aconteçam em território específico, ou dentro de um navio ou aeronave de determinado país, a competência deve ser determinada a partir da lei desse país, levando sempre em consideração a cooperação em nível internacional. No caso do Brasil, o nosso Código Penal prevê o que acontece nessas ocasiões nos artigos 5º ao 7º, determinando a competência do país nos casos de crimes que aconteçam aqui, em navios e aeronaves brasileiras que estiverem em serviço público, bem como os delitos que acontecem em navios e aeronaves internacionais privadas que estiverem no território brasileiro ou no espaço aéreo correspondente. Em relação a extraterritorialidade, o Código Penal define em seu art. 7º a competência do Brasil em certos casos, independente de onde aconteça. Veja a figura abaixo: Direito Digital 29 Figura 06: Extraterritorialidade. Fonte: A Autora. Desse dispositivo, é importante acrescentar que, nos casos em que o brasil se obrigou a reprimir, ainda que o autor do crime seja julgado em outro país, o Brasil ainda poderá aplicar sua lei, enquanto os crimes praticados por brasileiros envolvem o concurso das situações de estar no brasil, se o fato for crime no outro país também, se ao crime for permitida a extradição do agente, e se o autor não tiver sido perdoado pelo outro governo. Certo, agora que vimos o ciberespaço na esfera criminal das normas brasileiras... O que falar da esfera cível? Bom, você já sabe que temos um novo Código de Processo Civil, mas e o de 1973, como tratava sobre situações que pudessem envolver o ciberespaço? Assim como acontece com os códigos criminais, o antigo código de processo civil não tinha a menor condições de prever em 1973 que um universo tão grande como o ciberespaço iria afetar nossa realidade. Assim, até 2014, ano em que ainda estava em vigor, o código sofreu algumas alterações que acabaram atualizando um pouco suas normas, a partir principalmente da Lei 11.280 de 2006. Essa lei revoga um artigo do Código Civil de 2002 que versa sobre outros contextos, e altera os artigos 112, 114, 154, 219, 253, 305, 322, 338, 489 e 555 do Código de processo civil de 1973, que tratam em linhas resumidas de competência, prescrição, distribuição, revelia, carta precatória e rogatória, ação rescisória e meios eletrônicos – que é a parte que nos importa aqui, envolvendo o ciberespaço. Direito Digital30 O artigo que envolve o ciberespaço era o 154 em seu parágrafo único, alterado pelo art. 2º da lei. Segundo esse parágrafo, o código de processo civil deveria prever a prática e comunicação dos atos processuais por via eletrônica além dos meios tradicionais na época. Mais significante do que a lei mencionada, foi a lei. 11.419 do mesmo ano, que altera de fato o código de processo civil de 1973 com base aos novos costumes envolvendo o ciberespaço (observe que utilizamos o termo “novos costumes” com cautela, já que depois disso já tivemos outras atualizações). Observe as principais características da modificação trazida por essa lei na figura abaixo: Figura 07: Modificações do código de processo civil de 1973 pela lei 11.419/2006. Fonte: A Autora Com certeza, podemos afirmar que as modificações trazidas pela lei 11.419 de 2006 foram bem mais significativas do que as da esfera criminal e do que a da própria esfera cível, modificando de forma bem mais profunda o Código de 1973. Depois de sofrer essa reformulação e outras, muitos autores dizem que o Código foi perdendo sua identidade, justificando a necessidade de um novo. Bem, da figura 07 podemos chegar à conclusão que a partir dessa data estávamos tendo oficialmente um portal eletrônico para lidar com processos judiciais, incluindo possibilidade de colocar as petições e assinar digitalmente a partir de certidões previamente cadastradas. As comunicações por via eletrônica incluem citações, intimações e notificações, apresentando já uma evolução no trâmite do processo. Direito Digital 31 Além disso, é interessante que a lei apresenta alguns conceitos específicos, assim como o marco civil o faz, no artigo 1º, § 2º: o legislador define o que é o meio eletrônico, considerado como o armazenamento e o tráfego de arquivos digitais, trabalha o conceito de transmissão eletrônica como comunicação a distância a partir de redes da internet, e, por fim, a assinatura digital que deve respeitar certificado digital credenciado e cadastro no poder judiciário. Mas... E hoje em dia? Como o novo código de processo civil se comporta? Será que hoje, temos pelo menos um conjunto de normas mais adaptado e preparado para o ciberespaço? Vejamos. O ciberespaço no código de processo civil de 2015 Um dos preceitos fundamentais trazidos pelo novo código de processo civil é celeridade do trâmite do processo judicial. Entendendo a celeridade como um processo mais ágil, mais acessível e menos burocrático, o novo código trouxe a visão da lei 11.419 do portal específico para o processo judicial, trazendo assim o Processo Judicial Eletrônico – o PJe. Determinando as mesmas opções da lei 11.419, incluindo comuni- cações eletrônicas, armazenamento digital e digitalização dos processos, o código de processo civil de 2015 traz ainda a previsão de depoimentos por videoconferência, bem como a possibilidade de sustentação oral por via eletrônica caso o advogado seja domiciliado em outro local. O código que antes previa apenas documentos datilografados, passou a se modernizar, incluindo dispositivos eletrônicos mais e mais. O novo código, por exemplo, prevê até o endereço de e-mail para facilitar os atos de comunicação nas petições, no momento de identificação das partes. O mecanismo de incorporação do PJe auxilia não apenas o aspecto da celeridade processual, como também propicia um acesso à justiça muito maior: nos portais da justiça, qualquer pessoa pode acessar as novidades e até consultar processos de maneira genérica. Destacamos aqui o artigo 194 do novo código, que determina o respeito e a proteção aos princípios da publicidade, acesso e participação das partes no processo. Em consonância a esse preceito, o artigo seguinte prevê que o meioeletrônico envolvido deve ser através de um sistema aberto. Direito Digital32 Esse sistema aberto contribui para os princípios da autenticidade, integridade, temporalidade e o não repúdio de caso ou parte alguma, preservando sempre a conservação dos processos que demandem segredo de justiça, como os da espécie que envolvem menores de idade. Os artigos seguintes determinam previsões simples do que pode acontecer com a utilização contínua de um sistema eletrônico. É o caso, por exemplo, de as partes precisarem de dispositivos eletrônicos de maneira urgente, os prédios da Justiça devem conter aparelhos de forma gratuita para auxiliá-los, bem como devem dispor de serviço técnico especializado nos casos que os dispositivos ou a rede do prédio falhar. É importante que você entenda aqui, que o novo código de processo civil de 2015 apresenta muitas outras modificações nas outras esferas do direito, mas aqui abordamos apenas as consideradas mais importantes na esfera do ciberespaço. O que aparenta acontecer é que na esfera cível, o Brasil está mais preparado para abarcar o mundo digital de uma forma mais acessível, enquanto a esfera criminal ainda anda a passos lentos. SAIBA MAIS: É interessante perceber as diferenças entre os dois códigos de processo civil. Você pode fazer isso de forma simples e acessível no website oferecido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, no link: <https://bit.ly/3cEtKwu>. E aí? O que você achou dessa terceira parte? Conseguiu captar a diferença entre normas brasileiras que abarcam o ciberespaço e as normas mais antigas que não conseguem prever nada do tipo? Vamos relembrar um pouco comigo! Começamos analisando a esfera criminal, com o código penal de 1940 e processo penal de 1941 e as leis que tentaram atualizar as normas, bem como analisamos o antigo código de processo civil e as leis que tentaram atualizá-lo. Compreendemos que as atualizações do código de processo civil de 1973 estavam em um número tão alto que, além da necessidade de complemento em outros assuntos, foi necessário ser editado um novo conjunto de normas. O novo código de 2015 traz uma abordagem muito mais direta e completa acerca da implementação do ciberespaço na realidade jurídica, contribuindo com diversas melhorias, acessibilidade e proteção aos princípios trazidos pelo próprio governo brasileiro. Direito Digital 33 Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD INTRODUÇÃO: Ao término desta competência você será capaz de verificar a lei geral de proteção de dados (LGPD), suas repercussões para a prática jurídica e suas particularidades no âmbito do ciberespaço. Pronto para conhecer mais uma lei específica? Vamos lá! Análise técnica da LGPD Temos visto, ao longo das unidades, que o ciberespaço anda em conjunto com a perspectiva de tecnologias de privacidade. Isso se dá porque uma das principais formas que os países encontram de prevenir que crimes cibernéticos aconteça, é a constante monitoração das pessoas para saber se e quando elas podem cometer algum crime no ciberespaço. É de se entender que temos, portanto, duas situações caminhando em lados opostos: de um lado, o desenvolvimento da tecnologia, e do outro, o perigo e o medo que os indivíduos acabam tendo de ter seu direito a privacidade violado com a desculpa de prevenção de cibercrimes. Caro Estudante... Se você pensou, ao estudar o mundo digital até aqui, que um pouco de privacidade a menos é algo positivo, está na hora de começar a analisar a situação por outra perspectiva. Um dos principais problemas quando você perde, nem que seja um pouco, da sua privacidade, é que você está disponibilizando uma parte de você para empresas. Com um pedaço seu, através de programas específicos, as empresas no ciberespaço conseguem conhecer e saber tanto sobre você, que podem começar a manipular o seu jeito de pensar ou agir. Ou, até mesmo influenciar você a mudar de ideia, ou tomar certo comportamento como ideal. Mas como assim? Como isso é possível? Bom, sabe aqueles anúncios no Facebook, sobre algo que você pesquisou recentemente? Sabe aquele vídeo no Youtube sugerido sobre um assunto que você comentou com alguém nos últimos tempos? Sabe essas redes sociais de graça, que você já se perguntou o que eles poderiam ganhar com isso? Direito Digital34 O ciberespaço já possui nossos dados. As empresas sabem quem somos. E isso é utilizado o tempo todo. Há na nossa atualidade empresas tão específicas de análises de dados pessoais que elas conseguem prever eventos futuros e auxiliam como determinada pessoa deve se preparar para isso. Foi assim como aconteceu comprovadamente os casos envolvendo a Cambridge Analytica e a eleição de Donald Trump, e o próprio Brexit: a partir da análise de dados pessoais, como o que os cidadãos curtem e pesquisa, e o estudo de como chegar nessas pessoas com acessos à rede sociais (nesse caso, foi utilizado, principalmente, o Facebook). SAIBA MAIS: Se você se interessou sobre o tema, vale a pena assistir ao documentário disponível na rede de Streamings da Netflix, com o título sugestivo de “Nada é Privado: O Escândalo da Cambridge Analytica”, de 2019. O documentário acaba deixando uma mensagem de que atualmente não somos donos dos nossos próprios dados pessoais que existem na internet, e isso pode ser bem preocupante. Tendo isso em mente, o Brasil começou a discussão sobre uma possível lei que regulasse a proteção dos dados cerca de dez anos atrás – mas, como geralmente acontece, o período de discussão acaba sendo sempre muito longo até um grande evento acontecer. Nesse caso, a questão do Brexit fez com que a União Europeia elaborasse uma lei sobre o assunto, e o Brasil não demorou muito para aprovar a sua lei. Assim, a Lei nº 13.709 de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) do Brasil, publicada em 2018 com data prevista de vigência para agosto de 2020, teve no último mês de abril de 2020 o projeto como pauta para fase de votação, com objetivo de ter sua vigência adiada novamente para 2021. Mas ainda que a lei não tenha entrado em vigor ainda, ela é de extrema importância para o nosso assunto. Primeiramente, ela possui objetivos específicos voltados à proteção desses dados pessoais, regulando a forma que as empresas e organizações poderão se utilizar desses nossos dados. Portanto, apesar de proteger a pessoa física, ela Direito Digital 35 acaba afetando pessoas físicas e jurídicas, que devem estar preparadas para adaptar sua forma de captação e armazenamento de dados. De acordo com o art. 5º da LGPD, devemos entender o bem jurídico protegido, que são os dados pessoais, como as informações que identificam ou permitem identificar uma pessoa física. O artigo ainda faz a divisão dos tipos de dados pessoais, que podem ser: • Sensível: Informação relacionada à etnia, religião, opinião política, filiação, preferência sexual, relacionada também com a genética ou biometria; • Anonimizado: Informação que não identifica o seu titular por meios técnicos no momento do tratamento dos dados; • Banco de dados: Informações reunidas de forma estruturada sobre um determinado grupo de pessoas, não importando se de forma virtual ou física. No mesmo artigo, ainda temos definições de termos que são referidos ao longo de seus artigos, como é o caso do titular (o dono dos dados pessoais), operador (pessoa física ou jurídica responsável pelo tratamento de dados), e, principalmente o significado de tratamento de dados (que se refere às operações que lidam com os dados pessoais, desde da coleta, produção, a forma como são recebidos e interpretados, classificados, armazenados, transmitidos, entre outros). Um pouco mais na frente, no artigo 14, há a previsão também dos dados pessoais dos menores de idade, que só devem ser tratados com o consentimento específico dos seus pais ou responsáveis legais, devendo as empresas realizarem esforços notáveis para realmenteadquirir esse consentimento mediante as formas de tecnologia disponível. Inclusive, o ato de consentir é um termo bastante importante para a LGPD, que prevê o consentimento dos usuários da internet para que seus dados pessoais recebam qualquer tipo de tratamento, de acordo com o artigo 5º, inciso XII e artigo 7º. Há, entretanto, certas exceções para a necessidade desse consentimento. É o caso, por exemplo, de o tratamento de dados pessoais ser necessário para o desenvolvimento de uma obrigação legal ou na utilização de uma defesa de direitos em algum processo judicial. São as hipóteses previstas no artigo 11, inciso II. Direito Digital36 Destaquemos, agora, os principais objetivos da LGPD, que você pode verificar ao analisar a figura abaixo: Figura 08: Objetivos da LGPD. Fonte: A Autora. É evidente que o objetivo principal da LGPD é proteger a privaci- dade, assegurando esse direito a todos os usuários do ciberespaço, prevendo ações e dispositivos que demonstram ser seguros para os indivíduos do país. Garantindo essa proteção, a lei automaticamente já objetiva também a segurança jurídica, já que a confiança dos indivíduos no governo são restauradas. A transparência contribui para a segurança jurídica, pois ao tê-la, saberemos quem tem nossos dados, quais dados, e a forma de processá- los. A LGPD não prevê, entretanto, que as empresas se prejudiquem. Muito pelo contrário, ela objetiva o desenvolvimento também de mais tecnologias para desenvolver o comércio também, incentivando inclusive um favorecimento à livre concorrência na esfera econômica. Além disso, temos por fim o objetivo de padronizar o conjunto de normas, deixando o ordenamento mais harmônico entre si em relação aos dados pessoais, de forma que regulamente a forma que eles serão observados a partir de sua vigência. Apesar de ser uma lei brasileira, é importante destacar que a LGPD possui previsão de extraterritorialidade em três casos que envolvam dados pessoais no ciberespaço que podem envolver outro país: quando as operações de tratamento de dados e afins sejam realizadas no Brasil, quando esse tratamento de dados pessoais objetivem qualquer tipo de serviço ou oferta de pessoas que estejam no Brasil, e, por fim, se os dados pessoais tenham sido coletados no território brasileiro. Direito Digital 37 A LGPD prevê no artigo 20 a possibilidade de o titular dos dados ter direito de solicitar revisão do tratamento automatizado de seus próprios dados pessoais, devendo o controlador fornecer informações sobre os procedimentos quando solicitado sob pena de auditoria para verificação do processo. O titular pode, inclusive, solicitar que seus dados sejam apagados ou até transferir para outro controlador e revogar consentimento previamente dado. Implicações da lei em casos práticos A lei, como vimos anteriormente, ainda não entrou em vigor, então não temos casos práticos que a utilizam ainda. Entretanto, a LGPD, além de prever como será a adoção de medidas para a prática efetiva de tratamento e proteção de dados pessoais, ela conta com a presença da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD). A ANPD é prevista no artigo 5º da LGPD, inciso VIII que define o encarregado com a pessoa escolhida pelo controlador para atuar como via de comunicação entre ele, os titulares dos dados pessoais e a própria ANPD. Para uma melhor regulamentação acerca dela, temos a própria lei nº 13.853 de 2019, que cria propriamente a ANPD. Essa Autoridade Nacional foi criada como parte integrante da administração pública federal, com natureza jurídica transitória, podendo ser modificada para parte da administração pública federal indireta, de acordo com o art. 55-A. É atribuída à ANPD autonomia técnica e decisória, com organização prevista na lei a respeito de sua composição e mandatos dos cargos. A primeira competência atribuída à ANPD é, como se imagina, a proteção de dados pessoais na forma trazida pela LGPD, resguardando os casos de segredos comerciais quando cabíveis. É responsável pela elaboração de relatórios, regulamentos e diretrizes acerca da forma de condução da proteção dos dados pessoais e da privacidade, detalhando as receitas de forma pública. Além disso, a ANPD é responsável por promover ações de cooperação e formas de publicar as possíveis formas de tratamento de dados pessoais, estimulando que padrões sejam adotados para facilitar o controle. É de suma importância também, que a ANPD fiscalize o Direito Digital38 tratamento dos dados pessoais, realizando auditorias, garantindo a aplicação de sanções nos casos que violem as normas da LGPD. O art. 55-J apresenta as competências da ANPD, das quais as principais você pode ver na figura abaixo: Figura 09: Principais competências da ANPD. Fonte: A Autora. Por fim, temos a ANPD como responsável pela divulgação de informações à população, incluindo pessoas físicas e jurídicas, para que todos conheçam as normas previstas na LGPD, e, concomitantemente, estimulando estudos sobre as futuras práticas brasileiras no assunto. É a ANPD que deve ainda se articular com as autoridades públicas, lidar com reclamações e comunicar eventuais infrações penais que porventura venha a encontrar. Outra implicação da LGPD que modifica a prática atual ao lidar com dados pessoais é que com a lei, os agentes de tratamento passam a ter responsabilidade em garantir um serviço com medidas de segurança, técnicas e administrativas de forma suficiente para proteger os dados pessoais dos indivíduos e evitar qualquer tipo de acidente, como vaza- mentos de dados, conforme prevê o art. 46 da lei. Direito Digital 39 Caso, entretanto, haja uma espécie de vazamento de dados, o agente de tratamento precisa notificar a ANPD e obedecer a um processo específico de comunicação previstos nos artigos 47 e 48, que ao fim terão que ser analisadas se suas práticas estavam adequadas às normas. Confira a figura abaixo acerca das etapas de comunicação de vazamento: Figura 10: Etapas de comunicação de vazamento. Fonte: A Autora Considere que esse processo se dá após a comunicação à ANPD, pois a LGPD determina que ao final, é a ANPD que deve classificar o grau da gravidade do vazamento e determinará as providências que devem ser tomadas. O parágrafo segundo do art. 48 prevê que a ANPD pode, em um rol exemplificativo, realizar uma ampla divulgação sobre o caso nos canais de comunicação, e adotar certas medidas para reverter o acontecido ou diminuir os efeitos negativos. Em relação às sanções que a ANPD poderá aplicar, que não sejam da esfera criminal, está prevista a advertência (com prazo de medidas coercitivas), multa simples (de até 2% do faturamento da pessoa jurídica), multa diária, publicação da infração (depois de ela ser apurada e confirmada), bloqueio dos dados pessoais que estejam envolvidos na infração até que a situação seja regularizada, a eliminação dos dados pessoais envolvidos, e, por fim, a suspensão do exercício da atividade e até proibição do tratamento de dados, tudo em conformidade com o art. 52 de sanções administrativas da LGPD. Direito Digital40 Outra implicação que a LGPD traz é a transferência internacional de dados, prevista no art. 5º, inciso XV, definida como a transferência de dados pessoais que pode ser feita para outro país ou para uma organização internacional que o Brasil faça parte, de forma que a outra parte tenha previsto normas que defendam os dados pessoais como a própria lei nacionais. Além dessa definição, o capítulo V prevê de forma específica a transferência de dados pessoais de forma internacional, prevendo sua permissão apenas em nove casos, que envolvem mais do que serem eles do mesmo nível de proteção. São os casos de: garantias de cumprimento dos direitos e deveres da LGPD através de cláusulas específicas de contratos, quando a transferência for necessária para a cooperaçãojurídica internacional ou para proteger a vida de alguém, quando uma autoridade nacional concordar e autorizar com essa transferência, quando o compromisso de cooperação internacional seja o resultado da transferência de dados, ou quando ela for necessária para alguma política pública e quando o próprio titular consentir com a transferência de forma específica (entrando em detalhes sobre a operação desejada). RESUMINDO: O que você achou dessa nossa última seção? Essa importante lei que está para entrar em vigor em breve? Começamos vendo o que os problemas que podem acarretar uma não proteção de dados pessoais, citando os casos envolvendo a Cambridge Analytics e demonstrando a necessidade de termos um governo que nos dê segurança jurídica. Nesse sentido, e com esse principal objetivo de proteger o nosso direito à privacidade, analisamos a Lei Geral de Proteção de Dados de 2018, enxergando seus principais objetivos e características, como seus termos próprios e o que se compreende por dados pessoais. Além disso, vimos suas implicações na prática, a partir principalmente da criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais que funciona sobretudo como órgão fiscalizador e auxiliador das questões de tratamento de dados pessoais, sendo necessária para verificar o futuro cumprimento da lei por parte de todos, garantindo que todos saibam seus direitos e deveres. Direito Digital 41 BIBLIOGRAFIA BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.. Marco Civil da Internet. Brasília, DF, 23 abr. 2014. Disponível em: https://bit.ly/36inHeQ. Acesso em: 21 abr. 2020. BRASIL. Congresso. Senado. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Lgpd. Brasília, DF, 15 ago. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3buPwlZ. Acesso em: 24 abr. 2020. BRASIL. Congresso. Senado. Lei nº 13.853, de 08 de julho de 2019. Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para dispor sobre a proteção de dados pessoais e para criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados; e dá outras providências. Altera Lgpd. Brasília, DF, 08 jul. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2LBUkKQ. Acesso em: 24 abr. 2020. BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Cp. Brasília, DF, 07 dez. 1940. Disponível em: https://bit.ly/3690lrM. Acesso em: 22 abr. 2020. BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. 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