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Mário Armando in Gomide Guerreiro Discorrer sobre as obras desses pensadores resulta em uma grande responsabilidade deste autor. Este livro não tem a pretensão de discutir as teo- rias econômicas emanadas por esses gênios, mas contem- plar uma leitura reflexiva da atividade econômica. A dimensão de suas obras provocaram da segunda meta- de do século XVIII até século XX, grande impacto no pensa- mento econômico mundial, conduzindo os estudiosos a uma grande reflexão e tam- Uma Análise Reflexiva das bém referencial de estudos para surgimento de outras M teorias econômicas, pois todos esses conceitos romperam o universo acadêmico e também NOMICAS pragmático, levando mundo a uma nova doutrina de vida como surgimento de novas classes sociais, papel do Estado e também do mercado.Mário Armando Gomide Guerreiro Nesse sentido, seus concei- Economista - PUC - Campinas, Profes- sor Universitário de Graduação e Pós- tos trouxeram uma nova rou- Graduação da Universidade Paulista, pagem ao estudo econômico, Ph.D in Business Administration - Flo- nas interpretações do merca- rida Christian University FCU ) - USA, do, nas relações sociais e com Mestre em Administração / Educação / Comunicação - Universidade São Mar- isso fomentaram-se pesquisas cos, Especialista em Perícia Econômica e análises não somente no Corecon - SP, Extensão Universitária bito econômico, político e em Administração Estratégica Centro social, mas também no com- de Estudos Internacionais, Extensão Universitária em Law & Business - Glo- portamento humano, abrindo bal Alliance University -USA, Membro Fun- as portas para surgimento de dador do IMEC (Instituto Marion de Excelência Contábil), Diretor outras ciências como a socio- Financeiro do Jockey Club Campineiro, atuou como Coordenador de logia e próprio aprofunda- Cursos (Administração, Ciências Econômicas, Ciências Contábeis) em mento da filosofia, da antro- Universidades, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas da Uni- versidade Paulista / Trabalhou como Executivo em Empresas pologia e da ciência política. Públicas e Privadas, Imortal pela Academia de Letras do Brasil Cadeira Comentarista Econômico convidado da EPTV- Globo Campinas e da Rádio CBN / Globo Campinas , Consultor Econômico / Financeiro. ISBN: 978-65-86978-33-9 in editorainhouseUma Análise Reflexiva das TEORIAS ECONOMICAS Mário Armando Gomide Guerreiro inTodos os direitos reservados ao escritor Mário Armando Gomide Guerreiro, que detém os direitos autorais da obra para a Língua Por- tuguesa. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra através de qualquer forma, meio ou processo, sem a prévia autorização do editor ou do autor, nos termos da lei 9.610/98. O texto aqui reproduzido é uma obra de autoria e responsabilidade de seu autor e não representa, necessariamente, a opinião da Jundiaí, SP, novembro de 2020. Editor Responsável: Márcio Martelli Revisão gramatical: José Felicio Ribeiro De Cezare Fotografias: www.freepik.com Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Guerreiro, Mário Armando Gomide Uma análise reflexiva das teorias econômicas / Mário Armando Gomide SP : Editora In House, 2020. Bibliografia. ISBN 978-65-86978-33-9 1. Economia 2. Política econômica I. 20-49039 CDD-330.01 para catálogo Dedicatória 1. Economia : Análise teórica 330.01 Aos meus pais Baby (in memoriam) e Marlene; Cibele Maria Dias - - CRB-8/9427 À minha filha Larissa; À minha esposa Viviani; Ao meu tio Julico. in editorainhouse www.livrariainhouse.com f editorainhouse www.editorainhouse.com.brA humildade pessoal é uma opção de vida; 10% a humildade intelectual é uma obrigação. Prof. Mário GuerreiroUMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS Prefácio Honra-me imensamente prefaciar o livro Uma análise reflexiva das Teorias Econômicas. Faço-o de modo a conhecer in loco a excelente qua- lidade dos trabalhos acadêmicos e profissionais do Prof. Dr. Mário Armando Gomide Guerreiro, tanto nas Universidades em Cursos de Graduação e de Pós-Graduação, quanto na atividade de Economista em Empresas de natureza Pública e/ou Privada. De fato, autor é profundo conhecedor e pesquisador das diver- sas doutrinas econômicas, conseguindo de maneira brilhante expli- car temas complexos de maneira clara e didática levando em consi- deração o contexto atual. O livro tem como objetivo analisar de forma reflexiva as princi- pais doutrinas econômicas de Smith, Ricardo, Marx, Schumpeter e Keynes. Nesta obra - o Prof. Dr. Mário Guerreiro - reconstrói didati- camente a trajetória do pensamento dos principais economistas da história e de como as referidas doutrinas serviram para alicerçar a economia moderna e contemporânea. A estrutura do livro - na forma de artigos científicos - onde o autor emite suas próprias conclusões com excelente fundamentação. Trata-se de uma apresentação detalhada sobre as teorias econômicas, sendo o tema de grande importância, sobretudo, diante das crises econômicas capitalistas nos dias atuais. Segundo Smith, bem-estar poderia ser aumentado à medida que a composição do produto a ser consumido mais correspondesse às necessidades e aos desejos dos que comprassem e usassem produto". No tocante à eleva- ção do bem-estar econômico, Smith efetua uma análise de como é a composição do modelo capitalista, que era dividido em duas estrutu- ras produtivas, isto é, indústria e agricultura. 7MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS Ricardo teve importante contribuição no pensamento clássico. É O rompimento de um paradigma no tocante ao pensamento clás- a partir dele que outras análises são realizadas não só por estudiosos sico vigente provocou o que muitos autores denominam de "Revolu- que viveram na mesma época, mas a posteriori, quando Karl Marx ini- ção Keynesiana", pois revoluções rompem a estrutura do pensamento cia a análise das relações econômicas através de O Capital. dominante vigente, transformando a sociedade e inserindo novos va- Não se pode dissociar Ricardo, da Economia Política, que não dei- lores, que vêm de encontro com a concepção da Teoria Geral. xa de ser uma ciência social e que, conforme explana Singer, originou- De fato, as conclusões correspondem aos elementos apresenta- -se e desenvolveu-se "tendo por objeto sociedades de classe, em que se contra- dos de maneira natural e criativa, dado que no curso do livro se apre- não somente os interesses econômicos das diferentes classes, mas também e, sentam alternativas às questões econômicas em consonância com as sobretudo, o modo de cada um encarar a própria realidade social e econômica". concepções dos mais importantes doutrinadores. Marx, juntamente com Engels, iniciaram as bases do socialismo Por fim, Prof. Dr. Mário Guerreiro reflete criticamente sobre científico e contemplaram a sociedade em duas classes sociais, bur- as diversas doutrinas econômicas e a revisão bibliográfica alcança de gueses e proletários, respectivamente os exploradores que detêm o maneira eficiente os objetivos elencados na obra Uma análise reflexiva capital e os explorados que vendem a força do trabalho. das Teorias Econômicas. Diante das considerações da teoria econômica marxista, pode-se elucidar que o pensamento analítico de Marx, está assentado na pre- Prof. Dr. Samuel Antonio Merbach de Oliveira* missa do liberalismo clássico emanado por Smith e Ricardo, no sécu- lo XVIII, ou seja, na teoria do valor-trabalho como fonte de riqueza. No tocante à obra Teoria do Desenvolvimento Econômico Schum- peter inicia uma análise embasada em um fluxo circular da vida *Concluiu Pós-Doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de econômica. O papel do empresário com características inovadoras no São Paulo. Concluiu Pós-Doutorado em Psicologia pela Universidade Argentina tocante a eficiência produtiva e a inovação tecnológica foram papel John Kennedy. Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São de destaque na análise schumpeteriana. Paulo. Doutor em Direito Internacional de Universidade Autônoma de Assunção. Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Mestre em Em uma reflexão crítica no âmbito da taxa de crescimento na Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Mestre produção total, Schumpeter afirma que mesmo que a produção cres- em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Assunção. Especialista ça no futuro aos mesmos moldes do passado, a sua redistribuição em em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Universitário Padre Anchieta. Es- caráter imediato acabará por dizimar esse ganho de produção. pecialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Centro Universitário Padre Anchieta. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universi- Em 1936, Keynes publica a célebre obra denominada de Teoria dade Católica de Campinas. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Geral do Emprego, do Juro e da Moeda que vem romper um paradigma Universidade Católica Dom Bosco/Marcato Cursos Jurídicos. Especialista em Di- econômico da época, pensamento clássico. O estudo econômico reito Público pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Metodologias e no tocante ao funcionamento dos mercados e setores da economia Gestão para Educação a Distância pela Universidade Anhanguera/Uniderp. Especia- lista em Museografia e Patrimônio Cultural pelo Centro Universitário Claretiano. já haviam sido estudados por outros pensadores econômicos, toda- Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de via, Keynes construiu bases conceituais e metodológicas abarcando a Campinas. Licenciado em História pelo Centro Universitário Licen- economia como um processo total, global. ciado em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano e Professor Universitário. 8 9Sumário Prefácio 7 Nota do Autor 13 I. Adam Smith e a Concepção Liberal 17 31.012 II. David Ricardo e seu legado econômico 39 III. Marx: um ideal revolucionário 59 IV. Schumpeter: inovação e empreendedorismo 79 V. Revolução Keynesiana e seu impacto no cenário econômico 97 Referências bibliográficas 113 Frases do Prof. Mario Guerreiro 135UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS Nota do Autor Discorrer sobre as obras desses pensadores resulta em uma gran- de responsabilidade deste autor. Este livro não tem a pretensão de discutir as teorias econômicas emanadas por esses gênios, mas con- templar uma leitura reflexiva da atividade econômica. A dimensão de suas obras provocaram da segunda metade do sé- culo XVIII até o século XX, grande impacto no pensamento econô- mico mundial, conduzindo os estudiosos a uma grande reflexão e também referencial de estudos para o surgimento de outras teorias econômicas, pois todos esses conceitos romperam o universo acadê- mico e também pragmático, levando o mundo a uma nova doutrina de vida como o surgimento de novas classes sociais, o papel do Esta- do e também do mercado. Nesse sentido, seus conceitos trouxeram uma nova roupagem ao estudo econômico, nas interpretações do mercado, nas relações sociais e com isso fomentaram-se pesquisas e análises não somente no âmbito econômico, político e social, mas também no comporta- mento humano, abrindo as portas para o surgimento de outras ciên- cias como a sociologia e o próprio aprofundamento da filosofia, da antropologia e da ciência política. Primeiramente, no capítulo I, dissertamos sobre Adam Smith, precursor da economia como ciência, e que irá estabelecer um novo modelo de pensamento lastreado no liberalismo, no livre mercado, na teoria do valor-trabalho e que o Estado não deveria intervir na economia. A sua base de pensamento está assentada no processo da produção, distribuição, circulação e consumo dos bens e serviços. Segundo Smith, o equilíbrio dos preços se estabelece através do mer- cado, como se houvesse uma "mão invisível". 13MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS A posteriori, no capítulo II, o objeto de análise é de outro grande para se atingir o pleno emprego há a necessidade de que haja a in- pensador, David Ricardo, que assim, como Smith, corrobora com a tervenção do Estado na economia. Na crise de 1929, crash da Bolsa teoria do valor-trabalho. Segundo Ricardo, a riqueza de uma nação é de Valores de New York, a teoria econômica clássica não conseguia proveniente da alta quantidade de mercadorias que propiciem con- explicar essa crise, pois o seu conceito estava alicerçado na lei da ofer- dições benéficas para os seus habitantes. Disserta também sobre a procura e Keynes rompe esse paradigma, focando na demanda teoria das vantagens comparativas que tem seu conceito balizado em agregada ou efetiva. Keynes propõe que Estado intervenha na eco- benefício mútuo do comércio entre duas nações, independente de nomia, trazendo-a novamente ao equilíbrio, sendo assim responsável questões de eficiência produtiva; e discorre também sobre a renda pela macroeconomia moderna, na qual se sobrepôs ao modelo mi- da terra, ou seja, a fertilidade das terras apresentam uma composição croeconômico. O impacto de sua teoria acabou sendo denominado desigual, influenciando no retorno dos alugueis. de Revolução Keynesiana. No capítulo III, adentrando no século XIX, surge Karl Marx, com um novo conceito econômico que irá romper com pensamento clás- Boa Leitura! sico. A essência de sua teoria tem como pano de fundo que a luta de classes, embasada no conflito entre capital e trabalho, é a responsável Prof. Mário Guerreiro pela progressão das sociedades. O surgimento do conceito de classes é fruto da divisão social do trabalho, isto é, os detentores de capital, a burguesia e os que vendem a força de trabalho, os proletários. Nes- se sentido, o que se propõe é realizar uma transformação no âmbito político e social. A sua contribuição no tocante à teoria do valor econô- mico, no conceito da mais-valia e no materialismo histórico abriram portas para entendimento do capitalismo, acreditando que este seria substituído por uma sociedade socialista e a posteriori pelo comunismo. No capítulo IV, expomos sobre pensador Schumpeter, que teve importante papel no âmbito da teoria do crescimento econô- mico e de estratégias no campo empresarial. A sua teoria tem como base analítica o sistema capitalista baseado na expansão e na retração. Denominou o termo "destruição criativa" balizado no surgimento de inovações que vão substituindo as inovações antigas. A inovação está imbuída pelo espírito do empreendedor e, segundo Schumpeter, sistema capitalista é dinâmico e não estático e papel do empreende- dor é romper paradigmas no ambiente econômico. Finalizando esta obra, no capítulo V, discorremos sobre Keynes. O seu conceito se opõe ao pensamento clássico. Segundo Keynes, 14 15UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS I. Adam Smith e a Concepção Liberal Antes de adentrarmos em sua obra, em sua base conceitual, ire- mos contextualizar algumas considerações de um período anterior à publicação da obra A Riqueza das Nações: Investigação sobre sua Na- tureza e suas Causas. Professor universitário, filósofo, tendo destaque muito relevante como economista liberal. É o precursor do "laissez-faire" e considera- do o "pai" da economia moderna como ciência. nasceu na cidade de Kirkcaldy, em 1723. Bem jovem, aos 14 anos, ingressou na Universidade de Glasgow. Passou pela Universidade de Oxford e depois em 1751, foi convidado a lecio- nar na Universidade de Edimburgo. Cabe aqui ressaltar que jovem professor Smith lecionará uma disciplina do campo da filosofia antes da economia e em 1759, publica o livro Teoria dos Sentimentos Morais. A base conceitual dessa obra está balizada em que os sistemas éticos naturalmente acontecem a partir das relações entre os indivíduos, base relevante do pensamento do século XVIII, ou seja, no tocante às leis naturais; as ações são corretas ou não, realizadas através das observações e das reações da sociedade ao seu comportamento. Pela reputação de sua obra foi convidado a trabalhar como tutor de um jovem Duque, ficando três anos na França, havendo tempo para se dedicar a estudar a obra que estava escrevendo - A Riqueza das Nações - publicada em 1776. Após a sua morte em 1790, pensadores do campo da economia classificaram Smith, como o precursor da economia como ciência. No campo da filosofia social cabe fazermos aqui uma reflexão. Como a filosofia social do século XVIII poderia resolver o conflito 17MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS ordem social e sociedade individual? A base mercadológica estava enraizando, adentrando na sociedade, havendo aqui um conflito de uma forte industrialização na Inglaterra, surge uma nova sociedade paradigmas, isto é, mercado versus status quo. A sociedade medieval no período em que Smith Toda essa dinâmica econômica e social proporcionou novos es- era balizada em grupos organizados, cada qual com seus direitos e obrigações e em grande parte em caráter hereditário, não havendo tudos do comportamento humano e social. No Renascimento sedi- mentam-se as bases racional e científica e com a reforma as concep- mobilidade social, e isto estava assentado em uma doutrina A economia de mercado rompe esse paradigma, substituindo ções religiosas perdem terreno para as conotações naturais. A ciência e a matemática se fortalecem nos séculos XVII e XVIII, emergin- esse sistema social por unidades individuais e criando uma do assim caráter naturalista, que irá sobrepor-se às concepções desarmonia social, havendo uma desconstrução social balizada em teológicas, e os fenômenos do mundo terão como explicação bases um ambiente competitivo. científicas, ou seja, campo científico seja na Matemática, Física, na Como era essa organização social da Inglaterra no século XVIII? Química e na Botânica, apresentarão um grande salto, alavancando a Aberta para não dizer liberal em todos os âmbitos, todavia, cerceada sociedade inglesa na qual vivia Smith. no aspecto político. Os indivíduos e a inovação estarão presentes no Em face de toda essa conjuntura, as teorias das leis naturais do seio dessa sociedade, sendo massificado. Haverá uma gama de incur- Estado irão surgir na Inglaterra. A tônica dos séculos XVII e XVIII seja nas artes, na pintura, no teatro, na música, na imprensa e no é fazer a passagem de uma monarquia absolutista em um governo magazine. Haverá também a expansão comercial na África, na Amé- constitucional, tendo forte presença a câmara alta e a câmara dos co- rica do Norte e Oceania, fazendo com que a Inglaterra assumisse a muns. Nesse contexto, dois pensadores, Thomas Hobbes, que cu- supremacia naval e comercial, superando a Holanda. nhou a frase "O homem é lobo do próprio homem", defendia a monar- As mudanças tecnológicas avançaram muito rapidamente na In- quia absolutista, que um soberano forte teria condições de combater glaterra. A indústria de tecelagem sofreu grandes transformações e o egoísmo da natureza humana. Contrapondo Hobbes, John Locke algodão torna-se peça-chave nesse momento, se espalhando pelo era adepto do liberalismo, da liberdade e a ordem era um só corpo, mundo, abrindo espaço para um sistema escravagista de plantation na que os governos existiam para combater e evitar caos. Ao Estado América. Com avanço das técnicas de produção, haverá a neces- caberia fazer cumprir as leis da natureza, punindo quem não as cum- sidade de se ter espaços maiores de terras. Essa expansão de áreas prir. Segundo Locke, homem tem "direito à liberdade à igualdade, e trouxe consigo um maior número de trabalhadores. Toda essa à propriedade". mica pragmática e cotidiana do processo social levou filósofos como A teoria da democracia liberal, que tem como base analítica a lei Smith, a refletir e analisar a sociedade. natural, foi discutida no início do século XVIII. O estudo da econo- A economia avançava, individualismo se expandia, a ordem ou mia inserido nesse contexto das leis naturais estará representado com a racionalidade apresentavam uma nova tônica. A humanidade cami- a publicação em 1776, da obra A Riqueza das Nações. A concepção de nhava ao que parecia um mundo melhor, todavia, como administrar liberdade natural de Smith estava assentada na liberdade dos homens as relações sociais inseridas em uma sociedade de cunho individua- de buscar seus interesses, que acabaria provocando um benefício lista qual papel do governo nesse modelo? A partir dessa evolução para o indivíduo e a sociedade, o que contrapõe pensamento do tecnológica, balizada na mecanização e tendo como pano de fundo mercantilismo, de que os desejos egoístas individuais diminuíram 18 19MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS a riqueza da sociedade, sendo necessária uma regulação e controle jeiro e padeiro estariam dispostos a comprar uma parte do por parte do Estado. Smith acreditava que se individuo almeja algo produto. Entretanto, nada têm a oferecer em troca, a não ser de outro ele teria que produzir algo que poderia ser trocado. Assim, os produtos diferentes de seu trabalho ou de suas transações ambos se beneficiariam. Segundo Smith, o bem-estar dos dois indi- comerciais, e o açougueiro já tem o pão e a cerveja de que víduos após a troca é maior caso ela fosse efetuada. precisa para seu consumo. Neste caso, não poderá haver ne- Segundo Smith, nhuma troca entre eles. No caso, o açougueiro não pode ser comerciante para o cervejeiro e o padeiro, nem estes podem Não é da benevolência do do cervejeiro ou do ser clientes do açougueiro; e portanto diminui nos três a pos- padeiro que esperamos obter nosso jantar, mas da conside- sibilidade de ajudarem entre si (SMITH, 1776). ração que têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua generosidade, mas ao seu amor próprio, pois nunca os O autointeresse sedimentado em uma sociedade livre é mola comovemos pelas nossas necessidades, mas pelas vantagens propulsora para se atingir rapidamente o progresso e o crescimento. que eles lograrão. Uma vez plenamente estabelecida a divi- O hábito de poupar cria condições para que esse capital seja canaliza- são do trabalho, é muito reduzida a parcela de necessidades do para a produção de produtos que irão satisfazer outros indivíduos. humanas que pode ser atendida pela produção individual do Essa concepção é tão forte que mesmo que se cerceasse a liberdade próprio trabalhador. A A grande maioria de suas necessida- de investir, essa força seria tão relevante que induziria ao crescimento des ele satisfaz permutando aquela parcela do produto de seu da riqueza. trabalho que ultrapassa o seu próprio consumo por aquelas De acordo com Smith, parcelas da produção alheia de que tiver necessidade. Assim sendo, todo homem subsiste por meio de troca, tornando-se O esforço uniforme, constante e ininterrupto de cada homem de certo modo comerciante; é assim que a própria socieda- para melhorar a sua condição, princípio a partir do qual de- de se transforma naquilo que adequadamente se denomina rivam a opulência pública e nacional assim como a privada, sociedade comercial. Quando a divisão do trabalho estava geralmente é poderoso o suficiente para manter progresso apenas em seu início, este poder de troca deve ter deparado natural das coisas rumo á melhoria, apesar da extravagância frequentemente com grandes empecilhos. Podemos perfeita- do governo e dos grandes erros da administração (SMITH, mente supor que um individuo possua uma mercadoria em 1776). quantidade superior àquela de que precisa, ao passo que um outro tem menos. Consequentemente, o primeiro estaria dis- O Estado era um obstáculo para o progresso econômico. Caberia posto a vender uma parte de seu supérfluo, e o segundo a ao Estado somente conduzir a justiça, a defesa nacional e de algumas comprá-la.Todavia, se esta segunda pessoa não possuir nada áreas em que os indivíduos não teriam interesse em investir, ou seja, daquele que a primeira necessita, não poderá haver nenhuma estradas, educação e instrução religiosa, que poderiam ser providos troca entre as duas. O açougueiro tem consigo mais carne do tanto pelo Estado como pelo setor privado. que a porção de que precisa para seu consumo, e o cerve- 20 21MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS Segundo Smith, Conforme Smith, Todo sistema que procura (...) atrair para um tipo específi- Pessoas do mesmo setor raramente se encontram, nem para CO de atividade, uma parcela de capital da sociedade superior divertimento e recreação, mas quando fazem, a conversa que lhe seria naturalmente destinada (...) retarda, ao termina em uma conspiração contra público, ou em alguma invés de acelerar desenvolvimento da sociedade rumo à ri- combinação para aumentar preços (SMITH, 1776,). queza e à grandeza reais (SMITH,1776). Os monopólios nessa época não tinham dimensionamento dos Ainda Smith, atuais e Smith, não tinha grandes ressalvas aos monopólios. O aces- SO ao mercado era relativamente fácil, não necessitando de grandes As questões de livre comércio e da intervenção do Estado ain- inversões de capital e a tecnologia era relativamente simples com- da hoje estão sempre na ordem do dia. O nome de Smith ain- parada aos dias de hoje. Os monopólios tinham subsídios por parte da costuma ser invocado na defesa do laissez-faire. Entretanto, do governo e, caso não houvesse essa proteção, perderiam espaço no são esquecidos os seus argumentos a respeito, fundados que mercado pela presença da concorrência. estão cm sua visão dinâmica. A "mão invisível" e o livre mer- A mercadoria tem um "preço natural" que nas sociedades primi- cado tornam-se dogmas destituídos de seu conteúdo original tivas era determinado pela quantidade de trabalho necessário para a ou são defendidos por razões bem diferentes das de Smith. produção. Na sociedade industrial temos a composição dos custos de As considerações de Smith sobre o Estado e seus limites di- produção para pagamento dos salários, da renda e lucros e preço ficilmente podem ser aplicáveis atualmente. Os problemas natural depende disso. Quando há divergência entre preço natural apontados no debate contemporâneo quase nunca têm razão e de mercado, as forças deste convergem para aproximá-los. com privilégios a serem abolidos, que apresentem alguma se- De acordo com Smith, melhança com os combatidos pelo nosso autor. No século XVIII, o Estado cumpria papel bastante distinto do que tem O produto do trabalho é a recompensa natural do trabalho, no século XX. As funções que assume hoje e que são obje- ou seja, seu salário. Naquele estado original de coisas que pre- to do debate nem sequer eram imagináveis. Por isso não faz cede tanto a apropriação da terra quanto acúmulo de capital, muito sentido tentar utilizar a autoridade do nome de Smith o produto integral do trabalho pertence ao trabalhador. Este para atacar a intervenção estatal, nos moldes em que ocorre não tem nem proprietário fundiário nem patrão com quem no presente (SMITH, 1776). deva repartir fruto de seu trabalho. Se tal estado de coisas tivesse continuado, os salários do trabalho teriam aumentado A ojeriza de Smith no tocante ao papel estatal não era completa, conjuntamente com todos os aprimoramentos introduzidos pois acreditava que uma liberdade total ao segmento privado poderia nas forças produtivas do trabalho, gerados pela divisão do tra- criar uma conspiração ao interesse público. balho. Todas as coisas ter-se-iam tornado gradualmente mais baratas. Teriam sido produzidas por uma quantidade menor 22 23MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS de trabalho; e já que, nesse estado de coisas, as mercadorias de maneira muito diferente. O aumento do capital, o qual produzidas por quantidades iguais de trabalho teriam sido faz subir os salários, tende a baixar o lucro. Quando capital trocadas umas pelas outras, teriam também sido compradas de muitos comerciantes ricos é aplicado no mesmo negócio, com o produto de uma quantidade menor de trabalho Quan- naturalmente sua concorrência mútua tende a reduzir seus do o preço de uma mercadoria não é superior nem inferior ao lucros; e quando há semelhante aumento de capital em to- suficiente para pagar a renda da terra, os salários do trabalho e dos os diversos ramos de negócio de uma mesma sociedade, os lucros do capital de acordo com suas taxas naturais, empre- a mesma concorrência produz necessariamente o mesmo gados em criar, preparar e transportar a mercadoria até o mer- efeito em todos eles. A renda da terra, considerada como cado, ela será vendida pelo que se pode chamar de seu preço preço pago pelo uso da terra, é naturalmente a maior que natural, exatamente pelo que vale ou pelo que realmente cus- arrendatário pode permitir-se pagar, nas circunstâncias efeti- ta à pessoa que a coloca no mercado. Quando a quantidade vas da terra. Ao ajustar as cláusulas do arrendamento, dono de uma mercadoria colocada no mercado é inferior à deman- da terra faz o possível para deixar ao arrendatário uma parcela da efetiva, não é possível fornecer a todos aqueles que estão da produção não superior ao que é suficiente para pagar ao dispostos a pagar a quantidade desejada. Alguns então estarão arrendatário o capital do qual ele fornece as sementes, paga a dispostos a pagar mais. Uma concorrência entre eles começa- mão-de-obra, compra e mantém o gado e outros instrumen- rá imediatamente e o preço de mercado elevar-se-á. Quando tos e dispositivos agrícolas, juntamente com lucro normal a quantidade colocada no mercado excede a demanda efetiva, do capital empregado, segundo a taxa vigente na região. Evi- torna-se impossível vendê-la que estão dispostos a pa- dentemente, isso é o mínimo com o qual o arrendatário pode gar pelo valor total da renda, dos salários e do lucro, que têm contentar-se, se não quiser sair perdendo no negócio; e ra- de ser pagos a fim de que a mercadoria seja ofertada. O preço ramente o proprietário da terra está disposto a dar-lhe mais de mercado reduzir-se-á. (SMITH, 1776). do que isso. Toda e qualquer parcela da produção ou o que é a mesma coisa toda parcela do preço da produção A análise de Smith está assentada em que quando o volume de que ultrapasse a porcentagem destinada ao arrendatário, o mercadoria inserido no mercado excede a demanda efetiva, há uma dono da terra naturalmente procura reservá-la para si, como tendência de que haja uma redução dos preços. Quando o volume sendo a renda que lhe é devida pelo uso da terra; essa renda de mercadoria inserido no mercado é inferior à demanda efetiva, há pleiteada pelo proprietário naturalmente é a máxima que o uma tendência de que haja uma elevação dos preços. arrendatário puder pagar-lhe, nas circunstâncias concretas da Segundo Smith, terra. Por vezes, de fato, a liberdade do proprietário mais frequentemente, a ignorância dele o leva a contentar-se O aumento e a diminuição dos lucros do capital dependem com uma parcela algo inferior a isso; por outro lado, às vezes, das mesmas causas que o aumento e a diminuição dos salá- embora mais raramente, a ignorância do arrendatário o faz rios do trabalho, do estado de progresso ou de declínio da submeter-se a pagar algo mais do que a citada porcentagem, riqueza da sociedade; porém, essas causas afetam um e outro ou a contentar-se com algo menos do que o lucro do capital a 24 25MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS investir, lucro esse calculado pelo índice vigente na redonde- livre mercado, pois os que têm maior renda irão consumir em detri- za. Entretanto, essa parcela ainda pode ser considerada como a mento dos que possuem menor renda. renda natural que deriva do uso da terra, ou seja, a renda pela Segundo Smith, qual naturalmente se entende que deva ser geralmente locada a propriedade (SMITH, 1776). Todo homem é rico ou pobre, de acordo com o grau em que consegue desfrutar das coisas necessárias, das coisas conve- A posteriori, sob a ótica do equilíbrio de mercado, os economistas nientes e dos prazeres da vida. todavia, uma vez implantada trocaram conceito de preço natural para preço normal, todavia, a plenamente a divisão do trabalho, são muito poucas as neces- premissa de que a oferta e a demanda têm papel preponderante no sidades que o homem consegue atender com produto de seu preço de equilíbrio manteve-se, isto é, no tocante aos custos de pro- próprio trabalho. A maior parte delas deverá ser atendida com dução e à resposta da produção à demanda. A visão de Smith, de que o produto do trabalho de outros, e homem será então rico havia um autoajuste no âmbito da economia de mercado teve papel ou pobre, conforme a quantidade de serviço alheio que está preponderante em sua base analítica. Em quaisquer condições de de- em condições de encomendar ou comprar. Portanto, o valor manda, nível de produção se adéqua à demanda do consumidor, e de qualquer mercadoria, para a pessoa que a possui, mas não que a concorrência converge para que haja a redução dos preços, ou tenciona usá-la ou consumi-la ela própria, senão trocá-la por seja, tudo isso é possível através da liberdade de ação das forças de outros bens, é igual à quantidade de trabalho que essa merca- mercado e que não haja a intervenção do governo. doria lhe dá condições de comprar ou comandar. Consequen- Cabe salientar que a base conceitual de Smith, tem como preo- temente, o trabalho é a medida real do valor de troca de todas cupação a restrição das forças de mercado, isto é, que essas não con- as mercadorias. Em cada sociedade ou nas suas proximidades, sigam se desenvolver em face das colocações do próprio Smith em existe uma taxa comum ou média para salários e para o lucro, "Segredos nas Manufaturas, Segredos Comerciais", " Monopólio", " em cada emprego diferente de trabalho ou capital. Essa taxa Singularidade do solo e circunstância". Questionava em muito o pa- é regulada naturalmente conforme exporei adiante em pel dos monopólios, cerceando o livre mercado e também qualquer parte pelas circunstâncias gerais da sociedade sua riqueza ação por parte do governo ou empresas que coibisse ou restringisse ou pobreza, sua condição de progresso, estagnação ou declí- a concorrência e o livre mercado. Todas as teorias apresentam algu- nio e em parte pela natureza específica de cada emprego ma limitação, mas que não rompam o seu conceito. A base teórica ou setor de ocupação. Existe outrossim, em cada sociedade ou de Smith, assenta-se em duas limitações que foram exploradas por nas suas proximidades uma taxa ou média de renda da terra, economistas socialistas do século O primeiro ponto a ressaltar é também ela regulada como demonstrarei adiante em no tocante à demanda efetiva, isto tem forte relação com a distribui- parte pelas circunstâncias gerais da sociedade ou redondeza ção de renda. A adequação da produção ao nível de demanda é uma na qual a terra está localizada, e em parte pela fertilidade na- relação diretamente proporcional ao poder de compra dos consumi- tural da terra ou pela fertilidade conseguida artificialmente. dores. Caso haja uma desproporção de renda dos consumidores, não Essas taxas comuns ou médias podem ser denominadas taxas adiantará a produção ser eficiente sob a ótica econômica, ou seja, no naturais dos salários, do lucro e da renda da terra, no tempo e 26 27MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS lugar em que comumente vigoram. Quando preço de uma mercadoria não é menor ncm maior do que suficiente para período do mercantilismo e consolidando-se na Revolução Indus- trial, primeiramente na Inglaterra, como industrialização originária pagar ao mesmo tempo a renda da terra, os salários do traba- na segunda metade do século XVIII e atingindo outros países da Eu- lho e os lucros do patrimônio ou capital empregado em obter, ropa, no início do século XIX. preparar e levar a mercadoria ao mercado, de acordo com suas Cabe ressaltar que no tocante aos mercados externo e interno no taxas naturais, a mercadoria é nesse caso vendida pelo que se dos produtos ingleses, estes cresceram em setenta anos (sé- pode chamar seu preço natural. Nesse caso, a mercadoria é culo XVIII), 7% no mercado interno e 80% no mercado externo. Isto vendida exatamente pelo que vale, ou pelo que ela custa real- alavancou a indústria inglesa proporcionando a própria Revolução mente à pessoa que a coloca no mercado; com efeito, embora Industrial. O liberalismo, livre mercado, já estava enraizado no seio no linguajar comum, o que se chama custo primário de uma da sociedade inglesa. A tônica do crescimento dos lucros pelos pro- mercadoria não inclua lucro da pessoa que a revenderá, se dutos industrializados a preços mais baixos se alicerçou, expandindo a vender a um preço que não lhe permite a taxa comum a base tecnológica do século XVIII e início do século XIX. do lucro nas proximidades, elc está tendo perda no negócio, já Nesse contexto, a indústria teve papel relevante na Revolu- que poderia ter auferido esse lucro empregando seu capital de ção Industrial, inclusive com medidas protecionistas. Todo esse apa- alguma forma diferente. Além disso, seu lucro é sua renda, rato fomentou novas invenções no campo da indústria têxtil, conver- fundo adequado para sua subsistência (SMITH, 1776). gindo para a criação de uma indústria fabril. Outro fato importante a ressaltar é o papel da indústria siderúrgica inglesa, que era incipiente A posteriori, Marx e os economistas de cunho socialista e outros no início do século XVIII, todavia, com novas invenções, inclusive pensadores irão contrapor a tese de Smith, todavia, as observações para o aparato militar, levando a uma rápida expansão desse segmen- não lograram êxito por completo. O segundo ponto a ressaltar é no to industrial. O campo da inovação na Inglaterra, do século XVIII é que concerne à questão da justiça econômica no âmbito de terra, ca- muito elevado, principalmente entre 1760 e 1790, fazendo com que pital e propriedade privada. A base da economia liberal está assentada número de patentes crescesse vertiginosamente e O motor a vapor na propriedade privada, sendo esta responsável por receber incenti- é que tornou-se mais relevante. vos econômicos, ao qual Smith classificou a sociedade em avançadas De acordo com Smith, e primitivas. Nas primitivas o trabalho dependia da remuneração e no âmbito dos custos de produção se referiam aos salários. Nas avan- O dinheiro emprestado a juros é sempre considerado como çadas, pelo grau de complexidade, tendo a propriedade privada. O um capital pelo emprestador. Este espera que, no devido tem- lucro do capital e a renda da terra integram os custos de produção. po, ele lhe seja restituído e que nesse meio-tempo tomador Nesse sentido, renda e lucro terão os custos de produção como lhe pague uma certa renda anual pelo uso do mesmo. O to- um organização social e não somente fenômenos naturais balizado mador do empréstimo, por sua vez, pode utilizá-lo como ca- no trabalho humano e na motivação do autointeresse. Analisando pital ou como um dinheiro reservado para seu consumo sob um contexto histórico, podemos salientar que o modo de pro- diato. Se emprega como capital, utiliza-o para a manutenção dução capitalista rompe a espinha dorsal do feudalismo e perpassa ao de mão-de-obra produtiva, a qual reproduz valor, com lu- 28 29MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS cro. Neste caso, o tomador tem condições tanto para repor manufaturas com um elevado volume de produção já estava sedi- capital como para pagar os juros, sem alienar qualquer outra mentada em meados do século XVIII na Inglaterra. A manufatura fonte de sua renda nem interferir nela. Se utiliza o dinheiro estava estruturada em prédios, equipamentos de produção, insumos emprestado para consumo imediato, age como um perdulá- e operários que percebiam salários. Um fator importante nesse mo- rio, dissipando na manutenção de pessoas ociosas aquilo que delo industrial é a elevada produtividade do trabalho fruto da divisão se destinava a manter pessoas operosas. Neste caso, ele não do trabalho. Smith, além de ser um cientista social, tinha uma visão tem condições nem para repor capital nem para pagar os econômica apurada, sendo o primeiro a distinguir como a renda se juros, sem alienar alguma outra fonte de renda como por comportava nos três níveis, lucros, alugueres e salários na economia exemplo a propriedade ou a renda da terra ou sem inter- capitalista da época. Caberiam os lucros aos capitalistas, os alugueres ferir nela. O dinheiro emprestado a juros pode, sem dúvida, aos proprietários de terra e os salários aos trabalhadores e depois mais ser utilizado ocasionalmente das duas maneiras citadas, mas é tarde denominados por Marx, de proletários. Esta premissa contri- muito mais frequente empregá-lo da primeira. A pessoa que buiu para a construção de uma base sociológica. No âmbito das re- toma emprestado para gastar, logo se arruína, e quem lhe em- lações de classe e adentrando no campo sociológico observamos a presta geralmente terá que arrepender-se da insensatez come- análise de Smith, no tocante ao que determina as instituições sociais tida. Tomar emprestado ou emprestar para esse fim, portanto, e a de como são as relações pessoais e de classe entre seus membros em todos os casos em que não houver usura, é contrário aos tudo isso é fruto de como os seres humanos produzem e distribuem interesses das duas partes; e embora às vezes aconteça cer- as necessidades materiais da vida. Acreditava que as sociedades pos- tas pessoas fazerem isso, podemos estar certos de que, devido suíam estágios de desenvolvimento, ou seja, caça, pastoreio, agricul- à consideração que cada um tem pelo seu próprio interesse, tura e o comércio. O modo de produção de cada sociedade era "pano isso não ocorre com tanta frequência como talvez podería- de fundo" para entender como era a forma de governo institucional. mos imaginar. Pergunte-se a qualquer pessoa rica dotada de Todas as sociedades estavam em determinado estágio e não era razoável grau de prudência, a qual desses dois tipos de pessoas obrigatória a passagem de um estágio para outro; somente quando tem emprestado a maior parte de seu dinheiro àqueles que, houvesse um conjunto de condições geográficas, políticas, econô- na opinião dela, empregarão de forma rentável ou àqueles micas e culturais. Não obstante, dentro desses quatro estágios evo- que gastarão na ociosidade e veremos que zombará da lutivos da sociedade humana, Smith investigando as circunstâncias pergunta feita. Mesmo entre os tomadores de empréstimo ou causas, relata aos homens.. uma superioridade sobre a maior parte que não 349 são particularmente conhecidos como os cida- de seus semelhantes". Segundo Smith, governo civil instituído com a dãos mais frugais o número dos frugais e operosos supera finalidade de oferecer segurança à propriedade é na realidade insti- de muito dos pródigos e ociosos (SMITH, 1776). tuído para defender "o rico do pobre ou os que têm alguma propriedade dos que têm propriedade alguma". Essa nova dinâmica industrial proporcionou um forte cresci- No que concerne à teoria do valor de Smith, esta apresentava mento das cidades e já na primeira metade do século XIX, colocou algumas contradições, todavia, houve um espectro de ideias que se a Inglaterra, como maior potência econômica e política mundial. As tornaram base para análises a posteriori de Ricardo e Marx. O pro- 30 31MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS cesso produtivo nas sociedades depende do esforço humano e este, tar a produção bruta ou a produção manufaturada dos lugares diferentemente dos animais que vivem no meio natural, depende de onde há abundância para aqueles onde há escassez; finalmen- transformar o ambiente natural, modificando os processos de tra- te, para dividir porções específicas desses produtos brutos balho, e no surgimento de novos produtos associados à elevação da ou manufaturados em pequenas parcelas, de acordo com a produtividade. demanda ocasional dos que necessitam. No primeiro caso, Cabe aqui ressaltarmos a análise de Smith, no tocante à teoria do empregam-se os capitais de todos aqueles que empreendem bem-estar econômico. A sua base conceitual emanava que a teoria aprimoramento ou cultivo da terra, a exploração das mi- econômica deveria ser uma teoria balizada em normas que conver- nas e da pesca; no segundo, os capitais de todos os donos de gissem para as políticas. O ponto fundamental de preocupação de manufaturas; no terceiro, os capitais de todos os comerciantes Smith, era bem estar humano e como as forças no campo social e atacadistas; finalmente, os capitais de todos os comerciantes econômico poderiam contribuir para esse fim. Segundo Smith, varejistas. É difícil imaginar algum tipo de aplicação de capi- bem estar poderia ser aumentado à medida que a composição do produto a ser tal que não se enquadre em um ou outro desses quatro itens consumido mais correspondesse à necessidades e aos desejos dos que comprassem (SMITH, 1776). e usassem produto". No tocante à elevação do bem estar econômi- Smith efetua uma análise de como é a composição do modelo A base conceitual de Smith está lastreada no laissez-faire, que é capitalista, que era dividido em duas estruturas produtivas, isto é, momento em que as forças de mercado (oferta procura) regulavam indústria e agricultura. Na esfera da produção da mercadoria havia a economia tornando-se livre das intervenções do governo. Smith três divisões, terra, trabalho e capital, que compunham a base social contempla esse raciocínio dentro da premissa de que o governo be- do sistema, proprietários de terra, trabalhadores a posteriori proletá- neficiava as classes privilegiadas capitalistas e proprietários de terra rios e capitalistas. que se apresentavam respectivamente com remunerações distin- Conforme Smith, tas, isto é, lucros e alugueres e que, apesar de ter o homem como um ser egoísta e ganancioso, levaria ao bem-estar econômico. Smith Embora todos os capitais se destinem exclusivamente à ma- concluiu que em todas as sociedades a quantidade de trabalhadores nutenção de mão-de-obra produtiva, a quantidade de mão- produtivos e o nível de produtividade estavam diretamente ligados -de-obra que capitais iguais têm condições de acionar varia ao ao nível de produção. O nível da produtividade era diretamente pro- extremo, de acordo com a diversidade das aplicações desses porcional à divisão do trabalho. A divisão do trabalho era fruto do capitais, variando também ao extremo o valor que esse em- mercado e, quanto mais desenvolvido fosse balizado em uma econo- prego acrescenta à produção anual da terra e do trabalho do mia de trocas comerciais, convergiria para uma especialização geral. país. Um capital pode ser aplicado de quatro maneiras diver- No tocante ao trabalho produtivo, Smith tece algumas consi- sas: primeiro, para se obter a produção natural ou bruta da derações referentes ao trabalho produtivo: um trabalhador tem seu terra, exigida anualmente, para uso e consumo da sociedade; trabalho produtivo quando a resultante é a renda proporcionada aos segundo, para manufaturar e preparar essa produção bruta da capitalistas e que consiga suprir os custos salariais e resultar em lucro. terra para o uso e consumo imediato; terceiro, para transpor- Interessante análise de Smith, que argumentava que o capital torna- 32 33MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS -se mais produtivo em algumas áreas do que em outras. A agricultura valor algum a nada, Embora manufator tenha seus salários era a mais produtiva, logo em seguida a indústria e depois o comércio adiantados pelo seu patrão, na realidade ele não custa nenhu- interno e por último comércio externo. ma despesa ao patrão, já que o valor dos salários geralmente é Como salienta Smith, "no mercado livre os atos egoístas dos indivíduos reposto juntamente com um lucro, na forma de um maior va- são dirigidos, como por uma mão invisível para a maximização do bem estar lor do objeto no qual seu trabalho é aplicado (SMITH, 1776). econômico". No que concerne ao papel do Estado, Smith acreditava que as intervenções do governo com regulamentos, subsídios e con- Essa visão simplista de Smith, confronta com a visão real do con- cessões a monopólios criavam uma deficiência na alocação do capi- flito de classes e frações de classes no universo capitalista. Os salá- tal, prejudicando bem-estar econômico. Nesse sentido, governo rios eram fruto de uma disputa seja no campo econômico como no ocasionaria uma redução na taxa de acumulação de capital, inibindo político e social, confrontando duas classes, operários e capitalistas, a divisão do trabalho e afetando a produção social. O laissez-faire, a sendo que a vantagem recaía em favor dos capitalistas. Se O gover- livre concorrência, coibiriam todos os atos egoístas e gananciosos, no tem como pressuposto proteger a classe capitalista como livre canalizando para um sistema socialmente benéfico, de harmonia, de mercado, a concorrência, a "mão invisível" conseguiria neutralizar os "liberdade natural". Caberiam ao governo três funções: proteção das atos egoístas dos indivíduos. fronteiras, proteção do individuo através da justiça e efetuar certas Smith possuía preocupações com crescimento econômico, por obras públicas em que não haveria interesse dos indivíduos lucros isso abarca a questão da psicologia humana inserida na sociedade. Sua menos custos. base analítica de raciocínio se assentava na expansão dos mercados, No âmbito das classes sociais e suas relações, isto é, há disputa na acumulação de capital e na divisão do trabalho. A produtividade de classes, estas se apresentam com algum grau de harmonização. tinha uma relação direta com essas premissas. No tocante à especia- Smith contempla que em um sistema de liberdade natural tenderia lização, esta tem fator preponderante nos mercados; nos mercados a criar uma certa harmonia e que egoísmo e a ganância dos indiví- maiores há a expansão da especialização e da produtividade. O fator duos seria atenuados no capitalismo de mercado. A "mão invisível" capital é extremamente relevante, pois a acumulação de capital é um conduziria a sociedade ao equilíbrio. catalisador para o crescimento econômico. Segundo Smith, Conforme Smith, O dinheiro: existe um tipo de trabalho que acrescenta algo Que a riqueza consista no dinheiro, isto é, no ouro e na pra- ao valor do objeto sobre o qual é aplicado; e existe outro tipo, ta, é uma ideia popular que deriva naturalmente da dupla que não tem tal efeito. O primeiro, pelo fato de produzir um função do dinheiro, como instrumento de comércio e como valor, pode ser denominado produtivo; o segundo, trabalho medida de valor. Pelo fato de ser instrumento de comércio, improdutivo. Assim, o trabalho de um manufator geralmen- quando temos dinheiro temos maior facilidade de conseguir te acrescenta algo ao valor dos materiais com que trabalha: mais prontamente, do que por meio de qualquer outra mer- o de sua própria manutenção e o do lucro de seu patrão. Ao cadoria, tudo aquilo de que possamos ter necessidade. Pen- contrário, o trabalho de um criado doméstico não acrescenta samos sempre que o grande problema e grande negócio 34 35MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS é ter dinheiro. Dispondo dele, não há dificuldade alguma prata. Das duas noções, talvez a dos tártaros estivesse mais em fazer qualquer outra compra. Pelo fato de ser o perto da verdade. O Sr. Locke adverte para uma diferença a medida do valor de outras coisas, calculamos o valor entre dinheiro e os outros bens móveis. Segundo ele, to- de todas as demais mercadorias pela quantidade de dinheiro dos os outros bens móveis são de natureza tão consumível pela qual podem ser trocadas. Dizemos que um rico vale que não se pode confiar muito na riqueza consistente neles, muito dinheiro, e que um pobre vale muito pouco e uma nação que num determinado ano tem abundância de- Diz-se que um homem parcimonioso, ou seja, um homem les pode ter grande escassez deles no ano seguinte, mesmo que almeja ardentemente tornar-se rico, ama dinheiro; e sem exportá-los, simplesmente em decorrência de seu pró- diz-se que um homem despreocupado, generoso, ou pródi- prio uso e abuso. Ao contrário, dinheiro é um amigo cons- go é indiferente ao dinheiro. Tornar-se rico, nesse modo de tante que, embora possa circular de mão em mão, desde que pensar, é adquirir dinheiro; em suma, a riqueza e o dinhei- consigamos evitar que ele saia do país, está pouco sujeito ao ro, no linguajar comum, são considerados como sinônimos, desgaste e ao consumo. Segundo ele, portanto, ouro e a sob todos os aspectos. Analogamente, supõe-se que um país prata constituem a parte mais sólida e substancial da riqueza rico da mesma forma que um indivíduo rico é aquele móvel de uma nação; por esse motivo, no pensamento dele, que tem muito dinheiro; nessa suposição, acumular ouro o grande objetivo da Economia Política de tal nação deve e prata em um país constitui o caminho mais rápido para consistir em multiplicar esses metais (SMITH, 1776). Durante algum tempo após a descoberta da América, a primeira pergunta dos espanhóis, quando che- Segundo Smith, a ordem social estava assentada no capital e gavam a alguma costa desconhecida, costumava ser esta: há começava pela agricultura, caminhava para a manufatura e ouro e prata nas imediações? Conforme a informação que mércio, ou seja, um impulsionava outro e todos os setores estão recebiam, julgavam se valia a pena estabelecer uma colônia interligados. O aumento em um segmento propicia um retorno ao ali ou se valia a pena conquistar a região. Plano Carpino, outro na mesma magnitude. Todo esse processo traz em seu bojo a monge enviado como embaixador pelo rei da França a um elevação da especialização e da produtividade e assim há o avanço dos filhos do famoso Gengis Khan, conta que os tártaros da economia. costumavam perguntar-lhe se havia muitas ovelhas e bois Concluindo, Smith tinha a percepção que apesar de todas as pe- no reino da França. A pergunta deles tinha o mesmo obje- culiaridades do individualismo, este era benéfico. As disputas canali- tivo que a dos espanhóis. Queriam saber se país era sufi- zavam para o crescimento e a riqueza das nações. Importante salien- cientemente rico para valer a pena conquistá-lo. Entre os tar que Smith considerava não haver uma disputa entre benefícios tártaros, como entre todos os outros povos de pastores, que individuais e coletivos. O caminho para crescimento econômico geralmente ignoravam o uso do dinheiro, gado constitui estava diretamente ligado ao egoísmo e a ganância competitiva dos instrumento do comércio e a medida de valor das demais indivíduos. A sua visão está alicerçada no equilíbrio de mercado, que mercadorias. Por isso, no conceito deles, a riqueza consistia abriu caminho para o crescimento tendo como "pano de fundo" a em gado, assim como para os espanhóis consistia em ouro e acumulação de capital. 36 37MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS A Riqueza das Nações abriu as portas para reflexões nos campos econômico, político, social e filosófico e sua teoria incorpora fatores como valor-trabalho, liberalismo, papel do governo, liberdade do comércio e acumulação de capital. II. David Ricardo e seu legado econômico Ricardo teve importante contribuição no pensamento clássico. É a partir dele que outras análises são feitas não só por estudiosos que viveram na mesma época, mas a posteriori quando Karl Marx inicia a sua análise das relações econômicas através de O Capital. O comércio internacional também sofre uma influência mais analítica, mesmo sofrendo de algumas ambiguidades no que tange, à sobreposição de economias mais fortes sobre as mais frágeis. Foi Ricardo, com cer- teza, o maior pensador clássico, juntamente com Smith, em analisar as relações econômicas capitalistas que estavam emergindo com a Revolução Industrial, aprofundando-as bem mais que os fisiocratas que focavam a agricultura como ponto de interpretação e análise. Não poderíamos dissociar Ricardo, da Economia Política, que não deixa de ser uma ciência social e que, conforme explana Singer, ori- ginou-se e desenvolveu-se "tendo por objeto sociedades de classe, em que se não somente os interesses econômicos das diferentes classes, mas também e, sobretudo, o modo de cada um encarar a própria realidade social e econômica". No que concerne aos componentes teóricos econômicos como a própria teoria do valor, o sistema monetário e o comércio internacio- nal, estes têm como base a Teoria Ricardiana. Filho de judeus que, vindos da Holanda, estabeleceram residên- cia na Inglaterra, Ricardo nasceu na Inglaterra, em 1772 e faleceu em 1823. Trabalhou para o pai desde os 14 anos de idade. Aos 21 anos, por ter-se desentendido com o pai por causa de questões religiosas e do casamento, foi trabalhar por conta própria na Bolsa, onde enri- queceu, tornando-se proprietário fundiário e conforme Araújo, "aos 38 39MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS 42 anos de idade já possuía uma fortuna calculada entre 500 mil e 1 apenas no último terço do século passado, a publicação de "O 600 mil libras". No âmbito político teve intensa atividade Capital" de Karl Marx e da obra dos fundadores do margina- Dos representantes da Escola Clássica, três dos quatro principais lismo (Jevons, Menger e Walras) fez surgir novas escolas de tiveram experiência acadêmica. Afora Ricardo, cuja obra foi moti- pensamento que substituíram a ortodoxia clássica, represen- vada por questões práticas e políticas mas com rigor científico, tada por Smith, Ricardo e seus discípulos. demais foram levados a escrever por outros motivos (embora tam- bém tivessem preocupações práticas). Grosso modo, pode-se dizer que O envolvimento de Ricardo, com seu cotidiano político, as ques- Adam Smith motivou-se por questões filosóficas; Malthus, por mo- de sua época levariam-no em 1819, a entrar na Câmara dos Co- tivos religiosos e Say por preocupações pedagógicas. muns. Do que se conhece é que Ricardo tinha dificuldade em redigir todos tinham motivações políticas. e não gostava de discursar, sendo o tempo todo incentivado por Ja- O que se discute em questão não é a veracidade das teorias clás- mes economista e seu amigo. sicas, mas sim fato que tem imortalizado Ricardo, conforme coloca Como abordamos no início da discussão e sintetizado por Araú- Singer, "ser o autor de numerosas abordagens que se tornaram pon- jo, "A obra ricardiana exerceu enorme influência sobre todas as correntes eco- tos de referência obrigatórios para todos aqueles que querem aprender, aplicar ou nômicas posteriores". Ainda conforme este mesmo autor: "Ricardo e rediscutir os fundamentos da Economia Política". Malthus têm raízes intelectuais em Adam Smith". Diferenciam-se porque Ricardo, diferenciando-se dos outros pensadores anteriores ou Malthus, não aceita a "lei de Say" (lê-se lei de Sé) e Ricardo posteriores a ele, interpretava os fenômenos econômicos sem uma Marx e Marshall defendem pontos de vista diametralmente opos- profundidade empírica, mas com dedução lógica. tos no encaminhamento das questões econômicas, mas ambos têm Em 1799, teve contato com A Riqueza das Nações, de Adam Smi- inspiração ricardiana. A riqueza de um pensamento está justamente th, quando seu interesse pela Economia Política começa a aflorar- nesta capacidade de abrir novos horizontes intelectuais. Neste ponto, -se. Teve em James Mill (o pai) importante incentivador para que se o pensamento de Ricardo foi fecundo. Em 1823, com pouco mais de aprofundasse nas suas concepções teóricas. 50 anos e deixando uma bagagem respeitável, morre Ricardo, rico, Possuía um bom trânsito de amizades, como a de Thomas Mal- respeitado e famoso. thus e Jean Baptiste Say, com os quais confrontava seus pontos de David Ricardo viveu num período particularmente importante vista. na história da civilização ocidental, marcado por profundas transfor- Em 1815, seus escritos vêm ao encontro da discussão que se fazia mações nos campos econômico, social e político. Assistiu às crises no momento sobre a questão do protecionismo à agricultura e suas sociais e inovações tecnológicas produzidas pela Revolução Indus- consequências. trial (séculos XVIII/XIX), presenciou a Revolução Francesa (1789) e Em 1817, é publicado Princípios de Economia Política e Tributação, viveu seus desdobramentos. A sua obra está inserida neste contexto que colocou Ricardo, como sucessor de Adam Smith, no âmbito da e ajudou a compreender as mudanças ocorridas nesse período. Não Economia Política, confluindo seu pensamento para uma dissemina- está desprovida de um posicionamento político diante do seu tempo. ção relevante, formando a chamada "Escola Ricardiana". Conforme explana Singer, 1 Pai de John Stuart Mill, filósofo e economista da escola 40 41MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS Muito pelo contrário, é uma tentativa de compreensão das mudan- A Revolução Francesa acabou sendo o ponto de partida para ou- ças nele ocorridas, marcada por posicionamentos bastante claros e às tros movimentos de independência fora da Europa, influenciando- vezes comprometidos com grupos facilmente identificáveis. Todos -os. A Revolução Francesa é o ponto de partida de ruptura Estado e eles deram sua contribuição para derrubar que Maurice Dobb con- Igreja, será uma fase em que a razão começará a se sobrepor neste sidera a política econômica da era da acumulação primitiva Mer- período da história. cantilismo e para a estruturação da cosmovisão da classe dominante Conforme Singer enfatiza, surgida com capitalismo: a burguesia. No tocante à visão de Ricardo, quanto ao pensamento mer- Ricardo viveu num período em que a fé na ciência se difundia cantilista, um ponto de atrito entre as ideias mercantilistas é CO- no bojo de um crescente anseio pelo progresso. E ele certa- mércio internacional. Para os últimos, as importações deveriam ser mente comungava nessa fé, dedicando suas forças e seu gênio proibidas, todas. Para Ricardo, as Leis dos Cereais, que proibiam a à da Economia Política, a qual, nas mãos de importação do trigo, deveriam ser revogadas. Ele afirmava que se Adam Smith ainda apresentava tinturas filosóficas e um estilo esse cereal fosse comprado no exterior a preços menores que os do discursivo que parecia fugir aos imperativos de precisão e ri- mercado interno, isso evitaria a alta de salários, que permitiria a gor científicos. É significativo que um homem como Ricardo, obtenção de maior taxa de lucro, impulso para crescimento. "O cujo modo de se exprimir era eminentemente dedutivo, pai- comércio internacional (explica) é vantajoso unicamente na medida em que rando em elevados níveis de abstração, pudesse ter exercido permite obter com a mesma quantidade de trabalho nacional maior quanti- como exerceu tamanha influência sobre a condução da políti- dade de mercadorias". ca econômica de seu país (e possivelmente de outros países). Tanto a Revolução Industrial como a Revolução Francesa tiveram Seria ilusório supor que essa influência se dava exclusivamen- papel importante neste momento de surgimento da Escola Clássica. te à força de seus argumentos. Ela era também expressão de A Revolução Industrial provocou uma transformação de grande interesses de classe dos capitalistas industriais. Não obstan- vulto no âmbito econômico, pois fez a substituição da força motriz, te, fato desses interesses se exprimirem dessa forma deu à isto é, a substituição do homem pela máquina a vapor. O homem Economia Política, dos tempos de Ricardo em diante, grande perdeu completo fazer do seu produto (início, meio e fim) e, se- relevância enquanto saber especializado e sistema doutrinário gundo Singer, "a produtividade do trabalho deixou de depender da capaci- (SINGER, 1982). dade e destreza do artesão e passou a crescer em função do de instrumentos mecânicos de produção". A participação da Inglaterra, em conflitos bélicos a partir de 1792, No âmbito político, a Revolução Francesa foi, segundo Singer, levou-a ao financiamento a outras nações que culminaram em dese- "... a transformação do liberalismo da mera doutrina político-filosófica numa quilíbrios a si mesma, no tocante à sua base monetária. forga política real". Conforme citação de Singer referente a Hobsbawn, afirma que: 2 DENNIS, Henri. História do Pensamento ed. Lisboa: Livros O Banco da Inglaterra não pôde resistir à pressão redobrada Horizonte, 1982, p. 346. de uma vasta demanda governamental em larga medida en- 42 43MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS viada ao exterior como empréstimos e subsídios No tocante à liberdade do comércio internacional, a preocupação privada pelo seu lastro metálico e a tensão de um ano de fome. Em 1797, o pagamento em ouro a clientes de Ricardo com livre-comércio ao estabelecer Padrão-Ouro da privados foi suspenso e a nota bancária inconversível conversibilidade da moeda vem ao encontro da explanação de Singer, -se de fato a moeda efetiva... ela durou muito mais tempo Suponhamos que, em determinado país, volume de ouro do que se tinha antecipado. Pagamentos em metal não foram em circulação aumente, acarretando a elevação de seus preços plenamente restabelecidos antes de 1821 (SINGER, 1982). (medidos em unidade de ouro); isso imediatamente estimula- rá o crescimento de suas importações e o decréscimo de suas O desequilíbrio dos preços relativos provocou reflexos no pró- exportações, pois seus produtos ter-se-ão tornado mais caros prio valor da libra esterlina. que os de seus parceiros comerciais; resultará daí um saldo É neste contexto que ele publica em forma de carta, em 1809, no negativo em sua balança comercial, que será coberto em ouro; Morning Chronicle as suas ideias. dessa maneira excesso de ouro fluirá ao exterior, e índice A questão colocada naquele momento era a inflação. Ricardo vi- de preços voltará ao seu nível anterior, restabelecendo-se sualizou-a dentro da concepção chamada monetarista, que o descon- equilíbrio entre exportações e importações. É fácil mostrar trole dos preços estava assentado no excesso de emissão de notas sem que, havendo escassez de ouro no país, mesmo mecanismo conversibilidade. funcionará em sentido inverso até que a lacuna seja preenchi- Conforme coloca Singer, "ao analisar efeito do crescimento do vo- da (SINGER, 1982). lume de meios de pagamento sobre os preços, Ricardo formulou uma Quantitativa da Moeda', que até hoje a teoria monetária", ou Pela própria estrutura política e econômica do período Ricardia- seja, M.V. = p.q., a oferta da moeda multiplicada pela sua velocidade no e também a posteriori é que padrão-ouro prevaleceu, pois não é igual ao nível de preços multiplicado pelo nível de produção física houve grandes rupturas internacionais nesse período, do ponto de (PIB). Conforme colocação de Feijó, vista de conflitos bélicos que arranhassem esse modelo. Ricardo era um monetarista e se preocupava mais com a relação Ricardo, ao lado de Thorton e Malthus, era rotulado de bu- da moeda como coloca Singer, "preocupado com a relação entre o valor lionista e acreditava que a volta do padrão-ouro traria a alme- da moeda e seu volume, ele abstraía os demais fatores que influíam sobre os jada estabilidade dos preços. Havia também o campo dos que preços". pensavam de modo diferente. Para banqueiros, ministros e Ricardo acreditava piamente que mercado se autorregulava e antibulionistas em geral, a moeda era gerada endogenamente que não houvesse a presença do Estado, assim como no pensamento no sistema de crédito e, assim, não poderia ocorrer emissão do economista francês Jean-Batiste Say em sua célebre teoria: "Toda em excesso. Explicavam a inflação pelo lado real, localizando oferta cria a sua própria procura (demanda)". sua causa nos gastos públicos desenfreados e na queda das ex- Na fase de guerra contra a França, houve uma explosão do preço portações (FEIJÓ, 2007). dos alimentos, canalizando assim um ganho representativo para os agricultores, pelo menos num primeiro momento. A formação dos 44 45MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS preços forçou a elevação dos custos de produção que se mantiveram ticas a serem tomadas. A teoria de Ricardo era mais do que a mesmo quando a guerra cessou; com seu término (guerra), os pre- solução para um problema específico da sua época. Se assim declinaram pela queda da própria demanda. A política dos agri- fosse, ela teria sido esquecida quando problema deixou de cultores era que as tarifas de importação de trigo ficassem Uma ter importância. Mas Ricardo desenvolveu-a muito mais, ge- agricultura ativa, forte era o fundamento teorizado pelos agricultores neralizando-a como uma completa teoria de crescimento econômico para que a Inglaterra pudesse realizar a defesa nacional. Do outro (FUSFESLD, 2001). lado, com outra argumentação, estavam os industriais que colocavam que uma restrição às importações traria elevação dos preços internos No âmbito do desenvolvimento econômico, para entendermos a dos alimentos, forçando a elevação dos salários, isso canalizaria para sociedade onde se insere a análise Ricardiana, temos como ponto de uma redução dos lucros e problemas de redução das exportações. partida três esferas de classe, segundo Ricardo apoiava a corrente dos industriais. Tinha como argu- mento que a restrição às importações beneficiaria não os agriculto- O latifundiário (proprietário da terra), capitalista (o arren- res, mas os donos de terra que com preço alto do trigo facilitaria datário) e o operário. O problema da repartição da renda é um crescimento do cultivo de terras, conforme explana Fusfeld, em dos tópicos mais antigos e clássicos da Economia Política. Ri- condições normais, não seriam lucrativas". A preocupação de Ricardo era cardo, que foi um dos pais da ciência, considerava a repartição que a ampliação do cultivo de terras favoreceria a transferência de da renda como sendo o verdadeiro objeto da Economia Políti- capital e trabalho para o campo, proporcionando uma desarticulação ca. E dizia que a ciência econômica tinha muito pouco a dizer do crescimento da indústria inglesa. a respeito do volume total do produto. Mas poderia e deveria Segundo Fusfeld, determinar as leis que presidem a repartição do produto cial entre as diferentes classes que compõem a sociedade. De Ricardo também apontou que os altos preços de alimentos uma forma geral, a repartição da renda tenta explicar de que requereriam altas taxas de salário e custos elevados de pro- maneira o produto social é repartido entre as classes funda- dução nas manufaturas. Como a Inglaterra tinha de vender mentais da sociedade, ou seja, entre certos rendimentos, dos seus manufaturados no mundo todo, competindo com os quais classicamente se estudam o salário, o lucro, a renda da produtos de outros países, custos maiores à indústria inglesa terra e o juro (SINGER,19 ocasionaram redução das exportações e do nível de produção das manufaturas. Os lucros e o ritmo de acumulação de ca- Em sua análise, colocou que o lucro é que sobrou, é resíduo pital e de crescimento econômico também seriam reduzidos, como explana Singer, "os lucros são um resíduo que fica nas mãos do ca- devido à falta tanto de incentivos como de fundos para se in- pitalista, depois que este paga a renda ao proprietário da terra e salário aos vestir. Esta visão de Ricardo sobre as Leis dos Cereais, embora trabalhadores". ele não defendesse sua revogação total, apoiava a posição dos industriais, com base em um modelo econômico teórico que dava substância e validade a suas conclusões quanto às polí- 3 SINGER, Paul. Curso de Introdução à Economia Política. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1986. 46 47MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS A preocupação de Ricardo, era afunilamento da margem de lucro no âmbito da elevação das proporções do produto que do trabalho papel de motor do crescimento. Mas, na verdade, está zariam para pagamento do salário e da renda. batendo na mesma tecla que Ricardo: aumento da produtividade, Ricardo concorda com Smith, no que diz respeito à tendência pois que a divisão do trabalho faz não é outra coisa senão elevar declinante da taxa de lucro. Opõe lucro ao salário, afirmando que essa Só que a abordagem de Smith é distinta da de Ricardo, tanto que um é tanto mais elevado quanto menor o outro. E como salário é ele se preocupa mais com a produtividade na manufatura. Ricardo já consumido, em sua maior parte, na aquisição de gêneros agrícolas se preocupa com a produtividade no campo, onde Smith vê dificul- para sustento dos trabalhadores, a manutenção de baixos preços agrí- dades para elevá-la. colas significa a garantia de altos lucros. Daí a defesa que Ricardo faz Outra preocupação de Ricardo, era no tocante às reais necessida- da importação de gêneros alimentícios, quando essa importação se des de sobrevivência da classe operária. O salário não poderia fugir faz com países cujos produtos agrícolas exportáveis são produzidos de um patamar de sustentabilidade econômica, de sobrevivência da por menor valor que do país importador. Ricardo preocupa-se em classe operária como pessoa humana. A queda dos salários poderia propor formas de conter a tendência de declínio da taxa de lucro, por intervir na própria redução da classe trabalhadora. entender que se isso não for feito, pode ocorrer desmotivação da par- Ricardo diz que O salário tem um preço natural, que possibilita te do capitalista para investir, que traz como consequência a dimi- a manutenção e reprodução dos trabalhadores, sem aumento ou di- nuição da produção, desemprego e miséria. Fruto dessa preocupação, minuição da população. Depende do preço dos gêneros de primeira Ricardo analisa longamente as causas e consequências de alterações necessidade e do mínimo de comodidades exigido pelo trabalhador. do valor e do preço nas taxas de lucro. Estuda com profundidade Significa que o preço natural varia com preço desses itens. E a ten- os efeitos da acumulação de capital sobre valor e a distribuição da dência é ascendente, uma vez que os alimentos tendem a ter seus renda, concluindo que valor é regulado pela quantidade de trabalho preços aumentados (pois aumentando a população, esses preços se necessário à produção dos bens e pela quantidade de trabalho neces- elevam, porque se ocupam terras menos férteis). Essa tendência pode sário à produção do capital aplicado para a geração dessa produção; a ser contida por aperfeiçoamentos na agricultura e/ou melhor explo- elevação dos salários tem efeitos distintos sobre valor da produção ração do mercado externo. Os salários tendem a aumentar com O au- nos setores que se utilizam de capital fixo e nos setores que não o mento da aplicação de capitais, também, pois ela eleva a necessidade utilizam, ou O utilizam em menor proporção (quanto maior a parti- de mão de obra. Também nesse caso é possível conter a tendência. cipação do capital fixo na produção, maior a queda do valor quando No que concerne à renda da terra, Malthus e Ricardo formula- varia a taxa de lucro). ram teoria semelhante sobre a origem da renda fundiária (posterior- Em síntese, Ricardo atribui à taxa de lucro a condição de motor mente denominada de teoria da renda diferencial). Achavam que era do crescimento econômico. Portanto, seu modelo tem como fun- a diferença de fertilidade entre as diferentes terras cultivadas fator damento a elevação dessa taxa. O que, segundo ele, só é possível via determinante da renda. A cada incorporação de novas terras (menos diminuição dos salários e da renda ou via aumento de produtividade, férteis) para atender as necessidades de consumo da população cres- obtida com progresso técnico e / ou com respeito à lei das vanta- cente, havia para eles a necessidade de aplicação de mais trabalho para gens comparativas no comércio internacional. Smith atribui à divisão a obtenção do mesmo produto. A renda da terra só existia se a terra 48 49MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS gerasse um excedente geral, maior que necessário para remunerar forma, a diferença entre lucro nas terras melhores e lucro trabalho e capital nela aplicados para a geração do produto. correspondente à taxa "normal" reduzir-se-á, que significa Malthus define renda fundiária como resultado da qualidade que um decréscimo da renda diferencial. A queda dos salários e da a terra tem de manter alimentadas mais pessoas do que as que nela renda da terra ocasiona aumento do resíduo que fica com o trabalham. Ricardo, a define como a porção do produto da terra paga capitalista, isto é, do lucro e da taxa de lucro, O que não deixa ao proprietário como compensação pela utilização da capacidade pro- de motivar a acumulação. Em última análise, o progresso téc- dutiva do solo. Como se vê, ambos aceitam e defendem a proprieda- nico aumenta o tamanho máximo da população que pode ser de privada do solo, pois somente a partir desta condição um sujeito sustentado e, portanto, prolonga período em que a lucrati- pode ser remunerado sem participar do processo produtivo de forma vidade do capital viabiliza a sua acumulação (SINGER, 1982). direta, física. Isto é feito também por Say e Malthus. Este último, em sua teoria sobre a população cujo crescimento não seja Argumenta que cada país deve se especializar em setores onde Neste sentido, Ricardo pode ser considerado malthusiano ao aceitar consegue proporcionar menores custos de produção em relação aos a queda crescente da taxa de lucro com a incorporação progressiva de outros países. Dentro da divisão internacional do trabalho, cada país novas terras ao processo produtivo, pois aceita a tese de que a cada apresenta vantagem no tocante aos aspectos "naturais (solo, clima, nova incorporação pode-se produzir menos. Mas Ricardo, encontra minério etc.) ou artificiais (mais capital acumulado, melhor infraes- saídas para elevar a produtividade da terra, em vez de propor, como trutura)". Com isso haveria maior disponibilidade de bens e serviços Malthus, a contenção do crescimento demográfico. para as respectivas populações e, que é mais importante, a preços Ricardo é que expõe mais longa e claramente as teorias sobre a mais acessíveis, aumentando suas possibilidades de consumo, que renda fundiária, separando-a do lucro do capitalista (arrendatário). poderia traduzir-se por uma elevação do bem-estar.5 Para ele a renda sobre quando novas terras (menos férteis) são cul- O que se questiona é que no comércio internacional haverá uma tivadas e não é componente do preço, determinado pelos salários e sobreposição dos países desenvolvidos frente aos de menor desen- pelos lucros. Isto porque quando se eleva a renda, salários e lucro di- volvimento. Ricardo colocou que a livre-concorrência será legado minuem, mantendo-se inalterado valor da produção. A renda varia das Nações e que o "Estado não deve no comércio exterior e di- com a acumulação do capital, fazendo crescer os salários e a popula- nheiro metálico deve poder fluir livremente pelas fronteiras, de modo a assegurar ção, como consequente incorporação de novas terras e também com a estabilidade dos preços em cada país". a introdução de novas técnicas na agricultura. No primeiro caso a Um dos questionamentos da argumentação da teoria das van- renda cresce e no segundo, diminui. tagens comparativas é que a liberdade comercial, a própria divisão Visualizaremos melhor pela colocação de Singer, 4 Na agricultura, progresso técnico tem por efeito baratear os SINGER, Paul. Princípios de Economia Política e Tributação. Série Os Eco- nomistas. São Paulo: Abril, 1982, pp. XXIII. alimentos e, portanto, reduzir os salários e a renda da terra. Caindo o preço dos cereais, os trabalhadores podem ganhar 5 RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. São Paulo: Ed. Aduaneiras, 1997. menos para adquirir a mesma cesta de consumo. Da mesma 6 Ibid., pp. XXIV. 50 51MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS internacional do trabalho não leva em conta as discrepâncias entre as barato e trocar o excedente. O Brasil compraria arroz do Vietnã nações em nível de desenvolvimento e que este fator levará aos países e este último país compraria café do Brasil (ARAÚJO, 2007). mais desenvolvidos condições melhores nos termos de A homogeneidade do desenvolvimento econômico dos países Ainda na análise de Araújo, mas utilizando um exemplo do pró- é fator preponderante para que a premissa da teoria das vantagens comparativas tenha veracidade. prio Ricardo, teríamos: Segundo Maia, poderíamos fazer as seguintes críticas a essa teo- Para produzir certa quantidade de vinho, por unidade de tem- ria: po, Portugal ocupa 80 homens e para produzir certa quantida- Ela é mais abrangente do que a teoria da Vantagem Absoluta, de de tecido, na mesma unidade de tempo, ocupa 90 homens. de Adam Smith. Ricardo abandonou a ideia dos custos abso- Para produzir estas mesmas quantidades de vinho e tecido, lutos e partiu para a ideia dos custos relativos; por unidade de tempo, a Inglaterra ocupa 120 e 100 homens respectivamente. Como Adam Smith, Ricardo considerou que os preços eram Portugal tem vantagem absoluta tanto em vinho quanto em determinados principalmente pela quantidade de horas tra- tecido, mas tem vantagem relativa em vinho, ou seja, é mais balhadas. Outros fatores, como custos da matéria-prima e de eficiente na produção de Ele ganhará ocupando todos transportes, não foram levados em consideração; seus homens na produção de vinho e trocando o vinho exce- dente pelo tecido excedente da Inglaterra, que ganhará mais Ricardo e Adam Smith procuraram mostrar que a especializa- se especializando em só produzir tecidos. Os países devem se ção da produção estimula Comércio Internacional e bene- especializar naquilo que são mais capazes de produzir, mesmo ficia o consumidor. que um deles seja mais eficiente do que outro na produção de todos os bens (ARAÚJO, 2007). A integração da economia internacional ao modelo Ricardiano conduziu em dois pontos: A divisão internacional do trabalho aprofundou as diferenças Primeiramente, Ricardo mostrou que a especialização interna- econômicas entre as nações. cional e a divisão do trabalho eram vantajosas para todas as nações e, A ideia da teoria do valor em Ricardo, tem como pressuposto em segundo lugar, que as políticas comerciais restritivas que visavam trabalho, que também se apresenta na teoria de Smith, todavia, for- à proteção dos produtores domésticos prejudicavam a nação que as mulada de uma maneira mais organizada. impunha. Conceitualmente, utilidade é a capacidade que tem uma coisa de Tomando como raciocínio a análise de Araújo: satisfazer as necessidades das pessoas, ou seja, como causa e medida de valor, não obstante há uma rejeição ao conceito por parte de Ri- Se for mais barato produzir arroz no Vietnã do que no Brasil cardo. e mais barato produzir café no Brasil do que no estes Smith irá discernir, identificar dois parâmetros denominados de dois países deverão dedicar-se à produção do que lhes for mais períodos primitivo e moderno. 52 53MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS No primeiro, a sua essência de raciocínio pondera que traba- de trabalho necessário à produção do objeto. Algum tempo após a lho era regulador do valor e, no segundo, regulador do valor sua formulação por Smith, essa teoria recebeu nome de teoria do próprio custo de produção, todavia, Ricardo fundamenta-se em que valor-trabalho. O valor em todos os períodos é determinado pelo trabalho. Mas Adam Smith, não expôs com clareza as bases da sua teoria. Ricardo exprime existir entre o trabalho e valor uma relação de Foi Ricardo quem a exatidão. Segundo Ricardo, em sua obra Principles, afirma: "Considero tra- Em Princípios de Economia Política e Tributação, Ricardo desen- balho como a fonte de todo valor e a sua quantidade relativa, a medida que volve com muita acuidade a teoria do valor-trabalho que, nas regula, quase que exclusivamente, valor das mercadorias." mãos de Adam Smith, sofria de certas ambiguidades. A ideia Trabalho é trabalho acumulado, ou seja, somando-se todas as eta- básica dessa teoria é que na troca de mercadorias tende a ha- pas do trabalho a fim de se atingir a produção de determinado bem; é ver uma troca de quantidades iguais de trabalho, utilizado em dentro dessa ótica que está pensamento de Ricardo. sua produção. (...) A dificuldade surge na aplicação da Lei do Segundo Ricardo, O trabalho é a causa do valor; não há trabalho Valor à repartição da renda entre capital e trabalho. Smith sa- sem valor. bia que assalariado não podia receber o valor integral criado "A economia é uma ciência social que difere das demais ciências sociais, pelo seu trabalho. Acabou adotando a fórmula de que O valor pois possui uma possibilidade de quantificação que as outras não têm. (...) de cada mercadoria se compõe da soma de salários, lucros e Essa possibilidade (...) decorre precisamente da teoria do A teoria do renda, a qual, a rigor, não é compatível com a Teoria do Valor valor divide os economistas até hoje. E já dividia os clássicos e pensa- -Trabalho. (...) A grande descoberta de Ricardo é que, se os dores que os antecederam, como William Petty, Dudley North, John capitais estão sujeitos à mesma taxa de lucro, valor das mer- Locke, Hume, James Stewart, etc. Atualmente os marginalistas e os cadorias passa a depender não só do tempo de trabalho reque- marxistas são os polos opostos na discussão da teoria do valor. rido pela sua produção, mas também do valor do capital total A pergunta que não foi ainda definitivamente respondida pelos nela aplicado e do seu tempo de rotação (SINGER, 1982). economistas é: o que dá valor aos produtos movimentados no mer- cado? O que Ricardo fez foi eliminar a circularidade da propositura de Adam Smith fala em valor de uso e valor de troca. O valor de Smith, mantendo a teoria do valor-trabalho. uso tem como base a utilidade: um objeto tem valor para um sujeito Malthus diferencia-se de Smith e Ricardo. Para ele não é tra- desde que seja útil, desde que possa ser utilizado para algum fim. balho a fonte do valor, mas sim a interação da oferta e da procura no O valor de troca só existe quando surge o mercado e baseia-se no mercado. Afirma:9 princípio de que objeto não tenha valor de uso para o seu possui- dor, mas tenha para um não possuidor, é medido pela quantidade 8 SINGER, Paul. Princípios de Economia Política e Tributação. Série Os Eco- São Paulo: Abril, 1982, p. XXIII. 9 MALTHUS, Thomas R. Princípios de Economia Política. Trad. Régis de Cas- 7 SINGER, Paul. Curso de Introdução à Economia Política. ed. Rio de tro Andrade, Dinah de Abreu Azevedo e Antônio Alves Série Os Economistas. Janeiro: Forense Universitária, 1986, p. 11. São Paulo: Abril, 1983. 54 55MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS O valor da troca baseia-se na vontade e na capacidade de trocar Parece que novamente confunde-se valor com preço. Na análise uma mercadoria por (...) Uma troca não implica apenas de Araújo, "Tanto para Ricardo como para Smith, toda mercadoria tinha a capacidade e a vontade de ceder um artigo por um outro que dois preços: preço natural, equivalente ao valor e o preço de mercado que se deseja mais, mas também da demanda recíproca por parte oscilava em torno do valor, conforme a oferta e a procura". As mil causas do possuidor do objeto descjado pelo objeto que se propôs em troca. Quando existe essa demanda recíproca, a quantidade de que determinam as oscilações dos preços de mercado não os afastam muito (de modo geral) do valor. uma mercadoria que é dada por outra depende da avaliação re- Ricardo exerceu influência não somente no pensamento clássi- lativa de cada uma delas, baseada no desejo de possuí-las e na CO e neoclássico, mas também sobre os economistas de concepção dificuldade ou facilidade de obtê-las. (...) Pouco a pouco, como marxista. descreve Turgot, (...) estabeleceu-se um valor corrente de todas Ricardo propiciou em sua obra experiência e qualidades cientí- as mercadorias de uso frequente (MALTHUS, 1983). ficas que conseguiram impelir e esclarecer uma gama de problemas que fazem parte do escopo do campo das discussões e das Nota-se que Malthus procura a origem do valor no processo de A contribuição de Ricardo é de extrema importância para as aná- circulação das mercadorias e Smith e Ricardo a procuram no pro- lises econômicas que vieram a posteriori. Seus conceitos teóricos agre- cesso de produção. Ricardo admite a influência da escassez ou abun- garam valor ao estudo da ciência econômica. Ricardo deixou como dância no processo de formação dos preços, que gravitam em torno ensinamento que mesmo em épocas de adversidades econômicas há do valor. Ocorre aí, em Malthus, de acordo com as ideias de Ricardo, como se procurar instrumentais que fomentarão entender a econo- uma confusão entre preço e valor. mia em sua essência. Jean-Baptiste Say10 atribui à utilidade a origem do valor: o preço dos produtos se fixa, em cada lugar, no nível a que são elevados pelo seu custo, desde que a utilidade que lhes é conferida dê origem ao desejo de adquiri-los. (...) Assim, quando alguns autores, como David Ricardo, afirmam que são os custos de produção que decidem o valor dos produtos, têm razão no sentido de que os produtos nunca são vendidos durante muito tempo por um preço inferior aos seus custos de produção. Quando, porém, afirmam que a demanda dos produtos não influi em seu valor, estão, ao que me parece, cometendo um erro... (SAY, 1983). 10 SAY, Jean-Baptiste. Tratado de Economia Política. Trad. Balthazar Barbosa Filho. Série Os Economistas. São Paulo: Abril, 1983. 56 57UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS III. Marx: um ideal revolucionário A base conceitual do socialismo moderno é promover uma crítica à nova estrutura industrial fruto da Revolução Industrial embasado na mesma concepção dos pensadores clássicos que desenvolveram seus conceitos econômicos balizados na era industrial. Neste contex- to, as duas correntes de pensamento apresentavam uma divergência no tocante à propriedade dos meios de produção, que para os clás- sicos deveria ser privada, enquanto os socialistas acreditavam que a propriedade dos meios de produção deveria ser coletiva. A argumen- tação de ambas as correntes no que concerne ao tecido social era de que este seria estruturado em classes e não de maneira independente. A essência deveria ser coletiva e não ao lucro de maneira incessante, mas sim na distribuição igualitária da renda. Os representantes dessa corrente de pensamento são denomina- dos de críticos, e questionam a visão pragmática e o alto grau de abs- tração da atividades econômicas preconizada pelos economistas clás- sicos. Acreditam que a análise econômica efetuada sem contemplar aspectos históricos e sociais mascara o lado verídico da economia. Marx, em conjunto com Engels iniciou as bases do socialismo cien- tífico e contemplou a sociedade em duas classes sociais, burgueses e proletários, respectivamente os que detêm o capital e os que vendem a força do trabalho. As bases analíticas do socialismo moderno estão assentadas nas transformações que ocorreram na sociedade, seja no âmbito político como econômico, entre a segunda metade do século XVIII e a pri- meira metade do século XIX. A Revolução Industrial rompeu um paradigma, proporcionando elevação da renda, do consumo, do pa- 59MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS drão de vida balizada no investimento e na produtividade. Na visão A primeira função do ouro é de fornecer ao mundo das mer- dos pensadores socialistas, a industrialização fomentou baixos salá- cadorias material de sua expressão de valor ou de repre- rios com jornadas longas e exaustivas e muita disciplina. A competi- sentar os valores das mercadorias como grandezas de mesmo ção intercapitalista convergiu para a compressão dos salários. denominador, qualitativamente iguais e quantitativamente Neste contexto histórico da Revolução Industrial, nasce Karl comparáveis. Desse modo, ele funciona como medida uni- Marx, em 1818, na região do Reno, sendo uma das regiões mais versal dos valores, sendo apenas por meio dessa função que desenvolvidas da Alemanha. Estudou nas Universidades de Bonn ouro, a mercadoria-equivalente específica, torna-se, inicial- e Berlim, primeiramente estudando Direito e a posteriori Filosofia, mente, dinheiro. As mercadorias não se tornam comensurá- com intuito de tornar-se professor, todavia, a base de sua tese de veis por meio do dinheiro. Ao contrário, é pelo fato de todas Doutorado estava alicerçada no ateísmo. Foi editor de um jornal li- as mercadorias, como valores, serem trabalho humano objeti- beral de Colônia, em 1842. Ao escrever sobre economia, observou a vado e, assim, serem, por si mesmas, comensuráveis entre si, importância do poder econômico. Mudou-se para Paris e se casou. que elas podem medir conjuntamente seus valores na mes- Na cidade-luz entrou em contato com pensadores socialistas. Pri- ma mercadoria específica e, desse modo, convertê-la em sua meiramente conheceu Pierre Proudhon e que depois se separaram e medida conjunta de valor, isto é, em dinheiro. O dinheiro, conheceu outro socialista Friedrich Engels, industrial, surgindo uma como medida de valor, é a forma necessária de manifestação forte sinergia e uma grande amizade entre ambos que perdurou por da medida imanente de valor das mercadorias: tempo de toda a vida. Marx teve uma vida atribulada vivendo em vários luga- trabalho. A expressão de valor de uma mercadoria em ouro res como Paris, Bruxelas, Colônia, publicando artigos em jornais e x mercadoria A = y mercadoria-dinheiro é sua forma di- sendo expulso de todos esses lugares, quando finalmente se estabe- nheiro, ou seu preço. Uma única equação, tal como 1 tone- lece na Inglaterra, até a sua morte em 1883. Debruçou-se sobre seu lada de ferro = 2 onças de ouro, basta agora para expressar O trabalho maior em vida, O Capital. Em vida publicou volume I, valor do ferro de modo socialmente válido. A equação não non ano de 1867, segundo volume foi publicado por Engels, em precisa mais marchar na mesma fileira das equações de valor 1885 e terceiro volume foi publicado por Karl Kautsky, em 1894. das outras mercadorias, porque a mercadoria-equivalente, A sua dedicação aos movimentos revolucionários como a Internacio- ouro, já possui caráter de dinheiro. A forma de valor relativa nal Socialista, formada em 1964, faz de Marx uma grande liderança. universal das mercadorias volta a ter, agora, a configuração Acreditava que componente teórico do socialismo não era suficien- de sua forma de valor relativa originária, isto é, sua forma de te. Havia a necessidade de haver um movimento revolucionário dos valor relativa simples ou singular. Por outro lado, a expressão proletários para a tomada do poder, pois acreditava que capitalismo relativa de valor desdobrada ou a série infinita de expressões iria entrar em colapso. A visão de Marx, no tocante às relações eco- relativas do valor torna-se a forma de valor especificamente nômicas é que esta é a força motriz das sociedades. O capitalismo relativa da mercadoria-dinheiro Porém, agora essa série já aflorou os interesses econômicos individuais de cada um. está dada socialmente nos preços das mercadorias. Basta ler Segundo Marx, de trás para a frente as cotações numa lista de preços para en- contrar a grandeza de valor do dinheiro, expressa em todas as 60 61MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS mercadorias possíveis. Já dinheiro, ao contrário, não A dualidade, alienação e exploração no sistema capitalista é fator preço. Para tomar parte nessa forma de valor relativa ao próprio sistema. Do outro lado temos a acumulação de ria das outras mercadorias, ele teria de se confrontar consigo mesmo como seu próprio equivalente (Marx, 1867). capital e a sua expansão. A base operacional das indústrias apresenta alguns limitadores como limite físico de cada trabalhador, de uma maneira geral, e os salários estão inseridos no próprio mercado de A base da sociedade capitalista está assentada nos interesses eco- trabalho. Neste sentido, a competição intercapitalista é extremamen- nômicos de duas classes sociais, burgueses e proletários. Em sua te forte, proporcionando e promovendo a contínua expansão dos in- concepção, estas classes estão em conflito, pois os interesses são vestimentos e da produtividade no sentido de poderem sobreviver divergentes e capitalista somente poderá crescer se a outra parte nesse mercado altamente competitivo. for explorada. Acreditava que capitalismo seria a última etapa da A base analítica do pensamento de Marx, no tocante ao colapso exploração do homem pelo homem, ou seja, que uma classe existe do capitalismo tem como fundamentação uma questão moral. Acre- e se sustenta à custa de outra classe. Marx parte de sua análise sobre ditava que as injustiças intrínsecas ao capitalismo conduziriam a uma modelo capitalista tendo como "pano de fundo", a teoria do valo- deterioração das relações econômicas e sociais e que se tornariam in- r-trabalho preconizada inicialmente por John Locke e estruturada suportáveis. O foco aqui é de caráter sociológico. Classes e frações de em bases conceituais por Adam Smith. Isto é, a riqueza de uma na- classes em elevado conflito em face de um grupo de capitalistas cada ção é proveniente do trabalho humano e valor do produto é fruto vez mais abastados e um número crescente de trabalhadores conver- do trabalho utilizado na sua produção. A essência de sua teoria está gindo para a miséria, corroborando para uma revolução social. Ou- balizada ao qual, a mão de obra não recebe valor total dos bens tro fator colocado por Marx está assentado na acumulação de capital que produz, ou seja, a mais-valia, que é a diferença do valor das no setor privado que, ao mesmo tempo que se expande a economia, mercadorias produzidas em um determinado período de tempo e também provoca as crises cíclicas do sistema capitalista, convergindo valor da força de trabalho vendida aos capitalistas. Nesse sentido, a para um conflito. A transformação é fruto do conflito e capitalis- utilização cada vez mais de mulheres e crianças eleva a extração de mo abriria espaço para uma sociedade mais ética, social mais-valia. Na visão de Marx, o lucro é proveniente do tempo de e econômica. A estrutura do pensamento de Marx estava assentada trabalho, e lucro a partir desse instante é convertido em capital. A na fundamentação econômica. Segundo Marx, quando a economia formação da riqueza tem como pressuposto a exploração da classe cresce há um aumento da mais-valia aos capitalistas que reinvestem trabalhadora. A análise de Marx, sobre o papel da exploração não é na produção, todavia, a demanda não acompanha, pois os trabalha- somente sob a ótica econômica, mas também sob a esfera psicoló- dores percebem parte do valor de seu trabalho. A partir do momento gica. Segundo Marx, o trabalho proporciona uma interação entre os em que capitalismo se expandisse, as crises tornariam-se mais pro- indivíduos, na saúde mental, na formação da personalidade. O tra- fundas e mais longas. Há uma relação entre capital e a capacidade balhador é separado dos meios de produção e de seu instrumental, produtiva da economia e esta, cresce de uma crise para outra, fazendo influenciando nas relações sociais e individuais. Todo esse arcabou- com que haja uma elevação da relação capital-trabalho. Umas das acaba provocando patologias psicológicas e também de cunho tônicas argumentada por Marx é no tocante à superprodução; por social na sociedade capitalista. que esta ocorre? Quando há a profusão na economia, deveria haver 62 63MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS de forma concomitante elevação dos níveis de emprego de se ter um cadorias o comércio formam os pressupostos históricos "exército industrial de reserva", que recebe novos trabalhadores que a partir dos quais o capital emerge. O comércio e merca- tiveram seus empregos substituídos pelas máquinas. A dinâmica do do mundiais inauguram, no século XVI, a história moderna investimento em capital proporciona a remoção do trabalho. Nesse do capital. Se abstrairmos do conteúdo material da circula- contexto, os capitalistas acumulam capital. Quando há profusão na ção das mercadorias, isto é, da troca dos diversos valores de economia e também na superprodução há a elevação da uso, e considerarmos apenas as formas econômicas que esse No tocante à concepção dialética do desenvolvimento, é confir- processo engendra, encontraremos, como seu produto final, mada e explicada pelos dados da ciência sobre a natureza e a SO- dinheiro. Esse produto final da circulação das mercadorias ciedade. A própria ideia de desenvolvimento dialético formou-se no é a primeira forma de manifestação do capital. Historicamen- processo da generalização dos dados de determinadas ciências sobre te, o capital, em seu confronto com a propriedade fundiá- a natureza e a sociedade. O movimento universal é tão evidente que ria, assume invariavelmente a forma do dinheiro, da rique- já os filósofos da Grécia antiga, Heráclito, Demócrito, Aristóteles, za monetária, dos capitais comercial e usurário. Mas não é admitiam movimento e desenvolvimento na natureza. Aristóte- preciso recapitular toda a gênese do capital para reconhecer les, por exemplo, considerava que desconhecer o movimento leva a dinheiro como sua primeira forma de manifestação, pois ignorar a natureza. A interpretação metafísica do desenvolvimento a mesma história se desenrola diariamente diante de nossos se formou nos séculos XVII e XVIII, embora já houvesse elementos olhos. Todo novo capital entra em cena isto é, no mercado, da mesma na Grécia antiga. Na história do desenvolvimento do pen- seja ele de mercadorias, de trabalho ou de dinheiro como samento humano, afirma Lenin, deparamos com duas concepções dinheiro, que deve ser transformado em capital mediante um opostas do desenvolvimento: a concepção dialética e a concepção processo determinado. Inicialmente, o dinheiro como di- metafísica ou evolucionista vulgar. nheiro e o dinheiro como capital se distinguem apenas por A concepção evolucionista vulgar ou metafísica considera o sua diferente forma de circulação. A forma imediata da circu- desenvolvimento como simples aumento ou diminuição dos fe- lação de mercadorias é M-DM, conversão de mercadoria em nômenos. Os partidários dessa concepção afirmam que a fonte do dinheiro e reconversão de dinheiro em mercadoria, vender desenvolvimento não está nos próprios objetos, mas fora deles. A para comprar. Mas ao lado dessa forma encontramos uma se- concepção metafísica nega a luta do novo contra o velho. Segundo a gunda, especificamente diferente: a forma D-M-D, conver- concepção metafísica, a coisa, o objeto, não pode conter, ao mesmo são de dinheiro em mercadoria e reconversão de mercadoria tempo, propriedades contraditórias. Nos objetos e nos fenômenos em dinheiro, comprar para vender. O dinheiro que circula não haveria contradições, estas caracterizariam apenas nossos pen- deste último modo transforma-se, torna-se capital e, segun- samentos. do sua determinação, já é capital. Analisemos mais de perto a Segundo Marx, circulação D-M-D. Ela atravessa, como a circulação simples de mercadorias, duas fases contrapostas: na primeira, D-M, A circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital. a compra, o dinheiro é convertido em mercadoria e, na se- Produção de mercadorias e circulação desenvolvida de mer- gunda, M-D, a mercadoria volta a se converter em dinheiro. 64 65MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS Porém, a unidade das duas fases é movimento inteiro troca de dinheiro por mercadoria e desta última novamente prio processo de desenvolvimento da sociedade. A primeira premissa que se estabelece é no que concerne ao fato do ser humano extrair a por dinheiro, o movimento da compra da mercadoria para sua subsistência da natureza. A própria evolução da tecnologia pro- vendê-la, ou, caso se desconsiderem as diferenças formais en- porcionou esse avanço, facilitando ao capitalismo a sua expansão. tre compra e venda, da compra de mercadoria com dinheiro e Todo esse aparato conduziu aos industriais a se expandirem e rein- de dinheiro com mercadoria. O resultado, no qual processo vestir seus lucros na atividade produtiva. inteiro se apaga, é a troca de dinheiro por dinheiro, D-D. Se A deficiência do sistema foi no sentido de evitar as crise inerentes compro 2 mil libras de algodão por £100 e revendo as 2 mil ao próprio sistema capitalista. Dentro desse processo de dualidade libras de algodão por £110, que faço no fim das contas é a outra força que se apresenta é a competição, a disputa dos seres trocar £100 por £110, dinheiro por dinheiro. Ora, é evidente humanos entre si. Nesse raciocínio capitalista, o ser humano é um que processo de circulação D-M-D seria absurdo e vazio recurso produtivo entrando na cadeia produtiva no sentido de ma- se a intenção fosse realizar, percorrendo seu ciclo inteiro, a ximizar a riqueza. Assim sendo, a sobrevivência alavancaria a explo- troca de um mesmo valor em dinheiro pelo mesmo valor em ração do homem pelo homem. Cabe lembrar aqui o pensamento dinheiro, ou seja, £100 por £100 (MARX, 1867). de Thomas Hobbes, no século XVII, cunhando a frase: "O homem é lobo do próprio homem". Cronologicamente, esta exploração vem Na visão de Marx, a partir do momento em que há expansão do da família patriarcal, depois no escravagismo, atingindo a servidão, a maquinário e equipamentos, estes vão tornando-se com uma propor- vassalagem no feudalismo e culminando no assalariamento do mo- ção maior que investimento, isto é, conduziria a uma redução da taxa delo capitalista. Tinha um pensamento que a economia poderia atin- de lucro, mas Marx, ainda não estava totalmente convencido desse con- gir êxtase produtivo, a abundância e com isso haveria benefício ceito. As crises cíclicas do sistema capitalista provocam mudanças de de todos, seja na ótica política ou econômica. O capitalismo com paradigmas em que maiores empresas acabam incorporando as meno- suas contradições e suas crises cíclicas não poderia proporcionar essa res, concentrando em mãos de poucas empresas, e do outro lado have- virtude. Somente socialismo, através da eliminação da exploração e rá a elevação da pobreza dos proletários, desqualificando seus ofícios distinção das classes sociais poderia atingir tal objetivo. A economia através do avanço tecnológico. Neste sentido, acreditava que através do com abundância seria possível somente em uma sociedade sem clas- comunismo haveria a construção de uma nova ordem social. Essa nova ses. A concepção teórica de Marx era de que ao atingir a abundância tendência seria provida de uma nova ordem política e social que pode- não haveria a necessidade de distinção econômica e social e com isso ria ser através dos sindicatos, mas havia suspeição destes que poderiam a dualidade de forças da natureza e disputas interpessoais cessariam. trabalhar por interesses próprios ou o próprio governo que mesmo im- A base conceitual do modelo de desenvolvimento do capitalismo buído de uma roupagem capitalista poderia proporcionar legislações está assentada na exploração da força de trabalho que torna-se a fonte sociais. Acreditava que dentro de toda essa tônica de conflitos e revolu- de acumulação de capital sob a égide das empresas capitalistas ao qual cionária haveria a convergência do capitalismo para o socialismo. a mais-valia se eleva através das substituição do trabalho pelo capital. No tocante ao desenvolvimento do capitalismo, Marx tinha a Os ciclos econômicos são reflexo do desaparecimento dos empre- percepção de que havia uma dualidade de forças que agem no pró- gos, da demanda reprimida e a superprodução. No longo prazo a 66 67MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS classe capitalista se enriquece mais e torna-se mais concentrada e por de uma quantidade determinada de trabalho, não importando outro lado a classe trabalhadora torna-se cada vez mais empobrecida, conteúdo determinado, a finalidade e o caráter técnico de mas não descabida de consciência e de sua existência com seus dese- seu trabalho. Por outro lado, os valores dos meios de pro- jos de classe. dução consumidos reaparecem como componentes do valor De acordo com Marx, dos produtos, por exemplo, os valores do algodão e dos fusos incorporados no valor do fio. Desse modo, valor dos meios A utilização da força de trabalho é próprio trabalho. O com- de produção é conservado por meio de sua transferência ao prador da força de trabalho a consome fazendo com que seu produto, a qual ocorre durante a transformação dos meios de vendedor trabalhe. Desse modo, este último se torna actu [em produção em produto isto é, no processo de trabalho e é ato] aquilo que antes ele era apenas potentia [em potência], a mediada pelo trabalho (MARX, 1867). saber, força de trabalho em ação, trabalhador. Para incorporar seu trabalho em mercadorias, ele tem de incorporá-lo, antes O século XX foi palco de discussões no âmbito da veracidade de mais nada, em valores de uso, isto é, em coisas que sirvam das análises de Marx, referente ao sistema capitalista. A corrente que à satisfação de necessidades de algum tipo. Assim, que acredita que as ideias de Marx não procedem, argumentavam que capitalista faz trabalhador produzir é um valor de uso parti- os novos padrões de vida conduziriam a expansão e crescimento cular, um artigo determinado. A produção de valores de uso das nações modernas. Tanto os trabalhadores como os sindicatos não ou de bens não sofre nenhuma alteração em sua natureza pelo sofreram uma opressão de tal envergadura no âmbito da miséria e da fato de ocorrer para o capitalista e sob seu controle, razão pela importância política e econômica, tendo as benesses da elevação da qual devemos, de início, considerar o processo de trabalho riqueza e da renda. Por outro lado, grupos marxistas defendem que independentemente de qualquer forma social determinada. há uma disparidade entre os que detêm o capital e os que vendem a O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e força de trabalho no tocante às nações. Também colocam que sur- a natureza, processo este em que homem, por sua própria gimento dos monopólios e dos oligopólios influenciando na política ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natu- e a incapacidade do sistema capitalista em atenuar as crises cíclicas reza. Ele se confronta com a matéria natural como com uma do sistema capitalista que convergem para desemprego, ou seja, potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da ma- o modelo não conseguiu encontrar meios para coibir essas crises, téria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele mesmo havendo uma melhora na legislação e a ascensão das orga- em movimento as forças naturais pertencentes a sua corpo- nizações sindicais não houve como corrigir os devaneios do sistema reidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a capitalista. Em face de todas essas considerações que podem ter razão natureza externa e modificando-a por meio desse movimen- em parte ou em seu todo, não há como negar que a partir do instante to, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Os em que há uma exclusão de determinada classe ao acesso ao benefí- diferentes fatores do processo de trabalho participam de dife- cio social, esta sociedade terá dificuldade para manter sua existência. rentes modos na formação do valor dos produtos. O trabalho Ao final do século XIX, particularmente após 1870, haverá uma adiciona novo valor ao objeto do trabalho por meio da adição nova concepção de vida na Europa. A evolução do direito ao voto, 68 69MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS uma maior proporção de bem estar social aos trabalhadores, o forta- mais-valor, o mais-valor, a produção capitalista, e esta, por sua lecimento dos sindicatos e maior participação dos partidos políticos vez, a existência de massas relativamente grandes de capital e de representação operária, coibiram os efeitos do sistema de força de trabalho nas mãos de produtores de mercadorias. Outro fator relevante é a possibilidade de migração para a América do Todo esse movimento parece, portanto, girar num círculo Norte e do Sul e Austrália, que contribuíram para viverem em uma vicioso, do qual só podemos escapar supondo uma acumu- nova sociedade. Nesse contexto, cabe salientar que, apesar de toda lação "primitiva" ("previous accumulation", em Adam Smith), conotação conceitual do imperialismo e do capitalismo industrial, prévia à acumulação capitalista, uma acumulação que não é houve novas oportunidades econômicas e de vida para europeus que resultado do modo de produção capitalista, mas seu ponto de resolveram migrar. Importante salientar que as tensões sociais acaba- partida. Essa acumulação primitiva desempenha na economia ram se diluindo um pouco em face da expansão econômica europeia. política aproximadamente o mesmo papel do pecado original A diversidade da indústria proporcionou um novo paradigma de ex- na teologia. Adão mordeu a maçã e, com isso, pecado se pansão intelectual. Este crescimento vertiginoso seja no âmbito in- abateu sobre gênero humano. Sua origem nos é explicada terno como externo, alavancou a Europa, a construir novas pontes no com uma anedota do passado. Numa época muito remota, tocante às tensões sociais fruto da industrialização, implementando havia, por um lado, uma elite laboriosa, inteligente e sobretu- reformas políticas à classe trabalhadora e criando meios de proteção do parcimoniosa, e, por outro, uma súcia de vadios a dissipar dos efeitos de uma economia de mercado. A lição aprendida é que a tudo que tinham e ainda mais. De fato, a legenda do pecado desigualdade social amplia os conflitos sociais, mostrando que uma original teológico nos conta como homem foi condenado a sociedade deve prestar dignidade e acesso a todos. Neste contexto, o comer seu pão com suor de seu rosto; mas é a história do que se observa é que a vitória do socialismo e o surgimento de uma pecado original econômico que nos revela como pode haver sociedade de caráter igualitário com fins democráticos não surtiu gente que não tem nenhuma necessidade disso. Seja como for. efeito. O poder econômico capitalista tornou-se mais forte e concen- Deu-se, assim, que os primeiros acumularam riquezas e os trado. O surgimento de regimes comunistas na Rússia e China não últimos acabaram sem ter nada para vender, a não ser sua pró- coadunavam com a base conceitual de Marx, regimes estes de con- pria pele. E desse pecado original datam a pobreza da grande cepção autoritária e totalitária, distanciando-se da essência do con- massa, que ainda hoje, apesar de todo seu trabalho, continua a ceito de socialismo científico, tornaram-se não em países socialistas, não possuir nada para vender a não ser a si mesma, e a riqueza mas em um capitalismo de estado, contrapondo-se ao capitalismo de dos poucos, que cresce continuamente, embora há muito te- mercado. Todo esse arcabouço criou uma crise entre os defensores nham deixado de trabalhar. São trivialidades como essas que, da esquerda sediados no países capitalistas de mercado. por exemplo, sr. Thiers, com a solenidade de um estadista, Segundo Marx, continua a ruminar aos franceses, outrora tão sagazes, como apologia da proprieté. Mas tão logo entra em jogo a questão da Vimos como dinheiro é transformado em capital, como por propriedade, torna-se dever sagrado sustentar o ponto de vista meio do capital é produzido mais-valor e do mais-valor se ob- da cartilha infantil como único válido para todas as faixas tém mais capital. Porém, a acumulação do capital pressupõe o etárias e graus de desenvolvimento. Na história real, como 70 71MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS se sabe, o papel principal é desempenhado pela conquista, a dade tornada unilateral assume, agora, a forma mais adequada subjugação, o para roubar, em suma, a violência. Já para sua esfera restrita de atuação. Originalmente, a manufa- na economia política, tão branda, imperou sempre o idílio, tura de carruagens apareceu como uma combinação de ofícios Direito e "trabalho" foram, desde tempos imemoriais, os úni- independentes. Pouco a pouco, ela se transformou em divisão meios de enriquecimento, excetuando-se sempre, é claro, da produção de carruagens em suas diversas operações espe- "este ano". Na realidade, os métodos da acumulação primitiva cíficas, processo no qual cada operação se cristalizou como podem ser qualquer coisa, menos A cooperação fun- função exclusiva de um trabalhador, sendo sua totalidade exe- dada na divisão do trabalho assume sua forma clássica na ma- cutada pela união desses trabalhadores parciais. Desse mesmo nufatura. Como forma característica do processo de produção modo surgiram a manufatura de tecidos e toda uma série de capitalista, ela predomina ao longo do período propriamente outras manufaturas: da combinação de diversos ofícios sob manufatureiro, que, em linhas gerais, estende-se da metade comando do mesmo capital (MARX, 1867). do século XVI até o último terço do século XVIII. A manu- fatura surge de dois No primeiro, reúnem-se numa A tônica da crítica de Marx, ao capitalismo tinha como funda- mesma oficina, sob o controle de um mesmo capitalista, tra- mentação seu colapso, conduzindo a uma sociedade sem classes, balhadores de diversos ofícios autônomos, por cujas mãos igualitária e comunitária. Esse processo foi denominado de mate- tem de passar um produto até seu acabamento final. Uma rialismo histórico. O conceito de Marx, não logrou A ordem carruagem, por exemplo, era produto total dos trabalhos de da esquerda vigente nos séculos XIX e XX balizada no materialismo um grande número de artesãos independentes, como segeiro, histórico acabou tornando-se ao que se denominou de rationale, e os seleiro, costureiro, serralheiro, correeiro, torneiro, passama- revolucionários ao tomarem o poder na Rússia, em 1917, transfor- neiro, vidraceiro, pintor, envernizador, dourador etc. A ma- maram-na em um aparato autoritário, denominado a posteriori de ca- nufatura de carruagens reúne todos esses diferentes artesãos pitalismo de estado. Nesse contexto, surge uma corrente denomina- numa oficina, onde eles trabalham simultaneamente e em da de revisionista marxista que era uma corrente mais moderada dos colaboração mútua. É verdade que não se pode dourar uma socialistas e que tinha como fundamentação as reformas de modo carruagem antes de ela estar feita, mas, se muitas carruagens mais gradual através de eleições democráticas e também não acredi- são feitas ao mesmo tempo, uma parte pode passar constante- tavam na extinção do capitalismo. Cabe salientar que, após o faleci- mente pelo douramento enquanto outra parte percorre uma mento de Marx, em 1883, surge uma nova corrente denominada de fase anterior do processo de produção. Até aqui, permanece- marxismo ortodoxo. As bases conceituais discutidas na conferência mos ainda no terreno da cooperação simples, que encontra já de Paris, em 1889, e Erfurt, na Alemanha, em 1891, tinham como dado seu material humano e de coisas. Mas logo ocorre uma posicionamento duas frentes, uma teórica e outra pragmática. A de modificação essencial. O costureiro, o ferreiro, correeiro concepção teórica resgatou as bases conceituais de Marx, no tocante etc. que se dedicam apenas à fabricação de carruagens perdem ao capitalismo. A pragmática evoluiu em um campo, por exemplo, gradualmente, com o costume, a capacidade de exercer seu acesso ao voto, inclusive às mulheres, eleição direta de juízes, sepa- antigo ofício em toda sua amplitude. Por outro lado, sua ativi- ração de igreja e Estado, direitos individuais, educação gratuita, ou 72 73MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS seja, concepções que não se parecem em nada com um caráter revo- Estado foi apropriado por um grupo revolucionário em nome do SO- lucionário, mas como um sistema capitalista. A base utilizada pelo cialismo, convergindo para um modelo denominado de capitalismo marxismo ortodoxo foi a segunda premissa. A posteriori, trabalhos e de estado. Ainda no tocante ao Estado e à Revolução, Lenin salientou escritos de Engels, retornariam a reforçar o colapso do sistema capi- que modelo comunista apresentava duas frentes, uma inferior e talista, deixando de lado que a evolução dos sindicatos e da democra- outra superior. O controle do Estado através do partido comunista cia parlamentar poderiam modificar essa tendência. Segundo Marx, conduziria a atingir o socialismo, porém, essa consolidação somente uma consciência revolucionária da classe operária estaria se dese- seria plena a partir do momento em que a atividade produtiva atin- todavia, líder da Revolução Russa Lenin tinha uma gisse seu pico e a partir disso o estado seria extinto em prol dos tra- série de dúvidas. Propunha a construção de um partido revolucioná- balhadores. As bases do marxismo ortodoxo criaram condições para rio com uma forte liderança de massas e profissionalização de seus que houvesse a ascensão do totalitarismo e autoritarismo soviético, líderes, mas as lideranças permaneceriam como uma elite e embasados pelo regime ditatorial de Stalin. Outro teórico no que concerne ao colapso do modelo capitalista foi Conforme Marx, pensador Hilferding, que publicou o Capital Financeiro, em 1910, mostrando que capitalismo tornou-se um monopólio financeiro e A economia política tem como princípio a confusão entre muito bem estruturado. Essa base analítica conceitual foi fonte das dois tipos muito diferentes de propriedade privada, das quais bases revolucionárias de Lenin. Nesse contexto, ao publicar Impe- uma se baseia no próprio trabalho do produtor e a outra, na rialismo: Fase superior ao capitalismo, em 1916, argumenta que as exploração do trabalho alheio. Ela esquece que a última não guerras servem para efetuar o controle dos investimentos nos países só constitui a antítese direta da primeira, como cresce uni- emergentes. Com o avanço e as concessões efetuadas aos sindicatos camente sobre seu túmulo. Na Europa ocidental, a pátria da a taxa de lucro sofreu um então a utilização de mão de obra economia política, o processo da acumulação primitiva está mais barata nos países emergentes foi de grande valia. Nesse sentido, consumado em maior ou menor medida. Aqui, ou regime na Rússia, por ser um país subdesenvolvido, o grau de exploração capitalista submeteu diretamente toda a produção nacional da mais-valia era maior do que nos países mais avançados da Europa ou, onde as condições ainda não estão desenvolvidas, con- Ocidental. trola, ao menos indiretamente, as camadas sociais que, deca- Cabe ressaltar que a análise de Lenin na obra O Estado e a Revolu- dentes, pertencentes ao modo de produção antiquado, con- ção, publicada em 1917, ano da Revolução Bolchevique, ou seja, no tinuam a existir ao seu lado. O economista político aplica a tocante ao conceito preconizado por Marx em A Ditadura do Proleta- esse mundo já pronto do capital as concepções de direito e riado, apresentava-se com algumas contradições, isto é, o proletariado propriedade vigentes no mundo pré-capitalista, e o faz com no poder do mesmo modo que a burguesia no poder ou um partido um zelo tanto mais ansioso e com unção tanto maior quanto político revolucionário? Estas conotações que mesmo Lenin não mais fatos desmascaram suas ideologias. O mesmo não ocor- concluiu raciocínio. O que de fato aconteceu foi que após a revolu- re nas colônias. Nelas, o regime capitalista choca-se por toda ção bolchevique em 1917, formou-se na URSS, um modelo autori- parte contra o obstáculo do produtor, que, como possuidor tário principalmente a partir da ascensão de Stalin ao poder, em que o de suas próprias condições de trabalho, enriquece a si mesmo 74 75MÁRIO ARMANDO GOMIDE UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS por seu trabalho, e não ao capitalista. A contradição desses é 1016/1493 uma coisa, mas uma relação social entre pessoas, dois sistemas econômicos diametralmente opostos se efetiva intermediada por coisas. O sr. Peel, lastima ele, levou consigo, aqui, de maneira prática, na luta entre eles. Onde o capitalista da Inglaterra para rio Swan, na Nova Holanda, meios de é respaldado pelo poder da metrópole, ele procura eliminar à subsistência e de produção num total de £50 mil. Ele foi tão força o modo de produção e apropriação fundado no trabalho cauteloso que também levou consigo 3 mil pessoas da classe próprio. O mesmo interesse que, na metrópole, leva sico- trabalhadora: homens, mulheres e crianças. Quando chega- fanta do capital, o economista político, a tratar teoricamente ram ao lugar de destino, sr. Peel ficou sem nenhum criado modo de produção capitalista com base em seu oposto, le- para fazer sua cama ou buscar-lhe água do rio". Desditoso aqui to make a clean breast of it [a falar sinceramente] e a Peel, que previu tudo, menos a exportação das relações ingle- proclamar em alto e bom som a antítese entre os dois modos sas de produção para rio Swan (MARX, 1867). de produção. Para tanto, ele demonstra como o desenvolvi- mento da força produtiva social do trabalho, a cooperação, a divisão do trabalho, a aplicação da maquinaria em larga escala Concluindo essas breves considerações da teoria de Marx, po- etc. são impossíveis sem a expropriação dos trabalhadores e a demos elucidar que pensamento analítico de Marx está assentado correspondente metamorfose de seus meios de produção em na premissa do liberalismo clássico emanado por Smith e Ricardo, capital. No interesse da assim chamada riqueza nacional, ele no século XVIII, ou seja, na teoria do valor-trabalho como fonte de sai em busca de meios artificiais que engendrem a pobreza riqueza. O individualismo surge na segunda metade do século XIX do povo e, assim, sua armadura apologética se dilacera, pe- e avança até inicio do século XX, a fim de contrapor essa doutrina daço por pedaço, como lenha podre. O grande mérito de E. socialista. Esta corrente de pensadores teve como precursores em- G. Wakefield não é de ter descoberto algo novo sobre as presários e filósofos, e suas concepções de cunho econômico tiveram colônias, mas o de ter descoberto, nas colônias, a verdade forte impacto na sociedade da época. Apesar da doutrina econômica bre as relações capitalistas da metrópole. Assim como o siste- socialista proporcionar reflexos na Ciência Econômica, cotidiano ma protecionista, em seus primórdios, visava à fabricação de da época foi conduzido pelo pragmatismo empresarial. capitalistas na metrópole, a teoria da colonização de Wakefield que a Inglaterra procurou, durante certo tempo, aplicar le- galmente visa à fabricação de trabalhadores assalariados nas colônias. A isso Wakefield denomina "systematic colonization" (colonização sistemática). Inicialmente, Wakefield descobriu nas colônias que a propriedade de dinheiro, meios de subsis- tência, máquinas e outros meios de produção não conferem a ninguém a condição de capitalista se lhe falta o complemento: trabalhador assalariado, o outro homem, forçado a vender a si mesmo voluntariamente. Ele descobriu que o capital não 76 77UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS IV. Schumpeter: inovação e empreendedorismo Um dos mais brilhantes economistas do século XX, Joseph Alois Schumpeter nasce em 1883, na Morávia (parte oriental da atual Re- pública Checa), que era, então, parte do Império Austro-Húngaro, que coincidentemente é mesmo ano do nascimento do economista John Maynard Keynes e do falecimento do economista e sociólogo Karl Marx. Schumpeter, juntamente com Keynes e Marx, faz parte do rol dos grandes pensadores econômicos pós-revolução industrial, infe- 67 rindo em toda a dinâmica da economia e que construiu conceitos que irão romper paradigmas e revolucionar o modo de pensar a eco- nomia do século XX. Lecionou em diversas Universidades como a Universidade de Viena Universidade de Columbia (New York), na Univer- sidade de Harvard (USA) e na Universidade de Bonn (Alemanha). Publicou obras importantes como a Teoria do Desenvolvimento Econô- mico, Capitalismo, Socialismo e Democracia e Ciclos Econômicos, sendo um dos fundadores da Econometric Society. No tocante à obra Teoria do Desenvolvimento Econômico, inicia uma análise embasada em um fluxo circular da vida econômica. Há uma repetição contínua de toda a atividade econômica de forma idêntica. O papel do empresário com características inovadoras no tocante à eficiência produtiva e à inovação tecnológica foram papel de desta- que na análise schumpeteriana. Em uma análise crítica no âmbito da taxa de crescimento na pro- dução total, afirma que mesmo que a produção cresça no futuro aos 79MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS mesmos moldes do passado, a sua redistribuição em caráter imediato econômico, ou seja, que o indivíduo tivesse acesso ao crédito para acabará por dizimar esse ganho de produção. consumo, isto não se fundamenta na essência da "natureza econô- Schumpeter observou com clareza a ideia central do crescimento mica". econômico com a justiça social. Retomando o papel do empreende- No campo da teoria do juro contesta conceito emanado por dor, destaca: outros pensadores econômicos. Faz uma inter-relação do conceito de juro e o desenvolvimento econômico. Na sua visão, caberia somente Segundo Schumpeter, ao empresário inovador ter acesso ao crédito. Questiona raciocínio de outros pensadores no tocante à relação da taxa de juros e à liquidez ...na vida econômica, deve-se agir sem resolver todos os de- na economia, conforme suas palavras efeito imediato de um aumento talhes do que deve ser feito. Aqui, sucesso depende da in- de dinheiro em circulação seria 0 aumento da taxa de juros e não sua redução". tuição, da capacidade de ver as coisas de uma maneira que Segundo Schumpeter, posteriormente se constata ser verdadeira, mesmo que no momento isso não possa ser comprovado, e de se perceber o O juro sobre O capital, assim nos ensina a experiência, é um fato essencial, deixando de lado perfunctório, mesmo que rendimento líquido permanente que flui para uma categoria não se possa demonstrar os princípios que nortearam a ação determinada de indivíduos. De onde e por quê? Primeira- (SHUMPETER, 1997). mente há a questão da fonte dessa corrente de bens: para que possa fluir, antes de tudo deve existir um valor, do qual possa Importante salientar as considerações de Schumpeter, no âmbito provir. Em segundo lugar há a questão da razão por que esse do crédito para que haja o crescimento econômico. valor se torna presa desses indivíduos particulares; a questão, Cabe aqui observarmos com rigor as reflexões de Schumpeter: sem dúvida a mais difícil, que pode ser descrita como pro- blema central do juro sobre capital: como é que essa corren- Primeiro devemos provar a afirmativa, estranha à primeira te de bens pode fluir permanentemente, e como juro pode vista, de que ninguém além do empreendedor necessita de ser um rendimento líquido que alguém pode consumir sem crédito, ou corolário, aparentemente menos estranho, de prejudicar a sua posição econômica? que crédito serve ao desenvolvimento industrial. Já de- A existência do juro constitui um problema porque sabemos monstramos que empreendedor, em princípio e como re- que no fluxo circular normal todo o valor do produto deve gra, necessita de crédito entendido como uma transferên- ser imputado aos fatores produtivos originais, ou seja, aos ser- cia temporária de poder de compra a fim de produzir e se viços do trabalho e da terra; assim sendo, todas as receitas da tornar capaz de executar novas combinações de fatores para produção devem ser divididas entre trabalhadores e proprie- tornar-se empreendedor (SHUMPETER, 1997). tários de terra e não pode haver nenhum rendimento líquido permanente que não os salários e a renda (SHUMPETER, Complementando seu raciocínio agora sob viés do crédito ao 1997). consumidor, acreditava que ele não era relevante para processo 80 81MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS Ao explicar sobre os ciclos econômicos, que são intrínsecos Na essência do capitalismo moderno, é de crucial importância ao sistema capitalista, isto é, a expansão e a retração da economia, papel do empreendedor que inicia processo de inovação. No âmbi- Schumpeter denota um papel importante ao empresário inovador to dos ciclos econômicos, Schumpeter expressa que as inovações se no período de expansão da atividade econômica que ao inserir um estabelecem em determinados períodos, proporcionando uma certa novo produto provoca um efeito multiplicador em outros empre- prosperidade à economia, todavia, quando o nível de investimento sários que irão investir recursos inovador (empresário). se reduz a economia atinge períodos de recessão ou depressão. Esse processo provoca um efeito multiplicador na economia no to- Os teóricos acreditavam que a depressão dos anos 30 (século cante aos investimentos, provocando uma expansão do montante de XX), fruto do crash da Bolsa de New York, em 1929, comprometeu capital e da taxa de emprego. o próprio sistema capitalista, não obstante, Schumpeter acreditava Parte do pressuposto de que o mercado, ao absorver os proces- que as inovações e avanço tecnológico remeteram novamente a SOS de inovação tecnológica e haver a homogeneização do consu- economia ao crescimento, eis que esse momento de estagnação era mo, haverá um declínio da taxa de crescimento da economia e esta intrínseco ao próprio sistema capitalista. Previu que a expansão do adentre em período recessivo, afetando a demanda agregada e nível capitalismo em prover benefícios para a economia norte-americana de investimento. Tanto a expansão da economia como sua retração seria muito grande entre 1928 e 1978. fazem parte do escopo do sistema capitalista, ou seja, são intrínsecos Importante ressaltar a análise do autor no que concerne ao gra- ao modelo capitalista. dual esvaziamento do empreendedor. A própria expansão da tecno- Dois grandes expoentes do pensamento e contemporâneos do logia e da inovação cria uma estrutura oligopolista e monopolista, século XX, Keynes e Schumpeter, não tinham convergência no to- que está balizada em uma gestão altamente hierarquizada e burocrá- cante ao pensamento intelectual e ideológico, todavia, em raros pon- tica que coíbe ao empreendedor arriscar, tomar risco, fazendo com tos se complementavam. que próprio sistema elimine o empreendedor. Schumpeter tinha uma visão pessimista em relação ao futu- Outro fator relevante colocado por Schumpeter é o papel do go- ro do capitalismo, acreditando que haveria a consolidação do so- verno na estabilidade econômica. De um lado corrigindo os gargalos cialismo, todavia, a sua própria teoria do empresário inovador foi da economia capitalista, fornecendo condições para a diminuição das combustível para que o capitalismo continuasse, pois no modelo desigualdades, revés dos ciclos econômicos, coibindo ações mo- socialista o Estado se faz presente em vários aspectos da vida social nopolistas e oligopolistas, porém, toda essa ação do Estado acaba por e econômica. coibir a liberdade de ação do empreendedor, reduzindo a dinâmica Mesmo após sua morte em 1950, os seus trabalhos são dignifi- do próprio sistema capitalista. cados pelos economistas. A essência se estabelece no papel do em- Todas essas variáveis acabam por dificultar e até romper pa- preendedor capitalista, na inovação, no lucro, responsável pela ala- pel do empreendedor. Neste sentido, rompe-se também a própria vancagem do sistema de mercado. O avanço econômico e a expansão inovação do sistema, provocando uma redução do crescimento e o do progresso estão balizados no papel do empreendedor. A dinâmica sistema começa a perder dinamismo, entrando em colapso. da economia se estabelece através da inovação, novos produtos, na Neste contexto, a ação do Estado na economia desacelera a pró- cadeia insumo-produto, ou seja, no sistema produtivo. pria expansão capitalista convergindo o sistema para o socialismo no 82 83MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS longo prazo. Schumpeter acreditava assim como Marx, que capita- do desenvolvimento econômico, se introduz um novo agente, ou lismo não sobreviveria, todavia, o capitalismo privado sobrevive até seja, capital, caracterizando-se no mercado de capital, que possui os dias atuais. um grau de organização maior que de produção e de bens de con- Um das premissas do pensamento schumpeteriano é modelo sumo, denominado de mundo monetário. Em uma economia em de equilíbrio estacionário walrasiano. Schumpeter parte dessa ver- desenvolvimento, o crédito bancário transpassa fluxo circular. tente ao analisar fenômenos como desemprego, desajustamento, su- Segundo Schumpeter, perprodução, excesso de capacidade, contrasta com Keynes no tocan- te ao desemprego. Quando comecei a trabalhar sobre as teorias do juro e do ci- Segundo Schumpeter, no equilíbrio estacionário já há a plena clo, quase há um quarto de século, não suspeitava que esses utilização dos fatores de produção. assuntos se ligariam um ao outro e provariam estar intima- Segundo Keynes, equilíbrio real (Teoria Geral) é o equilíbrio mente relacionados aos lucros empresariais, ao dinheiro, ao do desemprego. Apesar de possuir uma visão divergente de Keynes, crédito e semelhantes, da maneira precisa a que conduziu Schumpeter não era totalmente contra a intervenção estatal para ate- desenrolar do raciocínio. Mas logo se tornou claro que to- nuar a questão do desemprego. O aprofundamento das crises cíclicas dos esses fenômenos e muitos outros secundários eram do sistema capitalista, ou seja, a passagem da recessão para a depres- somente manifestações de um processo distinto e que certos são poderá fazer com que sistema sozinho não conseguisse sair do princípios simples que os explicariam, também explicariam desequilíbrio, perpetuando desemprego. todo o processo. A conclusão, por si mesma, sugeria que esse Nesta concepção, opõe-se ao pensamento do economista Mil- corpo teórico poderia ser contrastado de modo proveitoso ton Friedman, que é oposto à ideia do desemprego involuntário. com a teoria do equilíbrio, que, explícita ou implicitamente, Schumpeter acredita que a moeda de troca dos trabalhadores (a força sempre foi e ainda é centro da teoria tradicional (SHUM- de trabalho) não consegue sair do desequilíbrio mesmo havendo a PETER, 1997). redução da massa salarial. Neste sentido, seu pensamento converge com conceito keynesiano no que concerne ao papel do empresário; As bases do sistema capitalista estão assentadas no mercado mo- Schumpeter tece importantes considerações explanando que é este o netário, que é um norteador do planejamento e do desenvolvimento. responsável por alavancar as inovações. O financiamento do desenvolvimento econômico passa pelo merca- Nos primórdios do capitalismo competitivo empresário e pro- do monetário ou de capital, sendo parte criadora e alimentadora des- prietário podem se confundir, no capitalismo atual denominado por se mercado. Outra função desse modelo é que desenvolvimento se Schumpeter, de capitalismo trustificado. A inovação proporciona estabelece como parte integrante das próprias fontes de rendimentos. lucro empresarial, que torna-se pro tempore a partir do instante em De acordo com Schumpeter, que se instala a concorrência e a adaptação. A acumulação capitalista se origina da inovação e lucro é parte básica desse processo. Assim a função principal do mercado monetário ou de ca- Segundo Schumpeter, capital consiste em agente especial, inseri- pital é comércio de crédito com propósito de financiar do no conceito de meios de produção e bens de consumo. No cerne O desenvolvimento cria e alimenta esse 84 85MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS mercado. No curso do desenvolvimento lhe é atribuída ainda Conforme Schumpeter, uma outra, ou seja, uma terceira função: ele se torna mercado das próprias fontes de rendimentos (SHUMPETER, 1997). O capital não é nem todo nem uma parte dos meios de produção originais ou produzidos. Tem uma participação Concluindo raciocínio, O preço das fontes dos rendimentos se- relevante, especial. O mercado monetário é sempre, por as- jam eles pro tempore ou permanentes, possuem uma relação com sim dizer, quartel-general do sistema capitalista, do qual preço do crédito. partem as ordens para as suas divisões individuais, e que ali No tocante ao capital, Schumpeter tece algumas considerações é debatido e decidido é sempre em essência o estabelecimento para reflexão. A forma da organização econômica e os bens necessários de planos para desenvolvimento posterior. Todas as espé- a uma nova produção constituem as bases da economia capitalista. cies de requisitos de crédito vêm desse mercado; nele todas as Segundo Schumpeter: espécies de projetos econômicos travam relação uns com os outros e lutam por sua realização; todas as espécies de poder O capital não é nada mais do que a alavanca com a qual de compra, saldos de toda sorte, fluem para ele a fim de serem empresário subjuga ao seu controle os bens concretos de que vendidos (SHUMPETER, 1997). necessita, nada mais do que um meio de desviar os fatores de produção para novos usos, ou de ditar uma nova direção para Ainda Schumpeter, a produção (SHUMPETER, 1997). O capital de um empreendimento, contudo, também não é A alavanca não está definida no âmbito dos bens, mas a partici- agregado de todos os bens que servem aos seus propósitos. pação do capital na produção torna-se de alguma forma útil na esfera Pois o capital se defronta com o mundo das mercadorias. Os produtiva. Cabe aqui ressaltar o brilhante raciocínio de Schumpeter, bens são comprados com capital o capital é investido em de que na essência do capital quando se empreende não compreende bens mas esse mesmo fato implica o reconhecimento de a agregação de todos os bens. Capital e mercadoria se que a sua função é diferente da dos bens adquiridos. A função A aquisição de bens é realizada pelo capital, todavia, este se apre- dos bens consiste em servir a um fim produtivo que corres- senta com uma função que difere dos bens comprados. Os bens con- ponde à sua natureza técnica. A função do capital consiste em vergem para um fim produtivo. O capital consiste em fornecer ca- obter para empresário os meios com que produzir. O capi- pacidade para se produzir. O capital é um elo intermediário entre o tal se coloca como um terceiro agente necessário à produção empreendedor e a produção de bens, ele é parte indireta da produção. numa economia de trocas, entre empresário e mundo dos De acordo com Schumpeter, "Definiremos capital então como a bens. Constitui a ponte entre eles. Não faz parte diretamente soma de meios de pagamento que está disponível em dado momento para trans- da produção, ele próprio não é "elaborado"; pelo contrário, ferência aos empresários". desempenha uma tarefa que deve ser feita antes que a produ- No que concerne ao lado monetário, cabe ressaltar interessante ção técnica possa começar. análise em relação ao papel do capital. 86 87MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS O empresário precisa ter capital antes que possa pensar em se outro lado os rentistas concedem no curto prazo e negam no longo abastecer de bens concretos. Há um momento em que ele já prazo. tem capital necessário, mas não ainda os bens de produção, e O mercado monetário está sujeito às oscilações de acontecimen- nesse momento se pode ver mais claramente do que nunca que tos tanto naturais, como políticos e econômicos. O mercado mo- capital não é algo idêntico a bens concretos, mas é um agen- netário é o órgão regulador do modelo capitalista, aqui se decidem te independente. E seu único propósito, a única razão pela todos os projetos de desenvolvimento, ou seja, todas as operações de qual empresário precisa de capital recorro a fatos óbvios é crédito, transações, poder de compra, circulam por esse mercado. simplesmente a de servir como um fundo com o qual os bens A condição para que haja desenvolvimento passa pelo mercado produtivos podem ser pagos. Ademais, enquanto essa compra monetário ou de capital. O desenvolvimento acaba sendo parte inte- não terminar, não tem absolutamente nenhuma rela- grante dessa cadeia. ção com algum bem definido (SHUMPETER, 1997). Cabe aqui ressaltar algumas considerações de Schumpeter, no tocante à instabilidade do capitalismo. No âmbito da produção de Existem mercados de bens de consumo, bens de produção, dos mercadorias esta se adéqua a duas variáveis, isto é, as condições eco- serviços, da terra, e para tal há também o mercado de capital, que se nômicas e o caráter tecnológico, sendo respectivamente influencia- apresenta mais sofisticado e estruturado que os outros mercados. A das pelas necessidades e questões de métodos. essa premissa denomina-se de mercado Segundo Schumpeter, Em uma economia balizada em uma alta organização todas as suas transações, sejam de liquidação, pagamentos, créditos, salários, Numa economia sem desenvolvimento não haveria tal mer- impostos estariam estruturados. Em uma economia em desenvolvi- cado monetário. Se ela fosse extremamente organizada e suas mento todas essas variáveis necessitam de crédito financeiro, rentis- transações fossem liquidadas com meios de pagamentos cre- ta; neste sentido crédito rentista adentra no fluxo circular das ope- ditícios, haveria um escritório central de liquidações, uma es- rações, convergindo para serem membros desse mercado pécie de câmara de compensação ou de centro contábil do sis- Um dos pontos centrais da análise é acesso ao crédito para no- tema econômico. Nas transações dessa instituição se refletiria vos negócios. Schumpeter em sua análise desconsidera duas variá- tudo que acontece no sistema econômico, por exemplo, veis, ou seja, a influência das relações internacionais e intervenção pagamento periódico de salários e impostos, os requisitos para não econômica ao qual o sistema econômico está inserido, fatores proceder às colheitas e para os feriados. Mas esses seriam ape- como balança de pagamentos e o comércio de ouro estão na margem nas problemas de cômputo. Ora, essas funções também de- dessa análise. vem ser desempenhadas quando há Com Neste contexto, mercado monetário se apresenta sob dois vie- desenvolvimento, além disso, há sempre emprego para ses, o lado demandante e o lado ofertador, no primeiro englobam-se poder de compra que esteja momentaneamente ocioso. E fi- os empresários e no segundo os rentistas. nalmente, com o desenvolvimento, como já foi enfatizado, Análise sábia se faz, que o empresário não busca recursos para crédito bancário penetra nas transações do fluxo circular. É todo um período, mas a partir do surgimento das necessidades, por assim então que essas coisas se tornam na prática elementos 88 89MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS da função do mercado monetário. Tornam-se uma parte do empreendedores transmitirem geneticamente a seus herdei- organismo do mercado monetário (SHUMPETER, ros as qualidades que os conduziram ao êxito, por meio de inovações e novos métodos produtivos. Assim, compara es- Face às variações nas economias de escala e à própria externalida- trato mais rico da sociedade com um hotel repleto de gente, de na produção, a racionalidade econômica prevalece sobre a tecno- alertando, porém, para o fato de que os hóspedes nunca são os logia. No que concerne em compreender o desenvolvimento econô- mesmos. Isso decorre de um processo no qual os que herdam mico que se assenta no fluxo circular de uma economia estacionária, a riqueza dos empreendedores estão geralmente tão distancia- mas não estagnada, somente haverá ruptura se uma alteração teórica dos da batalha da vida que não conseguem aumentar ou sim- radical foi efetivamente exequível. plesmente manter a fortuna herdada (SHUMPETER, 1997). No campo da inovação, a primária tem como pressuposto per status quo atual, rompendo a base técnica existente. A secundária A tríade da análise schumpeteriana no tocante ao capitalismo está trabalha na ótica da eficiência produtiva, sendo a inovação primária assentada na inovação inserida no espectro do progresso técnico que responsável pela destruição criadora. se expressa em três vertentes, isto é, invenção inovação difusão. O campo estratégico fomentado pelas alterações de caráter técni- Cabe esclarecer que a fase de difusão comporta-se primeiramente CO e econômico passa pelo papel do empreendedor, desenhando um em uma ascensão, no período de auge e novo modelo que não está delineado no cotidiano dos gestores que Para que o empreendedor inovador possa no âmbito da ascensão têm como foco o lucro. técnica englobar, circunscrever uma nova forma de produtos, pro- Esse período de transição, mudança da base técnica, no curto cessos, mercados, terá que ter acesso ao crédito fornecido pelos capi- prazo faz como que os gestores ainda não compreendam e também talistas rentistas. A duração dos ciclos econômicos está diretamente estão se adaptando a esse novo modelo. Com o passar do tempo e ligada às atividades de investimento que são derivadas da inovação havendo retorno monetário será utilizado pelos demais, aí se for- schumpeteriana. matará crescimento e a acumulação de capital. A função do empresário inovador é romper paradigma existen- O elemento propulsor do desenvolvimento econômico é o em- te, fazendo como que se espalhe a inovação. A inovação proporciona preendedor. O sistema capitalista, segundo Schumpeter está em um crescimento superior aos outros setores que ainda não inovaram, constante mutação. A mudança da base técnica é um fator endógeno fazendo com que os capitais dessas outras áreas migrem, convirjam do próprio capitalismo. O empreendedor consegue romper barreiras para setor inovador. O papel que a inovação determina na econo- econômicas e psicológicas existentes como fruto da transformação mia é de grande impacto, pois formam-se em ondas influenciando descontínua e espontânea que provoca a destruição da base tecnológ- toda a dinâmica da economia. ica existente. A teoria dos ciclos econômicos schumpeterianos se estabelece De acordo com Schumpeter, em duas vertentes, isto é, a prosperidade que é reflexo da inovação e a recessão fruto dos efeitos do progresso técnico. Quando se ins- Ao examinar o lucro empresarial, Schumpeter apresenta al- tala a fase da prosperidade, essa permeia todo seio econômico da gumas reflexões sociológicas sobre a impossibilidade de os sociedade, surgindo novos grupos de empresas. Os novos produtos 90 91MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS se interagem com os já existentes, convergindo para uma redução de crescimento equilibrado. Os segmentos que compõem os ciclos di- preços. ferem em seus períodos de maturação. Segundo Schumpeter, O cerne das crises do sistema capitalista está na lassidão do pro- cesso de inovação primeiramente em caráter primário e ao que se su- O capítulo final da "Teoria do Desenvolvimento Econômico" cede às inovações secundárias, fazendo com que os países busquem trata dos ciclos econômicos, ou seja, dos períodos de prospe- alternativas como migrar para o mercado internacional a fim de suprir ridade e recessão econômica comuns no processo de desen- crescimento. No âmbito de se protegerem dentro dos mercados, as volvimento capitalista. Embora Schumpeter considerasse que empresas organizam-se em cartéis partindo para o mercado exterior tratamento dado ao problema não fosse totalmente satisfatório, logo que atingem um nível excelente de produção. Essa metodologia as ideias centrais contidas no capítulo constituíram cerne de alça uma expansão da empresa facilitando uma nova concepção de sua obra "Ciclos Econômicos", publicada em dois acumulação e expansão de mercado. Schumpeter relaciona os períodos de prosperidade ao fato de As políticas governamentais proporcionam aos monopólios e oli- que empreendedor inovador, ao criar novos produtos, é imi- gopólios exportadores lucros econômicos extraordinários no âmbito tado por um verdadeiro "enxame" de empreendedores não ino- de políticas de proteção cambial e até guerras imperialistas. vadores que investem recursos para produzir e imitar os bens A análise schumpeteriana avulta o campo da inovação, tornando criados pelo empresário inovador (SHUMPETER, 1997). preponderantes as grandes inovações e colocando as médias e pe- quenas em um ramo secundário. A inovação de grande magnitude Quando há a maturação dos investimentos se inicia um esgo- fornece as condições tanto para crescimento como para a acumula- tamento da lucratividade das empresas já existentes, iniciando uma ção. No cerne do crescimento está a inovação que proporciona tam- inversão na atividade econômica, proporcionando uma recessão no bém uma fonte contínua de lucros. processo produtivo, como se tivesse consumido tudo na fase de ex- Importante salientar que o capital não tem controle sobre as in- pansão, prosperidade. Toda essa dinâmica da economia capitalista traz venções que revolucionam o sistema. como "pano de fundo" que o empreendedor deverá buscar recursos A análise schumpeteriana no tocante ao equilíbrio não se consoli- para sanar dívidas, culminando em uma concorrência capitalista que da, pois as firmas, as empresas, as indústrias, os diferentes segmentos inibe os lucros econômicos tanto das novas empresas como das já apresentam tratativas determinantes que se diferem, e o desequilí- existentes. Esse modelo leva ao redimensionamento do mercado e à brio acontece tanto na fase de expansão como de decadência do ciclo. extinção de outras empresas. Ainda no que concerne à inovação, os reflexos positivos causados Em um outro modelo preconizado por Schumpeter, se estabele- por esta não garantem em setores oligopolizados a plena consolida- ce o papel da difusão, sendo que esta se apresenta através de quatro ção da massa de lucros, fazendo com que haja a necessidade de uma vieses, ou seja, recuperação, crescimento (prosperidade), recessão e garantia legal no tocante ao registro de patentes e também condições depressão. Aqui se estabelece uma análise schumpeteriana de grande que proporcionem uma expansão geográfica da firma. valia, isto é, pelas próprias condições de imperfeição de competição No campo da teoria do comércio internacional, capital é fruto entre os vários segmentos de produção não há como possibilitar um de uma acumulação excessiva no âmbito endógeno que fomentou 92 93MÁRIO ARMANDO GOMIDE GUERREIRO UMA ANÁLISE REFLEXIVA DAS TEORIAS ECONÔMICAS a expansão e a internacionalização do capital. Os pensadores neos- nos leva à compreensão do porquê da fase de prosperidade no ciclo chumpeterianos colocam a inovação técnica como a mola propulsora econômico. Em Keynes, a essência da demanda efetiva que enobrece do crescimento das economias capitalistas. A inovação como um a teoria econômica ao salientar os elementos que suscitam as fases de talisador da dinâmica econômica capitalista. crise e retração, fundindo deslocamentos cíclicos, flutuações desar- Abarcando um estudo no campo das inovações primárias e se- no seio econômico. cundárias, vemos que as inovações primárias são as precursoras do Concluindo e fazendo uma reflexão do pensamento schumpete- processo de "destruição criadora" e sendo estas fruto das inovações riano, há uma profunda análise no campo da inovação, da destruição secundárias. Estas últimas são também responsáveis pelo grau de efi- criadora e do papel do empresário, mas mesmo assim apresentava ciência. No âmbito do P&D, estas são responsáveis pela dinâmica do uma visão pessimista em relação ao futuro do sistema capitalista crescimento da produtividade, fazendo parte do processo de inova- ção perene e de expansão. Abarcando a análise econômica e social, as alterações técnicas no nível microeconômico são mais velozes, todavia, no campo ma- croeconômico há uma certa inércia das instituições sociais. Há uma resistência de grupos ligados às indústrias que estão defasados tec- nologicamente, preocupados com seu processo de extinção, porém, haverá a busca de soluções tanto no campo político como social a fim de atenuá-las. Podemos evidenciar que as alterações técnicas radicais traçam o desenvolvimento econômico capitalista. A inovação é intrínseca, line- rente ao sistema capitalista. A base econômica está assentada nos ciclos que convergem para um potencial equilíbrio de imutabilidade, todavia, não estagnado em face da dinâmica dos preços. Esse modelo sofre rupturas quando há estabelecimento de inovações que propiciam investimentos diretos (primários) e indiretos (secundários). As alterações técnicas têm a prerrogativa de proporcionar o es- gotamento da base técnica atual, que acaba ocasionando ondas de crescimento. Compatibilizando Keynes, Schumpeter descreve que não mente a prosperidade proporciona as possibilidades de investimento que estão colocadas de imediato, mas também pela fase de depressão. As visões de Keynes e Schumpeter, convergem-se. Schumpeter 94 95