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DÉBORA MACHADO PÚBLICO E COMUNITÁRIO: PROJETO ARQUITETÔNICO COMO PROMOTOR DO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA Universidade São Judas Tadeu São Paulo – 2009 Dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo sob a orientação da Prof.ª Drª. Marta Vieira Bogéa. 1 DÉBORA MACHADO PÚBLICO E COMUNITÁRIO: PROJETO ARQUITETÔNICO COMO PROMOTOR DO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA Universidade São Judas Tadeu São Paulo – 2009 2 Machado, Débora dos Santos Candido Público e comunitário : projeto arquitetônico como promotor do espaço de convivência / Débora dos Santos Candido Machado. - São Paulo, 2009. 144 f. : il., plantas, tabs. ; 30 cm Orientador: Marta Vieira Bogéa Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2009. 1. Projeto arquitetônico 2. Espaços públicos I. Bogéa, Marta Vieira II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. III. Título CDD – 711.5 Ficha catalográfica: Elizangela L. de Almeida Ribeiro - CRB 8/6878 3 Ao Leandro pelo que significa em minha vida e por fazer parte dos meus sonhos. 4 Agradecimentos À minha mãe Rosi, pelo incentivo e carinho. Em todos os momentos foi dedicada, querida e amiga. Será sempre um exemplo para mim, na vida e como professora. Ao meu pai Milton, grande professor, por ser integro, digno e livre. Agradeço pelo respeito, por sua enorme disposição em me ajudar e por mostrar- me a importância da pesquisa. Meu agradecimento especial à minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Marta Bogéa, tão carinhosa em todos os momentos, principalmente nas horas de cansaço e desânimo. Agradeço pelas palavras de apoio e solidariedade, sempre me despertando à descoberta pela pesquisa e pela vida. 5 Índice Resumo ________________________________________________________08 Abstract ________________________________________________________08 Introdução ______________________________________________________09 1. A relação entre público e comunitário como espaço de convivência ____11 1.1. Oscar Niemeyer e a grande Marquise do Parque do Ibirapuera _____25 1.2. Lina Bo Bardi e a construção de espaços de uso coletivo _________30 1.3. Una Arquitetos, uma proposta recente para o Centro Cultural Maria Antônia _______________________________________________47 2. Histórico do espaço comunitário nas escolas estaduais do estado de São Paulo _______________________________________________________55 2.1. Escola-parque em Salvador ________________________________56 2.2. Trajetória das escolas públicas da rede estadual de São Paulo ____62 2.3. Centro Educacional Unificado _______________________________69 2.3.1. Programa Arquitetônico para os CEUs _________________72 3. Análises, identificação do espaço comunitário nos projetos de edifícios escolares _______________________________________________74 6 3.1. Convênio escolar e a arquitetura de Hélio Duarte para EE Pedro Voss ___________________________________________________________75 3.2. Período FECE e a escola de Guarulhos _______________________82 3.3. A proposta da CONESP através da Análise da EE José Gonçalves de Andrade Figueira _________________________________________89 3.4. O projeto arquitetônico da EE União de Vila Nova III e IV durante o período da FDE ____________________________________________94 3.5. A primeira proposta para os CEUs __________________________103 3.5.1. CEU Jambeiro ___________________________________103 3.5.2. CEU Butantã ____________________________________109 3.6. A nova arquitetura do CEU ________________________________114 3.6.1. CEU Água Azul __________________________________115 Conclusão _____________________________________________________120 Anexos ________________________________________________________122 Entrevista - Avany Ferreira ______________________________122 Entrevista - Alexandre Delijaicov __________________________126 Entrevista - Ana Maria Baptista Alves ______________________130 7 Entrevista - Edmiloson Kaloczi ___________________________132 Lista de Figuras ________________________________________________133 Referências bibliográficas ________________________________________142 8 Resumo “Público e comunitário: projeto arquitetônico como promotor do espaço de convivência”, busca identificar de que modo o projeto arquitetônico pode receber uma abertura ampliando a questão do espaço público. A pesquisa está organizada em três partes, o primeiro capítulo traz os conceitos dentro da arquitetura e do urbanismo de público e comunitário com a apresentação e análise de projetos arquitetônicos de referência para cidade de São Paulo. O segundo capítulo relata o histórico da arquitetura escolar a partir de 1950, suas influências e transformações, expõe as escolas públicas da rede estadual de São Paulo e os Centros de Educação Unificado (CEU) presentes na capital paulista. No terceiro e último capítulo apresentam-se às análises dos projetos arquitetônicos, exemplificando cada período através de leituras que destacam os espaços de uso comunitário das escolas públicas e principalmente, dos CEUs. Abstract "Public and comunitary: architectonic project as promoter of connivance space", it wills to identify in what way the architectonic project may receive an opening and extend the matter of public space. The research is organized in three parts, the first chapter brings the concepts in the architecture and the public and comunitary urbanism with the presentation and analysis of referencial architectonic projects to the city of São Paulo. The second chapter accounts the history of sholastic architecture since 1950, its influences and changes, expose the public schools of the state network of São Paulo and the Unified Educational Centers (CEU) located in its capital. In the third and last chapter, the analysis of the archtectonic projects are presented, exemplifing each period through readings which highlight the spaces of comunitary use of the public schools and mainly, of the CEUs. 9 Introdução Essa pesquisa busca a compreensão dos conceitos de espaço público e espaço comunitário, também a identificação desses espaços nos projetos arquitetônicos e nos edifícios construídos. O tema inferido, espaço público e sua relação com a arquitetura é tratado inicialmente a partir das seguintes questões: De que forma esse espaço está presente na cidade contemporânea? Como as pessoas se utilizam desse espaço? E de que maneira o poder público trata a preservação do espaço público? Para maior abrangência do assunto, a pesquisa apontaos espaços comunitários em projetos específicos, tanto na área da educação como nas áreas de cultura e lazer. Foram selecionados equipamentos institucionais para análise dos espaços públicos e comunitários em edifícios de usos diferentes. Os projetos escolhidos são a Marquise do Ibirapuera presente no Parque do Ibirapuera, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), localizado na Avenida Paulista, o SESC Pompéia, na Rua Clélia, no bairro Pompéia, e o Centro Cultural Maria Antônia no bairro Consolação. Esses são considerados alguns projetos que atendem a população paulistana em grande escala nos quais a relação com os espaços públicos ocorre de forma significativa, tais como no MASP e no Centro Cultural Maria Antônia, apontados no primeiro momento da pesquisa. Dentro das áreas da educação, cultura e lazer, é importante o conhecimento do histórico dos equipamentos, bem como os órgãos competentes para criação e coordenação desses edifícios públicos. Dessa maneira a pesquisa traz essas informações com uma intenção clara de analisar os projetos das escolas públicas da rede estadual a partir de 1950, e os projetos dos equipamentos sociais da rede municipal, do ano de 2000 até os dias atuais. Nessa análise, a principal questão é de que forma os espaços são projetados e oferecidos à comunidade, para isso foi necessário considerar diversos fatores, entre eles a população a ser atendida, envolvendo principalmente os alunos, também os professores, funcionários, e a comunidade da região, que nessas análises são considerados os principais usuários. Outras questões também são 10 importantes como o local para implantação de cada equipamento, a topografia do terreno, o entorno e o projeto arquitetônico, o órgão responsável pela criação da escola e o contexto histórico de cada área. Outro objeto para essa pesquisa é a proposta recente do CEU (Centro de Educação Unificado) como equipamento público voltado para a periferia de São Paulo. São edifícios construídos em bairros carentes para serem espaços públicos e sociais que ofereçam não só ensino para a população, mas também espaços de uso para a comunidade. A pesquisa revela na análise, projetos nos quais as comunidades se apropriam de espaços públicos. 11 1. A relação entre público e comunitário como espaço de convivência 12 1. A relação entre público e comunitário como espaço de convivência Nos termos propostos pelo sociólogo Richard Sennett, espaço público é espaço de uso coletivo da sociedade, permite diversas pessoas utilizando o mesmo ambiente ao mesmo tempo, o que significa um espaço para todos: “as primeiras ocorrências da palavra „público‟ em inglês identificam o „público‟ como o bem comum na sociedade... „Público‟ significava aberto à observação de qualquer pessoa, enquanto „privado‟ significava uma região protegida da vida, definida pela família e pelos amigos.” 1 O arquiteto Herman Hertzberger apresenta público e privado nos seguintes termos: “uma área acessível a todos a qualquer momento; a responsabilidade por sua manutenção é assumida coletivamente. Privada é uma área cujo acesso é determinado por um pequeno grupo ou por uma pessoa, que tem a responsabilidade de mantê-la”. 2 Nesse caso, o espaço público permite o acesso de todos, independentemente das atividades ali desenvolvidas, para isso, é necessário que todos conservem esse espaço. A palavra público, no dicionário Larousse Cultural 3, significa “que se refere ou é destinado ao povo, à coletividade”, também é o “que é aberto a quaisquer pessoas”. Hertzberger argumenta que o coletivismo visa à sociedade. “O individualismo vê a humanidade apenas na relação consigo mesmo, mas o coletivismo não vê o homem de maneira nenhuma, vê apenas a „sociedade‟. Ambas as visões de mundo são produtos ou expressões da mesma condição humana.” 4 1 SENNETT, Richard. O declínio do homem público. São Paulo, Companhia Das Letras, 1974, p. 30. 2 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 12. 3 Larousse Cultural – Grande Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo. Nova Cultural Ltda, 1999. 4 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 13. 13 O conceito de público não deve ser tratado como espaço sem dono, como se a sociedade não tivesse responsabilidade sobre aquilo, essa conduta vem causando a destruição das principais cidades do mundo por conta da alienação das pessoas em relação à preservação do espaço público. Dessa forma a população não se sente responsável por aquele espaço e o vandalismo e a violência crescem de forma negativa. É importante destacar que todas as pessoas têm acesso ao espaço público, desde que façam o que é proposto ali, entretanto observou-se que em alguns casos o uso pré-determinado indica um espaço público com uma função específica. Por exemplo, uma biblioteca pública é um espaço público aberto para as atividades de leitura a todas as pessoas, sejam elas crianças, estudantes, adultos universitários, entre outros. Todos obrigatoriamente devem seguir as regras da biblioteca, seu uso é controlado com horários de funcionamento e silêncio exigido para leitura. É diferente de uma praça pública que permite diversos usos a qualquer momento para qualquer um. As pessoas podem circular, conversar, cantar, etc. Dessa forma, a praça é um espaço público de uso coletivo5, porém ali a multiplicidade de usos distingue-os de espaços de uso específico. Ambos são públicas, mas a utilização de cada um é diferente, a praça permite usos variados, enquanto a biblioteca pressupõe uso específico de atividade. Analisando o termo como um adjetivo para espaço, conclui-se que o espaço de uso público implica sempre no uso coletivo, gerando um espaço coletivo, o que faz com que vários usuários utilizem o espaço ao mesmo tempo, estabelecendo assim, maior respeito entre as pessoas. Por outro lado pode-se dizer que se o espaço público pressupõe o uso coletivo, o espaço de uso coletivo nem sempre é público, pode ser privado ou comunitário. 5 A palavra coletivo no dicionário Larousse Cultural, quer dizer “que compreende, abrange muitas pessoas ou muitas coisas, ou lhes diz respeito”; é também o “que pertence a um conjunto de pessoas ou de coisas”. Assim, podemos considerar que todo espaço público é de uso coletivo, mas nem todo espaço de uso coletivo é público. Um exemplo de espaço público e de uso coletivo é o parque. Lá é permitida a utilização por várias pessoas ao mesmo tempo e a estrutura do parque oferece diversas opções de atividades, como caminhada, exercícios físicos, passeios em contato com a natureza, o encontro de pessoas, entre outros. Fonte: Larousse Cultural – Grande Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo. Nova Cultural Ltda, 1999. p. 244. 14 O que se percebe claramente com o passar dos anos é que o domínio público vem perdendo cada vez mais sua importância deixando evidente a crise do espaço público, isso faz com que se perca a integração social. Essa questão, em geral, é explicada com razões financeiras, as empresas oferecem serviços que deveriam ser públicos, mantendo um domínio capitalista. Nesses casos, a própria população procura outros espaços, que podem ser privados ou comunitários para sua utilização gerando o abandono dosespaços públicos, em geral isso acontece porque as pessoas se sentem desprotegidas no espaço público por motivos de segurança e passam a procurar locais onde se sintam mais seguras, como em locais particulares e fechados. A segunda situação que marca essa crise é o espaço público sendo cada vez menos presente nas cidades, principalmente nas metrópoles, é tratado como uma área perdida, onde se permite cada vez mais a transformação do espaço de uso público para espaço de uso privado, levando sempre a população a uma condição de acesso limitado. Muitas vezes quando mantido pelo poder público, o espaço público é utilizado de forma inadequada, como estacionamento de veículos, espaços ocupados por moradores de rua, comércio ilegal, entre outras atividades. Esse tipo de ocupação impede que a população da cidade tenha zelo por esse local, trazendo uma indiferença ou até mesmo desprezo das pessoas para com o espaço público. Hertzberger diz que “é como se as obras públicas fosse uma imposição vinda de cima; o homem comum sente que „não tem nada a ver com ele‟, e, deste modo, o sistema produz um sentimento generalizado de alienação” 6. A população passa a ser indiferente em relação ao espaço público. A praça, espaço público por excelência, além de ser mantida pelo poder público, se constitui do espaço aberto, e pressupõe atender a população de forma pública e igualitária, sem muros e grades, por exemplo, assim, é possível a acessibilidade de qualquer pessoa a qualquer hora. Desde o nascimento das primeiras praças no mundo, até os dias atuais, esses lugares são sempre destinados a usos diversos e muitas vezes, contraditório, mas sempre voltado para a esfera de vida pública como o encontro de pessoas, palco de 6 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 45. 15 apresentações artísticas, local de festas, de comércio ambulante, de manifestações do Estado e da sociedade, entre outras. Já o parque 7 difere da praça por ser normalmente áreas verdes maiores com horário de funcionamento, é cercado por grades e normalmente com um setor administrativo, o que determina sua natureza de uso. Eugenio Fernandes Queiroga, arquiteto e urbanista, faz uma relação das megalópoles com as praças em sua tese de doutorado, diz que as praças são: “espaços públicos de razão comunicativa... um espaço livre da cidade voltado essencialmente ao encontro público, um momento da esfera de vida pública... a praça se constitui num índice de civilidade, de cidadania, de qualidade de vida urbana. A praça é um signo do lugar, revelador de contradições e conflitos sociais. Na praça expõe-se a sociedade em seu movimento.” 8 Queiroga também defende que a praça é o espaço mais livre da cidade baseado no uso do espaço, e que comparado com a rua, percebe-se que se por um lado ambos são típicos espaços públicos, por outro a praça permite a utilização de forma mais ampla, com a possibilidade de exercer diversas atividades, enquanto a rua permite basicamente a circulação longitudinal e o desenvolvimento do sistema viário. Portanto, o que caracteriza a praça é a natureza de uso ali aplicado de acordo com sua acessibilidade e sua conotação, assim, outros espaços também podem ser caracterizados como espaço de praça, pois permitem o acesso e a utilização de todos, nesses casos configura o que Queiroga denomina como 7 Segundo o arquiteto e paisagista Benedito Abbud, “as praças são espaços inseridos no tecido urbano, no qual a paisagem da cidade está bastante presente. Os parques são áreas que podem ou não estar dentro da cidade, mas a visão da natureza prevalece sobre a paisagem urbana do entorno. Em geral, embora necessariamente, os parques são maiores que as praças, e as formas de gestão também diferenciam esses espaços: os parques freqüentemente possuem administradores, as praças não.” em seu livro ABBUD, BENEDITO. Criando paisagens: guia de trabalho em arquitetura paisagística. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006. p. 182. 8 Segundo Eugenio Fernandes Queiroga em sua tese de doutorado, onde ele defende a “praça como um espaço da realização do mundo vivido e da esfera de vida pública” em QUEIROGA, Eugenio Fernandes. A megalópole e a Praça: O espaço entre a razão de dominação e a ação comunicativa. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de São Paulo, 2001. p. 50. 16 pracialidade que podem ser destinados a exemplos de espaço público como ruas, avenidas, calçadas e até mesmo edifícios. É possível encontrar exemplos na cidade de São Paulo, de locais que não são praças, mas que se pode reconhecer o conceito de “pracialidade” 9, como o vão do MASP, Museu de Arte Moderna de São Paulo (Fig. 1.1), na Avenida Paulista, que é uma grande área livre no pavimento térreo independente do museu, onde é possível o acesso de qualquer pessoa a qualquer momento. Essa arquitetura pública pode ser encontrada em diversas categorias de uso, porém nem todos os casos, a arquitetura é tratada como um bem comum da sociedade. Existem também os exemplos de praças que perderam sua utilização adequada passando a estabelecer outros usos como é o caso da Praça Cel. Fernando Prestes (Fig. 1.2.), no bairro Bom Retiro, junto à estação Tiradentes do metrô que se tornou um grande estacionamento de veículos particulares e hoje perdeu seu caráter de praça pública. Isso acontece porque, em alguns casos, o poder público permite que o espaço público passe a ser utilizado de maneira privada, seja esse por interesses rentáveis ou mesmo e solucionar problemas da 9 Conceito aplicado a praça em QUEIROGA, Eugenio Fernandes. A megalópole e a Praça: O espaço entre a razão de dominação e a ação comunicativa. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de São Paulo, 2001. p. 50. Fig. 1.1 – Vão livre do Masp 17 região, de qualquer forma, o resultado é a decadência do espaço. Outro exemplo de espaço público é o Parque da Independência (Fig. 1.3. e 1.4.), junto ao Museu do Ipiranga, uma área que já foi recuperada e hoje é preservado pela população e mantida pelo poder público, oferece áreas de esporte, lazer e cultura de maneira igualitária, ainda que como parque funciona dentro de determinado horário, quando aberto se organiza com o espaço franqueado. Fig. 1.2 – Praça Cel. Fernando Prestes 18 Existem espaços privados que se abrem para o uso público, nesses casos, são espaços privados que se tornam público porque permitem o acesso de todas as pessoas, em alguns casos respeitando regras daquele lugar e em outros respeitando regras apenas da sociedade. No caso dos edifícios, o limite entre o espaço público formado pela calçada e pela rua, e o espaço privado existe de maneira muito discreta, onde uma grande “soleira” une os dois ambientes (Fig. 1.5), essa idéia pode ser compreendida através do texto de Hertzberger: “A concretização da soleira como intervalo significa, em primeiro lugar e acima de tudo, criar um espaço para as boas-vindas e as despedidas, e, portanto, é a tradução em termos arquitetônicos da hospitalidade. Além disso, a soleira é tão importante para o contato social quanto às paredes grossas para a privacidade. Condições para a privacidade e condições para manter os contatos sociais com os outros sãoigualmente necessários.” 10 10 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 35. Fig. 1.1 – Museu do Ipiranga Fonte: Site Flickr - http://www.flickr.com/photos/marcia_marton/525232601/ (Acesso em 11/05/2008). Fig. 1.3 – Museu do Ipiranga Fig. 1.4 – Parque da Independência 19 As galerias de comércio, que são ruas internas de comércio exclusivas para pedestre, normalmente cobertas de vidro surgiram no século XIX com o objetivo de atender um novo público de consumidores. Com seus corredores largos e extensos, e uma cobertura transparente, o local gera um aspecto de proteção, é ambiente privado e público ao mesmo tempo, pois é um espaço protegido e de acesso a qualquer pessoa, esta é uma situação em que não existe separação entre o público e privado. O autor Hertzberger diz que as galerias são: “ruas internas de comércio cobertas de vidro, tais como espaços construídas no século XIX, e das quais muitos exemplos marcantes ainda sobrevivem em todo o mundo. As galerias serviram em primeiro lugar para explorar os espaços interiores abertos, e eram empreendimentos comerciais afinados com a tendência de abrir áreas de venda para um novo público de compradores. Deste modo, surgiram circuitos de pedestres no núcleo das áreas de lojas. A ausência de trânsito permite que o caminho seja bastante estreito para dar ao comprador potencial uma boa visão das vitrines dos dois lados.” 11 E expõe o significado: “O conceito de galeria contém o princípio de um novo sistema de acesso no qual a fronteira entre o público e o privado é deslocada e, portanto, parcialmente abolida; em que, pelo menos do ponto de vista espacial, o domínio privado se torna publicamente mais acessível.” 12 11 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 74. 12 Idem, ibidem. p. 77. Fig. 1.5 – Escola Montessori em Delft, Países Baixos 20 Uma das primeiras galerias foi a Vittorio Emanuele 13 (Fig. 1.6), construída em 1865, em Milão, na Itália e desenhada pelo arquiteto Giuseppe Mengoni. A arquitetura da galeria oferece luminosidade, seu interior comercial constitui também um espaço de encontro e circulação da sociedade italiana atraída pelas lojas. A partir da referência das antigas galerias, a Rua 24 horas (Fig. 1.7), em Curitiba, capital do Paraná, é um exemplo de espaço destinado ao uso público. Inaugurada em 1991, é uma via exclusiva para pedestres, essa rua tem seu funcionamento 24 horas por dia, oferece uma série de serviços como área de alimentação, revistaria, ótica e banco 24 horas, foi uma das primeiras proposta de galeria de comércio no Brasil, toda a estrutura é metálica tubular formando arcos e sua cobertura é composta de vidros curvos 14. O arquiteto Marcelo Ursini, diz que “o senso comum define o espaço público como oposição ao espaço privado, reduzindo estes conceitos a valores de uso e posse. Desta maneira, público e privado se separam de forma nítida, desprezando qualquer possibilidade de continuidade entre estes espaços.” 15 Sua pesquisa de mestrado, com o título “Entre o Público e o Privado: os espaços francos na Avenida Paulista” permitiu essa identificação da integração do público com o privado através de análises dos espaços privados de uso público na Avenida Paulista, dentre eles, as galerias de comércio, que oferecem a possibilidade de travessia, além da venda de produtos. 13 Fonte: “Galeria Vittorio Emanuele II” em http://olhares.aeiou.pt/galeria_vittorio_emanuele_ii_1/foto728714.html (acesso em 24/05/2008). 14 Hertzberger explica a sensação de quem circula nas galerias: “As passagens altas e compridas, iluminadas de cima graças ao telhado de vidro, nos dão a sensação de um interior: deste modo, estão do lado de “dentro” e de “fora” ao mesmo tempo. O lado de dentro e o de fora acham-se tão fortemente relativizados um em relação ao outro que não se pode dizer quando estamos dentro de um edifício ou quando estamos no espaço que liga dois edifícios separados.” Em HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 76. 15 URSINI. Marcelo. Entre o Público e o Privado: os espaços francos na Avenida Paulista. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Universidade de São Paulo, 2004. p. 15. 21 Além de um espaço de circulação, a rua é também um lugar de convivência, segundo Hertzberger é: “um lugar onde o contato social entre os moradores pode ser estabelecido: como uma sala de estar comunitária.” 16 O autor defende a “idéia de que os moradores têm algo em comum, que têm expectativas mútuas, mesmo que seja apenas porque estão conscientes de que necessitam um do outro. ” 17 Em relação às construções, depende muito do comportamento dos moradores e dos desenhos da rua, da calçada e das fachadas das casas para que ocorra a integração da vizinhança no espaço público, pois os moradores podem utilizar suas casas como locais de refúgio e a rua como um ambiente de convívio, 16 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 48. 17 Idem, ibidem. p. 52. Fig. 1.6 – Galeria Vittorio Emanuele, em Milão, Itália Fig. 1.7 - Rua 24 horas em Curitiba, Paraná. 22 é necessário que haja um equilíbrio, assim a rua não é apenas uma via que leva de um ponto ao outro, mas sim, um local onde as crianças podem brincar, os moradores possam se encontrar e conversar, as pessoas possam passear, o que se assemelha muito a praça. (Fig. 1.8) Hertzberger também diz que é “uma área de rua com a qual os moradores estão envolvidos, onde marcas individuais são criadas por eles próprios, é apropriada conjuntamente e transformada num espaço comunitário.” 18 A rua também pode ser considerada um espaço comunitário dependendo de como é o comportamento da população que se utiliza daquele local. Os moradores passam a tratar a rua como sendo um espaço de responsabilidade deles, isso faz com que todos zelem pela preservação da rua, é quando o espaço público é também um espaço comunitário. Por questões de conservação, a rua é um espaço público, mas nem sempre é comunitário, depende da existência de uma comunidade na região, em outros casos, as ruas já passaram a ser particulares, fechadas com portões e grades por questões de segurança, estabelecendo o uso apenas de pessoas autorizadas. 18 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 43. Fig. 1.8 – Moradias Haarlemmer Houttuinen, em Amsterdan, capital da Holanda 23 Vale ressaltar que espaço comunitário e espaço público não são sinônimos. Comunitário é relativo à comunidade que se referem ao conjunto de pessoas com os mesmos interesses e que se organizam respeitando seus próprios costumes e hábitos, essas pessoas podem usar tanto espaços públicos quanto espaços privados. O termo comunidade se originou da palavra comum, que, nesse caso, significa o lugar comum de convivência, necessário para a habitação, cultura, serviços, educação e lazer, naquele onde as pessoas vivem experiências em comuns e percebem o mundo. Como exemplo, a escola pública da rede estadual, onde oespaço da escola está sob a administração pública, do estado, porém, os usuários têm interesses em comum, entre eles estão os estudantes, os pais de alunos, os funcionários e outros moradores que utilizam o espaço da escola para atividades diversas, tais como esporte e eventos. A palavra “comunitário”, conforme o dicionário Aurélio, significa “respeitante à comunidade, considerada quer como estrutura fundamental da sociedade, quer como tipo ou forma específica de agrupamento.” 19 Ou seja, para se considerar o conceito de comunitário é preciso sempre associar com o conceito de comunidade. No Dicionário Prático de Filosofia20, o conceito classificado como sociologia e filosofia política diz que comunidade é o “grupo de indivíduos vivendo juntos, tendo interesses comuns, e partilhando um certo número de valores ou tradições”, Nesse caso, comunidade está relacionado a um grupo de pessoas com características e necessidades em comum buscando soluções em conjunto. Podemos perceber que o espaço só é de uso comunitário quando atende a comunidade, o que nos faz sempre associar o espaço comunitário de um equipamento arquitetônico à necessidade da população que ali vive, seja essa da região, do bairro ou do município. Em alguns casos, como em bairros residenciais, a rua pode ser um espaço comunitário também, lá acontecem atividades comunitárias como eventos do bairro, feiras ao ar livre, encontros da população. 19 Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 1999. p. 517. 20 CLÉMENT, Élisabeth,; DEMONQUE, Chantal; HANSEN-LOVE, Laurence; Kahn, Pierre. Dicionário Prático de Filosofia. Lisboa, Terramar, 1999. p. 66. 24 Nesse caso a rua mantém um caráter público e um caráter comunitário como mostra Hertzberger: “As unidades de habitação funcionam melhor quando as ruas em que estão localizadas funcionam bem como espaços de convivência, o que por sua vez depende particularmente de verificar o quanto são receptivas, em que medida a atmosfera dentro das casas pode se integrar à atmosfera comunitária da rua lá fora. Isto é determinado em grande parte pelo planejamento e pelo detalhamento do layout da vizinhança.” 21 O autor explica que a rua deve ser como a sala de estar das casas, um espaço comunitário (Fig. 1.9) das habitações: “Em bairros residenciais devemos dar à rua a qualidade de uma sala de estar, não só para interação cotidiana como também para as ocasiões especiais, de modo que as atividades comunitárias e as atividades importantes para a comunidade local passam a ser realizadas ali... A rua também pode ser o lugar para atividades comunitárias, tais como a celebração de ocasiões especiais que dizem respeito a todos os moradores locais.” 22 21 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 54. 22 Idem, ibidem. p. 59. Fig. 1.9 – Moradias Lima, Holanda. 25 São inúmeros os espaços na cidade que permitem o uso comunitário, nesse caso consideram-se nessa pesquisa, os espaços comunitários em diversos projetos arquitetônicos. Em geral, os espaços comunitários construídos estão situados em edifícios públicos de uso institucional, cultural e educacional, e como exemplo, temos o Centro de Educação Unificado, conhecido como CEU, faz parte da rede municipal de São Paulo, é um espaço público, mantido pelo poder público, porém com uso destinado a comunidade local que faz desse espaço, um espaço comunitário, com uma identidade própria, além de desenvolver ali atividades de lazer e cultura integrando cada vez mais os moradores. As escolas públicas da rede estadual são mantidas pela FDE, Fundação do Desenvolvimento da Educação, existente desde 1987, é atualmente o órgão responsável pela construção, manutenção, reforma e restauração das escolas estaduais. Esses edifícios são espaços públicos, porém seu uso é restrito, é parcialmente voltado para comunidade, pois seu foco é o ensino às crianças e adolescentes. Já o SESC, Serviço Social do Comércio é um espaço público mantido pelo setor privado, também destinado à comunidade. Por último, os centros culturais, as bibliotecas públicas e os museus, que podem ser públicos ou privados, dependendo de sua administração, somente caracterizam um espaço comunitário por terem ali, usuários com interesses em comum. A pesquisa também tem o objetivo de compreender os espaços de esfera pública, os quais admitem o uso comunitário pela população paulistana. Esse capítulo aponta diretamente para a identificação dos espaços públicos nos projetos arquitetônicos de edifícios culturais, educacionais e de lazer na cidade de São Paulo, permitindo assim compreender de forma clara, como o desenho arquitetônico possibilita a integração dos espaços e permite que as pessoas utilizem de maneira comunitária ou somente para convívio público. 1.1. Oscar Niemeyer e a grande Marquise do Parque do Ibirapuera Situado no Bairro do Ibirapuera, zona sul de São Paulo, a marquise faz parte do grande complexo do Ibirapuera (Fig. 1.10.), projetado em 1951, pelo 26 arquiteto e urbanista Oscar Niemeyer. Esse projeto foi implantado em uma área ampla que mais tarde seria arborizada contando com uma grande marquise ligando os elementos arquitetônicos, o parque é composto pelo Palácio das Nações e o Palácio dos Estados na face noroeste, a Bienal de São Paulo, antigo Palácio das Indústrias na face sudeste e o Pavilhão de Exposições, atualmente conhecido como Oca, juntamente com o Museu da Aeronáutica e o Museu de Artes na mesma edificação circular na face leste. Hoje a área é cercada por grandes avenidas, entre elas a Avenida República do Líbano, Avenida Pedro Álvares Cabral, Avenida Quarto Centenário e Avenida Vinte Três de Maio, que corta a cidade. Atualmente, o Parque do Ibirapuera, além de ser o maior parque de São Paulo, é um local significante para metrópole por vários aspectos, tanto culturais e educacionais, como de esporte e lazer. O projeto arquitetônico original passou por várias transformações por questões de custo, o projeto final foi aprovado em 1953 e a construção do parque foi concluída em 1954. Ocupando uma área de um milhão e 584 mil metros quadrados, esse terreno compreende as edificações interligadas pela grande marquise, os três lagos e um jardim. Esse projeto arquitetônico, mesmo antes de ser executado, já prometia grandes áreas de uso público, pois, além de ser um grande parque público, também oferece vários espaços de uso coletivo para a população de São Paulo, tais como prática de esporte, lazer, cultura, espaços para shows e eventos, ponto de encontro para as pessoas, espaços de convivência, entre tantos outros. (Fig. 1.11 e Fig. 1.12). 27 Fig. 1.10. – Complexo do Ibirapuera, destaque para a marquise do parque. Fonte: Programa Google Earth (acesso em 11/05/2009). Teatro Oca Bienal Palácio das Nações Palácio dos Estados 28 Fig. 1.11 – Vista aérea do parque Oca Auditório Marquise Bienal 29Essa marquise, com 600 metros de extensão configura uma grande cobertura que oferece um espaço amplo e livre, é uma área protegida com a função de dar suporte na circulação no complexo integrando os equipamentos, além disso, proporciona um espaço coberto disponível para caminhar, correr, brincar, namorar, andar de bicicleta, de patins, entre outros, possibilitando a utilização de pessoas de todas as idades (Fig. 1.12). Seu uso traz à população de São Paulo, um espaço público com sua ocupação de forma coletiva, pois várias pessoas usam ao mesmo tempo para atividades em comum. Hoje, o parque é Fig. 1.12 - Marquise do Parque do Ibirapuera, espaço destinado à atividades diversas. 30 considerado uma arquitetura 23 de imenso valor para São Paulo, nela é possível perceber o caráter de utilização variada, onde as pessoas se apropriam de forma criativa e das mais variadas comunidades. 1.2. Lina Bo Bardi e a construção de espaços de uso coletivo O MASP, Museu de Arte de São Paulo (Fig. 1.13), projeto da arquiteta Lina Bo Bardi, foi construído em 1957 e está situado na Avenida Paulista, no terreno do antigo Belvedere do Trianon, atualmente uma região bastante movimentada de São Paulo. Esse projeto é uma representação clara do modernismo, movimento que defende a praticidade e a liberdade, Lina dizia que o museu era dedicado ao público em massa, era a “arquitetura como serviço social”. 23 O Parque do Ibirapuera é hoje um patrimônio histórico tombado pelo Condephaat desde 25 de janeiro de 1992 em CONDEPHAAT. “Lista dos Bens Tombados no Estado de São Paulo” em http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.a943691925ae6b24e7378d27ca60c1a0/?vg nextoid=c88fcf75c7e9b110VgnVCM100000ac061c0aRCRD&cpsextcurrchannel=1 (acesso em 25/05/2008). Fig. 1.13 – Museu de Arte Moderna de São Paulo 31 Fig. 1.14 – Masp. Fachada Nordeste. Década de 1970. 32 Fig. 1.15 e Fig. 1.16 – Museu de Arte de São Paulo Parque Trianon MASP 33 Fig. 1.17 – Planta e Análise 34 Fig. 1.18 – Plantas 35 Fig. 1.19 – Corte A Fig. 1.20 – Corte B Nos textos de Lina, podemos encontrar suas palavras sobre a proposta para o museu. “Procurei uma arquitetura simples, uma arquitetura que pudesse comunicar de imediato aquilo que, no passado, se chamou “monumental”, isto é, o sentido de “coletivo”, da “Dignidade Cívica”... “O tempo é um espiral. A beleza sem si não existe. Existe por um período histórico, depois muda o gosto, depois vira bonito de novo. Eu procurei apenas o Museu de Arte de São Paulo, retomar certas posições. Não procurei a beleza, procurei a liberdade. Os intelectuais não gostavam, o povo gostou: “Sabe quem fez isso? Foi uma mulher!!...” 24 Em seus escritos ela diz: “Eu procurei apenas, no Museu de Arte de São Paulo, retomar certas posições. Até procurei (e espero que aconteça) recriar um „ambiente‟ no Trianon. E gostaria que lá fosse o povo, ver exposições ao ar livre e discutir, escutar música, ver fitas. Até crianças, ir brincar no sol de manhã e da tarde.” 25 24 Palavras de Lina Bo Bardi, em BARDI, Lina Bo e EYCK, Aldo Van. Museu de Arte de São Paulo. São Paulo. Instituto Lina Bo Bardi e P.M. Bardi, 1997. p. 12. 25 Escritos de Lina em FERRAZ, Marcelo (org.) Lina Bo Bardi. São Paulo. Instituto Lina Bo Bardi e P.M. Bardi, 2008. p. 102. 36 Fig. 1.21 – Projeto de Lina para o circo Piolin O vão do Masp sempre foi e ainda é uma grande área livre, oferecendo um espaço público onde ocorre as mais variadas atividades, como shows, feiras, eventos, exposições, manifestações, entre outros. (Fig. 1.21). A análise do Masp revela nos dias de hoje, ainda um espaço público, de acesso público e coletivo, seu uso é contínuo, ou seja, 24 horas por dia. O pavimento térreo é uma extensão da calçada, o que mantém a relação com a Avenida Paulista. Além dessa grandeza de área livre, o limite do terreno é marcado por um enorme banco cercado de vegetação, no qual se encontra um ambiente agradável, todo o pavimento térreo deveria ser livre para uso público e coletivo, porém nem tudo se mantém como no projeto original de Lina Bo Bardi, 37 atualmente a bilheteria do museu está situada no térreo próximo às escadas que dão acesso ao primeiro pavimento, diminuindo a área livre e perdendo seu caráter de espaço exclusivamente público. É possível perceber explicitado por Lina, sua intenção de oferecer espaços coletivos para a cidade, ela consegue isso através de seu traço arquitetônico. Assim, o edifício oferece espaços de uso público, porém destaca-se nessa pesquisa, o vão livre do museu no pavimento térreo, onde é possível estar no museu sem necessariamente estar dentro do museu, o desenho faz com que o piso do vão seja uma extensão da calçada, nesse nível também está o Belvedere, um mirante que é uma “praça” pavimentada de paralelepípedos e cercada por plantas e flores. Esse espaço é mais que um espaço comunitário, é público, pois lá é onde a comunidade da cidade de São Paulo pode acessar em qualquer dia e a qualquer hora, fazendo com que seja a área de maior utilização do MASP. Fig. 1.23 – Movimentos populares no vão livre Fig. 1.22 – Movimentos populares no vão livre 38 Fig. 1.24 – Vão Livre. Década de 70 Fig. 1.25 – Vão Livre. 2009. Fig. 1.26– Vista do Parque Trianon para o Masp. 2009 39 Outro espaço relevante com o uso coletivo existente na cidade de São Paulo é o SESC Pompéia (Fig. 1.27.), inaugurado em 1986. Instalado numa fábrica desativada desde 1970, o projeto arquitetônico do SESC Pompéia foi feito pela arquiteta Lina Bo Bardi, esse projeto tem grande importância pela sua ampla programação cultural que envolve espetáculos de teatro, apresentações musicais e exposições, também conta com uma área coberta de restaurante e outra área ao ar livre, ambos são ligados por largos corredores de circulação. Lina desenvolveu ali um espaço privado de utilização pública que atende tanto à programação do SESC, como também permite que a população de São Paulo usufrua de um espaço de forma coletiva. Foto aérea do Sesc Pompéia Fonte: Programa Google Earth (acesso em 11/05/2008)Fig. 1.27. – Sesc Pompéia 40 Fig. 1.28 – Sesc Pompéia Fig. 1.29 – Acesso principal 41 Fig. 1.30 – Planta e elevações 17 Corredor de acesso 42 É importante destacar que o Sesc Pompéia tem um diferencial dos outros equipamentos, sua proposta de integração das pessoas surgiu desde o projeto arquitetônico pois sua área horizontal oferece mais espaços de integração, o que comparado a outros equipamentos, pode-se perceber que não houve essa intenção tão definida. O Sesc Vila Mariana 26 (Fig. 1.31), por exemplo, apesar de amplo, com capacidade para 6.000 pessoas, permite em menor escala, essa relação das pessoas, pois sua arquitetura vertical oferece diversas atividades com usos mais definidos. Fig. 1.31. – Sesc Vila Mariana Fig. 1.32. – Sesc Pompéia O equipamento do Sesc Pompéia permite que as pessoas se encontrem e desenvolvam atividades diversas, esses espaços são compostos pelas áreas esportivas (1 e 2), ateliês e salas de arte (6 e 7), grande área de estar formada pela biblioteca, espelho d’água e foyer (14, 13 e 9), além do restaurante e choperia (10), todos esses são interligados pelo corredor de acesso (17) e o solarium e formam dois grandes eixos no equipamento. O projeto do Sesc foi desenvolvido para que as pessoas tivessem acesso um espaço amplo e público com utilização coletiva de maneira igualitária. Dessa maneira, a análise destaca ás seguintes áreas do Sesc: 26 Em Portal Sesc SP. “Quem somos, nossas unidades, Vila Mariana” em http://www.sescsp.org.br/sesc/quem_somos/index.cfm?index=3&lg=pt&idcat=3&iditem=1 (Acesso em 22/06/2009). 43 1. Acesso principal – A entrada das pessoas é feita pela Rua Clélia, esta da acesso ao grande corredor que caracteriza o eixo principal de circulação. 2. Uso coletivo e cultural de acesso público – É formada pelo pavilhão de exposições e pelo teatro, oferece atividades muitas vezes gratuita, essas áreas são destinadas ao público em geral, qualquer pessoa pode acessar no horário de funcionamento do Sesc. 3. Espaço privado de acesso público – Composto pelos ambientes de Restaurante 27 (Fig. 1.37), biblioteca de lazer (Fig. 1.38), espaço de estar (Fig. 1.34) com lareira (Fig. 1.36) espelho d’água (Fig. 1.35) e por último, o foyer. Esses locais oferecem ao público em geral a possibilidade de momentos de descanso, diversão e contemplação, permite a integração dos usuários, onde é possível interagir com as pessoas e com os elementos 28. 4. Espaço privado de acesso restrito à usuários do Sesc – as áreas exclusivas para usuários são constituídas por um edifício esportivo 29 com 5 pavimentos e outro edifício para atividades diversas 30 com 11 pavimentos, além dos ateliês 31 e dos laboratórios 32, a circulação nessa área é feita principalmente através do deck, amplo espaço de uso coletivo, onde as pessoas podem tomar banho de sol, descansar, caminhar, etc. 27 O restaurante do Sesc oferece também os serviços de bar em um único espaço. 28 Comida, bebida, livros, fogo, água, objetos, etc. 29 Formado por piscinas, ginásio e quadras. 30 É composto por lanchonete, vestiário, sala de ginástica, lutas e danças. 31 Os ateliês são de cerâmica, pintura, marcenaria, tapeçaria, gravura e tipografia. 32 Os laboratórios são para curso de fotografia e música. Fig. 1.34 – Espaço de estar Fig. 1.33 – Bar 44 Fig. 1.36 - Grande lareira Fig. 1.37 – Restaurante Fig. 1.35 – Espelho d’água 45 Lina Bo Bardi indica que não transformou o espaço da fábrica e sim permitiu uma nova realidade: “Ninguém transformou nada. Encontramos uma fábrica com uma estrutura belíssima, arquitetonicamente importante, original, ninguém mexeu... O desenho de arquitetura do Centro de Lazer Fábrica da Pompéia partiu do desejo de construir uma outra realidade. Nós colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco de água, uma lareira.” 33 Segundo Lina 34, no Brasil, as pessoas precisavam de água para se refrescar e fogo para se aquecer, assim elas ficariam próximas umas das outras, pensando nisso, ela projetou um grande espaço de estar com jogos de salão, espetáculos e mostras expositivas, com uma grande lareira e um espelho d’água. Sendo assim, Lina trouxe o espaço privado como utilização pública de forma coletiva. Desde o projeto há uma intenção de promover espaços coletivos no SESC Pompéia. Nas palavras da arquiteta: “Comunicação e Dignidade máxima através 33 Em FERRAZ, Marcelo (org.) Lina Bo Bardi. São Paulo. Instituto Lina Bo Bardi e P.M. Bardi, 2008. p. 220. 34 Idem, ibidem. p. 220. Fig. 1.38 – Área de leitura da biblioteca 46 dos menores e humildes meios...” Assim, dediquei meu trabalho da Pompéia aos jovens, às crianças, à terceira idade: todos juntos”. 35 35 Em FERRAZ, Marcelo (org.) Lina Bo Bardi. São Paulo. Instituto Lina Bo Bardi e P.M. Bardi, 2008. p. 231. Fig. 1.39 – Rua interna, Solarium. 47 1.3. UNA Arquitetos, uma proposta recente para o Centro Universitário Maria Antônia O projeto para o novo Centro Universitário Maria Antônia (Fig. 1.40.), desenvolvido pelo escritório UNA Arquitetos em 2000, inclui a reforma e o restauro nos edifícios Rui Barbosa e Joaquim Nabuco fazendo com que ambos sejam núcleos de arte contemporânea. O Edifício Rui Barbosa abriga o Centro Universitário Maria Antônia (CEUMA) e o Teatro da USP (Universidade de São Paulo), já o Edifício Joaquim Nabuco abriga o Instituto de Arte Contemporânea (IAC). Fig. 1.40 – Maquete eletrônica 48 Fig. 1.42. – Foto aérea, destaque para o Centro Universitário Maria Antônia. Fig. 1.41. – Foto aérea Consolação 49 e Fig. 1.43. – Planta, análise e cortes 50 Subsolo Pavimento superior Fig.1.44. – Plantas A transformação proposta proporciona o caráter público ao conjunto. Assim, além do restauro das fachadas dos edifícios, o projeto conta com uma praça pública (Fig. 1.43) localizada no centro que mantém a relação com a cidade. Integrado a essa área aberta, encontra-se outro patamar da praça no nível do subsolo, com acesso controlado de acordo com os dias e horários de 51 funcionamento do centro universitário. É possível compreender os volumes arquitetônicos como demonstra o memorial descritivo do projeto: “A proposta inclui o restauro das fachadas principais e mantém intacta a volumetria dos edifícios Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, mas propõe uma nova relação do conjunto com a cidade. A área livre entre os dois prédios ganha a dimensão de espaço público, uma pequena praça. No nível da rua, essa praça é o alargamento natural da calçada e configura um acesso convidativo ao conjunto. No nível inferior, um pátio arborizado realiza a conexão entre os dois edifícios, criando, para o teatro, um lugar de apresentações ao ar livre”. 36 (Fig. 1.45.) Essa área da praça retoma a idéia da “soleira” de Hertzberger37, onde o público se integra ao privado formando um único e amplo espaço, no qual a entrada é contínua trazendo um local de encontros e despedidas, circulação e estar, através da arquitetura. 36 Memorial descritivo do projeto arquitetônico disponível no site http://www.unaarquitetos.com.br/vp/inicial.htm (acesso em 10/05/2008). 37 HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 35. Fig. 1.45. – Praça entre os dois edifícios 52 Fig. 1.46. – Maquete eletrônica da praça interna Fig. 1.47. – Café A praça é uma extensão da calçada, no nível inferior, conta com um pátio arborizado, que por sua vez, estabelece uma ligação com os edifícios, permitindo que o teatro seja um lugar de apresentações ao ar livre. A proposta do Centro 53 Cultural Maria Antonia é de oferecer para São Paulo, um espaço cultural público, como é possível perceber através do desenho. (Fig. 1.46 e 1.47.) No memorial, identifica-se claramente a intenção de promover o espaço de caráter público: “Requalificar os espaços livres, oferecendo uma ligação generosa do conjunto com a cidade, é a contribuição do projeto para a memória do movimento acadêmico, cultural e político que teve sede à rua Maria Antônia.” 38 Entende-se assim que o projeto estabelece essa relação do edifício com a cidade, promovendo no centro, a praça pública. O texto buscou reconhecer o espaço público que atende a escala da metrópole paulistana. 38 Memorial descritivo do projeto arquitetônico disponível no site http://www.unaarquitetos.com.br/vp/inicial.htm (acesso em 10/05/2008). Fig. 1.48 - Centro Cultural Maria Antonia Fig. 1.49 - Instituto de Arte Contemporânea 54 A Marquise do Parque do Ibirapuera mostra um espaço de circulação e de “estar” ao mesmo tempo, é um ponto de encontro e convivência, onde é possível conversar, caminhar, cantar, brincar, correr, etc. O Masp, com o vão livre, proporciona no térreo uma extensão da calçada e faz com que na Avenida Paulista, um centro financeiro em São Paulo, seja possível encontrar um significativo espaço público. O Sesc Pompéia, uma proposta muito interessante de Lina Bo Bardi, oferece amplos espaços de lazer, cultura e esporte, todos concentrados no mesmo edifício, isso traz a população de São Paulo pra dentro com o intuito de utilizar o espaço coletivamente. O último projeto apresenta um espaço de uso público, o edifício estabelece a relação com a cidade através de uma praça pública. Os quatro projetos trazem para São Paulo, uma possibilidade de vida pública e coletiva e em alguns casos de forma comunitária, fazendo com que através do projeto seja possível a criação desses espaços, assim o projeto arquitetônico39 existe como facilitador para a presença do espaço comunitário. De acordo com Hertzberger, ele aponta: “Ao selecionar os meios arquitetônicos adequados, o domínio privado pode se tornar menos parecido com uma fortaleza e ficar mais acessível, ao passo que, por sua vez, o domínio público, desde que se torne mais sensível às responsabilidades individuais e à proteção sensível às responsabilidades individuais e à proteção pessoal daqueles que estão diretamente envolvidos, pode se tornar mais intensamente usado e, portanto, mais rico.” O próximo capítulo da pesquisa investiga o histórico das escolas públicas da rede estadual a partir da década de 50, de que forma o projeto arquitetônico viabiliza a existência desses espaços e a relação com a comunidade. Também apresenta a experiência do Centro de Educação Unificado, arquitetura que traz como diretriz a presença do espaço comunitário, pois, são grandes equipamentos públicos implantados na periferia de São Paulo. 39 Texto de HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 1999. p. 86. 55 2. Histórico do espaço comunitário nas escolas estaduais do estado de São Paulo 56 2. Histórico do espaço comunitário nas escolas estaduais do estado de São Paulo O histórico da educação no estado de São Paulo permite a compreensão da existência e da importância dos espaços de uso comunitário nas escolas públicas40, de que forma os órgãos valorizavam essa questão e como ela vem se implantando nas construções dos prédios escolares. A escola estadual aberta ao público oferece espaços de ensino para os alunos, também oferece esporte, lazer e cultura tanto para os estudantes como para as pessoas da comunidade, nessa pesquisa, identificam-se essas áreas como espaços comunitários. 2.1. Escola-parque em Salvador A Escola-parque foi uma ação educacional desenvolvida por Anísio Teixeira, juntamente com os arquitetos Hélio Duarte e Diógenes Rebouças, que possibilitou, em 1947, a criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, na cidade de Salvador. Essa proposta de Anísio Teixeira estava voltada para a população mais carente, com cursos profissionalizantes em período integral. Além disso, defendia que o ensino tradicional deveria se unir a uma nova proposta pedagógica, complementar, com atividades de educação, arte e esporte, dizia também que o edifício deveria promover ventilação e iluminação em abundância para a integração da criança com a natureza. A escola foi inserida em uma grande área verde, permitindo transparência nas salas de aula, o que foi contrário aos prédios escolares da época, que eram completamente fechados por paredes de alvenaria. A proposta pedagógica da Escola-parque era ser um centro de atividades diversas, enquanto as escolas-classe promoviam o ensino, assim, formariam uma rede de escolas. O aluno teria as aulas como leitura, escrita, ciências, história e 40 São consideradas escolas públicas, todas as escolas que são do estado. Ainda que escolas mantidas por organizações do terceiro setor também oferecem ensino gratuito. 57 cálculos na escola-classe; e em outro período poderia desenvolveratividades na escola-parque, complementando com atividades de educação física, recreação, jogos, também atividades de desenho e artes industriais, música, educação social e saúde. Anísio Teixeira também priorizava a participação da comunidade na utilização da escola-parque e da escola-classe como uma área acessível à população local, onde ocorrem as atividades da comunidade de maneira que eles conservem esse espaço como sendo deles. Por questões políticas, a proposta da Escola-parque não teve continuidade em Salvador. Com o crescimento da população paulistana ao longo das décadas de 1930 e 1940, por conta da vinda das pessoas do campo para a cidade buscando oportunidades de trabalho nas novas indústrias, esse período foi um momento de grande transformação devido às oportunidades de trabalho para as pessoas de outros locais. São Paulo chega à década de 1950 como o mais importante centro industrial do país, superando o Rio de Janeiro. A capital paulista era ocupada por mais de dois milhões de habitantes, sua urbanização permitiu a Fig. 2.1.- Escola-parque 58 verticalização do centro e a expansão da periferia, conseqüentemente, esse crescimento gerou uma enorme falta de vagas nas escolas públicas. Essa necessidade de atender a demanda de estudantes por vagas em São Paulo levou a um acordo entre o Governo Estadual e a Prefeitura de São Paulo, em 1949, chamado de “Convênio Escolar”. A proposta era dividir responsabilidades, sendo o Estado responsável pelo desenvolvimento do ensino, isto é, com propostas pedagógicas, contratação de professores, conservação das escolas, etc. Já a Prefeitura era responsável pela construção dos prédios escolares, como galpões provisórios, bibliotecas, recantos, parques infantis, teatros populares, ginásios e principalmente escolas. Apoiado em experiências anteriores, Hélio Duarte formou uma equipe41 de arquitetos para elaboração dos projetos das escolas, os profissionais eram Eduardo Corona, José Roberto Tibau, Oswaldo Corrêa Gonçalves e Ernest Robert de Carvalho Mange. Era necessário seguir as diretrizes baseadas em três conjuntos, cada um com uma função específica, mas todos interligados por uma circulação externa. Mais tarde, Hélio Duarte tornou-se diretor de planejamento da Comissão Executiva do Convênio Escolar na cidade de São Paulo, atuando nessa função de 1948 a 1952, quando pode fixar novas características à arquitetura escolar paulista, baseada nos princípios da arquitetura moderna. Duarte defendia que as escolas deveriam ser alegres e acolhedoras, jamais com janelas e muros altos, a escola deveria ser também um espaço de atividades socializantes, ou seja, funcionando como um centro comunitário que promove a cultura: “como uma fonte de energia educacional, como ponto de reunião social, como sede das sociedades de amigos do bairro, como ponto focal de convergência dos interesses que mais de perto dizem com a vida laboriosa de suas populações.” 42 41 SEGAWA, Hugo. “Hélio Duarte moderno, peregrino, educador”. Arquitetura & Urbanismo. São Paulo, n.º 80, ano 14, p. 63, out./nov. 1998. 42 Palavras de Hélio Duarte, retiradas do livro PINTO, Gelson de Almeida e BUFFA, Ester. Arquitetura e Educação: Organização do Espaço e Propostas Pedagógicas dos Grupos Escolares Paulistas, 1893 / 1971. São Carlos: Edufscar, 2002. p. 115. 59 Esse argumento, Duarte usava para desenvolver propostas para construção das escolas em São Paulo com as influências das idéias de Anísio Teixeira, quem sempre questionava o papel da educação no Brasil enquanto base para construção de uma sociedade justa e democrática. Para Anísio Teixeira, a educação era uma questão básica na vida do cidadão, pois o ser humano não aprende para depois viver, a escola já era uma preparação para a vida fazendo com que as pessoas aprendam, experimentem e viva ao mesmo tempo, o espaço escolar passa a ser um espaço fundamental para a vida 43. Nos textos de Anísio, podemos encontrar suas críticas dizendo: “Desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que vive”.44 Desde o início, o educador buscou a igualdade social como uma forma de fazer com que a escola seja um espaço agradável, acolhedor e educativo. 43 PINTO, Gelson de Almeida e BUFFA, Ester. Arquitetura e Educação:Organização do Espaço e Propostas Pedagógicas dos Grupos Escolares Paulistas, 1893 / 1971. São Carlos: Edufscar, 2002. p. 100. 44 Texto de Anísio Teixeira, retiradas do livro PINTO, Gelson de Almeida e BUFFA, Ester. Arquitetura e Educação: Organização do Espaço e Propostas Pedagógicas dos Grupos Escolares Paulistas, 1893 / 1971. São Carlos: Edufscar, 2002.p. 103. 60 Organograma 2.1. Órgãos que atuaram na administração das escolas da rede pública estadual de São Paulo 45 45 Organograma de autoria da autora. 1949 – 1959 Acordo entre o Governo Estadual e a Prefeitura de São Paulo 1959 – 1976 Nasceu dentro do Plano de Ações do Governador Carvalho Pinto 1976 – 1987 Padronização dos materiais e dos componentes para aceleração do processo construtivo 1987 – 2009 Vinculada à Secretaria da Educação, atua até os dias atuais Convênio Escolar Fece Conesp FDE 61 De acordo com a tabela, destaca-se em cinza, os espaços de uso comunitário. A. Ensino B. Administração C. Recreação Salas de Aula Secretaria Auditório Museu Diretoria Pátio coberto 46 Biblioteca Infantil Arquivo Material Escolar Sala dos Professores Biblioteca para professores Consultórios 47 Tabela 2.1. Programa Arquitetônico para Escola-parque 48 Dentro da escola-parque, tanto as crianças como os adultos tinham oportunidades de usufruir de um espaço público e comunitário através de atividades em grupo, essas áreas poderiam ser reconhecidas no museu e nas bibliotecas para atividades culturais. No auditório e no pátio coberto, além de programações de cultura, era possível o desenvolvimento de esportes e lazer como jogos, música, dança, além de encontros e eventos da própria comunidade. (Tab. 2.1) Os projetos das escolas geralmente configuravam blocos volumétricos distribuídos de diferentes formas em terrenos grandes e ricos em vegetação. Nos desenhos, os blocos eram ligados por marquises livres, o que permitia a socialização dos alunos e da comunidade, como exemplo, temos o pátio interno que abrigava o palco permitindo a utilização da comunidade como espaço cênico. 46 Destinado ao recreio e à ginástica. 47 Os consultórios ofereciam atendimento médico, odontológico e assistência social. 48 Tabela de autoria da autora. 62 Muitas escolas foram construídas no período do Convênio Escolar 49, vários arquitetos trabalharam na elaboração dos projetos, porém, destacamos aqui a primeiraescola classe projetada em São Paulo, essa por sua vez foi projetada por Hélio Duarte no bairro do Limão chamada Visconde de Taunay, posteriormente, foram construídas no bairro da Mooca, a escola Pandiá Calógeras e na Vila Mariana, a escola Pedro Voss 50, as duas também de autoria de Hélio Duarte. Outro arquiteto, também desse período, que participou da criação das escolas foi o Eduardo Corona, com o projeto da escola Erasmo Braga, no bairro do Tatuapé. 2.2. Trajetória das escolas públicas da rede estadual de São Paulo Com o término do Convênio Escolar, em 1959, Carvalho Pinto assumiu o governo do Estado de São Paulo e criou o Plano de Ação que estabelecia metas, prioridades e prazos para serem cumpridos durante sua gestão, de 1959 a 1963. Nesse plano havia várias mudanças administrativas e, na área da educação, foi criado o Fece 51, Fundo Estadual de Construções Escolar, que tinha a função de 49 O Convênio Escolar teve sua existência de 1949 a 1959, nesse período foram construídos 70 edifícios escolares, 500 galpões provisórios, 30 bibliotecas populares, 90 recantos infantis, 20 parques infantis e outras obras de restauração e conservação de edifícios escolares já em funcionamento. 50 Apresenta-se o projeto arquitetônico no capítulo 3. 51 Em LIMA, Mayumi Watanabe de Souza. Arquitetura e Educação. São Paulo, Studio Nobel, 1995. p. 108. Fig. 2.2 – Escola Pandiá Calógeras 63 planejar as construções e promover a ampliação de prédios escolares de ensino público primário e secundário de todo o estado de São Paulo. Associado a elaboração de projetos e execução das construções escolares, estava o Ipesp, o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. No grupo de Planejamento do Plano de Ação estavam os arquitetos Paulo Mendes da Rocha e Ruy Aguiar da Silva Leme. Nesse plano, foi indicado a construção de sete mil salas de aula para o ensino primário e 1.100 para o ensino secundário e normal. Vilanova Artigas, juntamente com outros arquitetos se propõe à coordenação do Plano de Ação argumentando que deveriam ser feitos projetos específicos destinados para edifícios públicos, justificando que o uso dos projetos padronizados gerava gastos desnecessários e que deveriam considerar outras questões como a topografia do terreno, terraplanagem e arrimos, insolação e acessos ao edifício. Com essas novas propostas foi selado um acordo entre o governo do estado e o IAB, Instituto dos Arquitetos Brasileiros que passaria a solicitar os projetos de escritórios paulistas para as construções de edifícios escolares, gerando assim a terceirização dos projetos, o que trouxe uma grande contribuição na arquitetura escolar paulistana, pois permitiu agilidade na execução dos projetos. Nessa época destacam-se projetos dos arquitetos Paulo Mendes da Rocha, João de Gennaro, Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi. A escola de Itanhaém (Fig. 2.2) é um projeto de referência, foi projetada por Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi em 1959, a proposta abandonou o sistema de galpão, que era mais de um volume compondo a escola, para utilização do pátio coberto, concentrando todas as funções da escola sob a mesma cobertura, permitindo a utilização do espaço de forma comunitária. Outro projeto muito interessante, também de Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi 52, é a escola de Guarulhos (Fig. 2.3.), projetada em 1960 para comportar lajes de concreto sustentadas por pórticos proporcionando grandes vãos. 52 Ambos os projetos podem ser vistos a seguir, com identificação das áreas comunitárias. 64 Com o fim da administração do FECE, foi criada a CONESP, responsável pelas construções das escolas de 1976 a 1987, esse período criou a padronização dos materiais e dos componentes para aceleração do processo construtivo, fazendo com que houvesse grande progresso no número de novas escolas no estado de São Paulo. A Conesp fornecia diretrizes para os projetos de arquitetura das escolas estaduais com o intuito de atender a demanda por escolas públicas no estado de São Paulo, e assim, através dessas diretrizes os arquitetos passariam a desenvolver seus projetos, sendo que o principal objetivo era fornecer informações necessárias para os arquitetos que desenvolviam os projetos, exigindo menos tempo para cada projeto. A questão do espaço comunitário não era uma diretriz de projeto, porém no período da Conesp retomado o principio de uma a escola que ofereça uma proposta atenta para a utilização do espaço além do ensino escolar, oferecendo assim atividades esportivas para moradores da região. Fig. 2.4 - Escola de Guarulhos Fig. 2.3 - Escola de Itanhanhém 65 A Fundação de Desenvolvimento da Educação, FDE, criada em 1987, vigente até então, é hoje o órgão que responde à Secretaria Estadual de Educação, atuando no desenvolvimento de ações para o crescimento e melhoria das escolas da rede estadual de São Paulo. Além de operar na coordenação de projetos de construção, reformas, ampliações e restaurações, a FDE também gerencia as obras de construções de novas escolas. A FDE mantém a idéia de racionalização do processo de projeto arquitetônico herdado da CONESP, isso é feito através de uma modulação de 90 centímetros que segue manuais de componentes construtivos, esse processo de racionalização facilita o projeto, o orçamento e a obra. Nas diretrizes de projeto da FDE, os ambientes são distribuídos por setores. Com funções administrativas estão à diretoria, secretaria, almoxarifado, coordenação pedagógica, professores e conjunto de sanitário para o setor administrativo. Nas funções pedagógicas, estão as salas de aula, as salas de reforço, uso múltiplo, centro de leitura e depósito. A parte chamada de serviço inclui o depósito de materiais de limpeza e conjunto de sanitários para funcionários. As áreas de circulações envolvem a circulação horizontal e vertical e acessos ao edifício. Classificada como espaço de vivência, a FDE considera os ambientes de cozinha, despensa, refeitório, cantina, conjunto de sanitários para alunos, grêmio, depósito de materiais para educação física, quadra coberta, quadra descoberta, espaço multiesportivo e pátio coberto. 53 É possível reconhecer nas propostas da FDE uma tentativa de trazer a comunidade para dentro da escola, assim, já está previsto em projeto, as áreas que podem ser utilizadas pela comunidade, essa área é composta pela quadra, pátio, sanitários e determinadas salas. Segundo a arquiteta Avany Ferreira, nos projetos da FDE estão previstos áreas comunitárias: “a comunidade tem acesso a várias áreas, como a quadra, o pátio, determinadas salas e sanitários... a escola pode ser considerada um espaço de uso público por ser gratuito. É comunitário também, pois a 53 Área coberta destinada ao recreio dos alunos, um espaço de circulação e integração das pessoas, chamado pela FDE de galpão. 66 comunidade tem acesso. Em muitos casos, principalmente na periferia, a escola é o único espaço público da região.” 54 Existem alguns programas para inserir a comunidade na escola, entre eles está o Programa Escola da Família55 que abre a escola nos finais de semana permitindo que população da região possa ter acesso a esporte, lazer, cultura, saúde e cursos diversos. Dessa maneira, a comunidade cria uma identidade com a escola, fazendo com que, além de ser ocupada pela população que ali vive, essa possa também ser preservada. A questão da violência foi um dos motivos que levou a criação
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