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Introdução à Psicologia da Educação SEIS ABORDAGENS Kester Carrara (organizador) Adrián Oscar Dongo Montoya Elena Etsuko Shirahige José Sterza Justo Kester Carrara Maria Letícia B. P. Nascimento Marília Matsuko Higa Suely Amaral Mello AVERCAMP EDITORACapitulo Elena Etsuko Shirahige Marília Matsuko Higa I A Contribuição da Psicanálise à Educação É PSICANÁLISE? A Psicanálise é Psicologia? Um psicólogo pode ser psicanalista? O que é analista? O termo Psicanálise costuma suscitar confusões e vale a pena fazer um esclarecimento inicial a respeito dele. A expressão Psicanálise designa uma ciência, uma área de co- uma escola psicológica que busca penetrar na dimensão profunda do psiquismo humano para conhecê-lo. Enquanto ciência, possui um método, um conjunto de procedimentos para o estudo dos fenômenos humanos. Assim, com o termo Psicanálise podemos nos referir também ao método que lhe é peculiar, neste caso, o método de associação livre, que é um método interpretativo. Podemos ainda nos referir à forma do próprio tratamento psicológico, utilizando as expressões Psicoterapia, Terapia Analítica ou Psicanalítica ou simplesmente Psicanálise. SURGIU A PSICANÁLISE? Em meados do século XIX, na Alemanha, a Psicologia surgiu como ciência independente, cujo objeto de estudo consistia na análise da consciência. Esta era concebida como se fosse composta de ele-14 Introdução à Psicologia da Educação A Contribuição da à Educação 15 mentos estruturais em estreita ligação com os órgãos dos sentidos. tentes até alucinações visuais contínuas, passando por contrações, Por exemplo: a sensação visual da cor era correlacionada com mu- paralisias faciais, perturbações da visão, ataques nervosos e convul- danças fotoquímicas na retina do olho. Durante a hipnose, Charcot provocava o aparecimento e o desa- parecimento desses sintomas histéricos. Isso mostrou para Freud que Várias críticas com argumentos diferentes foram dirigidas a essa não havia comprometimento físico ou neurológico dos pacientes, concepção e as grandes polêmicas da época diziam respeito aos ele- como se acreditava naquela época. A partir dessa experiência, Freud mentos básicos da consciência e sua forma de composição. Sigmund concebeu o primeiro postulado de sua teoria, qual seja, a natureza psí- Freud, um dos críticos dessa visão tradicional, alegava que a análise quica da histeria. da consciência era limitada e inadequada, pois a compreensão dos motivos fundamentais do comportamento humano requeria um outro Outro fato relevante foi observar os pacientes após a hipnose, pois elemento: o inconsciente. Ele comparou a mente a uma montanha de eles adotavam as condutas que lhes eram sugeridas durante o sono hip- gelo flutuante, cuja parte visível da superfície representava a consciên- nótico. Freud concluiu que não apenas os conteúdos conscientes influen- cia e a submersa, a parte maior, representava o inconsciente. Nessa ciavam o comportamento humano, mas também os inconscientes. vasta região do inconsciente encontram-se os impulsos, as idéias e os Essas descobertas quanto à natureza psíquica das neuroses e à sentimentos reprimidos, enfim as forças vitais e invisíveis que exer- possibilidade de o inconsciente influenciar a conduta foram cruciais e cem controle sobre os pensamentos e ações conscientes do homem. constituíram ponto de partida para o desenvolvimento da teoria freu- Assim, coube a ele o mérito da descoberta do nível inconsciente da diana sobre o psiquismo do homem. personalidade, o que revolucionou e ampliou o horizonte do estudo do homem. Por essa razão, sua teoria é chamada Psicologia Profunda. Outra experiência decisiva foi seu trabalho com Breuer, um mé- dico vienense que utilizava um método pelo qual o paciente ficava Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856, na Morávia, e curado de seus sintomas pelo processo de falar sobre si próprio. Freud morreu em 23 de setembro de 1939, em Londres. Viveu a maior parte encontrou nesse método catártico (cura pela fala a palavra catarse de sua vida em Viena, deixando a cidade apenas durante a ocupação vem do grego e significa purificação) um caminho para alcançar os nazista. conteúdos inconscientes que havia postulado. No tratamento de pa- cientes histéricos, Freud observou que, durante o sono hipnótico, quan- Em 1873, matriculou-se na Escola de Medicina da Universidade do os pacientes respondiam a perguntas, algumas palavras lhe pareciam de Viena, graduando-se oito anos depois. Embora nunca tivesse pen- mais significativas, carregadas de conteúdo emocional. Pediu, então, sado em clinicar, as oportunidades acadêmicas, escassas para um ju- que os pacientes contassem tudo o que lhes viesse à mente ao serem deu, forçaram-no a exercer sua profissão. Seu interesse pela Neurolo- mencionadas novamente essas palavras. Os pacientes relatavam his- gia levou-o a especializar-se no tratamento de doenças nervosas. Seus tórias cujos conteúdos apresentavam ligação estreita com os fatos pressupostos básicos surgiram não só dos estudos em Neurologia ocorridos na vida deles. Surpreendentemente, após essas sessões, como também de sua preocupação terapêutica com os doentes men- Freud e Breuer observaram uma melhora significativa nos pacientes, tais, o que o levou a focalizar o aspecto anormal da personalidade. como se eles tivessem se purificado dessas lembranças. Foram mais de 40 anos de um longo caminho de descobertas até Dessas experiências, Freud concluiu que os fatos ou aconteci- chegar ao vasto acervo que constitui, hoje, a teoria psicanalítica. mentos que ficavam aparentemente esquecidos eram cruciais na de- Para isso, foram importantes e decisivas algumas parcerias das quais terminação do atual comportamento manifesto do indivíduo. Além Freud pôde extrair pontos que, paulatinamente, foram moldando seu disso, mediante o uso do método catártico de Breuer, Freud desenvol- pensamento. veu seu método de associação livre. Neste método, solicita-se ao pa- Podemos citar, dentro dessa perspectiva, o seu estudo, em Paris, ciente que relate tudo o que lhe venha à mente, sem restrições e sem preocupação com a lógica e significação. A utilização desse método com Jean Charcot, famoso psiquiatra francês que utilizava hipnose no tratamento de histeria, cujos sintomas variam desde vômitos persis- possibilitou a Freud enfatizar a importância das ocorrências da pri- meira infância sobre a formação da personalidade do indivíduo e sua16 Introdução à Psicologia da Educação A Contribuição da à Educação 17 posterior evolução e descobrir a associação de cada ocorrência com buíam aumento do número de doenças mentais aos danos produzi- outras, formando uma cadeia. dos pela civilização industrial moderna, Freud dirigiu suas críticas à Freud e Breuer trabalharam juntos no estudo de alguns casos de moral sexual civilizada. Para ele, a atitude moral diante da sexualida- histeria; no entanto se separaram por causa de divergências quanto à de era responsável pelas neuroses. A educação, enquanto veículo des- origem da doença. O argumento de Freud era que conflitos sexuais sa moral, era seu agente propagador; portanto, sua reforma constitui- causavam a histeria, mas Breuer mantinha uma visão tradicional, o ria uma via mais curta para a transformação da moral sexual. Caberia que os levou ao distanciamento. aos educadores, munidos de conhecimento sobre a Psicanálise, a tare- fa de prevenir as neuroses. Mais tarde, porém, Freud abandonou essa Assim, Freud passou a trabalhar sozinho, desenvolvendo suas esperança depositada em tal função profilática da educação. idéias, o que resultou na publicação de sua primeira grande obra A interpretação dos sonhos, em 1900. Outras obras se seguiram, cha- Relataremos, em seguida, as idéias de Freud acerca da teoria da mando a atenção dos médicos e cientistas de várias partes do mundo. personalidade, mais especificamente, os conceitos básicos de sua teo- Dentre elas, Psicopatologia da vida cotidiana (1904), Instintos e suas ria, o desenvolvimento do indivíduo e sua contribuição à educação. vicissitudes (1915), Introdução geral à Psicanálise (1917), Novas li- ções introdutórias sobre a Psicanálise (1933) e, sua última obra, Esbo- de Psicanálise (1940). As obras completas de Freud foram publicadas A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE e constam de 24 volumes na edição inglesa de 1953. É importante lembrar a relevância dos estudos de Freud com A Psicanálise, ao estudar o aparelho psíquico do indivíduo, divi- pacientes histéricas para a elaboração da teoria psicanalítica. Nesses de-o em regiões e instâncias: o id, o ego e o superego. A personalida- estudos há, segundo o autor, uma supervalorização da história de se- de é composta desses três sistemas e o comportamento é resultante da dução relatada pelas pacientes. No entanto, por meio deles descobriu- interação entre eles. Embora cada um desses sistemas tenha suas pró- se a importância das fantasias na vida mental dos pacientes. Por trás prias funções, princípios operantes, dinamismos e mecanismos, os três dessas fantasias, desvelou-se o material que permitiu a Freud traçar o atuam de uma forma tão estreita que é difícil determinar os seus efei- desenvolvimento da função sexual. Dessa descoberta resultou o tra- tos separadamente. balho intitulado A sexualidade infantil, que chocou a sociedade da época e serviu de pretexto às resistências contra a Psicanálise. A con- mais importante da obra foi colocar por terra um dos pila- I.3.1 ID res da teoria da sexualidade, ou seja, a constituição da sexualidade como própria do período da puberdade. Mas, como veremos adiante, o conceito de sexualidade empregado por Freud é um pouco diferente O id é a instância original da psique, é a matriz dentro da qual o daquele que marca o senso comum em torno do assunto. ego e o superego se diferenciam. É um substrato contendo tudo o que é psicologicamente herdado, de onde provêm os impulsos ou pulsões Freud teve vários seguidores, destacando-se entre tantos Ernest (tradução mais comum em português). Seus conteúdos são as repre- Jones, da Inglaterra, que redigiu, mais tarde, uma biografia de três vo- sentações psíquicas dos instintos, ou seja, representações do mundo lumes de seu mestre; Carl Gustav Jung, de Zurique; Karl Abraham, de interno da experiência subjetiva, a verdadeira realidade psíquica como Berlim; Alfred Adler, de Viena etc. Jung e Adler separaram-se posterior- Freud o chamou. Está intimamente relacionado com os processos mente do grupo e desenvolveram pontos de vista particulares. corporais, dos quais retira sua própria energia; portanto, é o reserva- Freud criticou as práticas educacionais de sua época. No entan- tório da energia física que em funcionamento os outros sistemas. to, não há em sua obra tratado sobre educação. Esse assunto foi en- Podemos dizer que é o componente biológico da personalidade. globado em outro, mais geral, o das relações entre o indivíduo e o que Quando ocorre uma estimulação externa ou uma excitação inter- ele chamou de Enquanto seus contemporâneos atri- na, o nível de tensão do organismo se eleva e o id funciona de tala Psicologia da Educação Capitulo A Contribuição da à Educação 19 maneira visando a descarregar imediatamente essa tensão, pois não tolera energias muito intensas. Procura fazer com que o organismo Enquanto isso, retém a descarga imediata da tensão até que seja encon- trado o objeto apropriado para a satisfação da necessidade, suspenden- retorne e permaneça num nível de conforto e baixa tensão. Esse prin- do, temporariamente, o princípio do prazer. Por essa razão, dizemos cípio de redução da tensão é denominado princípio do prazer. que o ego é regido pelo princípio da realidade e opera, em função dis- Para realizar esse objetivo, o id dispõe de dois processos: a ação por meio do processo secundário. reflexa e o processo primário. O organismo é equipado por ações re- flexas, que são reações automáticas e inatas, como tossir, espirrar, O ego, por meio desse processo secundário, elabora um plano para satisfazer a necessidade e depois o testa a fim de verificar a fun- piscar etc., que reduzem imediatamente as Já no processo primário a redução da tensão se dá pela formação da imagem mental cionalidade de sua ação. Cabe a ele controlar as direções da ação, do objeto desejado. Por exemplo, quando uma pessoa está faminta, bem como selecionar a quais aspectos do meio deverá reagir e quais ela forma a imagem mental da comida como uma maneira de satisfa- instintos devem ser satisfeitos. O ego, por ser a parte organizada do id zer seu desejo. Para Freud, um outro exemplo ilustrativo do processo e por possuir a função de realizar os objetivos dessa instância primá- primário é o sonho, que representa sempre a satisfação ou a tentativa ria, desempenha, assim, a difícil tarefa de integrar as exigências, de satisfação de desejos. muitas vezes do id, do meio ambiente e do superego. É o intermediário entre as exigências instintivas do organismo e as con- Ocorre que a imagem mental da comida para uma pessoa famin- dições do ambiente. ta não reduz sua tensão ou sua fome. Ela precisa procurar, encontrar e consumir alimento para satisfazer, de fato, sua fome. Dessa forma, entra em ação a segunda estrutura do sistema: o ego. Este opera no nível da consciência, fazendo o indivíduo partir em busca da realiza- I.3.3 O SUPEREGO ção concreta do seu desejo. Último sistema a se desenvolver, o superego nada mais é do que Podemos dizer que, ao nascer, o indivíduo é puro id e é puro in- uma parte bastante diferenciada do ego, a tal ponto que podem se con- consciente. Mediante o contato com a pressão da realidade, a massa trapor frontalmente. É o censor das funções do ego e decide se algo é indiferenciada vai se estruturando e formando o ego. certo ou errado, de modo a garantir que uma pessoa aja em harmonia com os padrões sociais vigentes. É o árbitro moral internalizado, ou seja, o representante interno dos valores e ideais da sociedade transmi- I.3.2 EGO tidos e reforçados pelo sistema de punições e recompensas impostas à criança pelos pais. Portanto, representa mais o ideal do que o real, É o responsável pelo contato com o ambiente, com a realidade tende mais à perfeição do que ao prazer e, podemos dizer, é o compo- externa, e constitui a sede de quase todas as funções mentais. Pode- nente social da personalidade. Dessa forma, bloqueia os impulsos do mos dizer que é o componente psicológico da personalidade. Enquan- id, principalmente os de natureza sexual e agressiva, pois são os impul- to o id conhece apenas a realidade subjetiva da mente, o ego é capaz SOS mais condenados pela sociedade quando exteriorizados. de diferenciar entre ela e a realidade do mundo externo. No exemplo da pessoa faminta, o ego é capaz de diferenciar a imagem mental da comida (realidade subjetiva) e a percepção real dela como existe no mundo externo (realidade externa). PROCESSOS 0 INCONSCIENTE, 0 CONSCIENTE Para o id interessa apenas saber se uma experiência é agradável E 0 ou desagradável (princípio do prazer). Já o ego quer se certificar se uma experiência é falsa ou real, se tem existência externa ou não. Segundo Freud, o conteúdo da mente pode ser: inconsciente, consciente ou pré-consciente.20 Introdução à Psicologia da Educação A Contribuição da Psicanalise à Educação 21 I.4.1 INCONSCIENTE mas pode ser representada na consciência por estar ligada a lembran- ças verbais ou sensoriais que têm essa qualidade necessária. Essas No modelo freudiano, o inconsciente é o lugar teórico dos im- representações verbais ou sensoriais, por pertencerem ao sistema pré- pulsos instintivos ou pulsões e das representações reprimidas ou da- consciente, são facilmente acessíveis à consciência. quelas que nunca puderam chegar à consciência. O pré-consciente está separado do sistema inconsciente pela cen- No inconsciente há energia instintiva livre e representações que sura, que não permite a passagem de seus conteúdos para o pré-cons- podem ser carregadas com essa energia e influir no funcionamento da ciente sem sofrerem transformações. consciência. Há uma série de forças impulsionando a vida mental. ego, uma das estruturas da personalidade, liga-se estreitamen- Essas forças ou impulsos instintivos representam as necessidades do te ao sistema pré-consciente/consciente, mas há também funções in- organismo humano e de seu psiquismo, como a fome, o sexo, a curio- conscientes do ego, os mecanismos de defesa. sidade etc. Há, porém, necessidades ou impulsos instintivos cos, frontalmente contrários às normas da socialização, como certos desejos sexuais e agressivos, cujo acesso à consciência é proibido pela A DA PERSONALIDADE censura interna, não permitindo que cheguem a ser representados cons- cientemente. Esse mecanismo de proibição denomina-se repressão ou Dada a apresentação das estruturas (o id, o ego e o superego) recalque. que compõem a personalidade e as qualidades dos conteúdos men- O id, modelo estrutural da psique desenvolvido por Freud, é puro tais, como elas atuam no funcionamento de uma pessoa? inconsciente. Embora cada estrutura tenha denominação particular e opere se- gundo princípios distintos, em circunstâncias habituais, esses sistemas trabalham como uma unidade completa sob o gerenciamento do ego. I.4.2 CONSCIENTE Bem, para algo funcionar há necessidade de um elemento que o Tudo o que conhecemos é consciência: a percepção do mundo faça se mover. Nessa perspectiva, Freud sofreu a influência da filoso- objetivo, as lembranças, os sentimentos, o pensamento e a percepção fia positivista e determinista da época. O homem era visto como um do mundo subjetivo, ou seja, como concebemos as lembranças, os sistema complexo de energia, a qual se originava da alimentação e sentimentos, os sonhos, os devaneios. Um conteúdo mental para ter era gasta tanto nos processos fisiológicos como respiração, circula- acesso à consciência precisa ser um acontecimento ção, digestão etc. quanto nas atividades como pensamento, memória etc., enfim, a energia era definida em termos da ação que ela desenca- deava. Para Freud, então, era pertinente referir-se à energia psíquica I.4.3 O PRÉ-CONSCIENTE se a ação traduzisse uma atividade psicológica. E essa energia, segun- do o princípio da conservação, jamais poderia ser subtraída do total É o sistema psíquico que serve de intermediário entre o incons- da energia cósmica, embora pudesse passar de um estado ao outro. A ciente e a consciência. Nele estão as representações que podem se tor- energia psíquica, portanto, podia ser convertida em energia física e nar conscientes, desde que o sujeito se interesse por elas, e as represen- vice-versa. id, com seus instintos, era o ponto de contato entre es- tações de fatos esquecidos, incômodos, mas não censurados no âmbito sas duas energias, a do corpo e a da personalidade. do inconsciente, em que se verifica uma proibição que dificulta sua evocação, uma força para afastá-los da consciência. Esse mecanismo denomina-se supressão. A pré-consciência tem a função de selecionar I.5.1 INSTINTO (IMPULSO INSTINTIVO OU PULSÃO) os atos motores e as vias de pensamento para a consciência. Vimos que a consciência exige que o conteúdo mental seja perceptível. No entan- Trata-se de uma representação psicológica inata de uma fonte de to, a maioria dos acontecimentos mentais não possui essa qualidade, excitação corpórea. A representação psicológica chama-se desejo e a22 Introdução à Psicologia da Educação A Contribuição da à Educação 23 excitação corpórea que o causa denomina-se Por exem- Esse deslocamento de energia de um objeto a outro é que asse- plo, no caso de uma pessoa faminta, ao afirmarmos que os tecidos do gura a plasticidade da natureza humana e a versatilidade do compor- organismo apresentam deficiência nutritiva, estamos nos referindo ao tamento. Os interesses, os hábitos, as preferências e as atitudes dos estado fisiológico. Há, portanto, necessidade de alimentação. A re- adultos nada mais são do que deslocamentos de energia das escolhas presentação psicológica desse estado é o desejo de alimentar-se. A pessoa faminta procura alimento, ficando mais sensível a estímulos Podemos afirmar ainda que o instinto tem uma força que é deter- que o sugerem, como o cheiro. Quer dizer, então, que os instintos são propulsores da personalidade, impulsionam o comportamento e de- minada pela intensidade da necessidade subjacente. Por exemplo, no caso da pessoa faminta, quando a deficiência alimentar se torna maior, terminam a direção que ele deverá tomar. a força do instinto também aumenta. O instinto é a quantidade de energia psíquica necessária para Em suma, os instintos apresentam quatro aspectos: uma fonte, movimentar as diferentes operações da personalidade. Os instintos um objetivo ou finalidade, um objeto e um impulso. tomados como um todo compõem a soma total de energia psíquica de que dispõe a personalidade. Têm sua sede no id e originam-se do pro- cesso metabólico. QUANTOS INSTINTOS EXISTEM? Falamos acima que a excitação corpórea causa uma representação psicológica. Essas excitações podem surgir em diferentes partes do Freud não se preocupou em enumerar os instintos existentes, mas corpo e a região em que surgem constitui a fonte do impulso ou do classificou-os em dois grandes grupos: os instintos de vida e os de morte. instinto; trata-se, portanto, de uma condição ou necessidade do corpo. O objetivo primordial do instinto é reduzir a excitação, sendo essa re- Os instintos de vida são instintos que servem tanto para autocon- dução sentida como satisfação (princípio do prazer). Para satisfazer os servação (fome, sede e fuga à dor) como para preservação da espécie impulsos instintivos é necessária a participação de algum objeto ou de (sexo). Freud atribuiu grande importância à sexualidade, um dos as- alguma pessoa, que não são simplesmente a coisa específica ou as con- pectos que caracteriza sua teoria, como um impulso básico e funda- dições que satisfaçam a necessidade, mas todo comportamento que visa mental para o ajustamento da personalidade e chamou de libido a a assegurar a coisa ou condição. No caso da pessoa faminta, ela tem forma de energia pela qual os instintos de vida realizam sua tarefa. que realizar certas ações para conseguir o que deseja, isto é, comer. Trata-se, na verdade, de uma designação para a energia sexual. Mais adiante, no tópico sobre o desenvolvimento, veremos as maneiras pelas Segundo a teoria freudiana, a fonte e o objetivo ou a finalidade quais se satisfaz a sexualidade e que o objeto de interesse sexual varia do instinto permanecem constantes durante toda a vida, exceto quan- muito ao longo da vida. do a fonte é mudada ou eliminada pela maturidade física ou quando surgem novos instintos, na medida em que aparecem novas necessi- Os instintos de morte são instintos destrutivos, menos evidentes dades orgânicas. do que os de vida, mas que cumprem sua função. Para Freud, a morte é a finalidade de toda vida e, portanto, toda pessoa tem desejo incons- Por outro lado, o objeto ou os meios pelos quais a pessoa procura ciente de morrer. No entanto, ele não se referiu às fontes orgânicas satisfazer seus impulsos variam no decorrer da vida como veremos no dos instintos de morte, tampouco atribuiu nome à energia pela qual tópico sobre o desenvolvimento da personalidade. Isso é possível gra- eles cumprem sua tarefa, mas desenvolveu argumentos em favor do ças à capacidade de deslocamento da energia psíquica. Caso um objeto desejo de morte. Para isso, apoiou-se no princípio de constância de não esteja ao alcance da pessoa, devido à sua ausência ou à existência Fechner, qual seja, que todos os processos vivos tendem a retornar à de barreiras na própria personalidade do indivíduo, a energia psíquica estabilidade do mundo inorgânico. Considerou que o desejo de morte pode ser aplicada a outro. Dessa forma, os objetos podem ser substituí- nada mais é do que a representação psicológica do princípio de cons- dos até que seja encontrado um que satisfaça o sujeito. tância e que os impulsos agressivos são derivados dos instintos de24 Introdução à Psicologia da Educação Capítulo I A Contribuição da à Educação 25 morte. A agressividade é a manifestação de morte (autodestruição) Repressão é um mecanismo de defesa básico pelo qual os senti- contra objetos substitutivos. mentos, as lembranças e os impulsos proibidos são expulsos da Os instintos de vida e de morte e seus derivados entram em ação consciência. Exemplo: o funcionário embriagado demonstra hosti- agrupando-se, neutralizando-se ou ainda trocando de posição. Por lidade em relação ao chefe a quem sempre trata amistosamente exemplo, a alimentação representa a fusão da fome (instinto de vida) quando sóbrio. e da agressividade (instinto de morte), pois o comer envolve o mor- Negação trata-se de um mecanismo primitivo que consiste em der, mastigar e triturar a comida. O amor, derivado do instinto de vida, negar um fato evidente. É geralmente uma defesa contra a angús- portanto sexual, pode tanto neutralizar o ódio, que é instinto de mor- tia, negando a realidade. Exemplo: um fumante insiste em dizer te, bem como tomar seu lugar. não haver evidência empírica convincente de que fumar faz mal à saúde. Formação reativa neste mecanismo expressam-se sentimentos I.5.3 DISTRIBUIÇÃO DA ENERGIA PSÍQUICA opostos ao sentimento que produz ansiedade. Uma maneira de deter- minar a natureza da formação reativa é responder às questões: de Dissemos que os instintos contêm toda a energia psíquica que os que ameaça o psiquismo, ou o ego, está se defendendo? Quais são três sistemas da personalidade (o id, o ego e o superego) utilizam para os impulsos ameaçadores para o ego? Se a ameaça for o ódio, este realizar seu trabalho. Sabemos também que a quantidade de energia aparecerá sob o disfarce do amor; se o sentimento temido é o amor, disponível é limitada. Como se dá, então, a distribuição e a utilização este estará disfarçado em ódio. dessa energia por eles? Assim, o amor pode aparecer substituindo o ódio, a gentileza pode Como há um limite de quantidade de energia disponível, os dife- substituir a crueldade, a ordem e a limpeza podem substituir o pra- rentes sistemas a disputam. Quando há maior quantidade de energia zer da sujeira etc. Na formação reativa, a conduta expressa o con- em um sistema, este se torna preponderante sobre os demais, a não flito entre o senso moral e um comportamento inaceitável. Um ser que nova energia seja acrescentada ao sistema todo. aluno pode abandonar atitudes que não são socialmente aceitas pelos professores, como também apresentar atitudes inversas. As- sim, um adolescente pode mostrar-se hostil a uma colega, objeto de amor não-correspondido. I.5.4 MECANISMOS DE DEFESA DO EGO Projeção mecanismo de defesa que consiste em atribuir incons- O mundo contemporâneo leva as pessoas a viverem situações cientemente ao outro, e, de forma mais geral, em perceber no mun- com altas doses de ansiedade. Mas a função da ansiedade é alertar o do exterior, suas próprias pulsões e conflitos interiores. Na proje- ego ou o "eu" para situações de perigo, controlando ou inibindo os ção, é possível liberar afetos intoleráveis. Um marido extremamen- desejos que vão ao encontro dessas situações. É, portanto, uma fun- te ciumento pode não ter consciência de seus impulsos de infideli- ção necessária ao desenvolvimento psíquico. O que se questiona hoje dade. Um professor, crítico ácido da incompetência dos alunos, é o excesso de situações que provocam ansiedades a que estamos pode, inconscientemente, esconder o medo de sua própria incom- expostos. Sabe-se, no entanto, que o ego pode empregar e emprega petência. realmente a qualquer momento todos os processos de sua formação e Na projeção, quando se diz "ele me ama", o significado é "eu o função para sua defesa. amo", quando se diz "ela me ofendeu", pode-se entender "eu a O objetivo do presente item é apresentar algumas atividades es- ofendi". pecíficas de defesa do ego. São processos que se referem principal- A projeção é um mecanismo que desempenha um papel importan- mente às defesas do ego contra o id. É importante assinalar que esses te nos primeiros estágios da infância. Assim, uma criança, quando mecanismos de defesa são inconscientes. acusada de ter quebrado algum objeto, pode atribuir a outra crian-Introdução à Psicologia da Educação Capitulo I A Contribuição da Psicanalise à Educação 27 ça o seu ato. Um indivíduo preconceituoso também pode justificar voltar a chupar o dedo, urinar etc., ou da aluna de série em busca suas ações com base em experiências negativas anteriores. da "tia" única. Na patologia mental, a projeção adquire uma importância particu- Deslocamento mecanismo psíquico inconsciente pelo qual uma lar. Ocorrem, muitas vezes, acusações graves do tipo "fulano me descarga afetiva (emoção, impulso) é transferida de seu objeto ver- violentou". No caso, esse comportamento pode ser denominado dadeiro para um elemento substituto. Desloca-se a ação ou senti- como paranóico. mento para um outro objeto, diferente do original. Exemplos: me- ninos inconformados por terem perdido o jogo de futebol chutam Racionalização justificação de um comportamento cujas razões furiosamente as traves do campo; humilhado pelo patrão, o mari- verdadeiras são ignoradas, ou melhor, apresentação de explicações que justifiquem certas ações. Em geral, essas explicações não são do bate na esposa. convincentes, mas o indivíduo acredita nelas. Exemplo: um escri- Sublimação é, possivelmente, o mecanismo de defesa do ego tor magoado por ter sido preterido pela namorada fica sabendo que mais importante para os nossos propósitos, ou seja, para a relação ela se casara e partira com o marido em viagem de núpcias, num entre a Psicanálise e a educação. Introduzido por Freud, esse ter- navio. Escreve, então, a história do naufrágio de um navio em que mo designa o mecanismo de defesa pelo qual certos impulsos in- um jovem casal, em viagem de núpcias, morre. Dessa forma, leva conscientes são desviados de seus objetos primitivos para fins a cabo seu sentimento de vingança, de revanche, por meio de uma cialmente úteis e integram-se à personalidade. A sublimação tem ação racional. Usa racionalmente a lógica da emoção. Na raciona- um papel importante na adaptação do indivíduo a seu meio, per- lização, usam-se explicações racionais para uma razão de ordem mitindo seu ajustamento social sem, contudo, inibir o seu desen- emocional. Assim, um político que perdeu a eleição explica aos volvimento pessoal. Na sublimação é possível canalizar pulsões eleitores que houve fraude. destrutivas para fins socialmente úteis. O exemplo clássico é a ca- Fixação é a permanência num estágio primitivo de desenvolvi- nalização da agressividade para determinadas atividades profissio- nais socialmente valorizadas, como no caso dos cirurgiões. mento. Como veremos adiante, o desenvolvimento da sexualidade passa por fases bem definidas até se alcançar a maturidade. Essas passagens, no entanto, não são indolores. A ocorrência de frustra- ções e ansiedades pode acarretar uma parada temporária ou per- FASES DO DESENVOLVIMENTO DA SEXUALIDADE INFANTIL manente do desenvolvimento. A pessoa pode, enfim, fixar-se em um dos estágios da sexualidade. Um exemplo clássico desse me- No trabalho citado anteriormente, A sexualidade infantil, Freud canismo é o prazer voyeur, ou seja, o prazer provocado pela visão de órgãos ou atos sexuais. No caso em questão, a fixação remonta postula a existência na sexualidade humana de impulsos presentes à fase fálica do desenvolvimento, à curiosidade infantil de ver os desde a infância, os chamados impulsos ou pulsões parciais, que de- órgãos genitais alheios. sempenham importante papel na educação. Esses impulsos ou pulsões parciais seriam aspectos perversos da Regressão o mecanismo da regressão consiste em retornar a um sexualidade infantil. Perversos por serem desvios do impulso sexual estágio anterior de desenvolvimento. A fixação, às vezes, e a regres- em relação ao seu objeto e ao seu fim. Freud percebeu que existe na são, em particular, constituem mecanismos de defesa que ocorrem vida sexual infantil uma organização entre esses impulsos ou pulsões em condições relativas, pois raramente acontecem de uma forma sexuais. Agrupou-os então em fases de desenvolvimento. Alguns au- completa. Isso significa que ambas surgem em determinadas situa- tores denominam fases de desenvolvimento da libido. Libido, é im- ções e desaparecem com a resolução do conflito que as originou. portante lembrar, é o nome usado na Psicanálise para designar a ener- Exemplos clássicos de regressão denotam certos traços infantis de gia sexual. As fases ou estágios do desenvolvimento são: fase oral, conduta. É o caso da criança que em seu primeiro dia escolar pode fase anal, fase fálica, período de latência e fase genital.28 Introdução à Psicologia da Educação I A Contribuição da Psicanalise à Educação 29 I.6.1 FASE ORAL avarentos (retenção), ávidos em dominar ou que se satisfazem retendo... Esses resquícios aparecem também no desejo passivo de sempre rece- Nesta fase, que dura aproximadamente o primeiro ano da vida ber do mundo (retenção) ou na intolerância às frustrações e limites, no da criança ou um ano e meio, a zona oral desempenha o papel princi- desejo de expulsá-los. Na repressão aos impulsos anais, o indivíduo pal o prazer advém da sucção. A boca e sua extensão, como os poderá tornar-se obcecado por limpeza. lábios e a língua, constituem a zona erógena (zona de prazer). Os ob- São considerados substitutos prazerosos para as fezes a massa de jetos escolhidos são os seios ou seus substitutos, como os dedos, a modelar, o barro, a massa de pão, entre outros. A fixação ou perma- chupeta, alimentos etc. As crianças, no estágio oral, levam qualquer objeto à boca, mordendo-o ou sugando-o. O mundo, nessa fase, tem nência do impulso sexual nessa fase pode ser encontrada de forma características de boca. Assim, o "gostar" ou "não gostar" da criança sublimada nos escultores, pintores etc. poderia ser expresso como "quero colocar na boca" ou "quero tirar da Observa-se, portanto, que os selos ou marcas características de boca". Daí advêm expressões usuais como "uma leitura gostosa", cada estágio permanecem, não desaparecendo totalmente. "quero morder o bebê" etc. prazer de fumar, beber, beijar, declamar poesia, fazer discursos e, de forma mais agressiva, morder prova que Após as colocações acima, é possível imaginar como as desco- a fase oral não desaparece totalmente. bertas de Freud devem ter sido chocantes em sua época, já que ainda hoje elas nos perturbam, deixando-nos momentaneamente incrédulos! À medida que o desenvolvimento da criança prossegue, impõe- se a necessidade de desmame, surgem as tentativas de uso da lingua- gem e a percepção de outras pessoas. Esses fatos precipitam a perda da primazia da boca e a criança passa para a segunda fase do desen- I.6.3 FASE FÁLICA volvimento da libido, a fase anal. No entanto, a terceira fase do desenvolvimento da libido, a fase fálica, deve ter provocado um escândalo maior ainda! O estágio fálico ocorre por volta dos três ou quatro anos de idade e as zonas erógenas I.6.2 FASE ANAL localizam-se nos órgãos genitais. Denomina-se fase fálica porque o pênis (= falo) é o principal objeto de interesse da criança de ambos os A duração da fase anal pode ser estimada em aproximadamente sexos. Na menina, o clitóris é o correspondente feminino do pênis. um ano e meio. Nessa fase, o ânus constitui a zona privilegiada das tensões e gratificações sexuais. O desejo de ver os órgãos genitais de colegas e de exibir os pró- prios são manifestações características da fase fálica, assim como o A sensação de prazer ou desprazer está associada à expulsão desejo de manipulação dos órgãos genitais. O voyeur seria o adulto (defecação) ou à retenção das fezes. prazer advém também da ma- fixado na primitiva curiosidade infantil de contemplar o outro. A vi- nipulação das mesmas. Nesse estágio aparece a oposição, presente na são seria sua única via de obter prazer, sendo refém desse sentido. vida sexual, entre o ativo e o passivo, mas ainda não caracterizada, Também o exibicionista em sua ânsia de mostrar seus órgãos genitais segundo Freud, pelo masculino e feminino. Na passagem da fase oral e ser visto estaria fixado no estágio fálico. para a fase anal, a educação esfincteriana, ou seja, o controle da eva- cuação, tem papel relevante. Ao conseguir controlar seus esfíncteres É importante observar que as fases de desenvolvimento sexual não a criança tem a sensação de poder controlar também seus impulsos. são, como já foi dito, realmente abandonadas. A passagem de uma fase à outra significa integração, mas não o desaparecimento total da ante- Os resquícios da fase anal podem ser percebidos na idade adulta rior. Portanto, em várias situações pontuais da vida ou até mesmo de na forma como os indivíduos administram sua vida econômica, tornan- maneira mais persistente, as pessoas podem apresentar as marcas de do-se perdulários ou generosos (a expulsão), parcimoniosos ou mesmo uma determinada fase.30 Introdução à Psicologia da Educação Capitulo I A Contribuição da Psicanalise à Educação 31 As fases configuram práticas perversas, isto é, desvios da sexuali- onde está ele? Como encontrar agora os vestígios desse crime dade que acontecem tanto no indivíduo normal como no chamado neu- tão antigo? A ação da peça consiste em nada mais do que o rótico durante o desenvolvimento da sexualidade. Apesar das marcas processo de revelar, com pausas engenhosas e sensação sem- ou selos, elas estão, no entanto, submetidas ao domínio da genitalidade. pre crescente um processo que pode ser comparado ao traba- lho de uma psicanálise que o próprio Édipo é o assassino de Laio, mais ainda, que ele é o filho do homem assassinado e de Complexo de Édipo Jocasta. Apavorado com a abominação que ele inadvertidamen- te perpetrara, Édipo cega-se a si próprio e abandona seu lar. A predição do oráculo foi cumprida. É na fase fálica, também denominada estágio edipiano, que Freud localiza o aparecimento de uma relação triangular singular entre pai, mãe e filho, que configura o complexo de Édipo. Explica Freud que o destino de Édipo nos comove porque pode- ria ser o nosso. É como se o oráculo tivesse lançado sobre nossa ca- Trata-se de uma relação de amor que tem como objeto o proge- beça igual maldição antes de nascermos: nitor do sexo oposto mãe, no caso do menino; pai, no caso da me- nina e impulsos de rivalidade e ciúme do progenitor do mesmo sexo. É o destino de todos nós, talvez, dirigir nosso primeiro O nome complexo de Édipo origina-se na tragédia grega Édipo rei, impulso sexual no sentido de nossa mãe e nosso primeiro ódio escrita por Sófocles. e nosso primeiro desejo assassino contra nosso pai. Rei A história de Édipo, o rei mítico de Tebas que mata seu pai e se Édipo, que assassinou seu pai Laio e casou com sua mãe casa com a mãe, aparece assim resumida por Freud em seu livro A Jocasta, simplesmente nos mostra a realização de nossos pri- interpretação dos sonhos (parte I, p. 277): meiros desejos de infância. Édipo, filho de Laio, Rei de Tebas, e de Jocasta, foi en- Assim, o amor infantil dirigido ao progenitor do sexo oposto car- jeitado quando criança porque um oráculo advertira Laio que a rega também impulsos de ciúme e rivalidade dirigidos ao progenitor do criança que ainda não nascera seria o assassino de seu pai. A mesmo sexo, representando a situação edipiana. Essa situação suscita criança foi salva e cresceu como príncipe numa corte estran- sentimentos ambivalentes, ou seja, sentimentos de amor e ódio. Simul- geira, até que, em dúvida quanto à sua origem, ele também taneamente, a criança teme ser punida por seus desejos proibidos, o interrogou o oráculo e foi advertido que evitasse o seu lar, vis- que gera nela sentimento de culpa. Enfim, vencida pelo sentimento to que estava destinado a assassinar seu pai e receber a mãe em de culpa e medo diante de um rival superior e poderoso (pai e mãe), casamento. Na estrada que o levava para longe do local que a criança aceita renunciar ao seu objeto de amor. Transforma a rivali- ele acreditava ser seu lar, encontrou-se com o Rei Laio e o dade em identificação, isto é, em desejo de ser como o pai ou a mãe, matou numa súbita rixa. Em seguida, dirigiu-se a Tebas e re- antigos rivais. Mãe e pai transformam-se, dessa forma, em modelos solveu o enigma apresentado pela Esfinge que lhe barrava o constitutivos: a mãe para a filha, o pai para o filho. Essa situação caminho. Por gratidão, os tebanos fizeram-no rei e lhe deram a edipiana constitui um ensaio geral dos amores futuros da criança. mão de Jocasta em casamento. Ele reinou por muito tempo com paz e honra, e ela que, sem que ele soubesse, era sua mãe, lhe O estágio de vida que abrange o complexo de Édipo, a fase fálica, deu dois filhos e duas filhas. Foi quando, então, irrompeu uma é de importância crucial para o psiquismo. peste e os tebanos interrogaram mais uma vez o oráculo. É Para o antropólogo Lévi-Strauss, a passagem da natureza para a neste ponto que tem início a tragédia de Sófocles. Os mensa- cultura ocorre com a proibição do incesto. Segundo ele, a passagem geiros trazem de volta a resposta de que a peste cessará quan- pela fase edipiana enquadraria a criança à lei do incesto, integrando-a do o assassino de Laio tiver sido expulso do país. Mas ele, à ordem humana universal da cultura.32 Introdução à Psicologia da Educação Capítulo A Contribuição da Psicanalise à Educação 33 Foi no inconsciente de seus pacientes que Freud descobriu as Filho de Deus Céfiso, protetor de rio de mesmo nome, e fantasias de incesto com o genitor de sexo oposto, associadas a ciú- da Ninfa Liriope, Narciso era de uma beleza Atraiu o mes e rancores homicidas em relação ao genitor do mesmo sexo. No desejo de mais de uma Ninfa, dentre elas Eco, a quem repeliu. entanto, é importante assinalar que o complexo de Édipo encontra-se Desesperada, esta adoeceu e implorou à Deusa que a presente na vida mental tanto dos chamados neuróticos como das vingasse. Durante uma caçada, o rapaz fez uma pausa junto a pessoas normais. A apresentação extremamente esquemática desse uma fonte de águas claras: fascinado por seu reflexo, supôs complexo constitui apenas um contato inicial com o assunto. estar vendo um outro ser e, paralisado, não mais conseguiu desviar os olhos daquele rosto que era o seu. Apaixonado por si mesmo, Narciso mergulhou os braços na água para abraçar aquela imagem que não parava de se esquivar. Torturado por Complexo de Castração esse desejo impossível, chorou e acabou por perceber que ele No desenvolvimento do complexo de Édipo, o desejo sexual do mesmo era o objeto de seu amor. Quis então se separar de sua menino pela mãe e sua rivalidade com o pai geram ressentimentos própria pessoa e se feriu até sangrar, antes de se despedir do em relação à figura paterna. Dessa situação, origina-se no garoto o espelho fatal e expirar. Em sinal de luto, suas irmãs, as Náiades temor de que, enciumado, o pai possa puni-lo, castrando-o. Renuncia e as Díades, cortaram os cabelos. Quando quiseram instalar o então aos seus desejos eróticos pela mãe, identificando-se com o pai, corpo de Narciso numa pira, constataram que havia se trans- antigo rival. A esse choque afetivo, o temor à castração, denomina-se formado numa flor. complexo de castração. Trata-se, na realidade, de um sistema incons- ciente de emoções relacionadas ao valor simbólico do falo. O termo narcisismo, segundo Freud, encontra-se na descrição fei- ta por Paul Näcke (1899) para denotar a atitude de uma pessoa que A menina descobre no decorrer de seu desenvolvimento que o trata seu próprio corpo como trata o corpo de um objeto sexual: contem- menino possui pênis, o qual não lhe foi dado pela mãe. A inveja do plando-o, afagando-o. Freud remonta a compreensão do narcisismo à pênis corresponde, na menina, ao complexo de castração no menino. primeira infância, ao chamado narcisismo primário. Inicialmente, a li- Enquanto o menino teme perder um objeto de valor, o pênis, a meni- bido do bebê não se relaciona com o mundo externo. O bebê não dis- na sente-se prejudicada por não possuí-lo, buscando compensar essa tingue o "eu" e o "não-eu". Sua única realidade é seu próprio corpo, falta no desejo pelo pênis paterno. Observa-se a angústia da castração com suas sensações físicas de frio, calor, sede, sono. A criança é para em várias situações de perda e de separação do objeto, como no des- si mesma o objeto de amor. Gradativamente, porém, ela se percebe mame e na defecação. separada da mãe, do mundo externo. Ao perceber o mundo externo Os complexos de Édipo e de castração fundamentam psicologi- com suas normas e regras, transforma o seu narcisismo original em camente as diferenças sexuais. amor objetal. Segundo Freud, o indivíduo evolui do narcisismo abso- luto para a capacidade de raciocínio e amor objetal. A pessoa normal, comum, amadurecida, é aquela cujo narcisismo atingiu um grau so- cialmente aceitável. Todo indivíduo conserva, no entanto, um certo Narcisismo grau de narcisismo. Uma das concepções de Freud bastante utilizadas na atualidade Nas alucinações e nos delírios paranóicos a situação é semelhan- é o conceito de narcisismo. Em virtude de sua complexidade, o pre- te à do bebê. A diferença é que nelas o mundo exterior deixa de ser sente texto restringir-se-á à apresentação de algumas noções básicas real, ao passo que para o bebê o mundo exterior não existe. Na aluci- sobre o tema. nação, a percepção não registra os fatos do mundo externo, apenas as O narcisismo caracterizado desde a Grécia antiga como o amor do experiências subjetivas. indivíduo por si próprio. O poeta latino Ovídio imortalizou em seu livro Foi por intermédio desses mecanismos de ruptura com a realida- Metamorfoses a lenda de Narciso, cuja síntese apresentamos a seguir: de exterior que Freud pôde desvendar a natureza do narcisismo. Nes-Psicologia da Educação I A Contribuição da à Educação 35 te não se percebe a realidade de outra pessoa como diferente de sua satisfação ao estimular e manipular o próprio corpo. Na fase genital, realidade interna. Ocorre, assim, uma ausência de interesse genuíno esse narcisismo é canalizado para escolhas objetais genuínas. O ado- pelo mundo externo. lescente estabelece uma relação de amor mais altruísta, um amor que tem como objetivo a felicidade do objeto amado e, simultaneamente, a sua própria, numa relação mútua satisfatória. I.6.4 DE LATÊNCIA Sob certos aspectos, o adolescente revive o período edipiano quando se sente atraído por uma pessoa do sexo oposto, deixando O período fálico é de muita tensão e dificuldade para a criança, apenas de ser incestuoso o objeto do amor. Os impulsos libidinosos pois ela vive sentimentos edipianos. É quando ocorre também o de- que antes se voltavam para figuras parentais podem ser dirigidos para senvolvimento do superego. Após essa fase, a criança passa por um pessoas que apresentam certas semelhanças com elas. Por exemplo, período mais calmo, denominado período de latência. Corresponde um rapaz pode sentir-se atraído por uma moça explicitamente seme- ao primeiro período de escolarização do ensino fundamental a lhante à mãe ou, ainda, pode haver semelhanças entre o pai da moça série) que antecede a adolescência. Segundo Freud, trata-se de um e seu namorado. período de relativa estabilidade, mas fundamental para a aquisição de habilidades, valores e papéis culturalmente aceitos. Além da atração sexual, a socialização, as atividades grupais, a escolha profissional, a preparação para constituir uma família carac- O superego torna-se mais organizado, pois a convivência com terizam essa fase do desenvolvimento, na qual o indivíduo, da criança outras pessoas, além dos pais, contribui não só para a formação do narcisista em busca de prazer, torna-se um adulto socializado e orien- sistema de valores, mas também para confrontar diferentes sistemas, tado para a realidade. Não significa, no entanto, que os impulsos das o que torna a criança mais flexível e tolerante. fases anteriores (oral, anal e fálica) sejam substituídos pelos da genital, Embora o termo latência traga a idéia de calmaria, não significa mas eles se fundem e se sintetizam nos impulsos genitais. A reprodu- que nesse período não haja dificuldades, mas apenas que nele não ção é a principal função biológica dessa fase e os aspectos psicológi- surgem novos problemas básicos de relações próximas. Essa fase é a cos ajudam na realização desse objetivo. mera lógica da situação edipiana vivida anteriormente Quanto ao desenvolvimento da personalidade, Freud o vincula a como desenvolvimento dos papéis sexuais e resultante da identifica- quatro fontes principais de tensão: processo de crescimento fisiológi- ção da criança com o pai ou com a mãe e da acentuação do seu papel co, frustrações, conflitos e perigos. O indivíduo é obrigado a desen- sexual, seja masculino ou feminino. volver formas de reduzir tensões que emanam dessas fontes, o que o Alguns autores afirmam que a teoria freudiana não capta o que leva ao crescimento, à evolução. ocorre nesse período com a mesma riqueza e profundidade que o faz em relação ao período pré-escolar ou aos problemas da adolescência. CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE À EDUCAÇÃO I.6.5 FASE GENITAL I.7.1 A REVOLUCIONÁRIA TEORIA DE FREUD CONTRIBUIU Segundo a teoria freudiana, a estrutura básica da personalidade DE ALGUMA FORMA PARA A EDUCAÇÃO? forma-se no fim da fase fálica. A adolescência seria a fase de reativação dos impulsos sexuais adormecidos durante o período de latência. Freud nutria esperança de que a Psicanálise, uma teoria explica- tiva da natureza, do funcionamento e da forma de desenvolvimento Os períodos pré-genitais que antecedem essa fase são caracteri- do psiquismo, pudesse contribuir para reformar os métodos e objeti- zados pelo narcisismo ou amor a si mesmo, isto é, o indivíduo tem vos educacionais, exercendo, assim, uma ação profilática.36 Introdução à Psicologia da Educação Capítulo I A Contribuição da Psicanalise à Educação 37 Autoras como Catherine Millot, em Freud antipedagogo, e Ma- I.7.3 A EDUCAÇÃO E PROCESSO DE SUBLIMAÇÃO ria Cristina Kupfer, em Freud e a Educação o mestre do impossível, mostram que a Pedagogia e a Psicanálise caminham em sentidos opos- É importante lembrar, para compreensão do assunto em pauta, que tos. Enquanto a primeira tem como meta a estabilidade e a previsibi- o conceito de sexualidade para a Psicanálise é bastante amplo. Em seu lidade, a segunda trabalha com um ferramental altamente imprevisível. livro Dois verbetes de enciclopédia (p. 297), Freud escreve o seguinte: Millot é mais categórica em sua posição, afirmando que a desco- berta do inconsciente invalida qualquer tentativa de construir uma ciência pedagógica que evite recalques e neuroses. Embora a Psica- Tornou-se necessário ampliar o conceito do que era sexual, nálise tenha esclarecido os mecanismos psíquicos em que se funda o até abranger mais que o impulso no sentido da união dos dois processo educacional, tal esclarecimento não aumentou o domínio so- sexos no ato sexual ou da provocação de sensações agradáveis bre esse processo. Para Kupfer, se como psicanalista Freud foi um específicas nos órgãos genitais. Essa ampliação foi, porém, re- antipedagogo, no sentido de não conseguir fundar sobre as descobertas compensada pela nova possibilidade de apreender a vida sexual da Psicanálise uma Pedagogia que prevenisse as neuroses, foi também infantil, normal e perversa, como um todo único. um mestre da teoria psicanalítica ao difundir suas idéias alterando o panorama da cultura e da ciência de seu tempo até a contemporaneidade. Ele fundou o movimento psicanalítico, proferiu inúmeras conferên- Podemos dizer, enfim, que a sexualidade se refere a tudo aquilo que cias, provocando debates e polêmicas acirradas, e formou um círculo pode provocar prazer e que se encontra em toda atividade humana. de discípulos envolvidos intelectual e emocionalmente em torno dele. Mesmo a amamentação é uma experiência prazerosa, tanto para o bebê Foi, portanto, um mestre. que suga o seio como para a mãe que o amamenta. Observa-se com isso a visão ampliada da sexualidade, caracteri- zando sua plasticidade e flexibilidade. I.7.2 A EDUCAÇÃO E o CONCEITO DE TRANSFERÊNCIA Assim, apesar de o desenvolvimento da sexualidade pressupor, na idade adulta, práticas genitais, isso nem sempre ocorre. Na perver- são adulta, por exemplo, o impulso parcial recusa a submeter-se ao Por meio de suas análises, Freud elaborou o conceito de transfe- rência, presente em toda situação em que duas pessoas se domínio genital. Há fixação numa fase infantil, como no exemplo relacionam frente a frente. Esse fenômeno foi observado inicialmente clássico do voyeur, que só encontra prazer pela visão das práticas ou dos órgãos sexuais alheios. Do mesmo modo como acontece na crian- no tratamento analítico: formava-se entre o paciente e o médico uma relação emocional especial além dos limites racionais. ça, o impulso sexual não está associado a um objeto definido, poden- do ser atingido por diversas vias. Sabe-se hoje que essa relação pode variar entre a devoção e a admiração mais afetuosas até a inimizade e a hostilidade mais acirra- Dessa forma, observam-se novamente aspectos flexíveis na sexua- das. Deriva das relações afetivo-sexuais anteriores e inconscientes do lidade humana, como a possibilidade de se passar do domínio genital paciente. A transferência tanto positiva quanto negativa pode se trans- para os estágios anteriores de Observa-se, sobretudo, formar em poderoso instrumento terapêutico desempenhando um pa- que o impulso sexual não possui uma fixação, como ocorre com o pel relevante no processo de cura. instinto. O objeto pelo qual se satisfaz lhe é indiferente, podendo ser tanto uma mulher como uma parte de seu corpo, os pés, por exemplo. A transferência encontra-se também presente na relação profes- Ele é desviante, intercambiável e pode ser direcionado para fins não sor-aluno e nos permite refletir sobre o que possibilita ao aluno acre- propriamente sexuais, como na sublimação. ditar no professor e chegar a aprender. É, portanto, um poderoso ins- trumento no processo de aprendizagem. Constitui-se, assim, numa A sublimação implica no desvio de uma pulsão do desejo direta- contribuição essencial da Psicanálise à educação. mente sexual para um fim socialmente útil. Por intermédio do meca-38 Introdução à Psicologia da Educação Capítulo A Contribuição da Psicanalise à Educação 39 nismo da sublimação os indivíduos podem dedicar-se a atividades transformar sua curiosidade em desejo de conhecimento, em curiosi- "espiritualmente elevadas" como as relacionadas com a arte, a ciên- dade intelectual. Em relação à pulsão da sucção, é fundamental que o cia, a promoção de valores humanos e de melhores condições de vida. professor não recrimine a criança por levar à boca qualquer objeto, Por serem impulsionadas pela energia sexual, embora sua finalidade mas que lhe forneça "alimentação" por meio de bons objetos, como não seja diretamente o sexo, é possível perceber a presença da libido conhecimento, e de atividades lúdicas e artísticas, a fim de nutri-la nessas atividades. O prazer na realização de uma tarefa, mesmo de Ao mostrar a existência de uma sexualidade infantil natureza tênue, traz a marca de sua origem sexual no empenho e na constituída por aspectos perversos, a Psicanálise aponta também para paixão com que alguns indivíduos dedicam-se a ela. a existência de um mal inato no ser humano. Todavia, em vez de exor- cizá-lo, a Psicanálise propõe o desvio desse "mal" para fins úteis à sociedade mediante a sublimação. I.7.4 A EDUCAÇÃO E A SEXUALIDADE Esta parece ser a proposta da Psicanálise para a educação: que o educador possa buscar com o educando o justo equilíbrio entre o pra- Inicialmente Freud associou a doença nervosa a uma educação zer individual e as necessidades coletivas. moral repressora. As noções de pecado, pudor, vergonha inibiriam os impulsos sexuais limitando seu desenvolvimento. A doença nervosa Também o professor colombiano Américo Calero expressa em poderia ser, então, resultado das restrições morais excessivas. No en- seu texto "Notas sobre a concepção de Educação de Freud" sua preo- tanto, Freud chegou à conclusão de que existiria no interior da sexua- cupação com as relações entre a Psicanálise e a educação. Diz o autor lidade um componente de desprazer que reforçaria a moralidade. Além que na extensa obra de Freud não se encontra uma teoria sistemática disso, percebeu que uma satisfação plena dos impulsos é impossível e e integrada sobre educação e assinala uma evolução nas concepções até mortal. A preservação da vida tanto do indivíduo como do grupo de Freud sobre o papel do educador. implica no recalque repressão sexual profunda e inconsciente da Nos seus primeiros trabalhos, quando abordava a repressão so- bre a criança para que ela se adaptasse à vida social, Freud considera- A Psicanálise, enfim, pode contribuir com a educação delimitan- va secundário o papel do educador. Em 1918, colocou que a dissi- do uma de suas tarefas: conseguir o equilíbrio usando sua autoridade mulação dos adultos no trato com a sexualidade levava as crianças à neurose ou à perversão. Defendeu a educação sexual da criança, ressal- na correção educativa necessária, mas não de forma excessiva. tando que se deveria responder a todas as suas perguntas, e assinalou O presente espaço é evidentemente exíguo para um debate mais que um dos erros mais prejudiciais, pelo perigo de levar à neurose, é aprofundado dessa questão. Aliás, uma questão que pela sua comple- ocultar da criança a realidade sobre a sexualidade e amedrontá-la com xidade e importância mereceria um olhar mais atento dos estudiosos, argumentos religiosos. seja da Psicanálise, seja da Educação. Embora tenha privilegiado a educação em função da sexualida- de, segundo Calero em 1911 Freud começa a insistir em uma "educa- ção para a realidade". Ou seja, a Educação deveria ser considerada I.7.5 A EDUCAÇÃO E os IMPULSOS PARCIAIS um estímulo para a submissão do princípio do prazer ao princípio da realidade. Uma educação para a realidade teria como objetivo impe- Uma vez que a possibilidade de suprimir os impulsos parciais, dir o homem de permanecer na infância levando-o a enfrentar a vida, além de inútil, pode levar à neurose, é importante que o educador a dura "vida inimiga". saiba utilizar a energia desses impulsos. No caso do olhar do voyeur, Outra tarefa do educador seria conseguir um equilíbrio justo en- é preciso conduzi-lo para que possa contemplar o mundo e os objetos tre a permissão e a proibição, isto é, sacrificar o mínimo de prazer a sua volta, compreendê-los e estabelecer um novo saber que permita sem entrar em choque com as exigências da sociedade.40 Introdução à Psicologia da Educação I A Contribuição da à Educação 41 I.7.6 PSICOPEDAGOGIA E PSICANÁLISE e no contato com o meio ocorre a evolução de cada uma e do sistema estabelecido. Para ele, a análise do interjogo construído pelas duas di- O termo Psicopedagogia é usado, comumente, em português, mensões é fundamental, pois fornece subsídios para a compreensão da francês e espanhol para referir-se à psicologia dos processos ligados à singularidade dos processos de aprendizagem de cada indivíduo. aprendizagem e ao ensino. Não há um termo correspondente em in- glês, apenas designações como Psicologia Educacional, Psicologia do Sara Pain, por sua vez, apresenta uma proposta de trabalho sobre Ensino, Psicologia da Aprendizagem etc. problemas de aprendizagem fundamentada e articulada sobre três teo- rias: a Psicanálise, a teoria piagetiana e o materialismo dialético. Segundo a Associação Brasileira de Psicopedagogia esta Considera a participação do inconsciente na construção do conheci- é entendida como a área que estuda e lida com o processo de apren- mento. Essa participação constitui nada mais que a articulação do de- dizagem e suas dificuldades. sejo e do conhecimento, um mecanismo afetivo que o indivíduo em funcionamento. A dificuldade de aprendizagem é vista como sin- A Psicopedagogia tem sua origem, no Brasil, na fragmentação toma e, dessa forma, cumpre uma função positiva e integrativa dentro da educação a Pedagogia de um lado e a Psicologia do outro em da estrutura total da situação pessoal. não-aprender, portanto, não decorrência da própria extensão do processo educacional, o que levou se configura como o oposto do aprender. Para lidar com a dificuldade ao surgimento de diferentes ciências aplicadas à educação, como So- de aprendizagem, sua proposta é inter-relacionar os aspectos orgâni- ciologia da Educação, Psicologia da Educação etc. cos, intelectuais e o desejo do sujeito, este visto como um ser históri- Seu objeto de estudo é a pessoa a ser educada, seus processos de Busca nos esquemas propostos pela teoria psicogenética de Piaget aprendizagem e as alterações de tais processos, visando a resolver proble- auxílio para estudar as operações lógicas e na Psicanálise, subsídios mas de aprendizagem mediante o atendimento individual e terapêutico, da ordem de significação. tendo o profissional uma atuação remediativa. Ampliou-se, porém, seu As descobertas psicanalíticas como o inconsciente e a pulsão de objeto de estudo para uma realidade institucional, como a escolar, a hos- morte são incompatíveis com a Pedagogia. Na medida em que o in- pitalar e a da comunidade, atingindo diferentes faixas etárias e de consciente implica o imprevisível, o imponderável e a falta de con- escolarização, tanto em atuação remediativa quanto preventiva. trole, impede a criação de uma metodologia Em seu campo teórico, há inúmeras abordagens acerca das difi- ca, a qual requer ordem, estabilidade e previsibilidade. A noção de culdades de aprendizagem. Nesse contexto, visualizamos a contribui- inconsciente nos mostra que, embora o educador possa organizar seu ção da Psicanálise em algumas delas. Citaremos dois autores, repre- conhecimento, ele não tem controle sobre o efeito que produz sobre sentantes da abordagem afetivo-cognitiva, talvez os mais difundidos seus alunos, mais especificamente, não tem acesso às repercussões e discutidos, que buscam na Psicanálise subsídios para a compreen- inconscientes de tudo que ensina. são dos problemas de aprendizagem: Jorge Visca e Sara Pain. Contudo, podemos dizer que a Psicanálise abre um novo olhar Jorge Visca elaborou a abordagem teórico-técnica denominada sobre o aluno, um ser que tem subjetividade e desejo, um ser cujas Epistemologia Convergente, uma integração das teorias de Piaget, da manifestações, muitas vezes de difícil aceitação, têm seus significa- Psicanálise e da Psicologia Social de Enrique Pichon-Rivière, para dos, da mesma forma que seus sintomas de não-aprender. Além disso, conceituar aprendizagem e suas dificuldades. Por meio dela procura a Psicanálise possibilita compreender certas dificuldades do aluno, na compreender a participação dos aspectos afetivos, cognitivos e do meio medida em que dá a conhecer o processo de desenvolvimento de sua que convergem no processo de aprendizagem do ser humano. Ou seja, personalidade. articula as dimensões afetiva e cognitiva como constituintes de um sis- Ao educador ela possibilita reavaliar suas atitudes, suas práticas tema único, no qual há constante interjogo entre essas duas dimensões do cotidiano da sala de aula e sua concepção acerca da aprendizagemà Psicologia da Educação A Contribuição da Psicanalise à Educação 43 e serve para lembrá-lo de que possui os mesmos aparatos psicológi- Fase anal segunda fase da organização da libido, na qual a prima- cos do aprendiz. processo de aprendizagem envolve, assim, um en- zia do prazer se encontra no ânus. contro do desejo de ensinar do professor com o desejo de aprender do Fase fálica terceira fase da organização da libido, na qual o pênis é aluno. Nessa perspectiva, a transferência que ocorre na relação aluno- o objeto de interesse das crianças de ambos os sexos. Fálico origi- professor é fundamental. na-se de falo, que significa pênis. Fase oral primeira fase da organização da libido, na qual a zona oral (boca, lábios, língua) desempenha o papel principal. EXERCÍCIOS Fim sexual ato a que o impulso conduz. 1) Quais são os pressupostos básicos da teoria psicanalítica? Fixação permanência de uma pessoa em um estágio de desenvolvi- mento primitivo pelo fato de o estágio seguinte estar carregado de 2) Qual a função das três estruturas (o id, o ego e o superego) da ansiedade. personalidade? Formação reativa mecanismo de defesa pelo qual um impulso ou 3) Explique as relações entre id, ego e superego. sentimento que produz ansiedade é substituído pelo seu oposto. 4) Observe uma criança nas fases oral e anal e apresente suas consi- Id - é o pólo instintivo ou pulsional da personalidade, dentro do qual derações. se diferenciam o ego e o superego. Seu conteúdo é inconsciente, podendo ser hereditário ou recalcado. 5) Dê dois exemplos dos seguintes mecanismos de defesa: projeção, repressão e formação reativa. Identificação processo de tornar-se semelhante a alguém ou a algo em relação a aspectos de comportamento ou pensamento. 6) Extraia da relação entre o id, o ego e o superego, bem como das tensões e conflitos produzidos pela libido, situações que podem Inconsciente é o local das representações reprimidas ou das pulsões ser aplicadas na concepção e prática educacionais. ou impulsos instintivos. Instinto (impulso instintivo ou pulsão) é a representação mental, no id, de uma fonte somatória de excitação. Os instintos compõem GLOSSÁRIO a soma total de energia psíquica e impulsionam o comportamen- to, determinando a direção que ele deve tomar. Agressividade em sentido restrito designa o comportamento hostil, Instintos de morte (pulsões de morte) são pulsões que se contra- destrutivo. Para a Psicanálise é a manifestação do instinto de às pulsões de vida e tendem a reconduzir o ser vivo ao es- morte. tado inorgânico. Quando voltadas para o interior tendem à autodestruição e quando dirigidas para o exterior manifestam-se Consciente é uma qualidade mental e envolve todos os conteúdos sob a forma de agressividade e hostilidade. que são perceptíveis. É tudo aquilo que é conhecido. Instintos de vida (pulsões de vida) são os instintos que servem Deslocamento consiste em deslocar o sentimento ou a ação para outro para a autoconservação e perpetuação da espécie e que se contra- objeto diferente do original. Exemplo: a hostilidade em relação ao às pulsões de morte. chefe pode ser deslocada para um funcionário subalterno. Libido é a designação de energia sexual, ou seja, é a energia que Ego é uma das estruturas da personalidade que se origina do id constitui o substrato das transformações dos impulsos sexuais. mediante o contato com o meio externo. É o segundo sistema a se desenvolver na personalidade da pessoa e age como intermediário Mecanismo de defesa consiste nas maneiras de o psiquismo se pro- entre o id e as exigências do superego e do ambiente. teger de ameaças. São os mecanismos psicológicos utilizados para diminuir a angústia originada por conflitos interiores.44 Introdução à Psicologia da Educação Capítulo I A Contribuição da Psicanalise à Educação 45 Narcisismo - consiste no amor excessivo a si mesmo. Para a Psica- Repressão (recalque) - é o mecanismo pelo qual o indivíduo procu- nálise é quando toda a energia da libido é investida sobre o "eu". ra reter no inconsciente representações ligadas a um instinto ou Negação - mecanismo de defesa contra a angústia que consiste em pulsão. negar a evidência. Por esse mecanismo o indivíduo se recusa a Sexualidade - conjunto de fenômenos da vida sexual. Os psicanalistas reconhecer fatos reais penosos ou que provocam ansiedades, trans- distinguem a genitalidade, conjunto de características ligadas aos formando-os em fatos imaginários. órgãos de cópula, da sexualidade, estendida ao amor em geral. Objeto termo utilizado para nomear pessoas ou coisas do ambiente Sublimação desvio de um impulso de seus objetivos diretamente externo, animadas ou não, que são psicologicamente significati- sexuais para fins socialmente úteis. vas para a vida psíquica do indivíduo. Superego - é o terceiro sistema estrutural da personalidade. Represen- Objeto sexual pessoa ou coisa que exerce atração sexual. ta as restrições sociais internalizadas e exerce a tarefa de censor das Perversão - desvios em relação ao fim ou ao objeto sexual. funções do ego, que bloqueia os impulsos ou pulsões do id. Pré-consciente - é o intermediário entre o inconsciente e o conscien- Supressão - é o mecanismo pelo qual os conteúdos da pré-consciên- te. Contém representações que podem se tornar conscientes se a cia são afastados da consciência. atenção se voltar para elas. Transferência - processo psicológico que consiste em transferir para Princípio da realidade é o princípio pelo qual o ego opera, suspen- pessoas ou objetos aparentemente neutros emoções e atitudes que dendo temporariamente a descarga de tensão (princípio do prazer) existem no indivíduo desde a infância. Na terapia psicanalítica, a até que seja encontrado um objeto apropriado para a satisfação da transferência é essencial para a cura. Trata-se de uma relação necessidade. afetiva particular que o paciente estabelece com o terapeuta para Princípio do prazer - é o princípio pelo qual o ego opera, reduzindo reviver suas experiências passadas. a tensão. Processo primário - é o processo pelo qual o id realiza seu objetivo de evitar a dor e obter prazer (princípio do prazer), formando a REFERÊNCIAS representação mental de um objeto que removerá a tensão. É o processo que caracteriza o sistema inconsciente. BALDWIN, A. L. Teorias de desenvolvimento da criança. São Paulo: Pioneira, 1973. Processo secundário é o processo pelo qual o ego opera, orientado pela realidade. É o pensamento realista. É o processo que caracte- BIAGGIO, A. M. B. Psicologia do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1983. riza o sistema BRENNER, C. Noções básicas de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1969. Projeção - mecanismo de defesa que consiste em atribuir inconscien- CALERO, A. Notas sobre la concepcion de la educacion en Freud. Cadernos de temente a outros e perceber no mundo externo suas próprias pulsões e seus conflitos interiores. Psicologia. V. XI, n. 1, 1990, p. 79-92. Racionalização - explicações racionais para justificar ações de ori- CHAUÍ, M. Repressão sexual. São Paulo: Brasiliense, 1984. gem emocional. FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Lisboa: Livros do Bra- Regressão - retorno às atitudes e condutas características de um está- sil, s.d. gio anterior de A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1969. Relações de objeto refere-se à atitude ou conduta do indivíduo em Dois verbetes de enciclopédia. Rio de Janeiro: Imago, 1969. relação aos objetos. HALL, C.S. & LINDZEY, G. Teorias da personalidade. São Paulo: EPU/Edusp, 1973.

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