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Fernando Ortiz A Filosofia Penal dos Espítas Estudo de Filosofia Jurídica

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FERNANDO ORTIZ
Professor da Universidade de Havana
u
A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITAS
ESTUDO DE FILOSOFIA JURÍDICA
S Ã O P A U L O
FERNANDO ORTIZ
Professor da Universidade de Havana 
*
A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITAS
ESTUDO DE FILOSOFIA JURÍDICA
T R A D U Ç Ã O D E CARLOS IMBASSAHY 
★
R. RIACHUELO, 108 — SÃO PAULO
\
A memória de César Lombroso
11835-1909)
Apresentação 1
Prefácio 2
Ao leitor 4
I — Objeto deste estudo 12
II — As bases ideológicas do espiritismo 16
III — As leis da evolução anímica 29
IV — O delito 34
V — Determinismo e livre-arbítrio 37
VI — A questão nos textos de Allan Kardec 45
VII — Os fatores da delinquência 61
VIII — Caracteres anatômicos do criminoso 66
IX — O homem criminoso 79
X — Atavismo dos criminosos 81
XI — A hereditariedade criminal 85
XII — Classes de criminosos 94
XIII — A escala dos espíritos 105
XIV — Os fatores cósmicos 116
XV — Os fatores sociais 119
XVI — Epidemias delituosas 135
XVII — Substitutivos penais 138
XVIII — Fundamento da responsabilidade 140
XIX — Fundamento da pena 145
XX — Os incorrigíveis 148
XXI — A pena de morte 151
XXII — Não há penas eternas ou perpétuas 156
XXIII — O código penal de além-túmulo 168
XXIV — A pena de talião 183
XXV — A condenação condicional 195
XXVI — A sentença indeterminada 198
XXVII — A reparação do dano pessoal 199
XXVIII — Lombrosianismo criminal e espiritismo penal 202
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 1
APRESENTAÇÃO
Esta obra, que o Pense disponibi­liza agora em versão digital, é um 
dos grandes clássicos do pensamen­
to social espírita. Trata-se de um livro 
essencial na estante de qualquer 
estudioso da filosofia espírita e da 
jurisprudência.
O autor, o escritor e antropólogo 
cubano Fernando Ortiz Fernández, 
deixa bem claro logo no início do livro 
que não é espírita, fato esse que lhe 
dá uma isenção filosófica que pode 
ser conferida na leitura desse amplo 
estudo quer faz acerca da filosofia 
penal espírita, confrontando-a com 
várias correntes filosóficas.
■ A puntes para un estudio crim inal: ■ Los negros brujos (1906); ■ Los negros esclavos (1916);
■ Los cabildos a frocubanos (1921); ■ H istoria de la arqueología indocubana (1922);
■ G losario de afronegrism os (1924); ■ Martí y las razas (1942); ■ El engano de las razas (1946);
■ El huracán, su m ito log ia y sus sím bolos (1947); ■ La filosofia penal de los espiritistas (1951); 
P ó s tu m a s - ■ Hampa afro-cubana... Los negros curros (1986); ■ La santería y la brujería de los 
blancos (2000); ■ Culecció d'els mal-noms de Ciutadélla (2000); ■ Visiones sobre Lam (2002).
Fonte: Fundación Fernando Ortiz - http://www.fundacionfemandoortiz.ory
Antropólogo, etnólogo, sociólogo, 
jurista e linguista, Ortiz é cubano, 
nascido em 16 de julho de 1881. É 
considerado um dos maiores intelec­
tuais da América Latina. Escreveu 
mais de 100 obras sobre os mais 
variados assuntos. Dotado de uma pro­
digiosa cultura geral, foi professor uni­
versitário, fundador de várias institui­
ções culturais e uma das maiores autori­
dades no estudo da cultura africana. 
Desencarnou em 1969.
Escrito em 1951, o livro foi traduzido 
pelo escritor e pensador espírita Carlos 
Imbassahy e aqui lançado no mesmo 
ano pela editora LAKE.
W
<
CQ
O
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 2
P R E F Á C I O
Fernando Ortiz e a criminologia moderna
Deolindo Amorim
(Da S o c ie d a d e B ra s ile ira de F ilo so fia )
A evolução da criminologia ampliou muito a perspectiva dos 
estudos inerentes à delinqüência. A nteriorm ente, ainda que se 
tivesse a intuição do problema criminal em suas relações com 
as ciências sociais, apenas os especialistas, divididos em grupos, 
segundo as escolas tradicionais e suas tendências doutrinárias, 
se preocupavam com as questões atinentes à criminologia, cujo 
campo não tinha, como tem hoje, tanta elasticidade. O prob le­
ma criminal, a bem dizer, era assunto exclusivo dos juristas e, 
como especialização, dos estudiosos do direito penal. Hoje, p o ­
rém, a não ser quanto à técnica do direito penal, que exige, é 
claro, cultura especializada, o problema criminal interessa tanto 
ao penalista, como ao sociólogo, ao jornalista, ao teólogo. Não 
há quem não deseje, em sã consciência, uma sociedade melhor.
Como decorrência desta proposição, diversos tipos de pesquisa 
convergem para o problem a criminal, porque o índice de crim i­
nalidade, tanto em alta como em baixa escala, é um reflexo das 
condições sociais. Não se pode estudar um a sociedade, sob o 
ponto de vista do com portam ento humano em face dos fenôme­
nos sociais, sem conhecer a posição de seu coeficiente criminal, 
quais os fatores que preponderam no aumento ou na diminuição 
dos delitos, assim como o seu sistema de sanções e prevenção. 
Sob este aspecto, a criminologia já não pode mais ser um depar­
tam ento indevassável, fechado à curiosidade dos que, não sendo 
especialistas em m atéria criminal, são obrigados, por força de 
outros estudos, a fazer incursões na seara dos penalistas. Quem 
estuda, por exemplo, a organização social, os costumes, as re a ­
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz
ções dos grupos humanos, ainda que o faça do ângulo puram ente 
sociológico, não pode deixar de tocar em determ inadas teses de 
direito penal, principalm ente quanto à figura do criminoso, con­
siderado em relação às influências mórbidas ou mesológicas.
Fora da esfera profissional, demarcada pelos limites a que 
estão circunscritos os diversos ram os de atividade, não há, p re ­
sentem ente, a rigor, o que se possa chamar assunto im penetrá­
vel, um a vez que a cultura geral se aplica à solução de muitos 
problem as em cuja discussão se encontram criminalistas, educa­
dores, m oralistas, homens públicos, técnicos etc. Claro é, p o r­
tanto, que a criminologia, sobre ser um campo vastíssimo e com­
plexo, comporta estudos especiais, luz de prism as novos, n a tu ­
ralm ente estranhos às velhas escolas penais: clássica, positiva e 
sociológica. Todavia o direito terá sempre uma técnica própria, 
como a sociologia, a psicologia etc., sem que deixe de haver 
entrosam ento entre as ciências. A própria ciência penal m oder­
na já se desvencilhou muito do tradicionalismo acadêmico, em 
consequência do ecletismo, fenômeno que também se verifica nos 
círculos de outras ciências, como reação, aliás inevitável, a tudo 
quanto se transform e em cristalização ou estagnação das ideias.
Sob estas premissas, o direito penal também pode ser encarado 
por aspectos novos, desde que através de tais aspectos algumas 
questões, ainda sujeitas a discussão, venham a ser de algum 
modo elucidadas. A ciência, em qualquer de seus ramos, não p o ­
de rejeitar contribuições honestas, seja qual for a crença ou a 
orientação filosófica daquele que, inspirado no desejo de p ro ­
curar a verdade, se propõe a aum entar o patrim ônio científico 
da hum anidade com alguma observação ou experiência pessoal.
O professor Fernando Ortiz, da Universidade de Havana, é 
um revolucionário em m atéria penal. Que o diga, logo à p r i­
meira vista, o título de um de seus livros, publicado há pouco, 
na A rgentina, pela Editorial Victor Hugo, de Buenos A ires: 
La F ilosofia Penal de Los E sp ir itistas . É, como diz o subtítulo, 
u m e s tu d o de f i lo s o f ia ju r íd i c a , n ã o é u m a a p o lo g ia ou 
um a c rític a do esp iritism o sob o aspecto fenom enológ ico ou 
religioso. Diga-se, desde já, que Fernando Ortiz não é espiritis- 
ta . Pretende ele, porém, colocado simplesmente na posição de 
criminalista, aliás avançado senão corajoso, m ostrar que a filo­
sofia espírita pode esclarecer alguns aspectos da criminologia 
moderna. A atitude é arrojada, mas não é, comoparece, fruto
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 4
do arrebatam ento ou da imaginação. O trabalho de Fernando 
Ortiz não pode ser condenado como heresia jurídica, porque está 
bem condensado, embora defenda uma tese capaz, até, de p ro ­
vocar escândalo entre ju ristas pouco familiarizados com os te ­
mas da metapsíquica ou do espiritismo. Na América Latina, ao 
que parece, é a prim eira vez que um crim inalista se dispõe, ac i­
ma de preconceitos religiosos ou de convencionalismos acadêm i­
cos, a discutir princípios da ciência penal à luz do espiritismo. A
tese de Fernando Ortiz poderá ser discutida e, por fim, re je i­
tada, mas a verdade é que o seu livro deve ser lido pelos crim i- 
nalistas, porque põe em foco um tem a inteiram ente novo em di­
reito penal. Que relação tem o direito penal com o espiritism o? 
É justam ente neste ponto que está a originalidade do livro. Não 
se trata, porém, de uma originalidade estravagante ou de uma 
das m uitas "criações cerebrinas" de nosso século: tra ta-se de um 
estudo filosófico, de um confronto prudente e desapaixonado en ­
tre Lombroso e Kardec. Trabalhos de tal ordem não devem ser 
criticados a priori, apesar do espanto que possa causar tal ap ro ­
ximação, embora Lombroso tenha dado testem unho público de 
convicção a respeito dos fenômenos espíritas.
Diz Fernando Ortiz:
"O espiritismo pode chegar na magnitude de sua con­
cepção evolucionista a um atavismo mais radical, e com
o qual não sonhou o gênio de Lombroso, o atavismo in­
terp lanetário ."
Fernando Ortiz toma por base precisam ente o livro que 
contém a parte filosófica do espiritism o: O Livro dos Espíri­
to s . Sem fazer profissão de fé, sem querer, po rtan to , form ar 
nas file iras dos d iscípu los de A llan K ardec, o ilu stre p ro ­
fessor cubano, que já publicou, entre outros trabalhos especia­
lizados, La criminalita dei negri in Cuba no "Arquivo de P si­
quiatria e Medicina Legal e Antropologia", e Supertizioni Cri- 
minose, Turin, não nega o atavismo criminal, mas recorre à fi­
losofia espírita para esclarecer a questão. Fá-lo com im par­
cialidade, com a isenção espiritual de todos os homens infensos 
a dogmatismos de qualquer espécie. Argum enta Fernando Or- 
tiz: já se compreenderá facilmente como o evolucionismo espí­
rita pode explicar a herança moral, comprovada cientifica­
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 5
mente até certo ponto pela antropologia. Os antropologistas fi­
liados à escola m aterialista procuram explicar as anomalias 
psíquicas pela constituição somática, o que leva o crim inalista 
a um círculo muito acanhado, porque há, como se sabe, dege- 
nerescências morais que não apresentam qualquer indício de 
anorm alidade física. Não se vai, com isto, ao extremo de dizer 
que as aberrações físicas do tipo lombrosiano não sejam a ex ­
pressão evidente, na maioria dos casos, de anorm alidades p s í­
quicas. Entretanto, a predisposição criminal pode ser explica­
da pelos antecedentes espirituais do indivíduo. Este ponto é 
muito transcendental ou metafísico, mas não deve ser despre­
zado quando se procura, como no caso de Ortiz, estabelecer 
paralelo entre o estado moral do criminoso e as suas caracte­
rísticas físicas. Existe, de fato, relação entre o estado moral 
e o estado físico? Sob este aspecto, a tese de Ortiz inclina-se 
para a solução espírita: o estado moral vem da inferioridade do 
espírito, não procede, portanto , de causas orgânicas. Neste caso, 
segundo a tese espírita, as deformações do corpo, as fisionomias 
m onstruosas e outras chamadas "aberrações da natu reza" têm 
certa relação com a vida espiritual, com aquilo que poderíamos 
chamar a vida pregressa do espírito em anteriores existências. 
Tais deformações, pelo princípio da reencarnação, defendido por 
A llan Kardec, são efeitos e não causas. O livro de Ortiz estuda 
a criminologia m oderna precisam ente sob este ponto de vista. 
Daí a associação aparentem ente inexplicável de Lombroso e 
Kardec no livro do crim inalista cubano. Resta, porém, exam i­
nar a questão sem qualquer ideia preconcebida. Lê-se, em La 
Filosofia Penal de los Espiritistas, pág. 56:
"Se é certo que a ciência descobriu que a herança psi­
cológica existe, demonstrando a persistência de caracteres 
nas mesmas famílias e até nos mesmos povos através do 
tempo e de gerações, também é certo que as leis da he­
rança não estão descobertas como o está o fenômeno."
Para esclarecer a questão, fora do círculo, já conhecido, 
das escolas penais, o prof. Ortiz recorre à filosofia espírita, com 
o que corrobora o seu pensam ento. Apóia-se ele no seguinte p r in ­
cípio da codificação doutrinária de Allan Kardec: "Com frequên­
cia, os pais transm item aos filhos a semelhança física. Transm i­
tem eles também a semelhança moral ?" Resposta:
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 6
"Não, porque têm almas ou espíritos diferentes. O corpo 
procede do corpo, porém o espírito procede do espírito.
Entre os descendentes de uma raça não existe mais do que 
consanguinidade."
As qualidades morais residem no espírito, e não podem ser 
transm itidas pelos caracteres somáticos. Basta verificar, na p rá ­
tica, o que ocorre em diversas famílias: pais, filhos, e irmãos com 
inclinações e graus de moralidade muito diferentes uns dos ou­
tros. A hereditariedade não explica este fenômeno. A história 
do Brasil tem um exemplo frisante no contraste psicológico entre 
Pedro I e Pedro II. Admite-se a influência, aliás relativa, de cer­
tas pecualiaridades ancestrais no tem peram ento, no caráter do 
indivíduo, mas daí não se infere que todo o processo de form a­
ção e desenvolvimento de suas qualidades psicológico-morais 
obedeça, de modo absoluto, à sequência das vias hereditárias. 
O autor de La F iloso fia Penal de los E sp iritistas p refere , neste 
particular, a tese espírita, apoiada, aliás, no processo reencar- 
nacionista. A cor e a raça não têm influência no estado moral, 
porque a superioridade ou inferioridade do homem está no es­
pírito. Este princípio, defendido por Allan Kardec, é aceito, 
hoje, por eminentes pesquisadores, inclusive aqueles que, co­
mo o nosso ilustre e saudoso A rtur Ramos, que teve ocasião de 
citar o prof. Ortiz, não se filiam a qualquer pensam ento re li­
gioso. Allan Kardec não era especialista em antropologia, mas 
a verdade é que as suas ideias contrárias ao preconceito racial, 
sustentadas na segunda m etade do século 19, coincidem com 
o que afirmam, nos dias atuais, verdadeiras expressões desta 
ciência.
A rtur Ramos, como se sabe, nunca se revelou simpático ao 
espiritismo. E ntretanto a sua grandiosa e hum anitária cam ­
panha contra o preconceito de cor, campanha sempre apoiada 
na ciência, nunca inspirada em sentim entalism o ou dem ago­
gia, afirmou exatam ente o princípio de que a superioridade ou 
a inferioridade, tanto do indivíduo como dos grupos, só se afe- 
re pelas qualidades do espírito, e não pela epiderme. Pois bem, 
este mesmo princípio fora sustentado por Allan Kardec, no 
século passado. O prof. Ortiz verificou, assim, o que os an tro ­
pólogos ainda não verificaram : o espiritismo é um a doutrina 
fundamentalmente contrária ao preconceito de cor, tanto por
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz
sua organização filosófica, como por suas conseqüências m o­
rais. No embasamento de sua filosofia, o espiritismo vincula 
alguns aspectos positivos do problem a criminal aos anteceden­
tes espirituais do criminoso. Diante deste postulado, torna-se 
discutível, assume outro caráter a figura do criminoso nato. É 
aqui, precisamente neste ponto, que está a parte nevrálgica do 
livro de Fernando Ortiz. O criminoso nato, segundo adoutrina 
espírita, é um doente do espírito, é um indivíduo que traz, de 
seu passado espiritual, um acervo de culpas e mazelas morais. 
Logo, dentro desta tese, o instinto criminal não tem a sua fon­
te nas deficiências orgânicas, embora estas (efeitos e não cau­
sas) tenham influência nas paixões como nas atitudes. Por ou­
tras palavras, isto significa nada mais nada menos que a p re ­
disposição criminal é uma degenerescência de origem moral, 
nunca de origem física. Tendo partido deste ponto, F e rn an ­
do Ortiz vê a escola de Lombroso dentro de um campo muito 
maior e mais claro. Faltou ao glorioso criminalista e psiqu ia­
tra italiano, m estre consagrado, um passo para subir da evo­
lução puram ente hum ana à evolução espiritual.
Fernando Ortiz, escudado em Allan Kardec (O Livro dos E s­
píritos e A G ênese), assim como em Gabriel Delanne (A Evolu - 
ção Aním ica), não nega que haja tipos predispostos ao crime. 
A predisposição, porém, segundo a filosofia espírita, vem do 
espírito. O conceito de criminoso nato, portanto, em face das 
duas teses — a espírita e a lombrosiana — m agistralm ente e s ­
tudadas e d iscu tidas por Fernando O rtiz, não desaparece, tan ­
to mais que Ortiz é um lombrosiano convicto. Entretanto, o t r a ­
balho de Ortiz dilata a visão geral do problema, não apenas 
em relação à escola positiva, mas em relação, também, às ou­
tras escolas.
O fato de haver criminoso nato (escola positiva) não leva 
ao determinismo biológico. Foi sob este ponto de vista, espe­
cialmente, que Ortiz estudou o assunto à luz do espiritismo. 
Sendo a tendência criminal um defeito do espírito, m uitas ve­
zes ligado a causas rem otas, através de outras existências (p rin ­
cipio reencarnacionista) a regeneração espiritual, por meio da 
educação e da reform a de costumes, pode modificar o com por­
tamento do delinquente nato. Esta proposição exclui, como se 
vê, o determinismo absoluto. O determinismo sociológico tam ­
bém não se harmoniza com a doutrina espírita, porque nem
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz
sempre o criminoso é um escravo do meio social. O indivíduo 
liberta-se das influências sociais, da imposição do meio à p ro ­
porção que vai fazendo m elhor uso de seu livre-arbítrio. Não 
se pense, porém, que a filosofia penal do espiritismo cai na e s ­
cola clássica. Aliás, Fernando Ortiz passa tam bém por esta e s ­
cola em seu interessante livro. O livre-arbítrio — afirma a 
doutrina espírita — não é absoluto, porque depende da ele­
vação do espírito. Logo, perante o espiritismo, é falso o p r in ­
cípio de que o criminoso é sempre responsável, porque é livre, 
tem vontade própria. A liberdade está na razão direta do
adiantam ento espiritual, cuja base é a reforma moral do in ­
divíduo. Por todos estes motivos, o livro de Fernando Ortiz 
merece a atenção dos penalistas, dos homens emancipados, que 
não têm receio de tom ar conhecimento de qualquer discussão. 
A ssim, pois, A Filosofia P en a l de los E sp iritis ta s, publicado, ago­
ra, em português, pela livraria "Allan Kardec", de São Paulo 
(tradução de Carlos Imbassahy) é um livro discutível, não há 
dúvida, mas é um livro sério, profundo e avançado.
G A Z E T A J U D IC IÁ R IA - R io d e J a n e ir o , 31 de m a io d e 1951
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 9
A O L E I T O R
Há quatro lustros, nas aulas de minha muito que­
rida Universidade de Havana, cursava eu os estudos de di­
reito penal, no programa do professor González Lanuza, 
naquela época o mais científico nos domínios espanhóis; 
iniciava-me, então, nas ideias do positivismo criminoló- 
gico e intercalava, nessas leituras escolares, obras m ui­
to alheias à universidade, obras essas que o acaso punha 
ao meu alcance ou que minha curiosidade investigadora 
buscava com fervor.
Entre estas últimas estavam as leituras religiosas, 
que ainda agora me produzem especial deleite e me des­
pertam no ânimo singular interesse. Foi, então, que co­
nheci os livros fundamentais do espiritismo, escritos por 
Hippolite Léon Denizard Rivail, ou seja, Allan Kardec, 
como lhe aprazia chamar-se, revivendo o nome com que, 
segundo dizia, fo i conhecido no mundo, em encarnação 
anterior nos tempos druídicos.
A simultaneidade dos estudos universitários sobre 
criminologia com os acidentados estudos filosóficos acer­
ca da doutrina espírita, fez com que o entusiasmo em mim,
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 10
despertado pelas teorias lombrosianas e ferrianas, me le­
vasse a investigar especialmente o modo por que pensa­
va a propósito dos mesmos problemas penais aquele in­
teressante francês, que ousava apresentar-se como um 
druida redivivo.
Logo que minha mente tomou essa direção, percebi, 
não sem alguma surpresa, que o materialismo lombrosia- 
no e o espiritismo de Allan Kardec coincidiam notavel­
mente, em não poucos lugares; que, partindo de premis­
sas materialistas, e conduzidos pelo mais franco positi­
vismo, ou tomados de conceitos espiritualistas e levados 
pelo mais sutil idealismo, poderíamos chegar às mesmas 
teorias criminológicas.
Tomei, então, alguns apontamentos, e não poucas no­
tas marginais deixei nos livros que li naqueles dias dis­
tantes; meu trabalho mental, porém, não passou daí. Ou­
tros estudos e outras necessidades, primeiro acadêmicas, 
depois profissionais, distrairam-me desse curioso tema, 
embora não o esquecesse. Anos depois, em 1905, pude, 
na Itália, fa lar incidentemente a Lombroso da curiosa 
coincidência de suas principais teorias penais com as dos 
espíritas. Ele me prometeu que redigiria, sobre esse as­
sunto , um t raba lho p a r a o seu A rch ivo di Ps ichia tr ia ; 
mas, a minha ausência da Itália, os vaivéns da vida, e a 
morte do mestre da criminologia contemporânea, fize­
ram-me suspender, descuidar, olvidar quase aquele meu 
compromisso; finalmante, quando professor da Faculda­
de de Direito da Universidade de Havana, fu i designado, 
em 1911, para pronunciar o discurso regular com que
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 11
anualmente se inaugura a academia teórico-prática da 
faculdade.
Toquei, então, no tema, dando-lhe forma de discur­
so, e o li naquela sessão; mas a pressa com que fo i prepa­
rado e meu natural desejo de retocar o trabalho, impe­
diram sua publicação.
Enfim, vê ele agora a luz; documentado pelas pági­
nas dos livros originais de Allan Kardec, este tema, novo 
e virgem, como creio, de todo trato público com os es­
tudiosos da filosofia do direito, aqui aparece, evocador 
dos meus longínquos dias de estudante, graças à genero­
sa insistência do p ro f J. A. González Lanuza, o neófito 
decano da Faculdade Havanesa, e do prof. A. S. Busta- 
mante, o sábio catedrático da mesma faculdade, diretor 
da "Revista Jurídica".
A esses, a expressão do meu reconhecimento, e ao 
leitor o pedido de indulgência, de serenidade de julga­
mento, e de seriedade em sua intenção, visto que, nos 
dias em que vivemos, por estas terras de recente passa­
do colonial, nada mais frequente que a crítica desapieda- 
da, que a condenação apriorística e a falta de atenção, 
quando se nos apresenta qualquer tema filosófico, o qual, 
direta ou indiretamente, nos traça o mais transcenden­
tal problema da vida e o da filosofia da morte.
FERNANDO ORTIZ
Professor na Universidade de Havana
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 12
I 
OBJETO DESTE ESTUDO
Não sou espírita.
Nem sou também dos que opinam como a q u e ­
le biólogo ilustre, que declarava a William James: 
a inda que as provas científicas da telepatia e dos 
demais fenômenos anímicos fossem concludentes e 
demonstrativas,os homens de ciência deveriam fi­
car de acordo p a ra faze-las desaparecer, pois que 
tais fenômenos transtornariam as leis da natureza, 
das quais não podem prescindir os sábios p a ra con­
tinuar suas investigações.
Não creio, pois, na intangibil idade dos dogma- 
tismos, a inda quando lhes chamem científicos; por 
fortuna, porém, até hoje, a razão que me afastou 
de outros credos religiosos, os quais a temorizaram 
minha infância, impede-me de aderir ao dos espí­
ritas, apesar da doçura de sua mística e do suges­
tivo progresso de sua concepção religiosa.
Não admito, nem repilo, nem sequer discuto os 
princípios da filosofia espírita; nem mesmo analiso 
e critico os fenômenos supranormais que os espíri­
tas chamam de medianímicos e que Richet chamou 
de metapsíquicos, pois prescindo deles em absolu­
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 13
to. Limito-me a recordar as ideias nas quais os 
espíritas, especialmente Allan Kardec, seu apósto­
lo, cristalizam suas crenças acerca da criminologia, 
que poderíamos chamar cósmica ou universal , e 
compará-las com outras cristalizações filosóficas de 
criminologia h um ana do nosso mundo.
Apresso-me a esta negação rotunda, em come­
ço a este trabalho, pa ra que não se veja nele a obra 
de um sectário, nem a de um propagandis ta , nem a 
de um impugnador fanatizado, senão a tarefa serena 
e fria de quem trata de refletir objetivamente ob­
servações e conclusões de uma das filosofias reli­
giosas modernas mais sugestivas e divulgadas, e 
obtidas pela análise, sob o ponto de vista da crimi- 
nologia ou da filosofia penal.
Penso que tal estudo não se fez até agora e 
que não será inútil conhecer a criminologia espíri­
ta; o estudo dos seus princípios não é mais do que 
um capítulo de outro estudo da filosofia criminal, 
mais amplo e mais frutífero, e, entretanto, virgem 
de qualquer arroteamento científico, qual é o estu­
do da criminologia de Deus de que talvez trate­
mos algum dia. Ou seja, dos princípios criminais 
que a história das religiões vai descobrindo atra­
vés da evolução da ideia religiosa, nos quais se re ­
fletem as crenças sobre o princípio do mal, o deli­
to do homem, o castigo divino, as penas ultratum- 
bas, o purgatório correcional, o clássico inferno per­
pétuo e todos os sistemas teológicos com que, no
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 14
transcurso das idades, se tem querido explicar o di­
reito de castigar, que possuem os deuses , e o fim 
de suas p en as e métodos penitenciários . E, sem 
dúvida, a criminologia teológica é u m a rica mina 
de filões p a r a o estudo da filosofia penal a través 
dos séculos, tão fecunda, acaso, como o exame das 
instituições dos povos e dos códigos penais .
Por outro lado, o e s tu d o da c r im ino log ia do es­
piritismo, dessa crença que p re tendem ser um n o ­
vo avanço da evolução religiosa moderna , religião 
que se quis ap re sen ta r como racional e exper im en­
tal, n e g a d o r a do materia lismo imperante , mas usu- 
frutuária de toda a sua tecnologia, produziu em meu 
ânimo impressões inesperadas , que tentarei r ep ro ­
duzir; não serão menos curiosas as que derivam da 
observação de que muitos dos princípios que p a ­
recem orientar a ciência criminal con tem porânea , 
e s tavam compreendidos em livros anter iores da fi­
losofia espírita; o positivismo criminal de nossos 
dias, que quase poder íamos cham ar de materialis- 
mo penal, chega a afirmações bás icas de teorias, 
perfe itamente explicáveis e m an t idas também pelo 
antitético espiri tualismo, pelo mais radical , acaso 
representado no estádio das ideias modernas , em 
par te ao menos, o espiritismo de Allan Kardec e 
de seus discípulos e continuadores .
Os extremos se tocam, p o d e rá dizer-se, e assim 
acontece em nosso estudo.
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz
Não merecerá , pois, a a tenção do estudioso, 
essa curiosa convergênc ia do materia lismo cientí­
fico e do espiritualismo idealista no campo da cri- 
minologia? E, se porven tura dem ons t rada essa 
convergência , a filosofia não pode r ia descobrir 
coincidências mais transcendenta is? Discutir o 
fundamento do castigo não é discutir o fundamen­
to do bem e do mal, não é discutir a base angular 
de toda a filosofia?
Seja como for, o aspecto criminal do espiritismo 
é suficientemente curioso p a r a merecer um esforço. 
Outras considerações seriam impróprias deste lu­
g a r e por completo fora da finalidade m odes ta des ­
te trabalho.
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 16
II 
AS BASES IDEOLÓGICAS DO ESPIRITISMO
A filosofia espíri ta par te da existência de um 
Ser supremo, Deus, criador de todas as coisas, e da 
exis tência imortal dos espíritos.
O espiritismo se distingue, porém, de outros 
credos religiosos, po rque vem a ser u m a teoria evo- 
lucionista da alma, teoria cer tamente an t iga (1 ) 
m as cuja revivescência m o d e rn a se deve ao espiri­
tismo e à teosofia.
Com efeito, os espíritos são criados imperfeitos, 
e sua existência se desenvolve depois de u m a série 
enorme de p rovas dolorosas que os despertam, que 
lhes fortalecem as faculdades e os e levam até às al­
turas da evolução ps íquica, de m an e i ra que, se ­
gundo os biólogos mate ria li s tas como Sergi, os se ­
res que entram em seu campo de v isual idade , da 
a m e b a aos g ran d es mamíferos, progr idem, t rans­
formam-se e se fazem inteligentes pe la dor que ex­
per imentam, na série imensa de provas , o que supõe 
o contato constante com o meio ambiente.
(1) Bramanistas, budistas, pitagóricos etc. podiam ser citados como 
antigos partidários desta doutrina nascida na Índia.
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 17
O fim do espírito é progredir , ascender, e levar­
-se sempre e acercar-se de Deus. Na história na tu ­
ral dos espíritos não há regressões; pode haver p a ­
radas , si tuações de quie tudes, n u n c a retrocesso.
Para a lcançar esse progresso, o espírito pode 
aproveitar todos os instantes, q ua lquer que seja o 
seu estado, mesmo o da erra tic idade ou de imate- 
ria lização , fora dos m u ndos estelares, ou em um 
estado de encarnação, de trânsito em um mundo 
qua lq u e r dos muitos que se supõe serem habitados.
A v ida do espírito pressupõe, portanto, u m a sé­
rie de ava ta re s em um ou em vários mundos, se­
gundo seu es tado de ad ian tamento ; sua p e r so n a ­
lidade e terna percorre essas t ransmigrações , de for­
ma tangível e material , com o caráter próprio, so- 
freado, ao mesmo tempo, o peso da m até r ia a que 
está l igado o perispírito e contra cuja inércia ética 
te rá que lutar, vencendo-a . E aí está a prova, a 
dor que p r e p a r a a consc iência e é o acicate da 
exper iência, propulsora do progresso.
Essa m etem psicose , dogm a de vár ias religiões 
antigas, é tão longa, segundo os espíritas, que não 
só aprox ima o espírito, por deg raus infinitos, de 
Deus, sem jamais se confundir com ele, como, no 
extremo oposto, essa evolução começa, p a r a os 
ev o lu c io n is ta s d a a l m a , d a s fo rm as m a i s r u d i m e n ­
tares e primitivas do espírito, quase me a trever ia a 
dizer; desde os espíritos infinitamente imperfeitos, 
desde os micro-espíritos, p a ra seguir a escala ascen­
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 18
dente, até as formas mais e levadas dos espíritos 
angélicos, os g randes espíritos, os macro-espíritos, se 
assim lhes podemos chamar.
Fazendo caso omisso dos demais m undos que 
conhecemos, não seria um absurdo p a r a a filoso­
fia do espírito supor em nosso p la n e t a duas e sca ­
las pa ra le la s evo lu c io n is ta s , a m a te r ia l e a e sp i r i ­
tual, am bas perfeitas e constan temente entrosadas , 
a t ravés de seculares e milenár ias g en ea lo g ia s das 
espécies e de suas transformações evolutivas.
Se o biólogo fala, por exemplo, nos protozoá- 
rios, no gérmen que se há de converter no homo 
sapiens, não seria difícil sustentar, como o admite 
o espiritismo, que também em c ad a um dos proto- 
zoá r io s , se en ca rn a um espírito primitivo; seu p ro ­
gresso, h u m a n a m e n te incomensurável, há de con­
vertê-lo em um ser superior, p e rm a n en te e sapien- 
te, em um spiritus hum anus, como diria um Lineu 
dos espíritos.
Aquilo, portanto, que cham am os vida hum ana , 
não é mais que um a de tan tas épocas de estratifi- 
cação, de prova, de encarnação , a t ravés das quais 
os espíritos vão apu ran d o suas faculdades e acer­
cando-se cada vez mais das perfeições absolutas. 
Por isto, o espírito, ao en ca rn a r em um corpo h u ­
mano, traz do além e de suas vidas p a s sa d as , um a 
pe rsona l idade já p l a s m a d a com carac te res p ró ­
prios; e este princípio ou lei, como que iram cha-
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 19
mar-lhe, não deverá ser esquecido, porque servirá 
de base mais adiante, a curiosas deduções .
Esse evolucionismo dos espíritos é tão fatal 
como o dos biólogos. Há que recorrer à escala 
evolutiva, degrau por degrau. Se os natura li s tas 
dizem na tu ra non facit saltum, os espíritas poderão 
dizer, ana logam ente : spiritus non facit saltum; o 
espírito há de subir, p a u s a d a ou rap idam en te , se­
gundo seu esforço, porém grau a grau, até à su p e ­
rior idade dos anjos. Assim o expõe Allan Kardec, 
no parágrafo 271 do seu O Livro dos Espíritos:
271 — Estando o espírito na erraticidade, nas di­
versas condições em que poderá progredir, como o 
conseguiria se nascesse, por exemplo, entre canibais?
"Entre canibais não nascem espíritos já 
ad ian tados , mas os da na tu reza dos canibais, 
ou a inda inferiores.
Sabemos que os nossos antropófagos não 
se acham no último d eg rau da escala espiritual 
e que há m undos onde o embrutecimento e a 
ferocidade não têm an a log ia na Terra.
Os espíritos que aí se enca rnam são infe­
riores, portanto, aos inferiores deste mundo. 
Nascer, pois, entre os nossos selvagens r e p re ­
senta p a r a eles um progresso, como seria p a ra 
nossos an t ropófagos a profissão em que der ra ­
m assem sangue . Não podem pôr as vistas
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 20
mais alto pois sua inferioridade moral não lhes 
permite com preender maior progresso. O es­
p í r i to avança g ra d a t iv a m e n te . Não lhe é dado 
transpor de salto a d is tância que vai da b a r b á ­
rie à civilização, e esta é u m a das razões da 
necess idade da r e e n c a r n a ç ã o , q u e , v e rd a d e i ­
ramente , corresponde à just iça de Deus. De 
outro modo, que seria desses milhões de cria­
turas que morrem todos os dias na maior d e ­
g rad ação , se não t ivessem meios de a lcançar 
a super ior idade?
Por que os p r ivar ia Deus dos favores con­
cedidos aos outros h om ens?”
Com maior clareza se vê esse para le li smo nos 
seguintes parágrafos da A Gênese de Allan Kardec:
”Da sem e lhança de formas exteriores que 
existe entre o corpo do homem e o do macaco, 
certos fisiologistas concluiram que o primeiro 
era u m a transformação do segundo. Isto não 
é abso lu tam ente impossível, sem que a d igni­
dade h u m a n a tenha algo que perder. Corpos 
de monos poder iam ter servido de vest imenta 
aos primeiros espíritos hum anos , que , n e c e s ­
sar iamente pouco avançados , v ieram encarnar 
na Terra; essas vestes eram mais própr ias às 
suas necess idades e ao exercício de suas fa­
culdades que o corpo de qua lquer outro an i­
mal. Em vez de se p re p a ra r um a roupagem
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 21
especial p a r a o espírito, ele j á a encontrar ia 
feita. Pôde vestir-se, portanto, com a pele do 
macaco , sem deixar de ser espírito humano; 
também o homem se reveste, por vezes, com a 
pele de certos animais, sem deixar de ser h o ­
mem.
Advirta-se que não se trata de u m a hipótese 
admit ida como princípio, mas ap resen tada , so­
mente, p a r a mostrar que a origem do corpo 
não prejudica o espírito; que este é o principal 
e que a sem e lhança do corpo do homem com 
o do m acaco não implica a p a r id a d e entre os 
dois espíritos.
Admitindo essa hipótese, pode-se dizer que 
sob a influência e por efeito da a tiv idade in te ­
lectual do seu novo habi tan te , e invólucro m o ­
dificou-se, embelezado nos detalhes, sem alte­
rar a forma geral do conjunto.
Os corpos aperfeiçoados, ao procriar, se r e ­
produziram nas m esm as condições, como acon­
tece nas árvores enxer tadas ; deram n asc im en ­
to a nova espécie, que foi, aos poucos, a fas tan­
do-se do tipo primitivo, à m ed ida que o espí­
rito progredia . O espírito de m acaco que não 
foi an iquilado continuou procriando corpos de 
macaco p a r a seu uso, tal como o fruto da á rvo­
re silvestre que rep roduz árvores silvestres, e 
o espírito hum ano tem procriado corpos de ho-
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 22
mens, var ian tes do molde primitivo onde se e s ­
tabelecera.
O tronco bifurcou-se: produziu um ramo e este 
ramo se transformou em tronco.
Como não há transições bruscas na na tureza , 
é provável que os primeiros homens que n a s ­
ceram na Terra pouco se diferenciassem do m a ­
caco, na forma externa e, sem dúvida, também 
pouco q uan to à inteligência.
Existem a inda hoje se lvagens que , pelo t a m a ­
nho dos braços e pés, têm tão evidente o an d a r 
e o porte do macaco , que só lhes falta o pelo 
p a r a completar a semelhança . (1)
À medida , porém, que o espírito r e c u p e ra a 
consciência de si mesmo, perde a memória do 
passado , sem perder as faculdades, as qua l i ­
dades e as aptidões adquir idas anteriormente , 
aptidões que se a ch av am em estado latente, 
m om en taneam en te , e que, re tom ando sua ati­
v idade, vão ajudá-lo a fazer mais e melhor do 
que antes ; nele renasce o que adquir iu em t ra ­
balho anterior. A presente existência é novo 
ponto de part ida , novo d eg rau a subir. T am ­
bém aqui se manifes ta a b o n d a d e do Criador, 
porque a lem b ran ça de um passado , mui tas 
vezes penoso ou humilhante , unido às a m a r ­
guras de nova existência, poder ia per tu rbá- lo
(1) De A Gênese, cap. X I, "Hipótese sobre a origem do corpo humano" 
- n.° 16. (Nota do tradutor)
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 23
e estorvá-lo; ele só se lembra do que aprendeu, 
porque isto é que lhe é útil. Se, por vezes, con­
serva v a g a intuição dos acontecimentos p a s s a ­
dos, é como a lem brança de um sonho fugitivo. 
Trata-se, pois, de um homem novo, por mais 
antigo que seja seu espírito; cam inha em n o ­
vos carreiros, auxil iado pelo que adquiriu, o 
que o vulgo ch am a disposições natura is . 
Quando torna à v ida espiritual, o p a ssad o se 
lhe desenrola diante dos olhos e ele ju lga se 
em pregou bem ou mal o tempo.
Tomando a h u m a n id a d eno g rau ínfimo da es­
cala intelectual, entre os mais a t rasados selva­
gens, indagam os se este é o ponto de par t ida 
da a lm a hum ana .
Segundo a opinião de a lguns filósofos espiri­
tualistas, o princípio inteligente, distinto do 
princípio material , individualiza-se e se e labo ­
ra, p a s sa n d o pelos diversos g raus da espir i tua­
lidade; é aí que a a lm a se ensa ia p a ra a vida 
e desenvolve suas primeiras faculdades pelo 
exercício; seria, por assim dizer, seu tempo de 
incubação .
C h e g a d a ao ponto de desenvolvimento m áx i ­
m o , q u e ta l e s t a d o p e r m i t e , e l a r e c e b e as fa ­
culdades especiais, que consti tuem a a lm a h u ­
m a n a ; h a v e r i a , a ss im , fi l iação e sp i r i tu a l como 
há filiação corporal.
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 24
Este sistema, fundado na g rande lei de u n id a ­
de que pres ide a criação, é preciso convir, e s ­
tá conforme à b o n d a d e e à just iça do Criador, 
dá um fim, um destino aos animais; estes de i­
xam de ser cria turas d e se rdadas , encontrando, 
no futuro que lhes é reservado, u m a com pen­
sação aos seus sofrimentos. O que constitui 
a homem espiritual não é sua origem, senão 
os atributos especiais de que é dotado, a sua 
en t rada na h u m an idade ; esses atributos o 
transformam e fazem dele um ser distinto, como 
é distinto o fruto saboroso da ra iz a m a r g a de 
que saiu.
Por haver p a ssad o pe la fieira da an imal idade , 
o homem não deixar ia de ser homem. Não 
seria animal, como o fruto não é a raiz, como 
o sábio não é o feto informe pelo qual com e­
çou sua vida no claustro materno.
A ve rd ad e i ra v ida do animal como a do h o ­
mem, não está em seu invólucro corpóreo, que 
não p a s s a de um a veste; reside no princípio 
inteligente que p recede e sobrevive ao corpo. 
Este princípio tem necess idade do corpo p a ra 
desenvolver-se pelo trabalho sobre a matér ia 
bruta; o corpo gasta -se e desfaz-se neste t r a b a ­
lho. O espírito, po rém , não se ga s ta , pelo con­
trário, fica sempre mais robusto, mais lúcido, 
m ais capaz . Que importa, pois, que o espírito 
mude, com mais ou menos frequência, de envol­
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 25
tório? Não deixa por isto de ser espírito, como 
o homem não deixa de ser homem porque mude 
cem vezes de roupa no ano. Nos seres inferiores 
da criação, onde não existe o sentido moral e em 
que a inteligência não substituiu o instinto, a 
luta não pode ter outro móvel que não seja a 
satisfação das necess idades materiais. Uma das 
mais imperiosas é a da a l im en tação ; lutam uni­
camente p a r a viver, p a ra a p a n h a r ou defender 
u m a presa , porque não podem ser estimulados 
por móvel mais elevado. É nesse período da 
existência que o espírito se vai formando p a ra 
os t rabalhos da vida; a lcançando , então, o grau 
de desenvolvimento necessário p a ra sua t rans­
formação, recebe de Deus novas faculdades: o 
livre-arbítrio e o sentido moral, a cente lha di­
vina, que, em u m a pa lavra , dá novo rumo a 
suas ideias e o dota de novas proporções.
As novas faculdades se desenvolvem g ra d u a l ­
mente, visto que não há saltos na natureza . H á 
um período de transição em que o homem mal 
se diferencia do bruto nas primeiras idades ; p re ­
domina o instinto animal e a luta g ira em torno 
das necess idades materia is. Mais tarde equi- 
va lem-se o instinto e o sentido moral, e o homem 
luta, não já pelo sustento, mas para satisfazer 
a ambição , o orgulho, o desejo de domínio, e 
p a r a isso é preciso destruir.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 26
À m ed ida que predomina o sentido moral, v a i ­
-se desenvolvendo a sensibilidade: a necessida­
de de destruir vai d e sa p a rec e n d o até extinguir- 
-se e tornar-se odiosa.
O homem nesse estado tem horror à violência 
e ao de r ram am ento de sangue .
A luta, entretanto, é sempre n eces sá r ia p a r a o 
progresso do espírito, porque , a inda chegado 
a esse ponto, que nos pa rece culminante , está 
muito longe da perfeição.
Só à força de apl icação e a tiv idade pode a d ­
quirir conhecimentos e exper iência, e despoja r­
-se dos últimos vestígios da animalidade. Mas, 
nesse grau de elevação, a luta, em vez de san ­
gren ta e brutal, torna-se p u ra m e n te espiri tual: 
luta contra as dificuldades e não contra seus 
semelhan tes” .
Anos depois, Gabriel Delanne, a rm ado com o 
arsenal de dados que lhe minis traram os biologistas 
e na tura l is tas do século passado , dá maior prec isão 
à teoria da evolução do espírito em re lação com a 
evolução física, em seu muito in te ressan te livro A 
Evolução Aním ica (1895), do qual extraio estes p a r á ­
grafos sintéticos:
”Quer sob o ponto de vista do instinto, quer 
sob o da inteligência ou o do sentimento, não 
existe outra diferença senão de grau entre a 
a lm a dos animais e a do homem. O mesmo
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 27
princípio imortal a n im a a todas as cria tu ras 
vivas. De começo, manifesta-se de modo ele­
mentar, nas ínfimas g radações da existência; 
pouco a pouco se vai aper fe içoando na sua 
g rande evolução, desenvolve as qua l idades 
que t inha em gérm en e as manifesta de forma 
mais ou menos a n á lo g a à nossa, à m ed ida que 
se aprox ima da hum an idade .
Não podem os conceber porque hav ia de criar 
Deus seres sensíveis ao sofrimento, sem lhes 
outorgar, ao mesmo tempo, a faculdade de se 
benef iciarem com os esforços que fazem por 
progredir .
Se o princípio inteligente que os an im a esti­
vesse condenado a ocupar e ternamente a m es­
ma posição inferior, Deus não seria justo, fa­
vorecendo o homem às expensas das outras 
criaturas.
Diz-nos, porém, a razão, que não é possível 
que tal suceda , e a observação demonstra que 
há identidade substancial entre a a lm a dos 
brutos e a nossa, que tudo se harmoniza e en­
cade ia est re itamente no universo, desde o 
átomo ínfimo ao sol gigantesco perd ido na 
noite do espaço; desde a m onera até o espírito 
superior que pa i ra nas regiões serenas da er- 
raticidade.
Se supusermos que a a lma se individualiza len­
tamente por um a e laboração das formas in­
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 28
feriores da na tu reza até chegar g rad a t iv am en - 
te à h u m an id ad e , quem não se a s s o m b ra rá 
com a m arav i lhosa g ra n d e za de semelhante 
a scensão?
Através de milhares de formas inferiores, nos 
labirintos de u m a ascensão não interrompida; 
m edian te m oda l idades ra ras e sob a p ressão 
dos instintos e a sevícia de formas inverossí­
meis, a cega ps ique se dirige p a ra a luz, p a r a 
a consciência esclarecida, p a r a a l iberdade.
Os inúmeros ava ta res , em milhares de o rg a ­
nismos diferentes devem dotar a a lm a de todas 
as forças que lhe hão de servir mais tarde; 
têm por objeto desenvolver o envoltório fluídi- 
co, fixar nele as leis c ad a vez mais complica­
das que regem as formas vivas, e criar-lhes 
um tesouro por meio do qual chegará , com o 
tempo, a m an ipu la r a m até r ia de modo incons­
ciente, p a r a que o espírito possa prosseguir 
sem o óbice dos l iames terrestres".
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 29
III 
AS LEIS DA EVOLUÇÃO ANÍMICA
Assim como a evolução dos seres orgânicos 
deste mundo se determina,segundo os biologistas, 
p e la ação complexa de um a multidão de leis, des ­
de as e lementares físicas da g rav idade e da inér­
cia dos corpos, por exemplo, até às pouco defini­
das da he red i ta r iedade e do atavismo, também a 
evolução espíri ta se desenvolve, mercê de leis de 
diferentes índoles, que às vezes são fixadas com se­
g u r a n ç a dogmática, e que outras vezes se tornam 
confusas, porém não menos necessá r ias dentro de 
tal sistema filosófico.
Assim, Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, de­
fine as leis da adoração , do progresso, da l iberda­
de etc. , n em mais nem m enos como o fazem cer­
tos dogmáticos da sociologia.
Pelo que in teressa ao nosso estudo, d igamos 
que os espíritas admitem entre as leis da evolução 
dos espíritos, como fundamental , a que cham am 
lei divina ou natura l , que outra coisa não é senão 
um direito natural aplicado a toda v ida cósmica e 
também, como é lógico deduzir, à vida dos homens.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 30
Esta lei na tura l é e te rna e imutável, e Kardec 
a define dizendo que é a lei de Deus; ap esa r disso, 
porém, não é fácil compreendê- la e explicá-la, e, 
sobretudo, ap esa r de seu conceito absoluto como 
um dogma, tão absoluto como foi o direito natural 
p a r a certos filósofos juristas, essa lei divina ou na­
tural, eterna e imutável, de que falam os espíritas, 
se nos ap re sen ta tão re la tiva e m ovediça na expe ­
riênc ia das sociedades h u m a n a s e nas concepções 
teóricas de aplicações terrenas, como relativo, ins­
tável e pouco seguro se mostrou o famoso direito 
natural .
Saiba-se, entretanto, que os espíri tas o confes­
sam claramente , e o que é mais, harmonizam o a b ­
soluto da lei com a re la tiv idade de sua ap a rên c ia 
neste mundo.
Escreve Allan Kardec:
617 — É dado ao homem aprofundar as leis morais?
"Sim, porém não lhe b a s ta u m a só existência. 
Que são, com efeito, a lguns anos p a ra a a q u i ­
sição de tudo o que constitui o ser perfeito, em­
bora se tenha em conta a d is tância que s e p a ­
ra o se lvagem do homem civilizado? P a ra is­
to seria insuficiente a mais longa existência 
possível; e com mais forte razão o será q u a n ­
do curta, como sucede em g rande número de 
casos".
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 31
E não somente o espiritismo deriva essa relati­
v idade da de nossos conhecimentos e faculdades, 
como a explica com critério evolucionista com pa­
rável ao mais rigoroso evolucionismo sociológico 
de nossos dias, dizendo:
618 — As leis diversas são as mesmas para todos os 
mundos?
"Diz a razão que devem ser própr ias à n a tu re ­
za de c ad a mundo e proporciona is ao g rau de 
ad ian tam en to dos seres que os habitam."
Dentro, ainda, desta re la tiv idade, existe uma 
lei de Deus, e o progresso se a lcança por seu cum­
primento. No aceitá-la está o bem, no n egá- la es­
tá o mal.
O b em traz consigo o melhoramento do ser, a 
aquis ição de mais poderosas faculdades, u m a ati­
v idade de raio mais amplo, um avanço na senda 
que conduz à felicidade angélica, que se aproxima 
de Deus.
Ao contrário, o mal aca r re ta a pa ra l isação de s ­
se movimento ascensional, o embotamento das for­
ças do espírito, até que este, pe la dor, a d q u i ra a 
consciência de seu erro e triunfe em novas provas, 
vença o obstáculo e renove sua m arch a infinita. 
Há, portanto, um a sanção à infração da lei natural.
Claro está, porém, que os conceitos do bem e 
do mal serão relativos, do ponto de vista de nosso 
p laneta , pe la re la tiv idade de nossos conhec im en­
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 32
tos e pe la re la tiva imperfeição de nossa consc iên­
cia; ne ssa está escri ta a lei de Deus, ou seja a defi­
nição do bem; de q ua lquer modo ambos os concei­
tos se impõem: o bem e o mal, o que a consciência 
ap rova e o que lhe repugna .
Dir-se-á, porém: sendo a consciência individual 
a definidora do bem e do mal, d e pendendo do 
ad ian tam ento ou atraso das faculdades do espíri­
to e havendo espíritos de diversos graus , o bem e 
o mal poderão ser os mesmos p a r a todos os homens? 
Poderão ter p a ra todos eles o mesmo valor ético?
636 — São absolutos, para todos os homens, o bem 
e o mal?
Responde Kardec:
”A lei de Deus é a m e sm a p a r a todos; porém, 
o mal depende principalmente da vontade que 
se tenha de praticá-lo. O bem é sempre o bem 
e o mal sempre o mal, qua lq u e r que seja a p o ­
sição do homem. Diferença só há quanto ao 
g rau da r e sp o n sab i l id ad e”.
E acrescenta , como exemplo:
637 — Será culpado o selvagem que, cedendo ao 
seu instinto, se nutre de carne humana?
”Eu disse que o mal depende da vontade . Pois 
bem! Tanto mais culpado é o homem, q u a n ­
to melhor sabe o que faz”.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 33
As circunstâncias dão rela tiva g rav idade ao 
bem e ao mal. Muitas vezes comete o homem 
faltas q u e , n e m por serem consequência da 
posição em que a sociedade o colocou, se tor­
nam menos repreensíveis . Mas , a sua res­
ponsab i l idade é p roporc ionada aos meios de 
que ele dispõe p a r a compreender o bem e o 
mal. Assim, mais culpado é, aos olhos de 
Deus, o homem instruído que pra tica um a sim­
ples injustiça, do que o se lvagem ignorante 
que se en t rega aos seus instintos".
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 34
IV 
O D E L I T O
Que será, portanto, o delito p a ra os espíri tas? 
Se queremos definir um delito absoluto, por assim 
dizer, si tuando-nos em um ponto de vista que a b a r ­
que a to ta lidade da vida dos espíritos, o delito será 
a violação da lei de Deus; confessemos, porém, que 
não fizemos u m a definição, mas um a substituição 
de pa lavras .
Mas, se restringirmos o conceito ao campo vi­
sual da h u m a n id a d e a que pertencemos, tendo em 
consideração a re la tiv idade de conceitos, em tal 
caso, p a r a o espiritismo; e tendo a inda em vista o 
sentido evolucionista dessa doutrina, p o d e rá então 
definir-se o delito hum ano, segundo os espíritas, 
como o definia e legan tem ente o Dr. M. C. Piepers, 
que não era espírita, ao que eu saiba.
Assim dizia, no relatório que enviou ao V Con­
gresso Internacional de Antropologia Criminal de 
Amsterdam (1): O delito é a lesão social produzida 
pelo estado egoístico da psique hum ana (leia-se es­
pírito) na qual a evolução altruística não está su-
(1) A noção do crime no ponto de vista evolucionista.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 35
ficientem ente avançada para dominar as tendên­
cias egoísticas dentro do limite que exige determi­
nado estado social.
De modo que, fora de um delito absoluto, mera 
abs t ração dogmática, o delito p a r a os espíri tas é 
um conceito relativo que pode concretizar-se un i ­
camente quando se re lac iona com esse limite exi­
gido por de terminado estado social. Nem outra 
coisa quis dizer a criminologia científica, desde o 
famoso antigo princípio nullum crimen sine le g e , 
que resiste vitorioso a toda tenta tiva de definição 
do delito como conceito absoluto perse, ou como 
conceito de fenôm eno natural, segundo p re tendeu 
Garófalo.
O delito, portanto , não é mais do que um fenó- 
meno de a traso na evolução espírita, em re lação 
com um ambiente mais ad ian tado , donde dedu- 
zem os espíritas como os sociólogos atuais, que um 
delitoem determinado ambiente (em tal m undo ou 
em tal país) deixa de sê-lo em outro.
E p a r a que se veja até onde chega o espiritis­
mo em seu critério evolucionista e relativo do deli­
to, leia-se em Allan Kardec o que se refere a um a 
das formas mais selvagens da m a ld a d e :
670 — Poderiam ter sido agradáveis a Deus os sa­
crifícios humanos praticados com intenção piedosa?
"Não. Nunca. Deus, porém, j u l g a p e la in ten­
ção. Sendo ig n o r a n t e s , os h o m e n s p o d e r i a m
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 36
crer que pra t icassem ato louvável, imolando 
seus semelhantes. Nesses casos, Deus a ten ­
tava mais na ideia do que no fato. Melhoran­
do, os homens deviam reconhecer seu erro e 
reprovar esses sacrifícios, que as inteligências 
esc la recidas não pode r iam a c e i t a r ” .
Confessemos, pois, que o espiritismo, nesse 
conceito do delito, se a p a r ta dos dogmatismos das 
religiões, absolutos e fechados, que não admitem 
essa re la tiv idade na ideia do pecad o e do delito, e 
que se ap rox im a das conclusões científicas da razão.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 37
V
DETERMINISMO E LIVRE-ARBÍTRIO
Para os positivistas, o criminoso, como todo h o ­
mem, é um ser cujos atos são de terminados por 
complexíssimos fatores, que o impulsionam, fatal e 
cegam ente , p a r a tal ou qual direção; p a ra os cha ­
mados clássicos, o criminoso e o homem têm o seu 
controle próprio e absoluto, a l iberdade de fazer o 
bem ou o mal conforme queira.
Determinis tas e l ivre-arbit r is tas se a co m e te m 
com ardor p a ra o império de seu princípio cardeal 
na ciência criminal; esta questão carece, en t re tan ­
to, de importância fundamental no campo da cri- 
minologia, visto que se to rna desnecessá r ia q u a n ­
do se t ra ta de expor o direito de castigar.
Com efeito, u m a parte dos l ivres-arbitristas, 
os clássicos da filosofia penal (Carrara , por 
exemplo) par tindo a p en a s do princípio do l ivre-ar- 
bítrio, vêem-se forçados a admitir restrições de fato 
a essa abso lu ta l iberdade, q u ando tratara do grau 
na força do delito.
O delinquente vê cerceado seu l ivre-arbítrio, 
em re lação à idade, inteligência, loucura, idiotez,
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 38
em br iaguez e u m a porção de causa s que lhe a l t e ­
ram o equilíbrio absoluto, p a r a discernir abso lu ta ­
mente entre o bem e o mal; de sorte que, por vezes, 
concebe como bom o delito, e a inda o sabendo 
mau, é a r ras tado p a r a ele muito a seu pesar.
De modo que, por absoluto que seja o princí­
pio, difícil seria distinguir os diversos g raus na ação 
criminosa, por existir nos indivíduos vár ios motivos 
ou circunstâncias que a lte ram a suposta l iberdade 
absoluta.
Onde está, pois, esse livre-arbítrio absoluto, 
que a lguns querem conceber e pelo qual o homem 
pode resistir, só, impassível e vitorioso, a um a c a ­
ta ra ta de solicitações externas?
De outra parte, porém, observa-se que os d e ­
terministas, por mais radicais que sejam, a inda 
quando anali sem e expliquem a imensa complexi­
dade de fatores que influem nas de terminações do 
homem, terão sempre de admitir que entre esses 
inúmeros fatores codete rminantes estão os fatores 
íntimos da indiv idua lidade psicológica do ser, que 
reúnem sua força à de todos os demais fatores, p a ­
ra de terminar o ato hum ano. Donde resulta que 
ante iguais fatores externos, o hom em se de te rm i­
n a r á de m a n e i ra distinta, segundo o coeficiente 
que à soma de energ ias tr agam os fatores in tr ínse­
cos do seu ser, do seu e u .
Onde está, pois, pe rguntam , esse de termin is ­
mo absoluto, que alguns querem impor, e pelo qual
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 39
o ser h um ano é um grão de areia, joguete da ma- 
ru lhada , sem persona l idade , sem indiv idualidade , 
sem cará te r?
E muito bem se a rgum enta , como Ferri, con­
testando a Van Calker, e, defendendo o determinis­
mo absoluto, ao dizer que essa individualidade , es­
se caráter, esse eu não p a s s a do reconhecimento 
implícito do determinismo fundamental da originá­
ria consti tuição o rgân ica e ps íquica ( t em peram en­
to e caráte r) de todo indivíduo, determinismo que 
o homem tem de comum com todos os seres vivos.
Se esse caráter, porém, e esse eu é fruto de um 
determinismo na originária consti tuição orgânica 
e ps íquica, convenhamos que não menos certo é 
que esse determinismo criador de uma. constitui­
ção individual, desde seu início, teve que a tuar so­
bre algo, sobre um a célula protoplásmica cheia de 
vida ; esse algo com vida, que em seu começo sig­
nifica muito pouco na causa l idade dos fenômenos 
na tura is que o in te ressavam, foi evolvendo, ad q u i ­
rindo faculdades e forças p a ra depois de um t rans ­
curso de idades incalculáveis, chegar a ser homem; 
este ser é g ran d em en te influenciável em todos os 
momentos da v ida ; chegou, porém, por sua vez, a 
ter um caráte r formado pelo poderoso núcleo de 
energias acum uláve is em seu ser, que lhe pe rm i­
tem raciocinar, às vezes, até com consciência, con­
tra solicitações do ambiente externo e de seu p ró ­
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 40
prio organismo, o que em idades anteriores, p a r a 
estados e seres menos evoluídos, seriam fatais em 
absoluto.
Pois bem. Nessa maior a cu m u lação de faculda­
des e nessa maior concentração de forças de termi­
nan tes conscientes que se ch am a hom em , parece-me 
estar em posição o conceito que muitos tomam por 
l iberdade moral. Isso vem a ser, a meu juízo, o 
conceito espírita da l iberdade moral do homem; 
esse conceito é relativo, porque, por mui tas que se­
jam as energias concen tradas no mesmo núcleo 
hum ano (chame-se espírito), g randes são as ener­
gias que o rode iam; o conceito, porém, se afasta 
um pouco de um determinismo absoluto, que al ­
guns ju lgam como abs t ração metafísica n e g a d o r a 
da ind iv idua l idade e do ser, como de um livre-ar­
bítrio, que equivale à metafísica concepção d i u r n a 
divindade.
Neste terreno, repito, pa rece poder-se encon­
trar o espiritismo. Pa ra este, o livre-arbítrio é u m a 
faculdade que o espírito vai adquir indo à m ercê de 
u m a g rande evolução, e à m ed ida que vai despe r ­
tando e saindo do primitivismo e das enca rnações 
grosse iras e p ré -hum anas .
Por que, porém, o espírito progr ide nessas pri ­
mitivas e vas tas idades , q uando não demonst ra li- 
v r e - a rb í t r io , nem c o n sc iê n c ia do seu ser e do seu 
progresso?
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 4 !
Pela exper iência que adquire , rea lizando atos 
que são prejudiciais e atos que lhe trazem felici­
dade.
E assim, pouco a pouco, o espírito vai p e rc e ­
bendo a vida, adquir indo ciência e consciência e 
chegando a essa fase de evolução na qual d e s ­
prende força própr ia consciente, e a lcança o pleno 
livre-arbítrio. De tudo resu l ta um livre-arbítrio, fi­
lho do determinismo.
Será um absurdo? Será, acaso, m era questão 
de pa lavras?
Neste terreno da re la t iv idade de ambos os con­
ceitos (livre-arbítrio e determinismo) a ques tão de 
que vimos t ra tando desapa rece , seguindo-se Allan 
Kardec.
Com efeito, não será o mesmo dizer: indivíduo 
livre mora lmente em seu arbítrio, cuja l iberdade, 
porém, éres tr ingida por suas especiais condições 
subjetivas, orgânicas , de civilização e pe la ação do 
ambiente; e indivíduo constante e fatalmente d e ­
terminado em seus atos morais pelo influxo do a m ­
biente e do próprio organismo que é influenciado 
consciente ou inconsc ientemente por certas condi­
ções pessoais que carac te rizam a individualidade in­
fluenciada, fazendo-a agir de m a n e i ra distinta da 
que agiriam seus semelhantes em igual caso?
Não é igual um livre-arbítrio e um determinis­
mo não absoluto?
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 42
Não é o mesmo im ag inar um ser, cuja indivi­
dua l idade caracter ís t ica tem que se inclinar, mais 
ou menos, aos embates do ambiente , segundo a 
força deles e a t êm pera do seu caráter; e o que su­
põe u m a av a lan ch e de elementos concomitantes, 
que a rras tam um ser, porém lhe modificam o rumo, 
aqui ou acolá, segundo as resistências da indivi­
dua l idade com bat ida?
Que importância terá então a questão do livre- 
-arbítrio e do determinismo, se os privam do seu ca ­
rá te r absoluto? Em resumo, o homem não pode 
resist ir, impassível , ao fluxo e refluxo do mar da 
vida, pe la única virtude do seu arbítrio, como as 
d iv indades que cam inham sobre as ondas, sem 
submergir , pelo império de sua vontade so b re n a ­
tural; nem é o homem um grão de a re ia perdido 
no oceano impotente de sua imensidade.
O homem não é um deus, nem um átomo; é 
simplesmente hom em e n a d a no m ar da vida; e 
ch eg a rá ou não à pra ia , tais sejam as suas facul­
dades na ta tórias, a d is tância da margem, a força 
das ondas e sobre tudo sua vontade de nadar .
O ato hum ano e por tanto o delito, terá que ser 
concebido como u m a resultante das forças com­
b inadas , subjetivas e objetivas, do indivíduo e do 
ambiente. Assim o entende a cr iminologia moder­
na e assim o explica o espiritismo, a in d a que o 
conceito de am bos sobre o l ivre-arbítrio seja bem 
diferente, pelo menos em suas fórmulas.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 43
Não deixa de ser curioso observar como a éti­
ca espiritista, que é a antítese do materia lismo p e ­
nal, e que presume como princípio básico da evo­
lução dos espíritos o livre-arbítrio, pode romper 
com os antigos dogmas religiosos e metafísicos, 
part idários do arbítrio absoluto dos homens , com 
premios e p en as e te rnas no fim da vida, p a r a ex­
pl icar um livre-arbítrio influenciado por circunstân­
cias es t ranhas à von tade do próprio espírito.
Ainda que repetindo, direi que o espiritismo, 
por seu mérito evolucionista, supõe u m a infinita 
g r a d a ç ã o dos espíritos, cujo progresso, se b em que 
devido aos próprios esforços, é lento e pesado no 
início, por estarem as faculdades ps íquicas em em­
brião e pouco desenvolvidas; o progresso vai cres­
cendo e d e p en d e n d o cada vez mais do esforço 
consciente e do arbítrio do espírito, e menos sujei­
to aos influxos estranhos.
Com o crescimento de suas faculdades, a u m e n ­
ta sua in d e p en d ê n c ia subjetiva, seu poder próprio 
e com o aumento deste ag igan ta-se a eficácia de 
sua self direction.
Se a princípio o espírito é ru d e , com u m a ru ­
deza além da primitiva best ial idade , e depois, co­
mo um a criança, incapaz de dirigir-se por si p ró ­
prio, reag indo com o ambiente, no transcurso de 
suas encarnações , progr ide e se governa como um 
sábio ou um homem de forte inteligência e von­
tade.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 44
Nem outra, como parece , era a concepção de 
Gabriel Tarde, q u an d o em artigo referente ao 2° 
Congresso de Antropologia Criminal, im p u g n a v a a 
classificação tríplice dos fatores da de linquência , s e ­
gundo Ferri, n e g a v a a influência independen te dos 
cham ados físicos e cósmicos, e dizia que quanto mais 
se e leva um organismo, mais e scapa à servidão 
das excitações físico-químicas, e a inda que ob te ­
nha delas toda a energ ia a rm a ze n a d a , quanto 
mais as aproveita, tanto melhor delas dispõe e li­
vremente as dirige p a ra seus fins convenientes.
De sorte que há espíritos a trasados, cujo livre- 
-arbítrio se acha como em crisálida, sem crescimen­
to n e m d e sen v o lv im en to , e c a e m faci lmente, im p u l ­
sionados por espíritos m aus ou por causas externas 
de na tu reza diferente.
E outros espíritos há, mais ad ian tados , com 
maior l iberdade, que se dirigem e defendem da ten­
tação, resistindo vitoriosamente.
É, pois, um livre-arbítrio relativo ou um deter­
minismo relativo, como se queira, a base crimino- 
lógica do espiritismo, no que toca ao p rob lem a da 
responsabil idade.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 45
VI
A QUESTÃO NOS TEXTOS DE ALLAN KARDEC
Veja-se, agora, como se podem documentar as 
observações e os raciocínios do capítulo anterior, 
com textos de Allan Kardec sobre o livre-arbítrio 
segundo o espiritismo:
120. Todos os espíritos passam pela fieira do mal 
para chegar ao bem?
— "Pela fieira do mal, não; pe la fieira da 
ign o rân c ia”.
121 — Por que é que alguns espíritos seguiram o 
caminho do bem e outros o do mal?
"Não têm eles o l ivre-arbítrio? Deus não os 
criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto 
é, tendo tan ta ap t idão p a r a o bem q uan to p a ra 
o mal. Os que são maus, assim se to rnaram 
por von tade própr ia" .
122 — Como podem os espíritos, em sua origem, 
quando ainda mão têm consciência de si mesmos, 
gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? 
Há neles algum princípio, qualquer tendência que
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 46
os encaminhe para uma senda de preferência a outra?
"O livre-arbítrio se desenvolve à m ed id a que 
o espírito adquire a consciência de si mesmo. 
Já não h aver ia l iberdade, desde que a esco­
lha fosse d e te rm inada por u m a causa in d ep en ­
dente da vontade do espírito. A causa não 
está nele, está fora dele, nas influências a que 
cede em virtude da sua livre vontade. É o que 
se contém na g rande figura emblemát ica da 
q u e d a do homem e do p eca d o original: uns 
cederam à tentação, outros resistiram". 
a) — Donde vêm as influências que sobre eles se 
exercem?
"Dos espíritos imperfeitos, que p rocuram a p o ­
derar-se deles, dominá-los, e que rejubilam 
com o fazê-los sucumbir.
Foi isso o que se intentou simbolizar na figu­
ra de Sa tanás" .
a) — Tal influência só se exerce sobre o espirito 
em sua origem?
" A com panha-o na sua v ida de espírito, até que 
haja conseguido tanto império sobre si mesmo, 
que os m aus desistem de obsidiá-lo".
127 — Os espíritos são criados iguais quanto às di­
ficuldades?
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 47
"São criados iguais, porém, não sabendo don­
de vêm, preciso é que o livre-arbítrio siga seu 
curso. Eles progr idem mais ou menos ra p id a ­
mente tanto em inteligência como em mora l ida ­
de". "Os e s p í r i to s que desde o p r i n c íp io s e ­
guem o caminho do bem, nem por isso são pe r ­
feitos. Não têm, é certo, m aus pendores , mas 
prec isam adquirir a exper iência e os conheci­
mentos indispensáveis p a r a a lcançar a perfei­
ção. Podemos compará- los a crianças que, seja 
qual for a b o n d a d e de seus instintos natura is, 
necessi tam de se desenvolver e esclarecer, e 
que não passam , sem transição, da infância à 
madureza .Simplesmente, assim como há ho ­
mens que são bons e outros que são maus des­
de a origem, com a diferença capital de que a 
criança tem instintos j á inte iramente formados, 
enquan to que o espírito, ao formar-se, não é 
nem bom nem mau; tem todas as tendências 
e toma u m a ou outra direção, por efeito do seu 
livre-arbítrio."
189 — Desde o inicio de sua formação, goza o es­
pírito da plenitude de suas faculdades?
"Não, pois que p a r a o espírito, como p a ra o h o ­
mem, tam bém há infância. Em sua origem, a 
vida do espírito é a p en a s instintiva. Ele mal 
tem consciência de si mesmo e de seus atos.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 48
A inteligência só pouco a pouco se desenvolve.
190 — Qual o estado da alma na sua primeira en­
carnação?
"O da infância na v ida corporal. A in teligên­
cia então a p e n a s desabrocha: a alma se en­
saia para a v ida”.
368 — Após sua união com o corpo, exerce o espí­
rito, com liberdade plena, suas faculdades?
"O exercício das faculdades d epende dos ór­
gãos que lhes servem de instrumento. A gros­
ser ia da m atér ia as enfraquece".
a) — Assim, o invólucro material é obstáculo à li­
vre manifestação das faculdades do espírito, como 
um vidro opaco o é à livre irradiação da luz?
"É, como vidro muito opaco".
Pode comparar-se também a ação que a matéria grosseira exerce 
sobre o espírito à de um charco lodoso sobre um corpo nele mer­
gulhado, ao qual tira a liberdade dos movimentos.
369 — O livre exercício das faculdades da alma es­
tá subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?
"Os órgãos são os ins trumentos da manifesta­
ção das faculdades da alma, manifestação que 
se acha subo rd inada ao desenvolvimento e 
ao g rau de perfeição dos órgãos, como a exce­
lência de um t rabalho o está à da fe rramenta 
própr ia à sua execução".
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 49
564 — Haverá espíritos que se conservem ociosos, 
que em coisa alguma útil se ocupem?
"Há, m as esse estado é temporário e depende 
do desenvolvimento de suas inteligências. Há, 
cer tamente , como há homens que só p a r a si 
mesmos vivem. Pesam-lhes, porém, essa ociosi­
dade e, cedo ou tarde, o desejo de progredir 
lhes faz necessá r ia a a tiv idade e felizes se sen­
tirão por poderem tornar-se úteis. Referimo- 
-nos aos esp ír i tos que chega ram ao ponto de 
ter consciência de si mesmos e do seu livre-ar- 
bítrio; porquanto , em sua origem, todos são 
quais crianças que a c a b a m de nasce r e que 
obram mais por instinto qu e por von tade p ró ­
pria".
843 — Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos?
"Pois que tem a l iberdade de pensar, tem 
igua lm en te a de agir. Sem o livre-arbítrio, o 
homem seria máqu ina" .
844 — Goza o homem do livre-arbítrio desde o seu 
nascimento?
"Há l iberdade de agir, desde que haja vonta­
de de fazê-lo. Nas primeiras fases da vida, 
quase nu la é a l iberdade, que se desenvolve 
e m u d a de objeto com o desenvolvimento das 
faculdades. Estando seus pensam en tos em 
concordânc ia com o que a sua idade reclama,
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando O rtiz 50
a criança aplica o seu livre-arbítrio àquilo que 
lhe é necessário" .
845 — Não constituem obstáculos ao exercício do 
livre-arbítrio as predisposições instintivas que o ho­
mem já traz consigo ao nascer?
"As predisposições instintivas são as do espí­
rito antes de encarnar. Conforme seja este 
mais ou menos ad ian tado , elas podem a r ra s ­
tá-lo à prá t ica de atos repreensíveis , no que 
será secundado pelos espíritos que simpatizam 
com essas disposições. Não há, porém, arras- 
tamento irresistível, u m a vez que se tenha a 
von tade de resistir. Lembrai-vos de que q u e ­
rer é poder".
846 — Sobre os atos da vida nenhuma influência 
exerce o organismo? E, se essa influência existe, 
não será exercida com prejuízo do livre-arbítrio?
"É inegável que sobre o espírito exerce influên­
cia a matéria , que pode embaraçar- lhe as m a­
nifestações. Daí vem que, nos m undos onde 
os corpos são menos mate ria is do que na Ter­
ra, as faculdades se desdobram mais l ivremen­
te. Porém, o instrumento não dá a faculdade. 
Além disso, cumpre se dis t ingam as faculda­
des morais das intelectuais. Tendo um homem 
o instinto do assassínio, seu próprio espírito é, 
indubitave lmente, quem possui esse instinto e 
quem lho dá; não são seus órgãos que lho dão.
PENSE - Pensamento Social Espírita
A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 51
S e m e l h a n t e ao b ru to , e a i n d a p io r do q u e este , 
se t o r n a a q u e l e q u e nu l i f ica o s eu p e n s a m e n ­
to, p a r a s ó se o c u p a r c o m a m a té r i a , p o i s q u e 
n ã o c u id a m a i s de se p r e m u n i r c o n t r a o mal . 
Nis to é q u e in co r re e m falta, p o r q u a n t o a s s im 
p r o c e d e p o r v o n t a d e p r ó p r i a " .
847 — A aberração das faculdades tira ao homem 
o livre-arbítrio?
"Já n ã o é s e n h o r do seu p e n s a m e n t o a q u e l e 
cu ja i n t e l i g ê n c i a se a c h e t u r b a d a p o r u m a c a u ­
sa q u a l q u e r e, d e s d e e n t ã o , já n ã o t e m l ib e r ­
d a d e . E s s a a b e r r a ç ã o const i tu i m u i t a s v e z e s 
u m a p u n i ç ã o p a r a o espír i to q u e , p o r v e n t u r a , 
t e n h a sido n o u t r a e x i s t ên c ia , fútil e o rg u lh o so , 
ou t e n h a feito m a u u s o de s u a s f a c u l d a d e s . P o ­
de e s se espír i to , e m ta l c a so , r e n a s c e r no co r­
po de u m id io ta , c o m o o d é s p o t a no de u m e s ­
c ra v o e o m a u rico no de u m m e n d i g o . O es ­
píri to , p o r é m , sofre p o r efeito d e s s e c o n s t r a n ­
g im e n to , de q u e t e m p e r f e i t a c o n sc iê n c ia . E s ­
tá aí a a ç ã o da m a t é r i a " .
849 — Qual a faculdade predom inante no hom em 
em estado de selvagerias: o instinto, ou o livre-ar- 
bítrio?
"O ins tin to , o q u e n ã o o i m p e d e de agir co m 
in te i r a l i b e r d a d e , no t o c a n t e a c e r t a s co isas . 
M a s , a p l i c a , c o m o a c r i a n ç a , e s s a l i b e r d a d e
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A Filosofia Penal dos Espíritas - Fernando Ortiz 52
às s u a s n e c e s s i d a d e s e e la se a m p l i a c o m a 
in t e l ig ê n c i a . C o n s e g u i n t e m e n t e , tu, q u e és 
m a i s e s c l a r e c id o do q u e u m s e l v a g e m , t a m ­
b é m és m a i s r e s p o n s á v e l p e lo q u e fazes do q u e 
u m s e l v a g e m o é p e lo s seus a to s" .
851 — Haverá fa ta lidade nos acontecimentos da vi­
da, conforme ao sentido que se dá a este vocábulo? 
Q uer dizer: todos os acontecimentos são predeter­
minados? E, neste caso, que vem a ser do livre-ar- 
bítrio?
"A f a t a l i d a d e ex is te u n i c a m e n t e p e l a e s c o lh a 
q u e o espír i to fez, ao e n c a r n a r , d e s t a ou d a ­
q u e l a p r o v a p a r a sofrer. E s c o lh e n d o - a , in s­
t i tu iu p a r a si u m a e s p é c i e de des t ino , q u e é a 
c o n s e q u ê n c i a m e s m a da p o s i ç ã o e m q u e v e m 
a a c h a r - s e co lo ca d o . Fa lo d a s p r o v a s físicas, 
po is , p e lo q u e to c a às p r o v a s m o r a i s e às t e n ­
t a ç õ e s , o espíri to, c o n s e r v a n d o o l iv re -a rb í t r io 
q u a n t o ao b e m e ao m al , é s e m p r e s e n h o r de 
c e d e r ou de resist ir . A o vê- lo f r aq u e ja r , um 
b o m espíri to

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