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Projeto para uma Psicologia Científica tcc

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Prévia do material em texto

Tito Lívio Ferreira Vieira
O "Projeto para uma Psicologia Científica" de
Sigmund Freud
Mestrado em História da Ciência
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2005
Tito Lívio Ferreira Vieira
O "Projeto para uma Psicologia Científica" de
Sigmund Freud
Dissertação apresentada à
Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em
História da Ciência sob a orientação
da Profª. Drª. Lilian Al-Chueyr
Pereira Martins.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2005
VIEIRA, Tito Lívio Ferreira
“O 'Projeto para uma Psicologia Científica' de Sigmund
Freud”
São Paulo, 2005, xi, 74, [9] p.
Dissertação (Mestrado) – PUC – SP
Programa: História da Ciência
Orientadora: Profª. Drª. Lilian Al-Chueyr Pereira Martins
Folha de aprovação
______________________________
______________________________
______________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação por processos fotocopiadores ou eletrônicos.
Ass.: __________________________________________________________
Local e data: ____________________________________________________
Citta_vieira@hotmail.com
Agradecimentos
Agradeço a meu pai pela direção espiritual.
Agradeço à minha mãe pelo amor incondicional.
Agradeço à minha esposa pelo amor e por ser a pessoa que mais
acreditou em mim.
Agradeço aos meus filhos que foram compreensivos pelo tempo que retirei
deles para a dedicação ao trabalho.
Agradeço à minha colega e amiga do Programa de História da Ciência
Ana Paula M. Brito que mesmo estando com tantas sobrecargas como eu próprio,
em vários momentos emprestou seu tempo, sua casa, sua energia e conselhos de
forma completamente desinteressada, o que é tão raro hoje em dia.
Agradeço ao Programa de Estudos Pós Graduados em História da
Ciência, na figura de sua coordenação, professores, o Cesima, à Sandra da
Secretaria e aos funcionários da Biblioteca de Exatas.
Agradeço ao Professor Roberto Martins, pelos proveitosos conselhos e
críticas feitos no momento da qualificação, e também pela localização de artigos
importantes.
Agradeço ao Professor Paulo Carvalho pelos comentários acerca de
aspectos da psicanálise que poderiam ser relevantes na discussão do Projeto e
sugestão de bibliografia.
Agradeço aos recursos financeiros e apoio à pesquisa científica
proporcionados pela CAPES.
Agradeço à minha orientadora Lilian Al-Chueyr Pereira Martins, um ser
verdadeiramente humano que reúne qualidades muito especiais, não apenas
pelas suas qualificações acadêmicas, estas fora de qualquer suspeita, mas
também habilidade incomum de saber escutar o aluno, paciência, nunca se
prevaleceu da sua condição de educadora, soube respeitar minha individualidade,
e tendo uma participação decisiva na pesquisa por ela orientada, desde a escolha
inicial do tema e autor, ajudando a conseguir artigos importantes, indicando
caminhos, lendo de forma atenciosa e calma a quantidade enorme de escritos
feitos por mim e ajudando a retificá-los e sempre me ajudando a buscar um rigor
metodológico em História da Ciência. Não faltou uma orientação mais firme,
eventualmente, porém, sempre de forma educada e respeitosa.
Agradeço finalmente aos colegas pelas trocas de idéias e as novas
amizades que fizemos.
RESUMO
Sigmund Freud (1856-1939) é bastante conhecido por ter fundado a
psicanálise. O objeto de estudo desta dissertação, é entretanto, uma contribuição
de Freud anterior à psicanálise, datada de 1895, "Uma psicologia para
neurologistas" e que só foi publicada postumamente. A edição inglesa (1954) foi
intitulada Project for a Scientific Psychology (Projeto para uma Psicologia
científica). Trata-se de um texto complexo e inacabado onde Freud se propôs a
"estruturar uma psicologia que fosse uma ciência natural".
O objetivo deste trabalho é procurar averigüar se a proposta de Freud no
Projeto estava bem fundamentada nos conhecimentos científicos da época e se o
Projeto representou uma ruptura em relação aos trabalhos publicados por Freud
anteriormente e posteriormente a ele.
Esta dissertação está dividida em uma introdução e três capítulos. O primeiro
capítulo discute um pouco sobre Freud e seu contexto procurando situar o Projeto
em relação às suas outras contribuições. O segundo capítulo apresenta uma
descrição do Projeto analisando alguns aspectos relevantes e procurando detectar
a existência de uma possível relação entre conceitos e idéias que aparecem no
Projeto com outros trabalhos de Freud. O quarto capítulo apresenta alguns
comentários finais sobre o assunto, procurando responder às perguntas que
aparecem na introdução.
Conclui-se que o Projeto estava bem fundamentado em alguns aspectos mas
havia diversos pontos importantes que careciam de uma fundamentação empírica.
Por outro lado, o Projeto tem uma ligação com outros trabalhos de Freud tanto
anteriores como posteriores sendo que, nesses últimos, Freud apesar de ter
utilizado muitas vezes uma terminologia diferente, refinou muitas das idéias e
conceitos que já estavam presentes no Projeto.
ABSTRACT
Sigmund Freud (1856-1939) is well known as the founder of psychoanalysis.
However, the subject of this research is to study a contribution produced by Freud
before psychoanalysis, named "A psychology for neurologists" (1895). This study
was only published after Freud´s death and its English version was entitled Project
for a Scientific Psychology (1954). It is a very complex and unfinished study where
Freud propounded " to furnish a psychology that shall be a natural science".
The aim of this dissertation is to elucidate whether Freud´s Project was well
grounded on the scientific knowledge of his time, and if the Project represents a
break in relation to the other works published by Freud before and after 1895.
 This dissertation contains an introduction and three chapters. Chapter 1
discusses Freud and his context and situates the Project in relation to the other
works published by Freud. Chapter 2 provides a description of the Project
analysing some of its relevant features and tries to elucidate whether there is a
relationship between the concepts and ideas presented in the Project and Freud´s
ideas presented in his other works before and after the Project. Chapter 3 provides
some final remarks on the subject as well as answers to the questions presented in
the Introduction.
This study led to the conclusion that although Freud´s purpose in the Project
was well grounded in some respects, there were several crucial features which
were devoid of empirical foundation. On the other hand, there is a relationship
between the Project and some others of Freud´s publications. Although Freud
employed a different terminology in those works, he also improved some of the
concepts and ideas which were already present in the Project.
Sumário
Introdução................................................................................................ 1
Capítulo 1 – Freud e seu contexto........................................................... 4
1.1 Carreira e interesses profissionais..................................................... 4
1.2 O desenvolvimento do pensamento psicanalítico de Freud............. 13
1.3 Algumas informações sobre a situação científica da época ............ 16
Capítulo 2 – Uma Psicologia Para Neurologistas .................................. 19
2.1 Estrutura do Projeto ......................................................................... 21
2.1.2 Parte I – Esquema geral ............................................................... 22
2.1.2.1 Primeiro teorema: A concepção quantitativa...................... 22
2.1.2.2 Segundo teorema: A teoria dos neurônios.........................25
2.1.2.3 A hipótese das barreiras de contato................................... 26
2.1.2.4 O ponto de vista biológico.................................................. 28
2.1.2.5 O problema da Quantidade................................................ 31
2.1.2.6 O problema da Qualidade .................................................. 32
2.1.2.7 Consciência........................................................................ 33
2.1.2.8 O funcionamento do aparato e as possíveis vias da
quantidade..................................................................................... 35
2.1.2.9 As experiências da satisfação e dor................................... 37
2.1.2.10 Afetos e estados de desejo .............................................. 39
2.1.2.11 A introdução do 'Ego' ....................................................... 40
2.1.2.12 Processos primários e secundários em 
�........................ 41
2.1.2.13 Processos primários – Sono e Sonhos ............................ 42
2.1.2.14 A análise dos sonhos ....................................................... 44
2.1.2.15 Os sonhos conscientes .................................................... 46
2.1.2.16 Algumas considerações ................................................... 47
2.1.3 Parte II – Psicopatologia ............................................................... 49
2.1.3.1 Compulsão histérica........................................................... 50
2.1.3.2 Gênese da compulsão histérica ......................................... 52
2.1.3.3 A patologia da defesa ........................................................ 54
2.1.3.4 Os Proton pseudos histéricos ............................................ 56
2.1.3.5 Condições que determinam a primeira mentira histérica ... 56
2.1.3.6 Perturbação do pensamento pelo afeto ............................. 57
2.1.4 Parte III – Processos normais....................................................... 60
Capítulo 3 – Considerações finais ......................................................... 64
Bibliografia ............................................................................................. 71
Sigmund Freud (Freiberg, 1856 – Londres, 1939)
Fotografia de 1895. Fonte: http://www.loc.gov/exhibits/freud/freud01.html
1
INTRODUÇÃO
Gostaria inicialmente de explicar o que me levou à escolha do
tema da presente dissertação: o Projeto para uma Psicologia Científica
de Sigmund Freud (1856-1939). Meu primeiro contato com o Projeto
ocorreu através da versão portuguesa da Standard Edition, durante o
período em que realizava minha graduação em Psicologia. À primeira
vista, seu conteúdo pareceu-me estranho e diferente de tudo aquilo que
eu havia lido até então, inclusive de algumas obras do próprio Freud.
Desde então, interessei-me por conhecer este texto mais profundamente.
Ao ingressar no Mestrado de História da Ciência, quando estava
escolhendo o tema sobre o qual iria pesquisar, após várias conversas
com minha orientadora, examinamos diversas possibilidades. Estas
incluíam as contribuições de Carl G. Jung e Karl E. Priban. Resolvi,
entretanto, optar pelo Projeto de Freud. Esta escolha, além de ter sido
motivada pela razão apresentada no parágrafo anterior, proporcionava
um distanciamento maior em relação ao objeto de estudo, já que em meu
trabalho clínico sigo a linha junguiana.
Freud, que teve uma experiência prévia bastante vasta como
neurologista, tendo conhecimento da anatomia, histologia e fisiologia do
sistema nervoso, é bastante conhecido por ter fundado a psicanálise.
Suas contribuições em relação a este assunto têm sido bastante
estudadas, o que é mostrado por um levantamento feito na Current
Bibliography da revista Isis, considerando as duas últimas décadas.
Entretanto, em 1895 ele escreveu um texto com cerca de cem páginas
intitulado "Psicologia para Neurologistas", resultado de um diálogo
intelectual com Wilhelm Fliess. Este texto só foi publicado postumamente
em 1950, em seu idioma original (alemão). Quatro anos mais tarde
apareceu a versão inglesa, editada por James Strachey, onde o título foi
2
mudado para Project for a Scientific Psychology ("Projeto para uma
Psicologia Científica"). O Projeto é bem menos conhecido pelo público
em geral e menos explorado pelos estudiosos de Freud em relação às
obras sobre psicanálise. Trata-se de um texto bastante complexo em
termos de conteúdo, inacabado e que não passou por um processo de
editoração. Nele Freud se propôs a "estruturar uma psicologia que fosse
uma ciência natural"1 e apresentou uma teoria através da qual procurou
explicar o funcionamento do cérebro tanto nos casos normais como nos
casos patológicos.
A linha de pesquisa adotada neste estudo é História e Teoria da
Ciência, cujo objetivo é procurar entender o desenvolvimento do
pensamento científico, conhecer acerca de hipóteses e teorias,
discutindo sua fundamentação. Entretanto, este estudo não se limita
apenas a descrever fatos utilizando uma terminologia adequada, mas
procura também analisá-los dentro do contexto de sua época. Como
fontes primárias, utilizamos o Projeto de Freud., fazendo uma leitura das
várias versões do mesmo (versão inglesa, francesa e portuguesa), com
exceção da alemã já que não dominamos este idioma. Com isso
procuramos compreender quais eram suas principais idéias. Além do
Projeto, examinamos outras obras de Freud publicadas antes e depois
do Projeto para detectar se havia alguma relação entre essas obras e o
Projeto. Como fontes secundárias, utilizamos uma série de artigos que
tratam direta ou indiretamente do Projeto e que aparecem na bibliografia
no final desta dissertação.
Trata-se de um estudo de História da Psicologia que tem por objeto
o "Projeto para uma Psicologia Científica" de Freud.
Nossos objetivos são inicialmente descrever alguns dentre os
principais aspectos do Projeto onde Freud apresentou uma teoria sobre o
 
1
 Freud, Standard Brasileira, vol. 1, pp. 394-395.
3
funcionamento do cérebro já que se trata de um texto bastante complexo.
Procuraremos averiguar se sua proposta está bem fundamentada nos
conhecimentos científicos da época e em que evidências ele se baseou.
Já que Freud não publicou o Projeto no decorrer de sua vida,
procuraremos detectar se isso se deveu a uma ruptura em relação às
idéias que aparecem em seus estudos anteriores e posteriores sobre
psicanálise. Assim, este estudo procurará responder às seguintes
perguntas:
• Quais são as principais idéias contidas no Projeto?
• A proposta de Freud estava bem fundamentada nos
conhecimentos científicos da época?
• As idéias contidas no Projeto têm alguma relação com algum dos
trabalhos anteriores e posteriores de Freud? Qual é a relevância do
Projeto dentro da obra de Freud?
 Esta dissertação está dividida em uma Introdução e três capítulos.
O primeiro capítulo ("Freud e seu contexto") discute um pouco a vida e
obra científica de Freud, procurando situar o Projeto em relação aos
outros trabalhos publicados por Freud. Além disso procura oferecer ao
leitor uma idéia sucinta de como estava a ciência na época em que Freud
escreveu o Projeto. O segundo capítulo ("Uma Psicologia para
Neurologistas") apresenta uma descrição do Projeto, analisando alguns
aspectos que julgamos relevantes, procurando detectar a possível
existência de uma relação entre conceitos e idéias encontrados no
Projeto com trabalhos publicados por Freud antes e depois do Projeto. O
quarto capítulo ("Considerações Finais") procura responder às perguntas
propostas inicialmente tecendo alguns comentários sobre alguns pontos
discutidos nos capítulos anteriores.
4
CAPÍTULO 1
FREUD E SEU CONTEXTO
1.1 CARREIRA E INTERESSES PROFISSIONAIS
Sigmund Freud (1856-1939) nasceu na Moravia sendo o filho mais
velho do segundo casamento de seu pai, um comerciante de lã de
Freiberg. Suafamília seguia os costumes judaicos mas com moderação.
De acordo com Peter Amacher, a infância de Sigmund foi marcada pelo
fato de sua mãe ser vinte anos mais jovem que o pai e ter a mesma
idade que seu meio-irmão mais velho. Entretanto o comércio de lã em
Freiberg passou por uma crise muito grande, o que fez com que a família
de Freud se mudasse para Viena em 1860. A partir de então o pai de
Freud, Jakob, que até então havia vivido uma fase de prosperidade,
permaneceu constantemente desempregado, sendo que a família passou
por períodos de grandes dificuldades financeiras.2
Aos nove anos, Freud ingressou no Sperl Gymnasium em Viena,
onde estudou matemática e idiomas clássicos e modernos, lá
permanecendo até os dezessete anos, concluindo o curso em 1873 com
distinção. Neste ano ele ingressou na Universidade de Viena para
estudar medicina. De acordo com Amacher, ao optar por esta carreira ele
estava mais preocupado estudar a condição humana com todo o rigor
científico do que com a prática propriamente dita3.
 
2
 Peter Amacher, "Freud, Sigmund", in Charlton Colston Gillispie, Dictionary of Scientific
Biography, vol. 5, pp. 171-181, na p. 171.
3
 Ibid.
5
Na Universidade de Viena Freud, estudou fisiologia com Ernst von
Brücke4 durante todo o curso e após tê-lo concluído. Ele permaneceu um
longo período no Instituto Fisiológico de Brücke (1876-1882), o que fez
com que concluísse seu curso em oito anos, ou seja, com três anos de
atraso. No laboratório de Brücke ele estudou as conexões de células
nervosas grandes (células de Reissner) que haviam sido descobertas na
medula espinhal de um gênero primitivo de peixe. Ele também se
dedicou ao estudo das fibras nervosas de um lagostim vivo e à anatomia
do cérebro humano. Razões econômicas já que Freud pretendia se casar
e constituir uma família, levaram-no mudar sua linha de pesquisa uma
vez que não havia perspectivas para sua contratação a curto prazo no
Laboratório de Brücke pois seus dois assistentes ainda eram jovens e
demorariam a se aposentar. Freud ingressou então no Hospital Geral de
Viena como residente durante cerca de três anos. Nesse período ele
trabalhou em vários departamentos clínicos por pouco tempo mas
permaneceu um tempo maior no departamento de doenças nervosas
pois pretendia se especializar em neuropatologia5.
Durante o período em que durou seu curso de medicina Freud
conviveu também com outros professores: Franz Brentano, um padre
católico, que lecionava Psicologia, Theodor Meynert, que lecionava
Psiquiatria e Josef Breur, médico conceituado em Viena. Com Brentano
Freud estudou lógica, a teoria aristotélica do silogismo e o estratagema
do argumento filosófico6. Brentano acreditava que a psicologia deveria
ter leis exatas e que o objetivo deste estudo seria encontrá-las. Além
disso, que qualquer um tinha acesso a seus próprios fenômenos mentais,
 
4
 Brücke, Edmund Du Bois Raymond e Hermann Helmholtz haviam estudado fisiologia com
Johannes Müller. Müller acreditava que as funções do corpo não poderiam ser explicadas
totalmente através dos princípios físicos e químicos (Clarck, "Freud´s Androids", pp. 46-47).
5
 Amacher, "Freud, Sigmund", pp. 171-172.
6
 Enquanto Freud era estudante Brentano publicou Psicologia do ponto de vista empírico .
6
aos pensamentos, sonhos e imagens, dores e prazeres. Através da
introspecção, adequadamente conduzida, qualquer pessoa poderia reunir
fatos de sua própria vida mental7. Com Meynert, Freud obteve a visão de
que a capacidade da fala poderia ser decomposta em várias sub-
capacidades (de ouvir, interpretar os sons como fala, de pensar e
raciocinar, de produzir a fala) as quais tinham uma localização física no
cérebro constituída por tecidos especiais. Estimulados pelo trabalho de
Broca, que em 1871 afirmou ter localizado a região do córtex cerebral
responsável pela produção da fala, Meynert e seu estudante, Carl
Wernicke iniciaram o estudo de uma psicologia da mente, que culminou
com a publicação de um livro em 1874 que era uma combinação de
neuroanatomia com psicologia clínica e apontava a região responsável
pela compreensão da fala. Pacientes com incapacidades lingüísticas,
afasias eram classificados conforme sua incapacidade e ao morrerem
seus cérebros as lesões cerebrais eram examinadas. Ao serem
localizadas eram associadas à subcapacidade lingüística
correspondente8. De acordo com Clarck Glymour, o pensamento de
Freud recebeu uma influência maior de Brücke e Meynert e menor de
Brentano sendo que este último e os neurologistas concordavam apenas
em que o objetivo da psicologia deveria ser a busca de leis exatas9.
Durante o período em que se dedicou à prática médica no hospital
geral de Viena Freud continuou investigando a anatomia do cérebro
humano e iniciou uma série de estudos sobre neurologia clínica. Em
1884 ele investigou o uso terapêutico da cocaína, inclusive testando os
efeitos do uso dessa droga em seu próprio organismo. Publicou então
dois artigos sobre os efeitos desta droga como estimulante, analgésico, e
 
7
 Clark Glimour, "Freud´s Androids" in Jerome Neu, ed., The Cambridge Companion to Freud,
pp. 44-83, na p. 47.
8
 Clarck Glimour, "Freud´s Androids", pp. 47, 50, 51.
9
 Ibid., p. 51.
7
um meio de superar a dependência da morfina. Entretanto, dois anos
depois relatórios sobre a dependência da cocaína iriam abalar a sua
reputação10.
Após deixar o Hospital Geral de Viena, Freud, através da influência
de Brücke, recebeu uma bolsa de estudos que permitiu que ele passasse
quatro meses em Paris estudando com J. M. Charcot, um conceituado
neurologista. Neste período Freud dedicou-se principalmente aos
estudos da histeria11.
Ao retornar de Paris dedicou-se à prática da neuropatologia. Logo
se casou com Martha Bernays (em 1886), com a qual veio a ter seis
filhos. Trabalhou na Clínica de Crianças Kassowitz, onde chefiou o
departamento de neurologia. Lecionou inicialmente neuropatologia e
depois psicanálise na Universidade de Viena onde foi atuou como lente
em 1885 e depois com o que seria equivalente a professor assistente a
partir de 1902. 12 Em 1887 iniciou o atendimento de pacientes
particulares. Grande parte de sua clientela sofria de histeria. Inicialmente
utilizou os métodos normalmente recomendados como hidroterapia,
eletroterapia, massagem e o tratamento de descanso e cura de Mitchell,
mas como percebeu que os resultados obtidos não eram satisfatórios
passou a utilizar a hipnose onde foi bem sucedido em diversos casos,
conforme comunicou a Fliess13. Em relação à hipnose além da sugestão
 
10
 Amacher, "Freud, Sigmund", p. 172.
11
 James Stranchey, "Editor´s Introduction", in James Stranchey, The Standard Edition of the
Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 2 (1893-1895), pp. ix-xxx, na p. xi.
12
 Stranchey, "Abstracts of the Scientific Writings of Dr. Sigmund Freud", in James Stranchey,
ed. The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 3 (1893-
1899), pp. 225-262, na p. 225.
13
 Carta de Freud para Fliess 28/12/1887, apud, Stranchey, "Editor´s Introduction", p. xi (James
Stranchey, The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 2
(1893-1895))
8
hipnótica, ele utilizou o método catártico14. Apesar de não estar
realizando pesquisas anatômicas há algum tempo ele se manteve
informado acerca das pesquisas sobre fisiologia da mente até meados da
década de 189015.
Em 1891 Freud publicou seu primeiro livro intitulado Sobre a
Interpretação das Afasias, um estudo crítico que é considerado uma
contribuição significativa para a neuropatologia convencional. Após fazer
uma resenha crítica da literatura disponível a respeito do assunto, ele
criticou a visão aceita então pelamaioria dos neurologistas de língua
alemã que a perda de função na afasia era devidas a lesões restritas a
centros cerebrais que anatomicamente correspondiam às várias funções
da linguagem. Ele assumiu que as áreas cerebrais envolvidas na
linguagem estavam menos circunscritas e que a função poderia ser
reduzida na área e não simplesmente cancelada como se aceitava
então16. Aqui ele estava discordando parcialmente da interpretação de
Wernicke sobre os esquemas de localização.17 Ainda em 1891, ele
publicou seu primeiro trabalho tratando da paralisia cerebral em crianças,
seguido por mais dois publicados em 1893 e 1897. Em 1892 escreveu
para Fliess sobre uma primeira comunicação acerca dos estudos de
ambos sobre a histeria:
Estou encantado de poder contar que nossa teoria da
histeria reminiscência, [...] vai ser publicada no Neurologisches
 
14
 Ibid..
15
 Glymour, "Freud´s Androids", p. 52.
16
 Amacher, "Freud, Sigmund", p. 173.
17
 Ver Glymour, "Freud´s Androids", p. 52; Jason W. Brown, "Psychoanalysis and Process
Theory", p. 91.
9
Centralblatt de 01 de janeiro de 1893, na forma de uma detalhada
comunicação preliminar.18
De acordo com James Strachey, a posição adotada pelos autores
nesta comunicação era de que no curso normal das coisas se uma
experiência era acompanhada por uma grande quantidade de "afeto",
este afeto é tanto 'descarregado' em uma variedade de atos reflexos
conscientes ou se torna gradualmente fora de uso (desgastado) através
da associação com outros materiais mentais conscientes. Entretanto, no
caso dos pacientes histéricos não ocorria nenhuma dessas duas
possibilidades. O afeto permanecia em um estado "estrangulado", e a
memória da experiência ao qual estava relacionado era excluída do
consciente. A memória afetiva se manifestava, entretanto, através de
sintomas histéricos, que podiam ser considerados 'símbolos
mnemônicos', ou seja, símbolos que suprimiam a memória.19
 Nos trabalhos publicados entre 1893 e 1897 Freud discutiu casos
encontrados em sua prática na clínica de Kassowitz, fazendo também
uma resenha crítica da literatura disponível sobre o assunto. Estes
trabalhos obtiveram o reconhecimento do público especializado20. Em
1893 publicou juntamente com Breuer um artigo sobre neurose21. Neste,
eles desenvolveram a idéia da etiologia dissociativa da neurose. Mais
tarde Freud viria a abandonar esta idéia substituindo-a pelo modelo da
repressão, baseado nos conceitos de energia desenvolvidos no Projeto.22
 
18
 Carta de Freud para Fliess, 18/12/1892, apud, Strachey, "Editor´s Introduction", p. xiv.
19
 Strachey, "Editor's Introduction", p. xviii.
20
 Amacher, "Freud, Sigmund, p. 173.
21
 J. Breuer & S. Freud, "On the Physical Mechanism of Hysterical Phenomena" [1893], in E.
Jones, ed., Collected Papers of Sigmund Freud, vol. 1, M. Meyer, Trad, London, Hoghard ,
1953.
22
 Mark Germine, "The Concept of Energy in Freud´s Project for a Scientific Psychology, p. 81.
10
Em maio de 1895 ocorreu a publicação dos Estudos sobre a
Histeria que foi objeto de uma resenha crítica desfavorável da parte do
conhecido neurologista Adolf von Strümpell. Entretanto, este trabalho foi
recebido favoravelmente por escritores que não eram médicos como
Alfred von Berger ou mesmo na Inglaterra, através de uma resenha
crítica favorável no periódico Brain.23
Durante a primeira metade da década de 1890 Freud teria
desenvolvido uma ampla e especulativa concepção de mente e
empreendimento da psicologia. Suas idéias a respeito podem ser
encontradas em cartas e manuscritos, principalmente durante 1895, mas
versão mais extensa aparece em um documento que mais tarde recebeu
o título de Projeto para uma Psicologia Científica. Neste trabalho ele
apresentou uma teoria acerca do pensamento e comportamento
humanos em termos da estrutura e função do sistema nervoso. Este
trabalho não foi publicado mas suas concepções foram partilhadas com
Wilhelm Fliess, um médico de Berlin, através da correspondência que
ambos mantiveram durante anos. Assim, havia um diálogo intelectual
entre Freud e Fliess. O texto foi escrito como uma relação de
transferência com Fliess e permaneceu inacabado. Numa de suas cartas
para Fliess, ao se referir ao Projeto, Freud assim se expressou:
Durante as últimas semanas tenho devotado todos os
minutos livres a [este] trabalho; as horas da noite das onze às duas
têm sido ocupadas com imaginações, transposições e
adivinhações, apenas abandonadas quando cheguei a algum
absurdo.24
 
23
 Strachey, "Editor´s Introduction", p. xv.
24
 Carta de Freud para Fliess de 25/5/1895, apud, Mark Solms, "Before and After Freud´s
Project", p. 5.
Fig. 1 – No período que precedeu a redação do “Projeto”, Freud
escreveu vários textos que enviou a Wilhelm Fliess. Entre eles, encontra-
se um texto sobre “Melancolia”, do início de 1895, onde aparece este
esquema que combina representações neurológicas (por exemplo, centro
espinhal e neurônios) com uma análise psicológica (ego, sentimentos
sexuais). Fonte: J. Strachey (ed.), The Standard Edition of the Complete
Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 1, p. 202.
Fig. 2 – No seu manuscrito sobre “Melancolia”, do início de 1895,
Freud incluiu um diagrama neuronal, acompanhados da seguinte
descrição: “E agora, como podem ser explicados os efeitos da
melancolia? A melhor descrição deles: inibição psíquica com
empobrecimento dos instintos e dor relacionada a isso. Podemos
imaginar que, se ps. G. [grupo psíquico sexual] encontra uma grande
perda na quantidade de sua excitação, pode ocorrer um desvio para o
interior (por assim dizer) na esfera psíquica, que produz um efeito de
sucção sobre as quantidades próximas de excitação. Os neurônios
associados são obrigados a ceder sua excitação, que produz dor”. Fonte:
J. Strachey (ed.), The Standard Edition of the Complete Psychological
Works of Sigmund Freud, vol. 1, p. 205.
Fig. 3 – No seu manuscrito sobre “Melancolia”, do início de 1895,
Freud comparou a “mania” com a “melancolia”, utilizando o diagrama
acima. “Uma contrapartida disso [da melancolia] seria representada pela
mania, onde a excitação transbordante é comunicada a todos os
neurônios associados”. Fonte: J. Strachey (ed.), The Standard Edition of
the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 1, p. 206.
11
De acordo com Mark Germine, Freud não chegou a completar na
terceira parte do Projeto, suas concepções a respeito da regressão25
Glymour e outros autores consideram que a intenção inicial de Freud era
publicar este trabalho mas como ele se sentiu inseguro a respeito
submeteu o trabalho apenas a Fliess. Alguns comentadores como
Germine, por exemplo, consideram que Freud teria tentado destruir este
trabalho no fim de sua vida26 mas que em obras posteriores, como por
exemplo, na Interpretação dos Sonhos, "Instintos e Vicissitudes" e O Ego
e o Id, podem ser encontrados vários elementos e inclusive a
terminologia que faziam parte do Projeto. O Projeto só veio a ser
publicado postumamente, em 1954.27
Glymour considera o Projeto como uma " tentativa clara e corajosa
de construir uma fisiologia da mente"28. Conforme Glymour, o "Projeto"
reflete uma forma de pensar a psicologia como uma neuropsicologia do
mental, onde a explicação das capacidades a partir de subcapacidades
identificadas com partes do cérebro essenciais para essas capacidades
que são explicadas a partir da física e da química. Ele considera que
Freud foi levado a pensar assim, a partir das influências que recebeu em
seus estudos.29
Em 1905 Freud publicou seu segundo livro, Três Ensaios sobre a
Teoria da Sexualidade.
Em 1913 Freud publicou Totem e Tabu, onde apresentou sua
teoria social. Ele considerou que a primeira sociedade humana seria
constituída por uma hordade irmãos liderados por um pai forte e onde
 
25
 Mark Germine, "The concept of Energy in Freud´s Project for a Scientific Psychology", p. 80.
26
 
Ibid.
27
 Amacher, "Freud, Sigmund", p. 174; Glymour, "Freud´s Androids", p. 53.
28
 Clarck Glimour, "Freud´s Androids", p. 53.
29Ibid., p. 51.
12
prevaleciam o tabu universal contra o incesto e contra a morte do totem
animal. Os filhos após terem matado o pai, teriam ficado sem um líder e
do desejo de uma liderança ocorreu a divinização do totem animal,
precursor dos sistemas religiosos. Em Civilizações e seus Descontentes
(1927) ele continuou enfatizando os impulsos hostis que participaram do
desenvolvimento das sociedades. A agressão contra o pai foi reprimida
pela incorporação da imagem paterna, o super ego. O descontentamento
foi um aspecto da civilização porque mesmo a agressão de Édipo tendo
sido reprimida o desejo não foi e o desejo teria o mesmo poder de
produzir culpa que o ato.30
Em 1923 Freud publicou O Ego e o Id, onde elaborou o conceito de
super ego, uma parte do ego que não envolvia a consciência. Dois anos
depois ele publicou Inibições, Sintomas e Ansiedade, onde considerava
que os sentimentos de culpa eram o resultado de pensamentos ou atos
que não estavam de acordo com o super ego, a representação interior
dos pais.31
Durante sua carreira Freud estudou, trabalhou e interagiu com
Brücke, Josef Breuer e William Fliess. O resultado da colaboração de
uma década entre Freud e Breuer apareceu na publicação conjunta
Estudos sobre Histeria (1895), que aconteceu na fase final de sua
parceria já que Breuer não concordava com as inovações radicais da
psicanálise e tinha dúvidas sobre a ênfase no papel do sexo. Nos últimos
anos Freud criticou severamente alguns aspectos da personalidade de
Breuer.32
 
30
 Amacher, "Freud, Sigmund", p. 178.
31
 Ibid.
32Ibid., p. 172.
13
Freud se correspondeu com Wilhelm Fliess, de 1893 a 1900, no
período em que desenvolvia suas teorias sobre psicanálise. Fliess
rompeu com Freud em 1900.33
Freud gozou de excelente saúde até completar setenta anos,
quando esta passou a apresentar alguns problemas. Nessa última fase,
ele teve várias perturbações motivadas pela conseqüências da Primeira
Grande Guerra, com o racionamento de alimentos, combustível e
principalmente dos charutos que ele tanto apreciava, somado ao stress
de ter dois filhos no front. Em 1923 foi detectado um câncer de maxilar
que acabou por levá-lo a várias cirurgias, muita dor e depois à morte. Ele
preferiu não fazer uso de analgésicos com o intuito de manter sua mente
em estado de alerta. Apesar disso, após 1923 ele escreveu vários
artigos, três livros, continuou praticando a medicina e manteve extensa
correspondência.34
Freud permaneceu em Viena até 1938, três meses após os
nazistas terem assumido o controle da cidade, só então foi para
Inglaterra graças às manobras diplomáticas de Ernest Jones. Freud
faleceu em Londres em setembro de 1939.35
1.2 O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
PSICANALÍTICO DE FREUD
 De acordo com Amacher, o desenvolvimento das idéias de Freud
acerca da psicanálise pode ser descrito como tendo ocorrido em três
fases.
 
33Ibid., p. 173.
34
 Amacher, "Freud, Sigmund", p. 173.
35
 Amacher, "Freud, Sigmund", p. 173.
14
A primeira fase ocorreu durante os primeiros anos em que ele
tratou de pacientes considerados histéricos, como aqueles que ele
atendia na clínica de Kassowitz. Como terapêutica, ele utilizava repouso
e estimulação com baixa voltagem nos membros paralizados de seus
pacientes. Ele adotou também a sugestão hipnótica utilizada por Breuer
e anteriormente por outros médicos de Viena ou franceses como
Liébeault e Bernheim. Em 1899 ele utilizou o método catártico de Breuer
associado à hipnose. Ele encorajava o paciente a falar acerca da
primeira ocorrência do sintoma. Ele acreditava que o paciente exibia
parte de uma rede de idéias associadas que já haviam sido
estabelecidas durante sua vida. Ele acreditava que parte do complexo de
idéias associadas que eram inaceitáveis pelo pensamento consciente do
paciente era reprimida, permanecendo no inconsciente, influenciando o
que vinha para o consciente. Freud tratou de sua paciente Elizabeth von
R. utilizando a livre associação. Esta paciente havia desenvolvido a
histeria por não aceitar seu amor pelo cunhado, após o falecimento
recente de sua irmã.36
A segunda fase teria ocorrido em torno de 1895 e seria referente à
teoria sobre os eventos neurológicos relacionados ao pensamento e
comportamento humano que aparece esboçada no Projeto para uma
Psicologia Científica. Freud considerava então que todas as funções do
sistema nervoso consistiam em reflexos de um determinado tipo. Haveria
uma analogia que aparece ora explicita, ora implicitamente, entre o fluir
de uma corrente elétrica através de uma rede de fios e a passagem dos
impulsos através das vias nervosas. O fenômeno quantitativo (que ele
chamou de excitação, energia nervosa ou quantidade) fluiria através das
vias tendendo a partir da periferia sensorial para a periferia do sistema. A
força seria gerada pelos órgãos dos sentidos quando eles fossem
 
36
 Amacher, "Freud, Sigmund", p. 174.
15
estimulados e seria proporcional à intensidade e duração do estímulo. A
excitação seria descarregada na periferia do sistema nervoso, na
contração dos músculos. Como a excitação não seria aumentada e nem
perdida durante sua passagem pelo sistema. Assim, a quantidade da
atividade motora seria proporcional à quantidade de estimulação. Os
experimentos neurológicos da época traziam evidências de que as
contrações eram proporcionais à quantidade de estimulação. Desde a
metade do século XVIII, os cientistas haviam obtido evidências
experimentais de que quanto mais dolorosa fosse a estimulação de um
membro de um animal, maior seria reação deste membro. O próprio
Freud havia percebido isso através de experimentos que realizara no
laboratório de Brücke.37
A terceira fase, de acordo com Amacher, consistiria na elaboração,
a partir da experiência clínica, das idéias presentes nas duas fases
anteriores. Além disso, Freud, procurou aplicar a psicanálise à teoria
social. Nesta fase ele publicou A Interpretação dos Sonhos, onde
substituiu diversos termos neurológicos por termos psicanalíticos, como
por exemplo, "aparato psíquico" em vez de "cérebro". Entretanto,
conservou alguns como o modo básico de função que continuou
chamando de reflexo. Ele discutiu deslocamento de ódio ou amor de uma
pessoa para outra (transferência) que ocorria quando a emoção
consciente se tornava aceitável para o ego. Por exemplo, o desejo sexual
pela mãe deveria ser transferido para outra mulher. Em Três Ensaios
sobre a teoria da Sexualidade (1905) e na Interpretação dos Sonhos,
Freud enfatizou as semelhanças entre pensamento e comportamento
normais e anormais, que não era uma idéia nova já que Meynert a
utiilizava constantemente. O sonho inconsciente, segundo Freud, era
bastante semelhante aos processos neuróticos de pensamento. A
 
37
 Ibid., p. 175.
16
diferença entre o comportamento sexual normal e o neurótico estava
relacionada à força dos processos estabelecidos durante a passagem da
fase oral, anal e fálica.38
1.3 ALGUMAS INFORMAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO
CIENTÍFICA DA ÉPOCA
Na época se conhecia a estrutura dos neurônios (ver a respeito no
capítulo 2). No período anterior a Freud outros autores já havia estudos
sobre o sistema nervoso como por exemplo Herbert Spencer e Georges
Romanes, que foram inclusive mencionados por Darwin. Romanes havia
estudado o sistema nervoso das medusas.
Em fins do século XX a utilização do corante de Golgi permitiu com
quese tivesse uma idéia da estrutura do neurônio. O próprio Freud
utilizou esta técnica em seus estudos histológicos sobre o sistema
nervoso. Embora em torno de 1894 houvesse descrições da mecânica do
reflexo espinal, não se tinha conhecimento acerca dos reflexos
relacionados às funções cerebrais superiores.39
Como Freud no Projeto procurou estabelecer uma relação entre
cérebro e mente é interessante conhecer como os cientistas de seu
tempo viam este aspecto. De acordo com Peter Amacher, a atitude que
prevalecia na época não só entre os professores de Freud como Theodor
Meynert, por exemplo, mas também entre outros neurologistas, era não
conceber os processos mentais como independentes dos processos
 
38
 Amacher, "Freud, Sigmund", p. 178.
39
 C.L. Dana, Textbook of Nervous Diseases, apud, M. Germine, "The Concept of Energy in
Freud´s Project ...", p. 81.
17
físicos40. Nesse sentido, Freud procurou através do Projeto e outros
trabalhos anteriores41, mostrar a existência desta relação. Entretanto, por
outro lado, na época se sabia muito pouco sobre os correlatos físicos da
mente42. Já que o único conhecimento confiável na época era o
anatômico, Freud foi forçado a fazer algumas especulações, o que ele
mesmo admitiu em uma carta a Fiess datada de 25/5/189543 que
reproduzimos anteriormente neste capítulo onde ele admite ter feito
"adivinhações e imaginações, que muitas vezes conduziram ao absurdo",
ao elaborar o Projeto.
Em 1859 ocorreu a publicação da Origin of species e na seqüência
outras obras de Darwin. Como Freud mencionou Darwin em seu Projeto,
tinha conhecimento pelo menos de algumas de suas idéias evolutivas.
Embora entre os anos de 1895 e 1905 tenha ocorrido uma série de
descobertas que levaram ao surgimento da mecânica quântica e da
relatividade, questionando diversas concepções admitidas pela física
clássica, durante o século XIX se aceitava de modo geral as concepções
de energia, matéria, espaço e tempo, admitidas pela física clássica.
 
40
 Peter Amacher, "Freud´s Neurological Education", pp. 16-17.
41
 Freud, On Aphasia: A Critical Study (1891). New York, International Universities Press., 1953,
p. 55; apud, Geert Panhuysen, "The Relationship Between Somatic and Psychic Processes", p.
22.
42
 Embora autores como Solms tenham essa idéia, outros autores como Karl Pribam discordam
em que pouco se sabia sobre a neurociência naquele tempo. De acordo com Pribam, enquanto
escrevia o Projeto Freud desenvolveu o conceito de que os neurônios-chave localizados na
base do cérebro produziam uma secreção constituída por uma substância semelhante à
adrenalina que jogavam na corrente sangüínea. Ele acrescenta ainda que em Viena "todos"
sabiam que o córtex era a sede da consciência (Pribam, "A Century of Progress?", pp. 12; 13).
Vamos considerar aqui que o conhecimento a respeito do assunto tinha limitações na época
em relação àquilo que Freud se propunha a fazer.
43
 Carta de Freud para Fliess, 25/5/1895; Freud, 1954, p. 20, apud, Solms, "Before and after
Freud´s Project", p. 5.
18
Em seu Projeto, escrito em 1895, em vários momentos, Freud
utilizou diversas analogias entre os fenômenos descritos e a física
clássica, como por exemplo, ao se referir à energia da mente (Q)
explicou que ela está sujeita às leis gerais de movimento. Neste caso, ele
estava se referindo às leis de Newton. Ou seja, a energia mental
obedeceria às mesmas leis que os outros tipos de energia. Ao discutir
sobre o princípio da inércia dos neurônios ele estava aplicando o
princípio da inércia dos corpos em movimento de Newton44. Ao escrever
no início do Projeto que a psicologia deveria ser uma "ciência natural" e
que os processos físicos das partículas materiais "deveriam ser
representados quantitativamente", ele estava preocupado em conferir à
psicologia um status de ciência, de modo análogo ao status ocupado
pela física. Como colocou Alan Bass, o raciocínio de Freud deve ter sido
o seguinte: "Se a energia mental puder ser determinada
quantitativamente, bem como a matéria física que ela afeta, então a
psicologia poderia ser uma ciência".45
 
44
 Alan Bass, "The Status of an Analogy: Psychoanalysis and Physics", p. 4.
45
 Ibid.
19
CAPÍTULO 2
UMA PSICOLOGIA PARA NEUROLOGISTAS
Como pôde ser visto a partir do capítulo anterior, Freud recebeu
um treino no que chamaríamos atualmente de neuropsicologia e em
neuropatologia, tendo deixado contribuições para ambos os campos
como, por exemplo, suas monografias sobre afasia e paralisia cerebral
infantil. Na década de 1880 sua atenção se concentrou nos problemas
psicológicos causados por condições neuróticas, principalmente a
histeria. Aos poucos, ele foi procurando integrar seus conhecimentos
acerca da psicologia com seus conhecimentos acerca da neurologia. Em
1895, após concluir os capítulos que tratavam da psicologia em seus
Estudos sobre a Histeria, preocupou-se com a elaboração do que ele
chamou de "Psicologia para Neurologistas". Como também foi
mencionado anteriormente, este manuscrito, com cerca de cem páginas,
foi enviado para Wilhelm Fliess, com quem Freud se correspondia.
Entretanto, Fliess não chegou a editá-lo46. Ao que tudo indica, não se
teve notícia do Projeto por vários anos, em que este provavelmente
permaneceu inacessível à maior parte dos estudiosos de Freud. Este
estudo só foi publicado após a morte de Freud em sua versão original
alemã em 1950, fazendo parte da coleção que contêm a correspondência
entre Freud e Fliess. A versão inglesa do Projeto apareceu em 1954.
Nela os tradutores mudaram o título (Psicologia para Neurologistas) para
 
46
 Ver a respeito em Raymond E. Fancher, "The Neurological Origins of Psychoanalysis", p. 1 in
http: //htpprints. yorku.ca/archive/00000122/02/NEUROLOGICAL-ORIGINS2.html, consultada
em 8/8/2005.
20
Project for a Scientific Psychology ("Projeto para uma Psicologia
Científica"). O Projeto é pouco conhecido por boa parte do público leigo.
Sua leitura não é fácil já que, como mencionou R. E. Fancher, não
passou por um processo de editoração e também devido à própria
complexidade e ambigüidade do assunto que tratava47. De acordo com
Mark Rubinstein:
O "Projeto" é sem dúvida o ensaio mais lacônico e
complexo de Freud. Em contraste com seus outros trabalhos, não
há nenhuma alusão à experiência clínica, muito pouca referência a
exemplos específicos ou ao trabalho de seus contemporâneos.
Sua compactividade faz com que fique difícil resumi-lo.48
Iremos concordar aqui com Mark Rubinstein em relação ao Projeto
ser "um ensaio lacônico e complexo" mas não em relação à pouca
referência a exemplos específicos já que aparecem vários exemplos
deste tipo principalmente na segunda e terceira partes do Projeto.
 No Projeto Freud procurou apresentar uma descrição anatômica
do cérebro e também explicar o seu funcionamento, considerando tanto
seu estado normal como suas patologias.
O objetivo deste capítulo é apresentar ao leitor alguns dos
principais aspectos, idéias e conceitos que fazem parte deste Projeto,
procurando detectar a existência de possíveis relações deste com
trabalhos escritos anteriormente e posteriormente por Freud.
 
47
 Fancher, "The Neurological Origins of Psychoanalysis", p. 1.
48
 Mark Rubinstein, "Project for Scientific Psychology and its Influenceon Psychoanalytic
Theory", p. 2, in htttp://www.in-the-money.com/artandpap/Freud's%20Project.DOC, p. 2.,
acessado em 8/8/2005.
21
2.1 ESTRUTURA DO PROJETO
O Projeto apresenta cento e poucas páginas e está dividido em
três partes: Parte I ("Esquema geral"), a Parte II ("Psicopatologia") e
3DUWH�,,,���7HQWDWLYD�GH�UHSUHVHQWDU�RV�SURFHVVRV���QRUPDLV���
A própria estruturaque Freud conferiu ao Projeto é um indício de
que o autor não estava apenas preocupado em estudar o
desenvolvimento mental normal mas também estados patológicos
estabelecendo uma relação entre ambos. Nesse sentido, estamos de
acordo com Donna Lee Wolfe49.
Logo no início do Projeto Freud explicou qual era o seu objetivo.
Ele assim se expressou:
A finalidade deste projeto é estruturar uma psicologia que seja uma
ciência natural, isto é, representar os processos psíquicos como
estados quantitativamente determinados de partículas materiais
especificáveis, dando assim a esses processos um caráter
concreto e inequívoco50.
Tratando do cérebro e de sua fisiologia, Freud partiu de dois
pressupostos:
 • A atividade de repouso, que ele representou pela letra "Q" está
sujeita às leis de movimento.
 • Os neurônios, que ele representou pela letra "N", são
considerados como partículas materiais.
 
49
 Donna Lee Wolfe, Freud´s Project and Neuroscience, p. 21.
50
 Freud, Project for a Scientific Psychology, p. 395, in J. Strachey, ed. The Standard Edition of
the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 1, pp. 295-387, na p. 295.
22
Na seqüência discutiremos cada uma das partes.
Freud não explicou o porquê de sua opção por representar vários
conceitos utilizados no Projeto por letras, inclusive gregas. Sabe-se
entretanto que diversos físicos da época utilizavam este tipo de notação.
Pode ser que Freud, desejando conferir à psicologia o status de uma
ciência natural houvesse apelado para a notação utilizada pela física que
era uma ciência respeitada. Outra particularidade consiste em considerar
os neurônios como "partículas materiais", já que ele conhecia a estrutura
dos neurônios e sabia ser bem complexa e não se tratar em absoluto de
partículas. Ele utilizou também analogias com os estados dos corpos da
física (repouso e movimento). Talvez tudo isso tenha sido feito no sentido
de conferir uma maior respeitabilidade à teoria51 que estava
apresentando.
2.1.2 PARTE I - ESQUEMA GERAL
Na parte I Freud introduziu dois teoremas principais e diversos
conceitos importantes como o das "barreiras de contato", por exemplo.
Nesta parte ele procurou explicar a memória, a dor, a consciência, os
afetos e estado de desejo, o sono e os sonhos, etc.
2.1.2.1 Primeiro teorema: A concepção quantitativa
De acordo com Freud, existe uma quantidade de energia que
passa através da rede de neurônios que ele representou pela letra Q. Ele
esclareceu ao leitor que partindo de observações clinico-patológicas de
casos de histeria e obsessões chegou ao princípio da inércia neurônica.
 
51
 Freud se referiu ao que estava propondo no Projeto como sendo um sistema, que pode ser
utilizado como sinônimo de teoria. É neste sentido que estamos utilizando o termo.
23
Ou seja, existe uma tendência entre os neurônios de se desfazerem de
Q. De acordo com Freud, este processo explica as diferenças existentes
entre dois tipos de neurônios (motores e sensoriais) tanto sob o ponto de
vista anatômico como sob o ponto de vista fisiológico. Ele considerava o
movimento reflexo como um modo de descarregar Q e que o movimento
reflexo seria causado pelo princípio da inércia: "O movimento reflexo é
compreendido agora como uma forma estabelecida de efetuar essa
descarga: o princípio dá o motivo para o movimento reflexo".52
De acordo com Zvi Lothane, anteriormente ao Projeto, Freud já
havia se referido à idéia de energia em outros estudos em 1891 e em
189553 onde ele descreveu várias perturbações funcionais nervosas que
seriam classificadas atualmente como neuroses como a neurastenia,
hipocondria, por exemplo.54
A função principal do sistema nervoso, de acordo com Freud, seria
descarregar Q. Isso é feito pelo sistema nervoso primário que descarrega
Qη nos mecanismos musculares através das vias correspondentes,
mantendo-se desse modo livre de estímulos. Nesse momento, conforme
o autor, pode se desenvolver uma função secundária porque, entre as
diversas vias de descarga, são escolhidas aquelas que interrompem o
estímulo, o que ele chamou de fuga de estímulo. Estabelece-se então
uma relação de equilíbrio entre a Q de excitação e o esforço requerido
para a fuga de estímulo, de modo que o princípio da inércia permaneça
estável.55
Freud, entretanto, introduziu um outro aspecto, que desde o início
do processo, poderia romper o princípio da inércia. Quanto mais
 
52
 Freud, Project for a scientific Psychology, p. 296.
53
 "On the Grounds for Detaching a Particular Syndrome from Neurasthenia Under the
Description 'Anxiety Neurosis", vol. 3 Standard Edition.
54
 Lothane, "From Mind to Brain", p. 51.
55
 Freud, Project , pp. 296-297.
24
complexo for o organismo, mais estímulos vindos de sua parte somática
(estímulos endógenos) vão ser recebidos pelo sistema nervoso. São
esses estímulos que vão produzir a fome, a respiração e a sexualidade.
Nesse caso, o organismo não consegue descarregá-los, ou seja,
empregar sua Q na fuga do estímulo. Faz-se então necessário um
esforço independente de Qη. O organismo então é forçado a abandonar
sua tendência à inércia, reduzindo o nível da Qη a zero. O indivíduo deve
aprender a tolerar um acúmulo de Qη suficiente para satisfazer as
exigências de uma ação específica.56
O princípio da inércia que faz parte da mecânica newtoniana diz
respeito à tendência apresentada pelos corpos em movimento é
permanecer em movimento e a tendência apresentada pelos corpos que
estão em repouso é permanecer em repouso . De acordo com Mark
Germine Freud estava se referindo a uma concepção de inércia
quantitativa, embora ele não houvesse esclarecido de que tipo de
quantidade estava se referindo.57
Mas qual seria a natureza da "concepção quantitativa" da energia
de Freud? De acordo com Germine, é possível que Freud estivesse se
referindo à resistência elétrica. Mas como, ao mesmo tempo, existe uma
indicação de que a quantidade estivesse relacionada à alguma
propriedade externa do estímulo, talvez a intensidade do estímulo. É
provável que Freud acreditasse que a energia dos estímulos gerava uma
corrente nos órgãos dos sentidos e que esta corrente seria transmitida
para o cérebro.58
 
56
 Freud, Project, pp. 297-298.
57
 Mark Germine, "The Concept of Energy in Freud´s Project for a Scientific Psychology", p. 81.
58
 Germine, "The Concept of Energy in Freud´s Project for a Scientific Psychology", p. 82.
25
2.1.2.2 Segundo teorema: A teoria dos neurônios
Freud procurou relacionar a teoria da Qη com os conhecimentos
histológicos que se tinha na época sobre os neurônios59. Em torno de
1895 sabia-se que os neurônios eram a unidade básica do sistema
nervoso. Schleiden e Schwann haviam mostrado que os neurônios eram
uma unidade funcional e que cada uma dessas células era o componente
básico que constituía o tecido. Além disso, Waldeyer havia descrito a
estrutura dos neurônios mostrando que os dendritos conduziam as
transmissões para as células do corpo e que os axônios carregavam os
impulsos para fora das células do corpo.60
Freud, que estava a par das "novas descobertas", comentou:
O sistema nervoso se compõe de neurônios diferentes,
homogêneos em sua estrutura, que se mantêm em contato
mediante uma substância estranha, terminando uns sobre os
outros como se fosse sobre pedaços de tecido estranho nos quais
se acham estabelecidas determinadas vias de condução, no
sentido em que eles recebem estímulos através dos processos-
celulares (dendritos) e descarregam através de um cilindro-eixo
(axônio). Além disso, possuem inúmeras ramificações de vários
calibres61.
Até aqui Freud estava considerando os conhecimentos que
existiam na época acerca dos neurônios tanto sob o ponto de vistafisiológico como sob o ponto de vista anatômico. Entretanto, ao introduzir
 
59
 Freud, Project, pp. 297-298.
60
 G. Zilboorg, A History of Medical Psichology, apud, Wolfe, Freud´s Project and Neuroscience,
p. 22.
26
Q e outros conceitos que vão aparecer na seqüência ele passou a
apresentar sua própria teoria.
Freud considerava que o neurônio poderia ou se encontrar repleto
de Qη ou totalmente desprovido dela. Ele considerou a hipótese da
existência de uma corrente que parte dos dendritos na direção do
cilindro-eixo e que é através desta corrente que os neurônios vão se
desfazer de Q (princípio da inércia). Assim, seria no cilindro-eixo ou
axônio que ocorreria a descarga. Freud considerou que a tendência do
princípio da inércia seria reduzir o nível da energia contida nos neurônios
a zero62.
De acordo com Mark Germine, o que Freud considerava como
sendo princípio da inércia parecia ser a Segunda Lei da Termodinâmica
em que os sistemas tendem a atingir estados mínimos de energia e
máximos de entropia63.
Por outro lado o acúmulo de Qη ocorreria provavelmente nas
resistências opostas à descarga que vão se encontrar entre os neurônios
funcionando como barreiras. Freud propôs então a hipótese das
"barreiras de contato".64
2.1.2.3 A hipótese das barreiras de contato
As barreiras de contato são porções das paredes celulares de um
neurônio que proporcionam o contato entre os neurônios e possibilitam
que os neurônios fiquem preenchidos totalmente ou parcialmente com
energia (Q).
 
61
 Freud, Project, p. 298.
62
 Freud, Project, pp. 298-299.
63
 Mark Germine, "The concept of Energy in Freud´s Project for a scientific Psychology", p. 82.
64
 Freud, Project, pp. 298-299.
27
Freud supunha que havia um protoplasma dentro dos neurônios
que seria diferenciado, melhor adaptado à condução; e um protoplasma
fora dos neurônios, menos adaptado à condução da energia. Seria
através deste último que ocorreria principalmente a transmissão de Qη.65
Para Freud, toda a teoria psicológica que merecesse alguma
consideração deveria fornecer uma explicação para a memória". Nesse
sentido, ele procurou explicar a memória através da hipótese das
barreiras de contato. Ele considerou a existência de duas classes de
neurônios: aqueles que permitem que Qη passe (Neurônios ���H�DTXHOHV
que não possuem barreiras de contato (Neurônios φ). Deste modo,
depois da excitação eles voltam ao estado anterior e aqueles que
possuem barreiras de contato e que permitem que Qη passe com
dificuldade ou parcialmente (Neurônios ���� (VWHV� últimos ficam em um
estado diferente após cada excitação e assim, o que oferece uma
possibilidade de representar a memória.66
De acordo com esta explicação, a percepção deveria ser mediada
por neurônios φ permeáveis que permitiriam uma passagem intracelular
rápida de Qη, enquanto a memória deveria ser mediada por neurônios
impermeáveis �� ��YHículos da memória e provavelmente dos processos
físicos em geral. Não se podia negar a existência dos processos de
percepção e memória, mas como o cérebro trabalhava neste sentido era
um mistério.67
 
65
 Freud, "De l´Esquisse d' une Psychologie Scientifique", in: Anne Berman, trad. La Naissance
de La Psychanalyse, pp. 315-396, nas pp. 318-319.
66
 Freud, Project for a Scientifuc Psychology, in James Strachey, ed., The Standard Edition of
the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 1, pp. 295-387, na p. 299; Freud, De
l' Esquisse..., p. 319.
67
 Lothane, "Freud´s 1895 Project", p. 54.
28
Freud introduziu aqui um outro conceito, o da "facilitação", ou seja,
a ausência de resistência de uma barreira de contato em relação à
transferência da descarga ou da quantidade de energia que existe
acumulada em um neurônio (cathexia), independentemente da excitação.
Ele explicou: "A memória é representada pela diferença de facilitação
existente entre os neurônios ����68
A facilitação, de acordo com Freud depende da Qη que passa
através do neurônio durante o processo de excitação e do número de
repetições do processo. Qη pode ser substituída pela quantidade mais
facilitação.69
De acordo com Fancher, para Freud, a catexia de um neurônio
através de Q é equivalente à excitação da idéia que ele representa e
poderia ocorrer em vários graus, dependendo do valor de Q.70
A explicação que Freud oferecia para o mecanismo da memória,
parte do pressuposto de que a memória se baseia na ativação de
neurônios. Conforme D. M. Tucker e P. Luu, ao explicar os processos
mentais em termos da quantidade física, isto é, a ativação dos neurônios
e a passagem da quantidade através dos mesmos, Freud deve ter
considerado estar satisfazendo uma exigência fundamental para a
obtenção de uma psicologia científica.71
2.1.2.4 O ponto de vista biológico
Nesta seção Freud discutiu acerca da origem da diferenciação dos
dois tipos de neurônio (φ� H����� XP� GRV� SUHVVXSRVWRV� GD� KLSótese das
barreiras de contato. Ele considerou que este poderia ser um ponto
 
68
 Freud, Project, p. 300.
69
 Freud, Project, pp. 300-301.
70
 Fancher, "The Neurological Origins of Psychoanalysis", p. 4.
71
 Don M. Tucker e Phan Luu, "Cathexis Revisited", p. 140.
29
levantado contra a hipótese. Ele procurou então dar uma possível
explicação. Ele considerou que desde o início o sistema nervoso tinha
duas funções72. A primeira seria receber os estímulos vindos de fora e a
segunda seria a descarga de origem endógena. Para satisfazer às
exigências da vida ele introduziu, como uma conjectura, a existência dos
dois tipos de neurônio:
Devemos então fazer a conjectura de que foram realmente
nossos sistemas φ� H� �� UHVSHFWLYDPHQWH� TXH� DVVXPLUDP� XPD
dessas obrigações primárias. O sistema φ seria o grupo de
neurônios aos quais chegaria o estímulo externo, o sistema �
conteria os neurônios que recebem as excitações endógenas.
Nesse caso nós não devemos ter inventado os dois, φ� H���� Qós
devemos tê-los encontrado já existindo.73
Do ponto de vista dos conhecimentos anatômicos da época,
lembrou Freud, se conhecia um sistema de neurônios que compunha a
medula espinhal que era composto por substância cinzenta, que estava
em contato com o mundo externo, e um outro sistema de neurônios,
compunha o cérebro, também constituído por substância cinzenta e que
não tinha conexão com a periferia do organismo mas que estava
relacionado tanto ao desenvolvimento do sistema nervoso como às
funções físicas. Freud relacionou então os neurônios �� à substância
cinzenta do cérebro. Este sistema desenvolver-se-ia durante a vida do
indivíduo através do aumento do número de neurônios e acumulação de
Q e seria impermeável. Para justificar a impermeabilidade desta classe
 
72
 Embora não esteja explícito, muito provavelmente ele estava se referindo ao início do
processo evolutivo.
73
 Freud, Project, p. 303.
30
de neurônio Freud considerou, "seguindo a linha de pensamento de
Darwin", em suas próprias palavras, que os estes neurônios seriam
indispensáveis para a sobrevivência dos indivíduos.74
Para justificar a origem da energia que vem de fora e é
descarregada pelos neurônios φ , ele procurou apoio nos conhecimentos
da física da época:
Em primeiro lugar não se coloca em questão que o mundo
externo é a origem de todas as maiores quantidades de energia,
uma vez que, de acordo com as descobertas da física, ele consiste
em possantes massas que estão em violento movimento e
transmitem seu movimento. O sistema φ, que é voltado para o
mundo externo, terá a tarefa de descarregar tão rápido quanto
possível as Qη que penetram nos neurônios, mas isso será emqualquer caso exposto ao efeito maior Qs75.
Freud procurou uma justificativa na histologia da época, para sua
explicação de que o sistema �� Qão estava em contato com o mundo
externo e recebia Q apenas dos neurônios φ e dos elementos celulares
no interior do corpo. De acordo com ele, os estudos histológicos
mostravam que tanto a terminação de um neurônio como a conexão
entre neurônios tinha a mesma constituição e que os neurônios
terminavam um em outro do mesmo modo que os elementos somáticos.
Assim, ele admitiu que, provavelmente, funcionalmente os dois
processos seriam do mesmo tipo76 Entretanto, reconheceu também que
 
74
 Ibid.
75Ibid. , p. 304.
76
 Freud, Project, pp. 304-305.
31
sob o ponto de vista histológico não havia sido encontrada uma distinção
entre os neurônios φ�H���77
2.1.2. 5 O problema da Quantidade
Freud afirmou desconhecer a magnitude absoluta dos estímulos
intercelulares, mas supôs que estes fossem da mesma magnitude da
resistência das barreiras de contato.
Freud percebeu que os neurônios φ não terminavam na periferia
livremente mas sim em estruturas celulares que recebem os estímulos
exógenos. Este "aparato das terminações nervosas" deveria impedir que
a Qs exógena tenha um efeito indiscriminado sobre φ . Eles devem atuar
como telas-Q, através das quais somente quotients de Qs poderão
passar. Uma vez que Qs que são percebidos pela terminação dos
neurônios φ e podem ser calculados, talvez fosse possível calcular as
magnitudes que passam entre os neurônios ����TXH�WHULDP�R�PHVPR�WLSR
de resistência das barreiras de contato78. Freud explicou:
Então, a estrutura do sistema nervoso deve ter a finalidade
de manter Qη fora dos neurônios e sua finalidade deve ser
descarregá-la.79
De acordo com Mark Rubinstein, para Freud a parte do organismo
que permite a descarga são os músculos, glândulas, etc. (o aparato da
motilidade). A quantidade descarregada pelo sistema nervoso age como
liberadora do aparato da motilidade tendo como efeito a produção de
 
77
 Ibid., p. 302.
78
 Ibid, p. 306.
79
 Freud, Project, p. 306.
32
mais energia do que a quantidade descarregada pelo sistema neurônico.
Esta quantidade é descarregada através dos neurônios motores φ que
estão diretamente ligados ao aparato da motilidade80.
2.1.2.6 O problema da Qualidade
De acordo com Freud, durante a percepção os sistemas φ� H��
atuam juntos mas o processo de reproduzir e lembrar é realizado
exclusivamente pelos neurônios ���(QWUHWDQWR�LVVR�é feito sem qualidade.
Aqui Freud introduziu um terceiro tipo de neurônio, o neurônio ω. 
Segundo Frith et al, neste ponto ele deve ter percebido que precisava
distingüir a memória das percepções81. 
Freud considerava que a percepção ocorre através da excitação
dos neurônios do tipo ω. Entretanto, a reprodução cujo estado de
excitação origina as várias qualidades, ou seja, as sensações
conscientes não. Ele explicou:
Os neurônios ω se comportam como órgãos da percepção,
e neles não podemos encontrar nenhum lugar para a memória. A
permeabilidade, então, a completa facilitação, não surge da
quantidade. Então de onde mais [pode surgir]? 
Freud assumiu então que os neurônios ω são incapazes de
receber Qη mas podem se apropriar do período de excitação quando
estão preenchidos com um mínimo de Qη. Aí estaria a base da
consciência. Os neurônios �� WDPEém têm seu período mas desprovido
 
80
 Mark Rubinstein, "'Project for a Scientific Psychology' and its influence on Psychoanalytic
Theory", p. 4.
81
 Frith et al, "Psychosis and the Experience of the Self", p. 170.
33
de qualidade, monótono. A transmissão de qualidades não é durável, não
deixa traços e não pode ser reproduzida. 82
Ao indagar de onde surgiriam as qualidades, Freud concluiu que
não seria no mundo externo onde existiriam apenas massas em
movimento e nada mais. Talvez então no sistema ����PDV�R�UHSURGX]LU�H
lembrar relacionados a este sistema eram desprovidos de qualidade. Foi
então que ele sugeriu um terceiro sistema de neurônios, o ω 83. 
Há autores que consideram que Freud introduziu este terceiro
sistema de neurônios só para dar conta daquilo que os outros dois não
davam. Lothane, por exemplo, considera este terceiro sistema de
neurônios como sendo fictício e questiona sobre o que teria levado Freud
à propor a separação das funções dos três sistemas de neurônios84. 
2.1.2.7 Consciência
De acordo com a teoria de Freud, a consciência "é o lado subjetivo
de uma parte dos processos físicos no sistema nervoso, a saber,
processos ω ; e a omissão da consciência não leva a eventos físicos
inalterados mas envolve a omissão das contribuições de ω". 85
Freud continuou explicando, que, representação da consciência
pelos neurônios ω traria algumas conseqüências. Os neurônios devem
realizar uma descarga que mesmo sendo pequena, pode preencher os
neurônios ω com Qη com a pequena quantidade necessária. Esta
descarga iria ocasionar mobilidade e com isso tudo da natureza da
qualidade seria perdido. O preenchimento dos neurônios ω, deveria vir a
 
82
 Freud, Project for a Scuientific Psychology, pp. 309-310.
83
 Ibid., pp. 308-309.
84
 Lothane, "Freud´s 1895 Project. From Mind to Brain", p. 55.
85
 Freud, Project, p. 311.
34
partir dos neurônios ��� XPD� YH]� TXH� Qão se admitia a ligação deste
sistema com o sistema φ.86
De acordo com Mark Solms, já em 1891 Freud acreditava que a
consciência humana não continha nada que justificasse o termo
"memória de imagem latente". Nesse sentido não faria sentido mencionar
modificações que ocorressem em termos psicológicos, mas sim em
termos físicos. Em outros estudos publicados em 1895, Freud também
procurou explicar os processos naturais relacionados à consciência em
termos físicos. Ele acreditava que se os processos psíquicos fossem
traduzidos em termos físicos eles tornariam compreensíveis em termos
científicos.87 
Freud procurou explicar as sensações de prazer e desprazer. Ele
identificou o desprazer com a tendência primária da inércia já que a
sensação de desprazer é algo que se evita. Ele procurou explicar o
desprazer em termos de sua teoria:
O desprazer deveria ser visto como coincidindo com um
aumento do nível de Qη ou um aumento na pressão quantitativa:
seria a sensação de ω quando houvesse um aumento Qη�HP����88 
Por outro lado, ele considerou que a sensação de prazer seria uma
sensação relacionada à descarga, que ele procurou explicar do seguinte
modo:
Uma vez que se assumiu que ω pode ser preenchido a
SDUWLU� GH� �� �� VHJXH�VH� D� KLSótese de que quando o nível �
 
86
 Ibid.
87
 Mark Solms, "Before and after Freud´s Project," p. 4.
88
 Freud, Project, p. 312.
35
aumenta, a catexia 89 em ω aumenta, e por outro lado, quando o
nível cai a catexia diminui. Prazer e desprazer seriam sensações
relacionadas à própria catexia de ω, de seu próprio nível; e aqui ω
H���DSUHVHQWDULDP�YDVRV�TXH�VH�LQWHUFRPXQLFDP��'HVWH�PRGR�RV
SURFHVVRV� TXDQWLWDWLYRV� HP� �� WDPEém atingiriam a consciência
[...]. 90
A idéia de que os neurônios têm a capacidade de receber até um
determinado nível de Q, quando este nível é ultrapassado isso produz
desprazer. Por outro lado, quando este nível é mais baixo é produzido o
prazer. Ainda se os neurônios não receberem Q em nenhum nível, eles
perdem a capacidade de percepção, que aparece no Projeto, aparece
também num trabalho posterior de Freud, Além do Princípio do Prazer
que foi publicado em 1920.91
2.1.2.8 O funcionamento do aparato e as possíveis vias da
quantidade
Nesta seção Freud procurou explicar o funcionamento do conjunto
constituído pelos três tipos de neurônios que ele denominou aparato92.Segundo ele, quantidades de excitação provenientes do exterior
penetram nas terminações nervosas no sistema de neurônios φ e são
 
89
 Lembramos aqui que catexia, seria a quantidade de energia em um neurônio, distinta da
excitação.
90
 Freud, Project, p. 312.
91
 Ver a respeito em nota de rodapé de Strachey em Freud, Project, p. 312, vol. 1, da Srandard
Edition.
92
 È importante colocar que o termo "aparato mental" vai aparecer em seu trabalho de 1900, A
Interpretação dos Sonhos, p. 535. "O aparato mental é também conhecido por nós na forma de
uma preparação anatômica". (Freud, The interpretation of Dreams, apud, Brook,
"Neuroscience...", p. 67).
36
quebradas em quocientes provavelmente de uma ordem mais alta que os
estímulos celulares. Entretanto, nem todos os estímulos podem operar.
Aqueles que atingem as extremidades dos neurônios têm que ter uma
quantidade e qualidade características.93
Neste ponto, Strachey esclarece que, para Freud, nem os
'processos' no mundo externo e nem os 'estímulos' que passam através
das 'terminações nervosas do aparato' para os neurônios φ, nem as
catexias em φ� RX��� SRVVXHP� 
TXDOLGDGH
� PDV� VLP� XPD� característica
qualitativa, o período, que ao atingir ω se torna qualidade94.
De acordo com Freud, a sensação é gerada quando "a
característica qualitativa do estímulo passa sem impedimento de φ
através de �� SDUD� ω, consistindo em um determinado período de
movimento dos neurônios, que não tem a mesma duração do estímulo
mas que tem uma relação com esta duração.95
Assim, o sistema de neurônios φ é o único que recebe a
quantidade pelos estímulos externos enquanto que sistema de neurônios
��é o único que recebe a quantidade gerada pelos estímulos endógenos
e transferida pelos neurônios φ. Já o sistema de neurônios ω pode
apenas receber a quantidade dos neurônios ��H�WUDQVIHUL�OD�GH�YROWD�SDUD
os neurônios ��PDV�Qão para os neurônios φ. Por outro lado, o sistema
de neurônios φ pode transferir a quantidade de volta para os neurônios
��
96
 
93
 Freud, Project, p. 313.
94
 Strachey, Nota de rodapé, in The Standard Edition of the Complete Psychological Works of
Sigmund Freud, vol. 1, p. 313.
95
 Freud, Project, p. 314.
96
 Ver Rubinstein, "'Project for a Scientific Psychology' and its influence on Psychoanalytic
Theory", p. 4.
Fig. 4 – No “Projeto” (parte I, seção 9), ao descrever o aparelho
formado pelos neurônios de tipos φψω, Freud utilizou este diagrama,
acompanhado pela descrição: “Enquanto no mundo externo os
processos exibem um contínuo em duas direções, de acordo com a
quantidade e o período (qualidade), os estímulos que lhes correspondem
[aos processos] são, com relação à quantidade, primeiramente reduzidos
e em segundo lugar limitados devido ao corte e, com relação à
qualidade, são descontínuos, de modo que certos períodos nem mesmo
atuam como estímulos”. Fonte: J. Strachey (ed.), The Standard Edition of
the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 1, p. 313.
Fig. 5 – No “Projeto” (parte I, seção 9) Freud descreveu uma
ramificação dos caminhos sensoriais nos neurônios: “O caminho
sensorial de condução em φ é construído de um modo peculiar. Ele se
ramifica continuamente e exibe caminhos mais espessos e mais finos,
que terminam em numerosas extremidades – provavelmente com o
seguinte significado: um estímulo mais forte segue caminhos diferentes
de um mais fraco.” Fonte: J. Strachey (ed.), The Standard Edition of the
Complete Psychological Works of Sigmund Freud, vol. 1, p. 314.
37
Reproduzimos abaixo o diagrama proposto por Rubinstein97, que
ajuda a esclarecer os possíveis caminhos que a quantidade pode seguir:
Aparato da motilidade ← φm
↑↑
(Fonte endógena) ��↔ ω
↑↑↓↓
Mundo externo φs
A quantidade é descarregada através dos neurônios motores do
sistema de neurônios φ que estão diretamente ligados ao aparato de
motilidade.
2.1.2.9 As experiências da satisfação e dor
De acordo com Freud, o núcleo dos neurônios do sistema ��HVWá
ligado a vias através das quais ascendem as quantidades de excitação.98
Freud explicou a experiência da satisfação através da ocorrência
de três mudanças no sistema de neurônios ����(OH�DVVLP�VH�H[SUHVVRX�
 (1) Uma última descarga ocorre e então a urgência que
havia produzido desprazer em ω é finalizada; (2) a catexia
de um (ou vários) neurônios que corresponde à percepção
de um objeto ocorre no pallium; e (3) em outros pontos
chega informação da informação da descarga e da
liberação do movimento reflexo que se segue à ação
 
97
 
Ibid.
98
 Freud, Project , p. 315; Freud, L´Esquisse d´une Psychologie Scientifique, p. 334; na versão
francesa aparece "quantidades endógenas de excitação".
38
específica. A satisfação é então formada entre estas
catexias e os neurônios nucleares99.
 De acordo com Strachey, esta descrição da experiência da
satisfação aparece de modo bastante similar em outras obras, como no
capítulo 7 de da Interpretação dos Sonhos publicada em 1900 e
anteriormente no primeiro artigo de Freud sobre a ansiedade neurótica
(1895).
Como resultado da experiência da satisfação, ocorre a facilitação
entre imagens mnemônicas e os neurônios catexizados no estado de
urgência, através da lei de associação pela simultaneidade que é
aumentada entre os neurônios �� QRV� WUês estados descritos na citação
logo acima.
Por outro lado, a experiência da dor que, segundo Freud, se
caracteriza por grandes quantidades nos neurônios ��� UHVXOWD� GH
modificações que ocorrem nos neurônios ��H�ω. Isso ocorre através de
XP� JUDQGH� DXPHQWR� GH� TXDQWLGDGH� HP� ��� VHQGR� TXH� SDUWH� GHVWD
quantidade é transferida para ω. Existe uma tendência de descarga por
parte desses dois tipos de neurônios. Quando os neurônios ��WRUQDP�VH
catexizados pela percepção do mundo externo isso produz a dor. Nesse
processo a facilitação é aumentada pela lei da associação da
simultaneidade entre os neurônios.100
Freud explicou que: "Como resultado da experiência de dor a
imagem mnemônica do objeto hostil, adquiriu uma excelente facilitação
 
99
 Freud, Project, p. 318.
100
 Ver Freud, Project, pp. 320-321; Rubinstein, " 'Project for a Scientific Psychology' and...", p.
7.
39
através dos neurônios ���HP�YLUWXGH�GD�TXDO�R�GHVSUD]HU�é liberado no
afeto".101
2.1.2.10 Afetos e estados de desejo
Aos traços deixados pelas experiências vividas que produzem
satisfação e por aquelas que provocam desprazer Freud chamou de
afetos102 e estados de desejo.
Ambos estados mencionados acima, de acordo com Freud,
envolvem um aumento da tensão de Qη�HP����1R�FDVR�GRV�DIHWRV�RFRUUH
uma liberação freqüente; no caso dos desejos um acúmulo. Freud
explicou:
Todo estado de desejo cria uma atração em relação ao
objeto desejado e também em relação à imagem mnemônica deste
último; todo o acontecimento penoso cria uma repulsão, uma
tendência que se opõe à manutenção da imagem mnemônica
hostil. Aqui temos a atração do desejo e a defesa primária 103.
De acordo com Strachey, a mesma idéia aparece em uma obra
posterior de Freud, a Interpretação dos Sonhos (1900); vol. 5, p. 546 da
Standard Edition.
 
101
 Freud, Project, p. 321. De acordo com Strachey, as conseqüências da experiência da dor
são descritas na Interpretação dos sonhos, Standard Edition, vol. 5, p. 600.
102
 Strachey comenta que em algumas passagens do Projeto Freud parece estar utilizando o
termo "afeto" para se referir apenas à reprodução de experiências desagradáveis. Entretanto,
isso não se aplica aos sonhos (p. 340). Uma discussão sobre o uso deste termo aparece na
Standard Edition, vol. 3, pp. 66-8.
103
 Freud, L´Esquisse d´une Psychologie

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