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PRISCILA DE AZEVEDO SOUZA MESQUITA - EM BUSCA DE UM TEATRO FEMINISTA

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO 
MESTRADO EM TEATRO 
 
 
 
 
 
 
 
PRISCILA DE AZEVEDO SOUZA MESQUITA 
 
 
 
 
 
 
 
 
EM BUSCA DE UM TEATRO FEMINISTA: 
 
RELATOS E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO 
DO TEXTO E ESPETÁCULO “JARDIM DE JOANA” 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FLORIANÓPOLIS - SC 
2012 
PRISCILA DE AZEVEDO SOUZA MESQUITA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EM BUSCA DE UM TEATRO FEMINISTA: 
 
RELATOS E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO 
DO TEXTO E ESPETÁCULO “JARDIM DE JOANA” 
 
 
Dissertação apresentada como requisito 
para a obtenção do grau de Mestre em 
Teatro, Curso de Mestrado em Teatro, 
Linha de Pesquisa: Linguagens Cênicas, 
Corpo e Subjetividade. 
 
 
 
Orientadora: Profa. Dra. Maria Brigida de 
Miranda 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FLORIANÓPOLIS - SC 
2012 
PRISCILA DE AZEVEDO SOUZA MESQUITA 
 
 
EM BUSCA DE UM TEATRO FEMINISTA: 
 
RELATOS E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO 
DO TEXTO E ESPETÁCULO “JARDIM DE JOANA” 
 
 
Esta dissertação foi julgada aprovada para a obtenção do título de Mestre em Teatro, na 
linha de pesquisa Linguagens Cênicas, Corpo e Subjetividade, em sua forma final pelo 
Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, em 
27 de abril de 2012. 
 
Prof. Dr. Stephan Arnulf Baumgärtel 
Coordenador do PPGT - UDESC 
 
 
Apresentada à Comissão Examinadora, integrada pelos professores: 
 
 
Prof.ª Dr.ª Maria Brigida de Miranda 
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC 
Orientadora 
 
 
 
Prof. Dr. Stephan Arnulf Baumgärtel 
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC 
Membro 
 
 
 
Prof.ª Dr.ª Lucia V. Sander 
Universidade de Brasília - UnB 
Membro 
 
 
 
 
 
Florianópolis - SC, 27 de abril de 2012. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho para minha mãe Vera, 
admirável guerreira e incentivadora de meus 
sonhos, para minha querida vó Sebastiana (in 
memorian), que por tanto tempo dividiu seu 
quarto comigo, e se foi, deixando um profundo 
silêncio, e para a querida vó Gaby (in 
memorian), que mesmo distante, me ensinou a 
andar sempre pelo caminho do bem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Agradeço antes de tudo à Vera, minha mãe, quem me ensinou os primeiros 
pensamentos feministas, mesmo sem chamá-los assim. 
Ao Beto Ribeiro, que com seu amor, me incentivou, deu broncas, carinhos, e me 
proporcionou muitos momentos de diversão, presença fundamental para que eu 
chegasse até aqui. 
Agradeço a cada uma do grupo (Em) Companhia de Mulheres, as belas flores 
desse jardim, sem as quais ele não teria existido: Maria Brigida de Miranda, minha 
orientadora, por confiar em meu trabalho, me guiando e estimulando neste processo; 
Lisa Brito, que com seu bom humor e disposição me transmitia sensações boas nos 
momentos mais difíceis; Julia Oliveira, pelo seu comprometimento, presença cênica e 
por fazer-me rir; Emanuele Mattiello, pelo seu sorriso, carinho e atenção; Rosimeire da 
Silva, pela troca constante de ideias, textos e traduções; Morgana Martins, pelas lindas 
canções que compôs para o nosso espetáculo; Marina Sell e Vanessa Civiero, que 
intensamente estiveram conosco no início deste processo. 
Agradeço àqueles que com muita boa vontade (e por amor à camisa) 
participaram da criação do vídeo e das músicas que fizeram parte do espetáculo Jardim 
de Joana: Carol Miranda, Claudia Mussi, Fábio Yokomizo, Helôisa Petry, Leonardo 
Brandão, Lohanny Rezende, Luana Leite, Luana Tavano Garcia, Lucas Ferraza, Lucas 
Heymann, Marcelo F. de Souza, Oto Henrique, Priscila Marinho, Renata Swoboda, 
Tuany Fagundes. 
Agradeço imensamente ao PPGT/ UDESC: às secretárias Emília “Mila” Leite e 
Sandra Siggelkow e a todos os professores que participaram desta jornada em algum 
momento; aos professores integrantes da banca examinadora de qualificação e defesa, 
Stephan Arnulf Baumgärtel, Lucia V. Sander e Fátima Costa de Lima. 
Agradeço às minhas amigas-irmãs, companheiras de teatro e de vida: à Karina 
de Paula, por sempre estar ao meu lado, e por emprestar seu computador nas duas vezes 
em que o meu quebrou durante a escrita dessa dissertação; à Sarah Ferreira, pelas loucas 
conversas sérias e Lívia Gonçalves pela tranquilidade transmitida. 
Agradeço às minhas amigas-irmãs, que mesmo distantes, me transmitem 
inspiração e motivação: à Susan Möller Ferreira, por me inspirar com as suas aventuras 
e à Thaís Nozaki que me motiva a mudar sempre que necessário. 
Agradeço à CAPES por financiar esta pesquisa, detalhe importantíssimo... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 “A realidade é a matéria-prima, a 
linguagem é o modo como vou buscá-la – e 
como não acho. Mas é do buscar e não achar 
que nasce o que eu não conhecia, e que 
instantaneamente reconheço. A linguagem é o 
meu esforço humano. Por destino tenho que ir 
buscar e por destino volto com as mãos vazias. 
Mas – volto com o indizível. O indizível só me 
será dado através do fracasso de minha 
linguagem. Só quando falha a construção, é 
que obtenho o que ela não conseguiu.” 
 
 
 Clarice Lispector 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
 
MESQUITA, Priscila de Azevedo Souza de. Em busca de um teatro feminista: 
Relatos e reflexões sobre o processo de criação do texto e espetáculo “Jardim de Joana”. 
2012. Dissertação (Mestrado em Teatro – Linha: Linguagens Cênicas, Corpo e 
Subjetividade). Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação 
em Teatro. Florianópolis, 2012. 
 
 
Considerando a lacuna de textos teatrais escritos por mulheres e/ ou que contemplem 
assuntos relacionados ao universo feminino, o grupo de pesquisa (Em) Companhia de 
Mulheres, da UDESC/ Florianópolis, formado para a execução desta pesquisa, propôs-
se a criar seu próprio texto e espetáculo dentro do método devised theatre. A partir das 
sete demandas estabelecidas pelo women’s liberation movement, nos anos 1970, o grupo 
desenvolveu uma temática voltada às causas feministas, optando pela questão da 
legitimação da relação homo afetiva perante a lei e sua aceitação pela família e 
sociedade. Esta dissertação descreve como o grupo atingiu seus objetivos, desde a sua 
formação, passando pelas formas de organização até as estratégias de criação, que 
culminaram na criação do texto e espetáculo Jardim de Joana. Para refletir sobre este 
processo, a prática do grupo é colocada em diálogo com os procedimentos utilizados 
pela prática teatral feminista bem como com os conceitos que permeiam a teoria teatral 
feminista. 
 
 
Palavras-chave: Teatro Feminista. Processo criativo. Devised Theatre. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
 
MESQUITA, Priscila de Azevedo Souza de. Em busca de um teatro feminista: 
Relatos e reflexões sobre o processo de criação do texto e espetáculo “Jardim de Joana”. 
2012. Dissertação (Mestrado em Teatro – Linha: Linguagens Cênicas, Corpo e 
Subjetividade). Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação 
em Teatro. Florianópolis,2012. 
 
 
Considering the lack of theatrical texts written by women and / or include issues related 
to the feminine, the research group (Em) Companhia de Mulheres, UDESC / 
Florianópolis, formed to carry out this research, it was proposed to create your own text 
and spectacle within the devised theatre method. From the seven demands set by the 
women's liberation movement in the 1970s, the group developed a theme dedicated to 
feminist causes, opting for the question the legitimacy of homosexual affection 
relationship before the law and its acceptance by family and society. This dissertation 
describes how the group achieved its objectives, since their formation, passing through 
the forms of organization to create strategies that culminated in the creation of text and 
spectacle Jardim de Joana. To reflect on this process, the group practice is placed in 
dialogue with the procedures used by feminist theatrical practice as well as the concepts 
that permeate the feminist theatrical theory. 
 
 
Key-words: Feminist Theatre. Creative process. Devised Theatre. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 10 
 
1 APONTAMENTOS SOBRE O TEATRO FEMINISTA E TEORIA TEATRAL 
FEMINISTA.................................................................................................................. 18 
 
1.1 ‘TEATRO FEMINISTA’: UM TERMO INVISÍVEL NO BRASIL?..................... 18 
 
1.1.1 Definindo o termo ‘teatro feminista’..................................................................... 19 
 
1.2 A PRÁTICA TEATRAL FEMINISTA COMO UMA PRÁTICA POLÍTICA....... 23 
 
1.3 AS VERTENTES FEMINISTAS E A INFLUÊNCIA NA PRÁTICA TEATRAL 
FEMINISTA................................................................................................................... 28 
 
1.3.1 Feminismo radical/ cultural................................................................................... 28 
1.3.2 Feminismo materialista....................................................................................... 30 
 
1.4 A QUESTÃO DA DRAMATURGIA: MULHERES ESCRITORAS FORA DO 
CÂNONE E A NECESSIDADE DE CRIAR NOVOS TEXTOS, QUE 
CONTEMPLEM ASSUNTOS RELACIONADOS À MULHER ................................ 31 
 
1.4.1 Resgatando a tradição feminina ‘perdida’ ............................................................ 35 
1.4.2 Texto e contexto ................................................................................................... 39 
1.4.3 O caso brasileiro.................................................................................................... 41 
 
2 GRUPO (EM) COMPANHIA DE MULHERES: FORMAÇÃO; 
ORGANIZAÇÃO E “PRIMEIRA FASE” DE TRABALHO.................................. 47 
 
2.1 FORMAÇÃO DO GRUPO...................................................................................... 47 
 
2.1.1 “Espaço Ginocêntrico”.......................................................................................... 54 
2.1.1.1 Ponto de vista sobre o treinamento psicofísico no grupo (Em) Companhia de 
Mulheres: entre o incômodo e o prazer.......................................................................... 56 
2.1.2 Empowerment/ empoderamento............................................................................ 58 
 
2.2 PROCESSO CRIATIVO.......................................................................................... 63 
 
2.2.1 Treinamento, Rituais e festas: nossos meios de integração e criação................... 63 
2.2.2. Trabalhando com contos....................................................................................... 69 
2.2.3 “Mulher selvagem”, “Arquétipo” e “Princípio Feminino”: Estudos..................... 79 
 
2.3 O PERCURSO.......................................................................................................... 86 
 
2.3.1 Descrição do Percurso ou Primeira Tentativa de Dramaturgia............................. 86 
2.3.2 Reflexão sobre o Percurso.................................................................................... 87 
 
3 EM BUSCA DE UMA DRAMATURGIA FEMINISTA: “SEGUNDA FASE” DE 
TRABALHO E O JARDIM DE JOANA..................................................................... 97 
 
3.1 EM BUSCA DE UM TEMA E DE UMA DIREÇÃO............................................. 97 
 
3.1.1 Em busca de um tema............................................................................................ 97 
3.1.2 Em busca de uma direção...................................................................................... 99 
 
3.2 TEATRO “COLETIVO”, “COLABORATIVO,” “DRAMATURGIA EM 
PROCESSO” E “DEVISED THEATRE” ..................................................................... 104 
 
3.2.1 Apontamentos sobre o uso dos termos................................................................ 104 
3.2.2 “Criação coletiva”, “processo colaborativo” e “dramaturgia em processo”........ 105 
3.2.3 “Devised Theatre”............................................................................................... 107 
3.2.4 A opção pelo “devised theatre”........................................................................... 109 
 
3.3 A IMPROVISAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DO NOSSO DEVISED 
THEATRE..................................................................................................................... 112 
 
3.3.1 A criação de uma história com conflitos............................................................. 113 
3.3.2 A caixa de Pandora: criação de cenas oníricas.................................................... 114 
3.3.3 A criação da última cena como estímulo para a criação da primeira...................118 
3.3.4 Reflexões............................................................................................................. 119 
 
3.4 JARDIM DE JOANA: DA IMPROVISAÇÃO PARA O TEXTO E DO TEXTO 
PARA O ESPETÁCULO............................................................................................. 122 
 
3.4.1 A escrita do texto dramático ............................................................................... 122 
3.4.2 O texto de volta à cena........................................................................................ 128 
3.4.3 O vídeo do casamento.......................................................................................... 129 
 
3.5 JARDIM DE JOANA: O AMOR ENTRE MULHERES.........................................130 
 
3.5.1 O espetáculo Jardim de Joana.............................................................................. 130 
3.5.2 As apresentações.................................................................................................. 134 
3.5.3 Algumas reflexões............................................................................................... 135 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 143 
 
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 148 
 
ANEXO – JARDIM DE JOANA (TEXTO DRAMÁTICO) .................................. 153 
10 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
“Não acredito na autolibertação. A 
libertação é um ato social.” 
 Paulo Freire 
Para abrir este trabalho, partirei da minha experiência enquanto aluna de teatro 
dentro de uma universidade pública, brasileira, a Universidade do Estado de Santa 
Catarina (UDESC). Inicio com esta discussão pessoal estimulada pelo artigo The 
personal is political(1969), escrito pela feminista radical Carol Hanisch, enquanto 
acontecia a segunda onda feminista. Conforme Hanisch (2006) conta, em uma recente 
introdução explicativa ao referido artigo de 1969, na época em que o escreveu, os 
grupos de conscientização que estavam se formando e que faziam parte do Women's 
Liberation Movement, foram criticados por não serem nada além de “terapia pessoal”. 
Hanisch (2006) explica que nestes grupos de mulheres discutiam-se as opressões 
vividas por elas e questões de seu contexto pessoal, o que era visto como não político 
pelos seus oponentes. De acordo com Hanisch (2006), este posicionamento, tanto de 
homens quanto de mulheres, contrário aos grupos de consciência, menosprezava a 
tentativa de tais grupos de introduzir na esfera política, problemas enfrentados por 
muitas mulheres. Em resposta a essas críticas, Hanisch escreveu The personal is 
political, onde explica que ao discutir problemas que fazem parte do universo 
individual, não se procurava encontrar soluções pessoais para estes problemas, mas sim 
soluções coletivas. 
Assim, a razão de eu participar dessas reuniões não é para resolver 
qualquer problema pessoal. Uma das primeiras coisas que descobrimos 
nestes grupos é que os problemas pessoais são problemas políticos. Não há 
soluções pessoais neste momento. Há apenas ação coletiva para uma solução 
coletiva. 1 (HANISCH, 1969, p. 4, tradução nossa). 
 
1 “So the reason I participate in these meetings is not to solve any personal problem. One of the first 
things we discover in these groups is that personal problems are political problems. There are no personal 
solutions at this time. There is only collective action for a collective solution.” 
11 
 
A autora afirma que as reuniões destes grupos eram uma forma de ação política, 
na medida em que as mulheres eram incentivadas a falarem de suas próprias 
experiências, e de suas vidas como elas realmente são, e não como foram instruídas a 
falar sobre. Deste modo, questões propostas eram debatidas a partir das experiências 
individuais, para, em seguida, serem feitas conexões a partir da generalização do que foi 
dito, e finalmente tentar encontrar as soluções coletivamente e que servissem ao 
coletivo. Apesar do slogan “O pessoal é político” ter sido criado há mais de 40 anos, em 
um contexto diferente dos dias de hoje, ele permanece atual. Assim, espero que ao 
trocar essa experiência com o leitor, possamos realizar conexões com outras histórias e 
pensarmos em soluções que possam servir a outrem. 
Formei-me na graduação no ano de 2008, após seis anos de universidade. Não 
me lembro de em nenhuma das disciplinas de história do teatro ou de dramaturgia ter 
lido algum texto teatral escrito por uma mulher. Mas, apesar dessa possível ausência de 
dramaturgas em nosso currículo (escrevo possível, pois poderia talvez haver alguma, 
mas eu realmente não consigo me lembrar), penso que deveriam ter dramaturgas tão 
importantes quanto os dramaturgos que nos são dados a conhecer. Aos poucos vou 
lembrando os autores que li: Sófocles, Goethe, Corneille, Georg Büchner, Alfred Jarry, 
Shakespeare, Ionesco, Beckett, foram alguns dos dramaturgos considerados “clássicos” 
lidos para as disciplinas. Plínio Marcos, Bertold Brecht, Karl Valentin, Nelson 
Rodrigues, Ivo Bender, Antonin Artaud, foram alguns autores cujos textos encenei. Mas 
o texto que montei , com o qual mais me aproximei, foi uma adaptação do romance A 
paixão 2º G.H., de Clarice Lispector (1974) 2. Será por que se tratava de um texto 
escrito por uma mulher? 3 
 
2 LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G. H. Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1974. 
3 Este trabalho, batizado de A P. 2º G.H., foi realizado no ano de 2005, dirigido pela então graduanda 
Sarah Ferreira, e com atuação minha. Foi desenvolvido na disciplina de Encenação II, na qual Ferreira 
estava matriculada, sob a orientação do Prof. José Ronaldo Faleiro. Nesta encenação, eu e Ferreira 
adaptamos o texto para a cena, em um processo colaborativo, que consistiu em grifar no texto as 
passagens mais significativas para cada uma de nós. Após termos realizado essa primeira seleção, 
retiramos as passagens do texto que foram sublinhadas por nós duas. Paralelo a esse trabalho sobre o 
texto, Ferreira me passou uma sequência de movimentos corporais, influenciada pelo seu trabalho com a 
dança e o contato improvisação, e esta sequência tornou-se a matriz sobre a qual eu criei toda a partitura 
de cena. Após termos iniciado este trabalho, contamos com a participação dos músicos Rafael Pesce e 
Juliano Pires, os quais criaram o repertório sonoro da peça em conjunto com a criação de minha partitura. 
Assim, a minha movimentação no espaço, contribuiu para que eles criassem as músicas, e as músicas que 
eles criavam, contribuía para o desenvolvimento de minha partitura corporal. Dialogando com criação da 
partitura de cena, fomos aos poucos incluindo o texto. Pesce foi também responsável pela minha 
preparação vocal, e Leandro Rodrigues de Souza trabalhou como assistente de produção. A P. 2º G.H. foi 
apresentado em festivais como o Isnard de Azevedo (circuito 3 em 1), de Florianópolis, Didascálico, da 
12 
 
Durante a graduação, nunca questionei onde estariam os textos teatrais escritos 
por mulheres. Não indaguei o porquê não as estudávamos. Mas hoje me pergunto: Será 
que não havia dramaturgas? Se havia e se há, por que não estudá-las? Será que seus 
textos não são tão bons quanto os dos “clássicos” masculinos que estudamos? Temos 
autoras consideradas “clássicas” na literatura para o teatro? E se temos, por que quase 
não se fala delas, por que não apareciam dentro do conteúdo das disciplinas do curso de 
teatro? Por que se privilegia o estudo de autores masculinos? Elas estão fora do cânone? 
Se este cânone que conhecemos é tradicionalmente masculino, podemos falar na 
existência de um cânone feminino? 
Em 2008, após me graduar, atuei em uma encenação do texto A Serpente4, 
última peça escrita por Nelson Rodrigues, em 1978. Neste momento comecei a sentir-
me incomodada com algo, que ainda não compreendia muito bem o que era. Eu não 
gostava daquele texto. Eu não queria ser Lígia, a mulher traída e abandonada pelo 
marido, e muito menos Guida, a irmã que empresta o marido para a irmã abandonada. 
Fazia-me mal colocar aquela situação em cena, por meio de uma interpretação realista, 
pois não me identificava com a personagem e nem com a história. Sentia-me deslocada, 
pois sem conseguir identificar-me com a personagem, a atuação tornava-se estranha, 
diferente de tudo que eu havia feito até então. Eu também não sabia como questionar 
aquele texto em cena, pois esta poderia ser uma possível solução para meu incômodo. 
Talvez, no fim da cena, após a minha personagem, Lígia, ter dormido com o marido 
emprestado pela irmã, eu tenha conseguido transformar o meu incômodo. Fazendo 
daquela cena trágica, uma cena cômica, mostramos o conflito entre as irmãs devido à 
satisfação sexual de uma, à custa do marido da outra. 
Depois dessa experiência, eu queria fazer outro trabalho, utilizando um texto por 
meio do qual eu pudesse expressar questões relativas às minhas experiências. Mas eu 
não sabia qual, não conseguia lembrar-me de nenhum que eu tivesse lido e sentido 
vontade de encenar. Então, Clarice Lispector sempre vinha à minha mente como uma 
possibilidade, mas era preciso encontrar outras. Foi quando comecei a ler Mulheres que 
 
Escola Técnica Federal, em Florianópolis e Riocenacontemporânea (mostra universitária), noRio de 
Janeiro. 
4 A peça “A Serpente” foi dirigida por Amanda Gartner e Thaís Carli, com atuação de Priscila Mesquita e 
Joyce Sangolete Chaimsohn, dentro da disciplina de Direção Teatral, sob coordenação do Profº José 
Ronaldo Faleiro, no segundo semestre de 2008, no CEART/ UDESC. O texto de Nelson Rodrigues não 
foi montado por completo, mas sim somente as cenas que mostravam a relação entre as irmãs Guida e 
Lígia. 
13 
 
correm com os lobos – Mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem, de Clarissa 
Pínkola Estés (1994), e gostei das antigas histórias, os mitos e contos de diferentes 
países, que autora conta neste livro. Tive vontade de ver estas histórias em cena e de 
compartilhá-las com outras mulheres. Pensei em fazer um grupo só de mulheres para 
que juntas, lêssemos essas histórias e pensássemos em como colocá-las em cena. Ou 
utilizá-las apenas como estímulo, para que contássemos nossas próprias histórias. Como 
precisava de um espaço onde pudesse desenvolver tais ideias, cogitei que isso seria 
viável dentro de uma pesquisa de mestrado na UDESC, onde eu acreditava que haveria 
uma professora que orientasse este projeto, Maria Brígida de Miranda, a qual já 
coordenava o grupo de estudos Teatro e Gênero desde 2006. 
Assim, dessa ideia inicial, de realizar um trabalho cênico com um grupo apenas 
de mulheres, e apoiada pelo referido livro de Estés (1994), desenvolvi o projeto de 
pesquisa para ingressar no curso de mestrado. Após ser aceita no programa, e estando 
sob a orientação de Miranda, a partir de sua sugestão, meu projeto de pesquisa uniu-se a 
ao projeto de suas outras duas orientandas. Deste modo, eu, Rosimeire da Silva e Lisa 
Brito, que ingressamos no mestrado no mesmo ano (2010), começamos a coordenar um 
laboratório de pesquisa prática. Este grupo prático iniciou como um desdobramento do 
grupo de estudos Teatro e Gênero, tendo como integrantes mulheres que já participavam 
do grupo de estudos, dentre elas, as duas mestrandas acima citadas, Miranda e as 
estudantes do curso de graduação em teatro, Emanuele Weber Mattiello, Julia Oliveira, 
Marina Sell, Vanessa Civiero e a mestre em teatro Morgana Martins. Nosso trabalho 
iniciou em março de 2010, e o grupo foi batizado no fim do mesmo ano, recebendo o 
nome (Em) Companhia de Mulheres. 
Dito isto, o foco deste estudo é mostrar o percurso traçado pelo grupo (Em) 
Companhia de Mulheres, no período compreendido entre março de 2010 até dezembro 
de 2011, inserindo-o dentro da prática teatral feminista. A proposta é descrever e refletir 
sobre os procedimentos adotados por este grupo durante o processo de criação, no qual 
buscou construir seu próprio texto e espetáculo. Olhar para o processo a partir de uma 
perspectiva feminista, utilizando como apoio uma bibliografia sobre a teoria teatral 
feminista é a tarefa a qual me proponho nas páginas que se seguem, a fim de refletir, 
registrar e dar visibilidade ao trabalho desenvolvido, compartilhando esta experiência. 
14 
 
No decorrer da investigação, constatei que há poucas referências sobre a teoria 
teatral feminista disponível em língua portuguesa. Diante deste fato, meu limitado 
conhecimento em língua inglesa precisou se desenvolver ao longo da pesquisa, tornando 
a tarefa mais demorada e exaustiva, fator que também limitou o número de fontes 
primárias utilizadas. Mas, ao mesmo tempo em que fui descobrindo um novo modo de 
pensar o teatro, ao menos novo para mim, ampliei meu conhecimento da língua inglesa, 
tornando esta experiência mais rica e gratificante. Além disso, agucei meu olhar para 
questões políticas que abrangem lutas por diferentes causas. Isto significa que estudar o 
teatro feminista, me levou a conhecer não só o(s) pensamento(s) feminista(s), como 
também perceber que me posicionar politicamente faz com que a minha inconformidade 
com o mundo em que vivo me impulsiona cada vez mais para ação. Entendo com isso 
que a luta feminista abrange não apenas questões ligadas à mulher, mas amplia-se para 
questões ligadas a definição do humano. 
Antes de adentrarmos na descrição e reflexão do trabalho do grupo (Em) 
Companhia de Mulheres, o presente trabalho traz no Capítulo 1 alguns apontamentos 
sobre a teoria e a prática teatral feminista. Assim, refletimos sobre a invisibilidade do 
termo “teatro feminista” no Brasil e apresentamos uma possível definição para o termo. 
Utilizando como principal referência Elaine Aston (1995; 1999) e Jill Dolan (1991; 
2011), mostramos como se desenvolve o teatro feminista a partir dos anos 1960, em 
países como Inglaterra e Estados Unidos, e como as diferentes vertentes do feminismo 
influenciam na criação de diferentes formas de fazer teatro feminista. 
Ainda no Capítulo 1, a partir do que escreve Aston (1995), Dolan (1991) e 
Lucia V. Sander (2007), abordamos o lugar das mulheres na história do teatro, 
demonstrando que não se trata tanto da inexistência de dramaturgas ou de mulheres 
trabalhando em outras funções no teatro, mas muito mais do que isso, isto é, a 
invisibilidade a qual seus trabalhos foram destinados, sendo que o resgate destes 
trabalhos “enterrados pela história” é uma das tarefas do feminismo. Conforme o 
demonstrado pelas autoras citadas, discutimos sobre como a existência de um cânone 
literário que exclui as mulheres, prejudicou e continua a prejudicar o desenvolvimento 
destas enquanto dramaturgas e consequentemente a sua colocação profissional. Se por 
um lado, elas são aplaudidas quando escrevem peças obedecendo aos padrões 
determinados por uma tradição literária, de outro lado, quando fogem deste padrão, não 
têm seus trabalhos reconhecidos. Assim, refletimos se é possível estabelecer um cânone 
15 
 
feminino, uma vez que o cânone é universal, e o universal, de acordo com a crítica 
feminista é masculino e consequentemente excludente dos assuntos relacionados à 
mulher. 
Ao trazer a discussão para o contexto brasileiro, utilizamos autores como André 
Luís Gomes e Laura Castro Araújo (2008), os quais fazem uma análise de 207 peças 
teatrais brasileiras publicadas entre 1960 e 2006, verificando que há o predomínio do 
discurso de autoria masculina, fator que influencia na construção da identidade feminina 
na dramaturgia brasileira. Por sua vez, a obra de Ana Lúcia Vieira Andrade (2006), ao 
examinar o trabalho das dramaturgas Leilah Assunção, Maria Adelaide Amaral e Ísis 
Baião, demonstra como a recepção de suas obras calcadas em aparatos críticos 
tradicionalmente masculinos, influencia na continuidade da carreira das autoras. Deste 
modo, o Capítulo 1 demonstra a necessidade de repensarmos o fazer teatral de forma 
que as mulheres possam construir a sua própria identidade na dramaturgia, em 
contraponto à predominância do discurso de autoria masculina. O Capítulo 2, ao 
descrever e analisar as estratégias de criação utilizadas pelo grupo (Em) Companhia de 
Mulheres, pretende mostrar o caminho encontrado pelo grupo para a construção dessa 
identidade no teatro. 
O Capítulo 2 inicia relatando desde o momento de fomentação da proposta 
desta pesquisa até a formação do grupo (Em) Companhia de Mulheres. Na sequência o 
grupo é contextualizado dentro de um “espaço ginocêntrico,” conceito abordado por 
Maria Brigida de Miranda (2010), como um espaço de empoderamento, conceito 
também tratado neste capítulo, tendo como aporte teórico Paulo Freire e Ira Shor (1986) 
e Rodrigo R. Horochovski e Giselle Meirelles (2007). 
 Dando sequência ao relato sobre a formação do grupo, o Capítulo 2 mostra 
como as opções de trabalho do grupo, que iam além da sala de ensaio, serviram para 
uma maior aproximação das integrantes. Além disso, o capítulo descreve a “primeira 
fase” do trabalho criativo do grupo,utilizando como estímulos mitos e contos aliados ao 
treinamento psicofísico e aos jogos teatrais como estratégias de geração de material 
cênico. Para completar esta descrição, são apresentadas as leituras aproveitadas como 
estímulo durante o processo criativo, como os mitos e contos do livro de Estés (1994). 
Porém, este primeiro contato com antigas histórias despertou no grupo o interesse de 
compreender a dimensão arquetípica que as envolvem. Assim, Carl Jung (1964) e Jean 
16 
 
Shinoda Bolen (1990) foram referências de apoio para o entendimento do conceito de 
“arquétipo”, complementando a compreensão do conceito de “mulher selvagem”, 
abordado por Estés (1994). Junito Brandão (1984), Joseph Campbell (1990) e Beatrice 
Bruteau (1989) são autores que nos ajudaram a compreender a noção de “princípio 
feminino”, conceito que surgiu para nós também a partir da leitura de mitos. Estes 
estudos são posteriormente analisados em relação ao viés essencialista do feminismo 
cultural. 
Após o trabalho prático inicial, e estas leituras complementares, chegamos a um 
resultado cênico, que chamamos de percurso, descrito e analisado no fim deste capítulo. 
A análise é realizada tendo como apoio Hans-Thies Lehmann (2004; 2007), o qual 
discute questões ligadas às formas teatrais chamadas por ele de pós-dramáticas, e 
apresenta outro olhar sobre a noção de texto teatral. Também recorremos a Dolan 
(1991), que explica o estilo de teatro desenvolvido pelas feministas culturais, o que 
dialoga com o resultado obtido no percurso, contribuindo para a compreensão do 
mesmo. 
O Capítulo 3 trata da “segunda fase” do processo criativo do grupo, quando do 
desenvolvimento do texto e espetáculo Jardim de Joana. Para começar, contextualiza a 
necessidade do grupo em definir temas para a criação de um espetáculo, deixando para 
trás o resultado cênico obtido até então, isto é, o percurso. Da necessidade de definição 
de temas, seguiu-se também a necessidade de ter uma direção, pois até então o grupo 
trabalhara sem que alguém assumisse essa função. Aston (1999) é a referência principal 
para conversar com este momento vivenciado pelo grupo, ajudando-nos a problematizar 
as necessidades surgidas. 
Após comentar sobre a entrada de Miranda na direção do trabalho e sobre a 
delimitação de temas, o capítulo apresenta a forma de criação do texto dramático Jardim 
de Joana, contextualizando-o dentro da estratégia do “devised theatre”, método de 
trabalho recorrente em grupos teatrais feministas, e explicado por autoras como Miranda 
(2010), Alison Oddey (1994), Deirdre Heddon e Jane Milling (2006). Tratamos também 
de outros métodos, como “processo colaborativo”, “criação coletiva” e “dramaturgia em 
processo”, para verificar as possíveis diferenças e pontos de intersecções entre eles e, 
para tal, recorremos aos autores Antônio Araújo (2006), Sérgio de Carvalho (2009ª; 
2009b) e Aleksandar Sasha Dundjerovic (2007) 
17 
 
Resumidamente, são descritas as improvisações realizadas que culminaram na 
criação do texto teatral Jardim de Joana. Em seguida contamos como foi o processo de 
escrita do texto, a partir da filmagem das improvisações e discutimos sobre as dúvidas 
que surgiram no grupo quanto a validade do texto criado. O refinamento textual que 
ocorreu durante os ensaios que desembocaram no espetáculo Jardim de Joana, e as 
apresentações do espetáculo também são relatados neste capítulo. Além de dialogar com 
as autoras citadas que escrevem sobre a prática teatral feminista, o capítulo aborda como 
o trabalho realizado na “primeira fase” influenciou na criação do Jardim de Joana. 
Finalmente, o capítulo faz uma reflexão sobre o espetáculo criado, a partir dos objetivos 
iniciais do grupo e o resultado obtido, trazendo ainda o conceito de “espectador ideal” 
tratado por Dolan (1991). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
18 
 
 
 
 
1 APONTAMENTOS SOBRE O TEATRO FEMINISTA E TEORIA TEATRAL 
FEMINISTA 
1.1 ‘TEATRO FEMINISTA’: UM TERMO INVISÍVEL NO BRASIL? 
Ao iniciar a presente pesquisa averiguamos que publicações brasileiras sobre o 
teatro feminista são escassas, realidade apontada por duas recentes pesquisas brasileiras 
que abordam o tema: De quem é esse corpo? – A performatividade do feminino no 
teatro contemporâneo (2009), tese de Lucia Regina Vieira Romano e Teatro Feminista: 
uma abordagem sobre as teorias, as práticas e as experiências (2008), monografia de 
Luana Tavano Garcia
5
. Apesar da lacuna no estudo do teatro, no Brasil os estudos de 
gênero com uma visão feminista possuem um grande número de publicações em outras 
áreas, como por exemplo, nas ciências sociais, literatura e áreas da saúde. Além disso, 
Romano (2009) ressalta que nessas outras áreas existem traduções de pesquisas recentes 
realizadas em outros países, porém existe uma brecha no que diz respeito a traduções de 
pesquisas sobre teatro e gênero com vieses feministas. 
Devido à carência de material publicado sobre a prática teatral feminista no 
Brasil, a despeito dos esforços de pesquisadoras reunidas no Simpósio Temático Teatro 
e Gênero do Seminário Fazendo Gênero 8 e 9
6
, e das pesquisas geradas no grupo de 
estudo Teatro e Gênero
7
, o presente trabalho utiliza como principal aporte teórico 
 
5
 Estas duas pesquisas ainda não forma publicadas, mas encontram-se disponíveis on-line. Vide 
Referências. 
6
 O Seminário Internacional Fazendo Gênero, incorporou na 8ª edição do evento, em 2008, o Simpósio 
Temático Atos de violência: representações de agressão à mulher no palco, coordenado por Maria Brigida 
de Miranda (UDESC), Ciane Fernandes (UFBA) e Lucia Regina Vieira Romano (USP), e em 2010, na 9ª 
edição do evento, o Simpósio Temático Teatro e Gênero, coordenado por Miranda e Kátia Rodrigues 
Paranhos (UFU). Deste modo, os trabalhos compartilhados nestes Simpósios têm contribuído para 
ampliar a discussão na área do teatro e gênero. Para maiores informações, consulte 
http://www.fazendogenero.ufsc.br/, onde também se encontram disponíveis os artigos publicados nos 
anais deste evento. 
7 O Grupo Teatro e Gênero iniciou na pesquisa Poéticas do Feminino e Masculino: A Prática Teatral nas 
Pesquisas de Gênero (2006-2009), no DAC/CEART/UDESC, sob coordenação de Maria Brigida de 
Miranda. O grupo, atualmente vinculado à pesquisa Poéticas Feministas: a reinvenção da histeria nas 
peças teatrais feministas da década de 1990, encontra-se aberto a quaisquer interessados na discussão. 
Dentre as pesquisas produzidas como fruto deste grupo, podemos listar algumas, além da monografia de 
Garcia, a monografia Aspectos feministas em produções teatrais: análise de três casos brasileiros 
19 
 
publicações de pesquisadoras inglesas e americanas, como Elaine Aston (1995; 1999), 
Jill Dolan (1991) e Lizbeth Goodman (1993), as quais discorrem sobre este tema em 
seus países, a partir da década de 1960. É curioso refletir sobre o fato de que os 
trabalhos destas autoras, indispensáveis para o entendimento do teatro feminista, não se 
encontram ainda disponíveis em língua portuguesa. Estas autoras, além de explicarem 
os contextos nos quais os teatros feministas se desenvolveram, fornecem informações 
sobre o modo como os grupos se organizavam, bem como suas estratégias de criação, o 
que dialoga com a prática teatral desenvolvida pelo grupo (Em) Companhia de 
Mulheres, aqui estudado. Escrevemos teatros feministas no plural, pois como 
demonstram as autoras, existem diversos modos de fazer teatro feminista, em 
decorrência das diferentes vertentes feministas. 
1.1.1 Definindo o termo ‘teatro feminista’ 
Ao longo do texto utilizaremos não somente o termo ‘feminista’,mas também o 
termo “feminino”, portanto, trazemos aqui uma possível diferenciação destes. Peter 
Barry (2002, p. 122) distingue os termos, “feminista”, “fêmea” e “feminino”, de acordo 
com a explicação de Toril Moi
8, para quem “feminista” refere-se a uma posição política, 
“fêmea” a aspectos biológicos e “feminino” a características culturais. 
Ao estudar questões relativas à prática teatral feminista, o que será desenvolvido 
ao longo do texto, percebe-se que o teatro feminista apresentado por Aston (1995; 
1999), Goodman (1993) ou Dolan (1991), busca em sua prática, um modo de trabalho 
relacionado aos ideais feministas do Women’s Liberation Movement, movimento 
político que teve início nos anos 1960, durante a Segunda Onda Feminista, lutando pela 
igualdade de direitos para as mulheres. Ainda que as práticas apontadas pelas autoras 
citadas sejam comuns em grupos feministas, cabe ressaltar que não são exclusivas 
destes. 
 
(MATOS, 2008) e os artigos Women's experimental theatre e Monstrous regiment : duas representações 
de teatros feministas da década de 1970 (GARCIA; MIRANDA, 2007/ 2008); Teatro Feminista: da 
pesquisa à sala de aula (MIRANDA, 2007/ 2008); Teatro Feminista no Brasil: Loucas de Pedra Lilás 
(MATOS, MIRANDA, 2007/ 2008); As canções de Vinegar Tom: uma releitura contemporânea da 
música na obra de Brecht (MUSSI; MIRANDA, 2007/ 2008); Das ‘aflições femininas’; ervas, poções e 
sangrias: a representação de curandeiras e médicos no espetáculo Vinegar Tom (MIRANDA, 2008/ 
2009). 
8
 MOI, Toril. Sexual/Textual Politics: Feminist Literary Theory. London: Methuen, 1985. 
20 
 
Em Contemporary Feminist Theatres, Goodman (1993), utiliza a noção de teatro 
feminista como definida por Susan Bassnett
9
, segundo a qual, o feminist theatre [teatro 
feminista], tem uma posição política específica, baseada nas sete demandas 
estabelecidas pelo Women’s Movement. Para especificar essas demandas, citamos 
Bassnett (1984) apud Goodman (1993, p. 30-31, tradução nossa): 
'Teatro feminista' logicamente baseia-se nas preocupações 
estabelecidas pelo Women’s Movement, sobre as sete demandas: igualdade 
de remuneração; educação e oportunidades iguais de trabalho; creches 
gratuitas e 24 horas; contracepção grátis e aborto sob pedido; independência 
financeira e legal; um fim da discriminação contra lésbicas e o direito da 
mulher definir sua própria sexualidade; liberdade de violência e coerção 
sexual. Estas sete demandas, das quais as quatro primeiras foram 
estabelecidos em 1970, e o restante em 1975 e 1978 mostram uma mudança 
para um conceito mais radical do feminismo que afirma a homossexualidade 
feminina e percebe a violência como sendo proveniente de homens. A 
tendência, portanto, não é tanto no sentido de uma re-avaliação do papel das 
mulheres como nós o conhecemos, mas em direção à criação de um cenário 
totalmente novo de estruturas sociais em que os tradicionais papéis 
masculino-feminino serão redefinidos. 10 
Além de explicar que o feminist theatre baseia-se nessas sete demandas, 
Goodman também diferencia o termo feminist theatre de women’s theatre, elucidando 
que este último não se encontra comprometido com as sete demandas e se trata de um 
termo mais genérico. Essa variedade de termos “teatro das mulheres”, “teatro de 
mulheres”, “teatro feminino” e “teatro feminista”, pretendem denotar práticas feitas por 
mulheres, mas com diferentes posicionamentos em relação à própria noção de “mulher”. 
Optamos por utilizar a noção de feminist theatre, pois é a que mais se adequa à proposta 
do grupo (Em) Companhia de Mulheres, a ser discutida nos capítulos seguintes, bem 
como ao teatro feminista estudado a partir das autoras já citadas para dialogar com a 
prática do grupo. 
Para auxiliar na compreensão do que significa teatro feminista, buscamos 
também uma explicação clara e concisa sobre tal termo no Dicionário de Teatro de 
 
9
 BASSNETT, Susan. “Towards a theory of women’s theatre”. Linguistic and Literary Studies in 
Eastern Europe, v.10: The Semiotics of Drama and Theatre, Herta Schimid and Aloysius Van Kesteren 
(Eds.), Amsterdam and Philadelphia: John Benjamins, 1984. 
10 “‘Feminist theatre’ logically bases itself on the established concerns of the organized Women’s 
Movement, on the seven demands: equal pay; equal education and job opportunities; free 24-hours 
nurseries; free contraception and abortion on demand; financial and legal independence; an end to 
discrimination against lesbians and a woman’s right to define her own sexuality; freedom from violence 
and sexual coercion. These seven demands, of which the first four were established in 1970, and the 
remainder in 1975 and 1978 show a shift towards a more radical concept of feminism that asserts female 
homosexuality and perceives violence as originating from men. The tendency therefore [p. 31] is not so 
much towards a re-evaluation of the role of women within as we know it, but towards the creation of a 
totally new set of social structures in which the traditional male-female roles will be redefine.” 
21 
 
Patrice Pavis (2008), pois esta publicação fornece uma compilação de diversos aspectos 
do teatro. Porém, no Dicionário não encontramos o verbete teatro feminista, mas apenas 
o verbete teatro das mulheres, como segue: 
Mais do que teatro de mulheres (feito por mulheres ou para 
mulheres), expressão que sugere de imediato que existe um gênero 
específico, ou que teatro feminino, o qual remete a uma visão militante de 
teatro, preferimos o termo mais neutro e mais genérico teatro das mulheres: 
feito por mulheres e tendo uma temática e uma especificidade femininas. Este 
termo, aliás, convém melhor à nossa época, que passou, no espaço de trinta 
anos, de um movimento feminista ativo a um ‘feminismo difuso’. [...] A 
questão é, todavia, saber se estamos em condições de levantar os critérios de 
uma escritura dramática ou de uma prática cênica especificamente feminina. 
Toda generalização se expõe, na verdade, a um desmentido rápido ou a uma 
excessiva simplificação. (PAVIS, 2008, p. 377-378) 
Portanto, para este autor, teatro das mulheres é um termo mais genérico e neutro 
do que teatro de mulheres, ou seja, aquele feito por mulheres ou para mulheres e o 
termo teatro feminino remete a um teatro militante. As perguntas que surgem a partir 
desta explanação são as seguintes: por que, o Dicionário de Teatro ignora a existência 
do teatro feminista, sendo que há publicações que tratam sobre o tema, e que inclusive 
levam em seu título o termo Feminist Theatre
11
? O que representa a inexistência de tal 
verbete no dicionário? Será devido ao contexto teatral no qual o autor se insere, será 
uma questão de tradução, ou será a complexidade do termo que não permite sua 
concisão em um verbete do Dicionário? Apesar de enumerar diversas formas teatrais, 
ou autor não menciona o teatro feminista. 
 Pavis opta pela utilização de um termo mais neutro e mais genérico. Segundo o 
autor, generalizar pode levar a uma simplificação, que não corresponderia ao teatro feito 
por todas as mulheres. Se pensarmos que nem todo teatro feito por mulheres possui um 
viés feminista, a utilização do termo “teatro feminista”, excluiria o teatro feito por todas 
as mulheres. Contudo, por que não evidenciar a existência de um teatro especificamente 
feminista? Pavis evita utilizar o termo “feminista”, utilizando “feminino” para se referir 
a uma prática militante. Mas, se utilizasse o termo “teatro feminista”, o autor correria o 
risco de fazer uma generalização equivocada ou teria esta forma teatral suas 
especificidades?Esta é uma das questões que nos interessa e que discutiremos neste 
capítulo. 
 
11
 Podemos citar alguns títulos como exemplos: An Introduction to Feminism and Theatre (ASTON, 
1995); Contemporary feminist theatres: To each her own (GOODMAN, 1993); A Sourcebook of Feminist 
Theatre and Performance: On and Beyond the Stage (MARTIN, 1996). 
22 
 
O autor questiona se é possível fazer um levantamento dos critérios que 
especifiquem uma prática cênica feminina, ou seja, questiona se a diferença entre os 
sexos define as diferenças entre as formas de pensar e agir e consequentemente se existe 
uma diferença entre a escritura dramática feminina e a masculina. Para ele, “existe uma 
diferença, mas ela é dificilmente perceptível e generalizável” (2008, p. 378). Pode ser 
que esta diferença seja dificilmente generalizável ou perceptível, mas seria ela 
inexistente a ponto de ser ignorada? Embasado no argumento de escritoras como M. 
Fabien e N. Sarraute, o autor considera a diferença sexual, porém, assinala que a 
diferença na escritura está além da diferença sexual, pois decorre também do contexto 
social, político e histórico no qual as artistas se inserem, sendo que estas últimas 
diferenças, Pavis considera mais pertinentes do que a diferença entre os sexos. Se 
considerarmos que o termo “feminino” refere-se a um conjunto de características 
culturalmente definidas, conforme aponta Barry (2002, p. 122), podemos entender que a 
diferença está sim além do sexo, pois, aos aspectos biológicos agrega-se ainda uma série 
de características que o contexto cultural determina. Portanto, as características 
culturalmente definidas não estariam associadas ao sexo biológico? 
Para completar o verbete teatro das mulheres, Pavis argumenta que a diferença 
sexual pode ser mais visível na prática cênica: 
Talvez no trabalho concreto de preparação do espetáculo, de direção 
de ator e de encenação é que se observará mais facilmente a maneira 
feminina de fazer teatro. A relação com a autoridade, com a lei e com noções 
metafísicas como o gênio ou a inspiração difere bastante claramente entre os 
sexos, por causa dos hábitos seculares da divisão de tarefas. (2008, p. 378). 
A partir do que Pavis escreve, percebe-se que este considera o sexo como algo 
que influencia na construção dos papéis sociais e, portanto, os “hábitos seculares da 
divisão de tarefas” (2007, p. 378) influenciam mais claramente na prática cênica do que 
na escrita. Porém, se o que o indivíduo escreve está relacionado com a sua experiência, 
não seria possível na escrita, tanto quanto na prática cênica, perceber a diferença entre 
os sexos? 
Lucia V. Sander, no livro Susan e Eu: ensaios críticos e autocríticos sobre o 
teatro de Susan Glaspell (2007), ao discutir sobre a recepção da obra da dramaturga 
norte-americana Susan Glaspell (1876-1948), defende que a diferença entre os sexos 
influencia não só na recepção de um texto como também na escritura deste. Sander 
utiliza este argumento para explicar o porquê de leituras equivocadas da obra de 
23 
 
Glaspell, pelos críticos de sua época. Sander, apoiada na teoria da recepção, elucubra 
que, se “a natureza da estrutura de conhecimento de quem lê” determina “a natureza da 
compreensão de um texto” é preciso, portanto, “considerar que homens e mulheres em 
nossa cultura são sistematicamente expostos a experiências diferentes desde a infância, 
e que os conhecimentos vinculados e específicos aos gêneros são extremamente ricos e 
diferentes” (2007, p. 41). 
Considerando o exposto por Sander, é possível especular que um dos motivos 
que levou Glaspell, enquanto dramaturga, a cair no esquecimento, foi o fato de seus 
textos teatrais abordarem experiências e condições especificamente femininas. De 
acordo com Sander, apesar da pretensa universalidade e neutralidade dos critérios 
utilizados na avaliação de obras literárias e teatrais, estes são pautados “pela percepção, 
pelo conhecimento” e “pela experiência do gênero dominante” (2007, p. 42), ou seja, o 
gênero masculino. Assim, por tratar da experiência feminina, e pela crítica de sua época 
estar composta majoritariamente por homens, os temas e formas utilizados por Glaspell 
podem não ter sido bem compreendidos. 
1.2 A PRÁTICA TEATRAL FEMINISTA COMO UMA PRÁTICA POLÍTICA 
Para contextualizar o teatro feminista recorremos a Elaine Aston e seus livros 
Feminist Theatre Practice: A handbook (1999) e An Introduction to Feminism and 
Theatre (1995). No primeiro livro mencionado, Aston (1999) escreve sobre a prática do 
teatro feminista, como esta é ensinada e investigada no âmbito acadêmico inglês, 
objetivando reunir propostas práticas para que este tipo de teatro possa ser atualizado e 
efetivado. Neste volume, Aston explica que seu trabalho dentro de universidades 
inglesas tem envolvido pequenos grupos de mulheres, para experimentar uma prática 
teatral feminista, que desafie os modos de representação das mulheres dentro dos 
sistemas dominantes. Com isto, Aston espera estimular as participantes a 
desenvolverem uma perspectiva crítica com um viés feminista e que levem para suas 
vidas a experiência da prática do teatro feminista como um meio de mudar as próprias 
vidas e a de outras pessoas. 
No contexto acadêmico inglês ao qual Aston se refere, os estudos teatrais 
envolvem três áreas chaves: “história, teoria e prática” 12 (1999, p. 3, tradução nossa). 
 
12
 “history, theory and practice”. 
24 
 
Com referência em Goodman
13
, Aston acrescenta que o estudo do teatro feminista, 
dentro da academia, além destas três áreas chaves, ainda inclui “estudos da mulher, 
estudos políticos ou de mídia” 14(1999, p. 3, tradução nossa), e ressalta que é uma 
disciplina marginalizada, apesar de abranger diversas áreas de estudos, “mesmo dentro 
de instituições ‘liberais’.” 15 (GOODMAN, 1996 apud ASTON, 1999, p. 3, tradução 
nossa). 
Aston (1999) explica que nos anos 1970 a performance feminista era realizada 
por profissionais do teatro fora da academia, e por ativistas feministas fazendo teatro no 
contexto do Women’s Liberation Movement. Enquanto isso, no âmbito acadêmico, havia 
o desenvolvimento da teoria crítica feminista, principalmente nos estudo literários e 
fílmicos, porém, como Aston aponta, é somente no fim dos anos 1980 que o teatro 
feminista como prática entra na academia, por meio de palestras, workshops e 
performances, estimulando o desenvolvimento de teorias acerca desta prática. Deste 
modo, várias dramaturgas e profissionais do teatro feminista tiveram contato com a 
teoria feminista e isso refletiu em seus trabalhos. 
Ainda de acordo com Aston (1999), durante os anos 1970 o movimento 
feminista propiciou o início de uma transformação na vida das mulheres que tinham 
acesso às ideias feministas. Porém, essas mudanças ainda estavam limitadas à classe 
média e à população branca. Voltando o olhar para a própria condição social a qual 
estavam inseridas, o feminismo proporcionou às mulheres um olhar político para suas 
próprias vidas. Com isso, as mulheres perceberam o quanto haviam sido oprimidas e 
muitas vezes excluídas “da atividade social, política, cultural.” 16 (ASTON, 1999, p. 5, 
tradução nossa). Neste contexto, as mulheres também começaram a questionar sua 
representação na história, ao mesmo tempo em que descobriram “como elas tinham sido 
‘escondidas da história.’” 17 (ASTON, 1999, p. 15, tradução nossa). Esta noção 
possibilitou que desafiassem os modelos dominantes, inclusive dos sistemas teatrais. 
 
13
 GOODMAN, Lizbeth. “Feminisms and theatres: canon fodder andcultural change”. In: CAMPBELL, 
P. (ed.). Analysing Performance. Manchester: Manchester University Press, 1996. Pp. 19-42. 
14
 “women’s studies, media studies or politics”. 
15
 “even within otherwise ‘liberal’ instituitions.” 
16 “of social, cultural and politic activity.” 
17 “[…] how they had been ‘hidden from history’.” 
25 
 
Os protestos das mulheres em prol de direitos iguais aos dos homens levaram às 
feministas para as ruas, onde utilizavam as técnicas do agit-prop
18
 em suas 
manifestações. Neste período, suas reivindicações giravam em torno de “quatro 
questões básica”, sendo elas: “igualdade de remuneração; educação e oportunidades 
iguais; creches 24 horas; e contracepção gratuita e aborto sob pedido.” 19 (ASTON, 
1999, p. 5, tradução nossa). Como consequência destas manifestações, e do 
desenvolvimento do teatro de rua e dos festivais de teatro, Aston explica que as 
praticantes feministas passaram a se preocupar com o fazer teatral, e as profissionais 
criaram grupos exclusivamente de mulheres, nos quais tiveram a liberdade de 
desenvolver-se profissionalmente em diferentes campos de atuação no teatro e ao 
mesmo tempo desenvolver formas de trabalho apropriadas aos discursos feministas. 
[...] elas organizaram o seu trabalho de forma democrática e não hierárquica, 
de acordo com o modelo de conscientização do Women’s Liberation 
Movement e desenvolveram estilos de atuação e estética que facilitaria o 
ethos de coletividade e colaboração, mais do que o culto ao individualismo 
burguês. 20 (ASTON, 1999, p. 6, tradução nossa). 
Isto significa que as artistas engajadas na luta feminista precisaram criar seu 
próprio espaço, uma vez que casas de espetáculos comerciais e até mesmo os grupos 
teatrais da esquerda socialista, eram organizados de forma hierárquica, com homens 
ocupando os cargos mais altos e com papéis dramáticos que não valorizavam a 
experiência feminina. Assim, o teatro feminista da “contra-cultura” quis deslocar para o 
centro do palco as questões das mulheres e apresentá-las em seu próprio direito, em 
oposição à representação do teatro tradicional que as colocavam como pertencentes ao 
homem, ou seja, em função dele. A intenção também era representar as mulheres como 
“realmente são” (na perspectiva das mulheres envolvidas com o processo criativo), e 
não como eram representadas por um imaginário calcado no patriarcado. Para tal, 
centraram o conflito dramático nas relações “intra-femininas”, tais como, mãe e filha, 
 
18 Para exemplificar no que consiste o teatro de agit-prop, recorremos a Patrice Pavis, segundo o qual: 
“O teatro de agit-prop (termo proveniente do russo agitatsiya-propaganda: agitação e propaganda) é uma 
forma de animação teatral que visa sensibilizar um público para uma situação política ou social” (PAVIS, 
2008, p. 379). Pavis continua explicando que esta forma teatral, com intenções claramente políticas, pode 
estar a favor da oposição, bem como, pode ser utilizada como instrumento para propagar a ideologia 
política do poder vigente, o que, para o autor, faz do agit-prop um movimento crítico contraditório. 
19 “[…]four basic issues […] equal pay; equal education and opportunity; twenty-four-hours nurseries; 
and free contraception and abortion on demand.” 
20 “they organized their work democratically and non-hierarchically, in line with the consciousness-
raising model of the Women’s Libaration Movement, and developed acting styles and aesthetics that 
would facilitate the ethos of collectivity and collaboration, rather than the cult of bourgeois 
individualism.” 
26 
 
irmãs e amantes lésbicas e, nas relações inter-sexuais, colocando em evidência as 
relações prejudiciais às mulheres por meio da representação de papéis formais, como 
marido e esposa, pai e filha, irmão e irmã. 
“Para desenvolver práticas contra-culturais, as feministas precisaram estar aptas 
a compreender as propriedades formais e conteúdos ideológicos das formas culturais 
dominantes.”21 (ASTON, 1999, p. 6, tradução nossa). Um exemplo desta compreensão é 
o conceito de Laura Mulvey
22
 sobre o olhar no contexto do cinema, principalmente o 
Hollywoodiano. Aston (1999) explica que a teoria de Mulvey considera o olhar 
masculino como ativo e o feminino como passivo, ou seja, o homem como o portador 
do olhar e a mulher como imagem a ser vista. 
Transferindo esta compreensão para o contexto do teatro, Aston explica que a 
estrutura narrativa do teatro realista, segue a forma do sujeito masculino como ativo e o 
feminino como passivo. Este tipo de construção apresenta-se tanto na relação entre 
personagens, quanto entre personagens e atores e entre estes últimos e o público. Na 
tradição realista, o Método de atuação herdado de Constantin Stanislavski, convida a 
atriz a se identificar com as personagens femininas que se encontram em situação de 
submissão e opressão. Citando Sue-Ellen Case
23
, Aston esclarece que essas personagens 
femininas raramente representam mulheres que vivem em seu próprio direito, mas são 
determinadas em relação ao outro, ao personagem masculino, geralmente mais 
importante, e, assumindo o papel de mãe, amante ou esposa. 
Aston (1999) esclarece que para as praticantes do teatro feminista que passaram 
a se sentir alienadas pela estrutura realista, a qual colocava as personagens femininas em 
função dos personagens masculinos, a intenção era trabalhar com temas e experiências 
que dissessem respeito à mulher. Mais do que inventar novos estilos de atuação e 
formas teatrais, as artistas feministas buscaram desconstruir as velhas formas e estilos, 
retrabalhando-as e explorando outros modelos, contribuindo para a busca de diferentes 
formas de atuação. A respeito desta busca em descontruir velhas formas de atuação, 
escreve a atriz Lauren Love (2002), em seu artigo que critica, sob o ponto de vista de 
 
21 “To develop counter-cultural practices, feminists needed to be able to understand the formal properties 
and ideological content/s of dominant cultural forms.” 
22 MULVEY, Laura. Visual and Other Pleasures. Houndmills, Basingstoke, Hampshire and London: 
Macmillan, 1989. 
 MULVEY, Laura. “Visual pleasure and narrative cinema”. In: Screen, pp. 22-34, 1992 (1975). 
23 CASE, Sue-Ellen. Feminism and Theatre. London: Macmillan, 1988. 
27 
 
teorias feministas, a abordagem orgânica de atuação. Para a autora, além do modo de 
atuação naturalista/ realista convidar a atriz a representar personagens femininas que 
perpetuam a ideologia dominante, o método não permite a abertura para a crítica e a 
reflexão dos conteúdos imbuídos em um texto. Assim, cegamente, a atriz treinada neste 
sistema de atuação, produz sentidos que correspondem a ideologia que procura resistir. 
A partir deste problema, Love questiona a possibilidade de resistir a esta ideologia por 
meio da atuação, e mostra a complexidade do problema: 
Eu continuo a me perguntar se eu posso aplicar os conhecimentos que 
adquiri enquanto estudante de atuação às estratégias feministas de resistência, 
ou se eles estão muito enredados em um sistema ideológico opressivo para 
ser utilizado com êxito.
 24
 (LOVE, 2002, p. 278, tradução nossa). 
Ao procurar uma identificação com os personagens e suas ações, o palco 
naturalista não dá espaço para a reflexão. De acordo com Love, quando a plateia 
identifica-se com os personagens, se reafirma no público a moralidade inculcada na 
peça, perpetuando de modo circular o sistema de valores da ideologia dominante. 
Na busca por uma atuação resistente, Love (2002) cita sua experiência como 
atriz trabalhando com um texto de Oscar Wilde, The Importance of Being Earnest25
. De 
acordo com a autora, a estética não realista do texto, que critica as práticas sociais 
Vitorianas, já permitia uma abertura crítica e resistente. Segundo Love, sua forma de 
criar uma atuação resistente foi misturar diferentes técnicas aprendidas, como a 
consciência física adquirida com as artes marciais asiáticas, técnica de distanciamento 
brechtiano e técnicas psicológicas, sem que sua atuação interrompesse totalmente a 
encenação. Buscando utilizar as “ferramentas potencialmente opressivas” 26 (2002, p. 
285, tradução nossa) da interpretação pisicologizada contra elas mesmas, a atriz 
encontrou uma possibilidade por meio da manipulação do subtexto. Isto significa, como 
explica Love, que por meio de nuances na interpretação, a atriz pode inserir o 
significado que quiser no texto enunciado. Mas, ao mesmo tempo em que a atriz está 
produzindo seus próprios significados por meio de sua atuação, todos os outros 
elementos da encenação estão produzindo sentidos concorrentes. Assim, segundo Love, 
ter consciência dos agentes semióticos que estavam em torno dela durante a sua atuação, 
 
24 “I continue to wonder whether I can apply the skills I acquired as an acting student to feminist 
strategies of resistance, or whether they are too mired in oppressive ideological systems to use 
successfully.” 
25 WILDE, Oscar. “The Importance of Being Ernst”. In: Penguin Plays. New York: Penguin Books, 
1979. 
26 “potentially oppressive tools.” 
28 
 
contribuiu para que ela pudesse encontrar meios de “perturbar a sua transmissão.” 27 
(2002, p. 286). 
1.3 AS VERTENTES FEMINISTAS E A INFLUÊNCIA NA PRÁTICA TEATRAL 
FEMINISTA 
O pensamento feminista influenciou de distintos modos na prática, na história e 
na teoria teatral, sendo este fato uma decorrência das diferentes vertentes feministas. De 
acordo com Dolan (1991), o feminismo americano pode ser dividido em três segmentos 
principais, sendo eles, o feminismo liberal, feminismo radical ou cultural e feminismo 
materialista. Enquanto o feminismo liberal reivindicava uma posição de igualdade para 
as mulheres, aceitando que as mulheres se encaixassem no genérico e universal 
masculino, o feminismo cultural (ou radical) propôs considerar as diferenças de gênero 
e valorizar as características biológicas específicas da mulher, como por exemplo, a 
capacidade de ser mãe (DOLAN, 1991, p. 5-6). Na recente introdução da próxima 
edição de seu livro The Feminist Spectator as Critic, Dolan (2011) 
28
 explica que as 
feministas liberais, no lugar de tentar derrubar os sistemas sociais vigentes, tentaram 
fazer mudanças dentro deste próprio sistema. Além disso, as “feministas liberais 
também não têm nenhuma desavença com o realismo e se sentem confortáveis 
trabalhando nas formas do teatro convencional” 29 (DOLAN, 2011, p. 4, tradução 
nossa). 
1.3.1 Feminismo radical/ cultural 
Como aponta Aston (1995), a maioria dos textos dramáticos “canônicos” foram 
escritos por homens e, portanto, a mulher representada nestes textos corresponde a uma 
visão masculina. Do mesmo modo, em palcos de determinadas épocas e lugares, as 
personagens femininas eram interpretadas por eles, uma vez que mulheres não podiam 
atuar. Assim, uma das preocupações das feministas radicais (ou culturais), segundo 
Aston (1999), é a re-apropriação do próprio corpo, o qual fora confiscado pela cultura 
patriarcal. Para este viés do feminismo, o patriarcado é o ponto crucial “da desigualdade 
entre homens e mulheres e fala da opressão priorizando as experiências peculiares às 
 
27 “disrupt their transmission.” 
28 Esta recente introdução, ainda não publicada, foi gentilmente cedida pela autora, durante o 
desenvolvimento desta pesquisa. 
29 “Liberal feminists also hold no quarrel with realism and feel comfortable working in conventional 
theatre forms.” 
29 
 
mulheres: o parto, maternidade, menstruação, e assim por diante.” 30 (ASTON, 1999, p. 
8-9, tradução nossa). Embasada em Dolan (1991), Aston esclarece que para o 
pensamento feminista radical/ cultural, levar as experiências femininas para o palco 
seria um meio de tornar o teatro um lugar onde as mulheres pudessem olhar para e 
refletir sobre suas próprias experiências.
 31
 
Aston (1999) ainda nos apresenta as teóricas feministas francesas, Hélène 
Cixous
32
, Luce Irigarary e Julia Kristeva
33
, as quais representam o modelo do 
feminismo cultural. A partir de uma exploração lacaniana, para estas teóricas a mulher é 
identificada como o ‘outro’, em relação ao sistema dominante. 
O trabalho dessas mulheres [Cixous, Irigarary e Kristeva] é 
geralmente identificado com uma exploração psicanalítica lacaniana das 
mulheres como "outro" em relação à ordenação simbólica de representação 
social e cultural e de comunicação. Neste modelo, a subjetividade é 
reconhecida como problemáticas para as mulheres, que são obrigadas a 
participar lingüística, social, culturalmente, etc, em um sistema que as 
constrói como marginais e alienígenas. 34 (ASTON, 1999, p. 9, tradução 
nossa). 
A partir da percepção desta construção sócio-simbólica das mulheres como o 
“outro” em relação ao homem, a questão levantada por Julia Kristeva (1982 [1979]), de 
acordo com Aston (1999), é como a mulher pode mostrar o lugar em que está inserida e 
então tranformar os papéis herdados por tradição. 
O teatro feminista cultural teve influência do pensamento de Hélène Cixous
35
, a 
qual, em The Laugh of the Medusa (1976), sugere um caminho de resistência e 
 
30 “This position sees patriarchy at the heart of inequality between men and women, and addresses 
oppression by prioritizing experiences peculiar to women: birthing, mothering, menstruating, and so on”. 
31
 Cf. DOLAN, 1991, p. 83-97. 
32
 CIXOUS, Hélène. Portrait of Dora. In: Benmussa Directs. London: John Calder, 1979. Pp. 28-67. 
 _____________. “The laugh og the medusa”. In: MARKS, E; COURTIVRON, I. (eds.). New French 
Feminisms. Brighton: Harvester Press, 1981 (1975). Pp. 245-264. Trad.: K. Cohen e P. Cohen. 
 ____________. “Aller a la mer”. In: Modern Drama, v. 4, pp. 546-548. Trad.: B. Kerslake. 
33
 KRISTEVA, Julia. “Women’s time”. In: KEOHANE, N. O.; ROSALDO, M. Z.; GELPI, B. C. (eds.). 
Feminist Theory: A Critique of Ideology. Brighton: Harvester Press, 1982 (1979). Pp. 31-53. 
34 “the work of these women is generally identified with a psychoanalytic, Lacanian exploration of 
women as ‘other’ in relation to the symbolic ordering of social and cultural representation and 
communication. In this model, subjectivity is recognized as problematic for women, who are required to 
participate linguistically, socially, culturally, etc., in a system that constructs them as marginal and alien.” 
35
 Hélène Cixous nasceu na França em 5 de junho de 1937. Além de professora universitária, Cixous é 
uma escritora feminista, poeta, dramaturga, filósofa, crítica literária e retoricista. Em 1974 fundou na 
Universidade de Paris VIII o Centre de Recherches en Etudes Féminines [Centro de Pesquisa em Estudos 
da Mulher], o primeiro deste tipo na Europa. Disponível em <http://www.egs.edu/faculty/helene-
cixous/biography/>, acesso em 26 ago. 2012. 
A partir de 1985, Cixous começou a trabalhar em colaboração com Ariane Mnouchkine, diretora do 
Théâtre du Soleil. Cixous escreveu para a companhia peças inéditas e acompanhou o trabalho coletivo. 
30 
 
transformação, para que as mulheres possam ter seu corpo de volta: a escrita. Para 
Cixous, as mulheres devem escrever sobre elas mesmas e para elas. A écriture féminine 
de Cixous propõe que, a mulher escrevendo individualmente,sobre ela mesma, poderá 
ter seu corpo de volta, este corpo que até então foi construído como o ‘outro’ estranho e 
misterioso, o local e a causa de inibições; pois, ao censurar o corpo, censura-se também 
a respiração e a fala. Deste modo, a écriture féminine sugere que a mulher, ao escrever 
sobre a mulher e para a mulher, incentivará que outras mulheres também escrevam e 
assim entrem na história da qual foram excluídas. 
Embasada em Dolan (1991), Aston esclarece que para o pensamento feminista 
radical/ cultural, levar as experiências femininas para o palco seria um meio de tornar o 
teatro um lugar onde as mulheres pudessem olhar para e refletir sobre suas próprias 
experiências.
36
 Dolan (2011, p. 4, tradução nossa) explica que “tais inclinações 
ideológicas produziria peças menos realistas e formas de atuação estruturadas mais 
como rituais coletivos do que narrativas lineares que valorizam as façanhas de heróis 
individuais.”37 No Capítulo 2 voltaremos a refletir sobre o teatro feminista cultural, 
procurando demonstrar como esta prática dialoga com a “primeira fase” de criação do 
grupo (Em) Companhia de Mulheres. 
1.3.2 Feminismo materialista 
Conforme Aston (1999), para a prática feminista materialista não era suficiente 
rever a experiência feminina como determinada somente no corpo e através dele, 
necessitando, portanto, de uma revisão sustentada pelas condições materiais que 
definem gênero, sexualidade, classe e raça. O feminismo materialista é o que propõe 
uma intervenção mais radical no sistema de representação, “através da alienação do 
sistema de signo de gênero.” 38 (ASTON, 1999, p. 11, tradução nossa). Esta vertente 
feminista realiza uma análise crítica mais apurada das estruturas ideológicas “das 
formas, conteúdos e modos de produção” apoiando-se no materialismo marxista e nas 
“teorias do construcionismo social derivada de Foucault e da filósofa feminista 
americana Judith Butler,” 39 desmitificando assim, o essencialismo de gênero e a noção 
 
36
 Cf. DOLAN, 1991, p. 83-97. 
37
 “such ideological leanings would produce less realist plays and performance forms structured more like 
collective rituals than linear narratives that valorize the exploits of individual heroes.” 
38
 “through the alienation of the gender sign-system.” 
39
 “of forms, contents, and modes of production […] theories of social constructionism derived from 
Foucault and American feminist philosopher Judith Butler.” 
31 
 
de “cultura das mulheres” que se apresentava no pensamento do feminismo cultural 
(DOLAN, 2011, p. 4, tradução nossa). 
No campo teatral, este viés é o mais expressivo no que diz respeito aos objetivos 
políticos e a colaboração com a teoria, combinando a prática com uma revisão 
feminista-materialista da teoria de Bertolt Brecht (ASTON, 1999). Enquanto no modelo 
brechtiniano a preocupação é demonstrar as opressões de classe, na prática teatral 
feminista materialista a preocupação ampliou-se para a demonstração de gênero, o que 
significa demonstrar por meio do distanciamento como o gênero é construído 
culturalmente. De acordo com Elin Diamond
40
 apud Aston (1999, p. 13, tradução 
nossa), no lugar de convidar a atriz a se identificar com esta construção, tal como no 
modelo realista, a utilização do efeito de distanciamento “busca expor ou ironizar as 
restrições de gênero, para revelar o gênero como aparência, como o efeito, não a pré-
condição, das práticas de regulação.” 41 Isto significa, segundo Dolan (2011, p. 4, 
tradução nossa), que a tendência das produções teatrais que seguem esta linha de 
pensamento, é serem “desconstrutivas, seguindo o pós-estruturalismo, ao invés de 
montar estruturas, narrativas realistas ou rituais.” 42 
1.4 A QUESTÃO DA DRAMATURGIA: MULHERES ESCRITORAS FORA DO 
CÂNONE E A NECESSIDADE DE CRIAR NOVOS TEXTOS, QUE 
CONTEMPLEM ASSUNTOS RELACIONADOS À MULHER 
Além de não termos herdado uma quantidade de textos dramáticos escritos por 
mulheres equivalente à quantidade de textos escritos por homens, a dramaturgia 
canônica, quando fala da mulher, a apresenta sob o ponto de vista masculino. 
Decorrente destes fatores existe uma prática recorrente nos grupos teatrais feministas 
para criarem suas próprias dramaturgias de modo colaborativo, como uma forma de 
produzir textos que tratem de assuntos de interesse das mulheres e sob o ponto de vista 
delas. O modo de escrita em cena que resulta em espetáculos criados coletivamente, 
muitas vezes produz uma dramaturgia que não existe independentemente da cena, 
enquanto texto literário. Este fator pode ser uma das causas de não termos herdado 
 
40 
DIAMOND, Elin. Unmaking Mimesis. London and New York: Routledge, 1997. 
41 “seeks to expose or mock the strictures of gender, to reveal gender-as-appearance, as the effect, not the 
precondition, of regulatory practices.” 
42 “to be deconstructive, following post-structuralism, rather than assembling realist or ritual narratives or 
structures.” 
32 
 
muitos textos teatrais escritos por mulheres e que apresentem uma temática com viés 
feminista. 
Outra causa é apontada por Aston (1995), ao apresentar o conceito feminista de 
mulheres ‘escondidas da história.’ Este conceito “motivou críticas feministas a entender 
como e por que mulheres [...] foram enterradas pela história feita pelos homens”, dando 
início a “recuperação de suas ancestrais femininas ‘perdidas’” 43 (ASTON, 1995, p. 15). 
Tentar entender como e por que os trabalhos de mulheres não sobreviveram até os dias 
de hoje levou a crítica literária a rever a representação feminina na literatura e a resgatar 
o trabalho de mulheres escritoras na prosa e na poesia, porém, tardiamente e com maior 
dificuldade, esta tarefa foi realizada na área da dramaturgia. De acordo com Aston, a 
dramaturga Honor Moore, a qual escreveu uma antologia americana dedicada à obra de 
dramaturgas contemporâneas
44
, defende que a falta de uma tradição feminina na 
dramaturgia está vinculada ao impedimento por parte dos homens das mulheres fazerem 
parte do teatro. Aston amplia a noção explicando que o problema não é que não tenha 
existido uma tradição feminina, mas sim que os trabalhos de mulheres foram 
“enterrados” pela história - escrita por homens - tornando o seu resgate mais difícil. A 
partir disto, Aston (1995) analisa como o feminismo re-mapeou a história do teatro, por 
meio da crítica à exclusão das mulheres da história do teatro, e da busca por uma 
tradição de escrita feminina. 
De acordo com Aston, (1995) na história do teatro ocidental, durante os períodos 
‘clássicos’, tais como o grego e o elisabetano, as mulheres foram excluídas do teatro. 
Esta exclusão dava-se tanto no impedimento de sua atuação no palco, quanto por meio 
da atribuição ao que seria considerada “boa” literatura, com valores calcados no 
“universal,” vinculado ao sistema patriarcal. Tais valores automaticamente excluíam a 
expressão da experiência feminina, pois esta não estava incluída no que era considerado 
“universal.” Este fator impulsionou a crítica literária feminista a entender as mulheres 
como um signo construído pelos homens durante os períodos acima citados, uma vez 
que, elas próprias encontravam-se ausentes dos palcos. Também estavam ausentes da 
dramaturgia, pois o aparato crítico embasava-se em valores patriarcais, os quais 
 
43
 “it motivated feminist critics to understand how and why women […] had been buried by man-made 
history, and, second, it initiated the recovery of their ‘lost’ female ancestors.” (Tradução de Daniel Soares 
Duarte. Não publicada). 
44

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