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O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B r a s il C o n s e l h o F e d e r a l 15 ANOS DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 P a l e s t r a s Cármen Lúcia Antunes Rocha Paulo Bonavides José Afonso da Silva Brasília, DF - 2003 © Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal, 2003 D i r e t o r i a : Rubens Approbato Machado Presidente Roberto Antonio Busato Vice-Presidente Gilberto Gomes Secretário-Geral Sérgio Alberto Frazão do Couto Secretário-Geral Adjunto Esdras Dantas de Souza Diretor Tesoureiro Capa: Susele Bezerra Miranda Organização: Luiz Carlos Maroclo Tiragem: 2.000 exemplares FICHA CATALOGRÁFICA Rocha, Cármen Lúcia Antunes 15 anos da prom ulgação da C onstitu ição Federal de 1988: Comemoração : Palestras / Cárm en L úcia A ntunes Rocha, Paulo Bonavides, José Afonso da Silva. Brasilia : OAB, Conselho Federal, 2003. XX p. 1. C onstitu ição federal - B rasil - Com em oração. L D ireito Constitucional - Brasil. II. Ordem dos Advogados do Brasil. Conselho Federal. III. Título. IV. Bonavides, Paulo. V. Silva, José Afonso. CDD: 341.24 S u m á r io Apresentação Rubens Approbato M achado ..................................................5 Prefácio Paulo Lopo Sara iva .................................................................. 7 Constituição da República: 15 anos Cármen Lúcia Antunes R ocha ................................................9 Direitos fundamentais, globalização e neoliberalismo Paulo Bonavides ........................................................................ 32 O advogado e a igualdade da Justiça José Afonso da S ilva .................................................................47 15 Anos da Promulgação da Constituição Federal de 1988 A p r e s e n t a ç ã o 05 de outubro de 1988: 15 anos. A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ, aclamada por muitos; hostilizada por alguns, está madura. Atravessou momentos difíceis e manteve-se íntegra e deu as soluções que um estado democrático de direito exige. Relembrem-se fatos como “impeachment” de um Presidente eleito, democraticamente, pelo voto popular, depois de mais de 20 anos de ditadura; o escândalo dos anões do orçamento, que determinou o afastamento da política do próprio Presidente da Câmara Federal. As soluções foram encontradas na Constituição Cidadã. É certo que a Constituição vem sendo retalhada por mais de quatro dezenas de emendas. Mas, o dinamismo de evolução da sociedade brasileira exige a permanente e constante adaptação constitucional das mudanças, sem, porém, ferir o caráter principiológico da Constituição de 88. Para comemorar esse cívico momento, a OAB oferece, nesta edição, trabalhos de três luminares do direito constitucional brasileiro, de expressões internacionais, que são os mestres Paulo Bonavides, José Afonso da Silva e Cármen Lúcia Antunes Rocha. Os temas por eles tratados e as exposições feitas merecem apaixonada atenção. Trata-se de cânticos à democracia, à liberdade, à cidadania. Carmen Lúcia, mineira de boa cepa, fala sobre os 15 anos da Constituição, relembrando que a Carta veio refletir o anseio do povo. José Afonso, professor titular da Velha e sempre Nova Academia do Largo de São Francisco - SP põe à mesa um tema angustiante sob o título “O advogado e a igualdadade da Justiçd', tendo em vista que inexiste e nunca existiu um ser humano repetível, um ser humano igual a outro. Como fazer iguais os desiguais, senão pela igualdade jurídica? Esse tema apaixonante vem desenvolvido com a inteligência de um ser inigualável que é o professor José Afonso, meu contemporâneo de faculdade, no início da década de 50, do século passado. Paulo Bonavides, cearense da melhor estirpe, um dos constitucionalistas mais respeitado de nossa época, em todos os cantos do mundo, mostra- 5 se presente e atualizado com seu trabalho cuidando dos “direitos fundam entais - g loba lização e neo liberalism o. Traça, com genialidade, a escala evolutiva do Direito Constitucional, analisando os direitos de primeira, segunda, terceira e quarta gerações. Após essa análise evolutiva enfrenta o momento atual brasileiro, para afirmar, lapidarmente, que “o Brasil é hoje um país constitucional, mas não é um país democrático”, por perpetuar privilégios, governar para os economicamente fortes, pela falência social. Os três mestres, para orgulho da advocacia brasileira e da OAB, são membros da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, onde têm presenças e trabalhos permanentes e marcantes. Por essas sucintas razões, a Presidência Nacional da OAB se sente extremamente honrada e envaidecida por lhe ter sido reservado o momento de apresentar esses trabalhos. Rubens Approbato Machado Presidente Nacional da OAB. 6 15 Anos da Promulgação da Constmit, ão Federal de 1988 P r e f á c io A Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, que tenho a honra de presidir, há onze anos, decidiu que as comemorações relativas aos três lustros da Constituição Federal de 1988 deveriam ser realizados, no âmbito do próprio Conselho, pois é na sua convivência onde se efetiva a defesa diuturna do texto constitucional. Para cumprir esse desiderato convidou três personalidades da OAB, todos especialistas da área do Direito Constitucional para proferir as conferências, que agora são o conteúdo desta notável publicação, em boa hora entregue à reflexão de quantos a lerem. As lições de Paulo Bonavides, José Afonso da Silva e Carmem L úcia A ntunes Rocha, além de serem verdadeiras aulas de constitucionalismo contemporâneo, ornarão sempre os 15 anos da jovem Constituição Brasileira que, na sua atribulada adolescência, já foi violada 46 vezes. Nesta oportunidade, evocamos o sacrifício de todos quantos imolaram suas vidas pela Constituição, dos foram presos e exilados, pois se fora a sua luta e o seu holocausto, não viveríamos hoje num Estado Democrático de Direito. A OAB tem como missão precípua a defesa da Constituição e tem cum prido sua faina histórica, com destemor, sapiência e pertinácia. A prerrogativa de legitimação para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade, estatuída pelo art. 103, VII, da Carta Magna, tem sido apanágio da proteção cotidiana dos direitos e garantias da sociedade brasileira. 7 Esta m eritória obra servirá de lume para todos os que se proponham a lutar pela eficácia, efetividade e eficiência dos princípios e normas constitucionais, pois, graças a Deus, temos hoje uma Constituição e só sabe o seu valor prático quem, na época das trevas da ditadura, já a perdeu. Viva a nossa C onstitu ição . Com e la terem os sem pre; CIDADANIA, DEM OCRACIA e DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Brasília, 11 de novembro de 2003. Paulo Lopo Saraiva Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais 8 15 Anos da Promulgação da Commuiçãa Federal àe 1988 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: 15 ANOS* Cármen Lúcia Antunes Rocha Querido Presidente, quero sejam as minhas prim eiras de agradecimento à Ordem dos Advogados do Brasil, na pessoa do Senhor Presidente, Dr. Rubens Approbate. Na verdade, os quinze anos da Constituição devem nos remeter, mesmo, a um momento de alegria, espero que nem de tristeza, nem de melancolia, conforme eu vou tentar expor aqui, pelo início de um ciclo que é o que estamos vivendo no Brasil pós-Constituiçào de 1988. Por isto é que apresento as minhas primeiras palavras neste momento como do mais sincero agradecimento ao Presidente, à Diretoria da Ordem dos Advogados do Brasil, pela oportunidade que me oferece para estar aqui, neste últim o Encontro do Colégio de Presidentes desta gestão, para conversar sobre esses quinze anos. Não apenas por isto, mas quero agradecer a esta Instituição que, durante essesúltimos quinze anos, ter representado um modelo de atuação cívica, o que vem sendo passado, hoje, para outras entidades. O próprio Institu to dos A dvogados Brasileiros “colou” daqui a criação de Comissão especializada, exatamente, no estudo do Direito Constitucional para compor os seus quadros numa bela inovação, que muito contribui para o aprimoramento institucional. Era necessário este registro inicial, porque a Ordem dos Advogados e a sua Casa Matriz, o Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, muito contribuíram para as instituições políticas e jurídicas desta nossa pátria. Sua história precisa ser honrada, preservada e continuada. Queria dizer ao Presidente Approbato, que tem insistido, desde ontem, em dizer que esta é a última reunião do Colégio de Presidentes, que parece não ser bem assim. Não! Esta é a primeira das próximas. A última desta gestão, mas mesmo o Presidente Palestra proferida na Reunião do Colég io de Presidentes dos Conselhos Seccionais da O A B . no dia 13,09.2003- 9 continuará, na condição de Presidente nato da instituição e no coração dos que lhe têm estima e consideração. Esta é uma reunião que, para mim, tem importância especial, pela comemoração dos quinze anos da Constituição da República, o que nos oferece espaço e oportunidade para pensar e repensar, ainda brevemente, o Brasil que tivemos, o que temos e o que queremos ter. Eu não vou tomar muito tempo do Colégio de Presidentes, que eu sei que tem uma pauta longa de trabalhos pela frente. Mas eu queria fazer algumas observações, portanto, sobre esses quinze anos, partindo de algumas idéias que eu tenho, muitas das quais am adurecidas, m esm o, na C om issão de E studos Constitucionais, que é um belíssimo fórum, no qual se tem a oportunidade de saber o que é a Constituição vivida, a Constituição no dia a dia, a Constituição preocupação de todos. Eu queria anotar para mim, e desafiaria os senhores, cada um dos senhores, a pensar se os senhores se lembram o que cada um estava fazendo e quem era cada um dos senhores há quinze anos atrás, no dia 5 de outubro de 88, quando se deu a promulgação da Constituição del988. Como nós, da Ordem dos Advogados, e nós, que estudávamos e todos os que estávamos muito envolvidos, no meu caso com o Sérgio Sérvulo, com os que compunham os órgãos representativos da Ordem dos Advogados do Brasil, presente entre nós, ainda, o Ministro Seabra Fagundes e o Ministro Evandro Lins e Silva, eu sei exatamente o que fazia, quem eu era e o que esperava fosse a minha e a vida do Brasil no qual eu viveria a partir daquele momento de promulgação da Lei Fundamental de 1988. Pela significação histórica na minha vida profissional (de professora de Direito Constitucional) e de cidadã, posso, ainda agora, 10 J5 Anos (Ia Promulgação da Constituição Federal de 1988 fazer essa localização histórica, a fim de me lembrar como era e como era pensado e vivido o Brasil de quinze anos atrás. Acho que é importante, agora, uma reflexão sobre cada um de nós, e cada um de nós neste Brasil de quinze anos atrás, para se ter uma perspectiva dos próximos quinze anos e como pensar estes quinze anos que já se foram e o que nele fomos capazes de realizar. Sempre acho que quando se perde de vista o que se foi, o que se queria ser e o que se conseguiu ser, a gente fica sem perspectiva de imaginar o que nós queremos ser daqui para a frente. Quer dizer, eu sei que há quinze anos atrás, com pouco mais de trinta anos, eu tinha uma perspectiva de Brasil, já, então, como professora de Direito Constitucional, como advogada brasileira. E eu digo que, quinze anos depois, eu tenho muito mais esperança e confiança no Brasil do que eu tinha no dia da promulgação da Constituição, pelo que vi ser possível tomar-se. Tenho para mim que o Brasil melhorou, e melhorou muito! Se não melhorou o tanto que nós queríamos, pretendíamos e achávamos possível, se não chegamos ao ideal que almejávamos, se estamos longe daquele fim buscado, porque todo mundo está longe, mesmo, do ideal, pelo menos de justiça absoluta ou de justiça plena, não tenho, entretanto, nenhuma dúvida que, hoje, o Brasil é muito melhor, do ponto de vista constitucional, do ponto de vista jurídico, do ponto de vista político, do que era há quinze anos atrás. Por isso é que eu peço que se lembrem do que cada um de nós aqui era há quinze anos. Sou de uma geração que teve o seu período de faculdade durante uma ditadura. Naquele tempo, não é apenas que jamais seria possível eu estar na Ordem dos Advogados. A Ordem dos Advogados do Brasil mesmo não era uma possibilidade, era uma conquista diária, era um embate, era uma luta dos que resistiam apesar de todas as adversidades. Porque aquele era um tem po de adversidade. Claro, a perspectiva a partir da qual se vê e se analisa o mundo é a de cada um de nós, até porque o mundo que cada um vê é o seu. 11 Se estamos aqui, num Colégio de Presidentes de Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, falando cada um o que pensa, é porque o Brasil mudou nestes quinze anos. Ainda hoje, sou a única mulher hoje presente neste plenário, o que significa que não se mudou o que era a nossa vontade e a nossa perspectiva. Mas já é uma. E o que sou é apenas isto, uma mulher brasileira, uma advogada brasileira que vive do seu trabalho como advogada, falando sobre o que é o direito-semente, o direito-raiz de qualquer povo e que o Brasil sequer podia pensar, que dirá falar, há duas décadas passadas. E não é dizer que o Brasil não fala mais de Constituição, ou que estamos num reformismo constitucional. Isto não tem a importância que se apregoa, porque estamos construindo o constitucionalismo que nunca foi um a verdadeira , um a grande construção e, principalmente, uma prática brasileira. Pelo menos, estão reformando a Constituição. Quando eu cheguei, aos 17 anos, na Faculdade de Direito, nem ao menos se mudava a Constituição, se fechava o Congresso e se fazia o que queria, segundo o voluntarismo de quem estava no poder, sem sequer se falar ou se cogitar de preocupar-se com 0 que a era a Constituição. Segundo penso, o Brasil melhorou muito. O Brasil melhorou, eu contava ao Doutor Baeta, ao nosso Presidente, que sexta-feira passada eu fiz, no in terio r de M inas, uma reunião com dez advogados.. E, nessa reunião, dois eram advogados que tiveram pais advogados ou que já advogam há muito tempo. Oito eram advogados novos, sem história de profissionais da área na família. E entre estes, quatro tinham ou tiveram pais analfabetos. C hegaram a ser advogados, vivem da advocacia, no interior de Minas, muito bem, sem problema nenhum. O Brasil mudou. O Brasil deu perspectivas que não dava antes aos seus cidadãos. Hoje, a pessoa pode chegar a uma faculdade e estudar e ser advogado, tanto em Gijoca, quanto em São Paulo. Não podia, há trinta anos atrás, porque as faculdades eram mais elitizadas do que o são ainda hoje. 12 15 Anos da Pmmulgação da Constituição Federal de 1988 Então, quando eu peço que pensem o que cada um dos senhores era, como era e o que os senhores queriam da sua vida e da vida do Brasil, há quinze anos atrás, é porque, sem um planejamento, nós vamos ser atropelados. Penso: há quinze anos atrás eu queria um Brasil melhor para todos. E quinze anos não são nada para a história de construção de um Estado. São uma enormidade de tempo para se destruir, não para se construir. Há quinze anos estávamos aqui, também, no outro prédio da Ordem, discutindo o Brasil, querendo um Brasil melhor. Daqui a quinze anos, eu vou ser uma mulher de quase 60 anos, portanto, tentando, também, provavelmente, que o Brasil seja melhor. Mas eu preciso saber o que era esse melhor para mim, o que eu queria, em que - se em algum ponto - eu estava certa, em que eu estava errada, emque nós mudamos e que podemos aperfeiçoar. Quer dizer, eu sempre pergunto assim: não é hora de a gente pensar qual o Brasil que nós tínhamos, qual a Constituição que nós tínhamos, para conseguir sentir qual o Brasil que nós queremos ter, qual a Constituição que nós queremos ter? A minha confiança no Brasil, hoje, digo aos senhores que é muito maior. Nessa minha vida de “cigana jurídica”, este ano, até hoje, eu falei em 22 estados deste país, tanto para juiz, quanto para Ministério Público, quanto para advogados. Eu não vejo ninguém achar que o Brasil piorou. Eu não vejo ninguém - e estou falando, e todo mundo da área de constitucional,, porque hoje se fala muito - mesmo no ano em que o Código Civil entrou em vigor afirmando desacreditar do Brasil. Note-se que também há quinze anos atrás discutir-se-ia muito mais o Código Civil, porque o Código Civil tinha mais importância do que a Constituição. Nós somos um Brasil que. há quinze anos atrás, dava mais valor e importância para uma a portaria do Secretário da Receita Federal do que para a sua Constituição. Hoje isto já mudou significativamente. C laro, descum pre-se ainda - e m uito -, lam entavelm ente, a Constituição do povo deste Estado. E é por isso que nós temos um 13 sistema tão completo e extensivo de controle de constitucionalidade, no qual a própria Ordem dos Advogados é chamada a colaborar e a participar, para buscar uma temperança neste destempero que é a desobediência constitucional, que tanto nos afronta e agride. Como afirmou, inicialmente, o Presidente, não é incomum saber- se que deseja afastar da supervisão ou da participação no controle de constitucionalidade da Ordem dos Advogados do Brasil. Eu me lembro, hoje, nitidamente, da voz do Ministro Se abra Fagundes, nos debates do Estatuto. Os senhores, provavelmente, Hermann Baeta, o D outor Reginaldo se lembram, quando ele proclamava: “Nós não podemos nos acorrentar, porque somos uma sociedade que precisa de mais liberdade. A Ordem dos Advogados é um espaço de liberdade”. Durante os trabalhos do Congresso Constituinte estivemos aqui, advogados e professores da área, discutindo os grandes temas constitucionais. Após a promulgação da Constituição de 1988 passam os a ter, inclusive, com um a C om issão perm anente encarregada de fazer com que todos os grandes temas constitucionais sejam discutidos. Se falham os, falham os nós, da Comissão, provavelmente. Ou falhou a Ordem, que também não é perfeita. Mas andamos, andamos muito no sentido da defesa da nossa Constituição e da pátria democrática e constitucionalizada, como pretendíamos ter naqueles idos de quase duas décadas atrás. E por isso é tenho por conveniente que sempre pensássemos, nós, advogados brasileiros, porque que se fez essa Constituição, para que se fez e, principalmente, para quem que se fez esta obra fundamental para a democratização de nossa pátria. Quanto ao primeiro ponto, porque se fez. poderíamos encontrar a resposta na circunstância de que vínhamos de uma ruptura de um momento não constitucional, de um Estado que não era de Direito, de um Estado que não se submetia ao Direito, que submetia o Direito 14 15 Anas da Pmiitulgação du Coitsiiruiçõo Federal de 1988 às conveniências do poder ou de quem, eventualmente, o exercia. E o fazia, de resto, em seu próprio nome, ou, no máximo, no de um grupo que não era, não representava o povo brasileiro.Este povo que, como todo povo, merecia a sua Constituição legitimando uma idéia de Justiça, na qual ele acreditava e que queria ver exitosa e eficaz. Recordo-me bem que, há 21 anos atrás, quando entrei para o cargo de Procuradora do Estado de Minas Gerais, recebi, em redistribuição, uma chusma de mandados de segurança de oficiais de cartórios, baseados na Emenda 22, de 82. Esta Emenda tinha nome, era a “Emenda Falcão” . Uma norma constitucional fora preparada e outorgada dirigidamente para cumprir o interesse de uma pessoa específica. Aliás, a Constituição do Brasil nem ao menos tinha nome: chamava-se “Emenda n° 1.” Tecnicamente era observada pelos cidadãos como Constituição, mas nem nome de Constituição recebera. E o que é pior, somente era observada pelos cidadãos, porque os governantes achavam que nada deviam a ela. Ela é que devia a eles a sua existência e sobrevivência até quando bem entendessem. Por que se fe z l Porque a sociedade brasileira, nas décadas de 70 e de 80, batalhou para que se rompesse e se extinguisse aquele estado ditatorial. Depois, nós, o povo, lutamos pela anistia, fomos para as ruas. A anistia não passou do jeito que a OAB, do jeito que os cidadãos brasileiros queríamos, não foi ampla, geral e irrestrita. Mas veio sempre algo do tudo o que queríamos. Fomos, de novo, para as ruas, ou continuamos nas ruas, pedindo "'Diretas Já". Não passou a denominada Emenda das diretas, mas continuamos pedindo, pelo menos, que não fosse o Maluf. Daí surgiu o 'Tancredo Já O Tancredo morre, mas não morreu nossa esperança e continuamos a lutar, agora pedindo o que representava aquela eleição de 1984, ou seja, um novo Brasil, pelo que queríamos "'Constituinte Já”. 15 Aquele Congresso Constituinte legitimou-se tão somente porque ele não foi e não fez o que o então Presidente da República pensou que ele pudesse ser: res tritiv o . Mas ela foi, realm ente, uma Constituinte. Em seu seio se discutiram os grandes temas brasileiros e para eles se buscaram respostas que estão no texto constitucional. Dali se teve o que é uma muito boa Constituição. Diria mesmo, uma ótima Constituição. Não é perfeita. Nenhuma lei é perfeita, Direito não é perfeito, é criação de homens, que por esta mesma condição já faz de sua obra, uma im perfeição aceitável e condicionada à humanidade do seu autor. Nós, brasileiros, temos o hábito de falar mal das nossas leis. O Pontes de Miranda tem uma célebre frase, que eu costumo usar, sobre a crítica, especialmente contundente em relação às leis novas. Segundo aquele grande jurista, deve-se ver a lei nova com simpatia, porque com antipatia não se interprete, combate-se. Nós temos aquele mau hábito referido pelo grande Pontes. No advento de lei nova a nossa tendência é, pelo m enos, nos posicionarmos com desconfiança, não lutando para que ela tenha efetividade jurídica e social. Era preciso - e ainda é - ter boa vontade com a Constituição brasileira, mas nós, brasileiros, nem sempre temos boa vontade com as suas coisas, menos ainda com as suas criações, mesmo com aquelas que possam ser consideradas ótimas. Se os senhores analisarem as Constituições - e as temos em mais de cento e noventa em vigor, hoje, no mundo - vão deparar com previsões, com regras absolutamente impensáveis na teoria da Constituição. Mas os povos que a elas se submetem não estão preocupados com isso, estão preocupados com o que elas oferecem de melhor e que eles tentam aplicar e melhorar aquilo que não ficou tão bom. Apenas para exemplificar, há pouco, por força de Emenda Constitucional, introduziu-se na Lei Fundamental da Argentina norma tomando nulos os atos praticados durante períodos ditatoriais. Não é, de resto, a única Constituição sul-americana a proibir golpe de Estado ou a considerá-lo nulo. Se tanto se desse no Brasil, contudo, 16 J5 A d o s da Prumulgação da Consliruição Federal de J988 tenho certeza que seria objeto de deboche internacional, afirmando- se: “Como é isso? A primeira coisa que um golpista de Estado, que os ditadores fazem, é rasgar a Constituição. Você faz uma Constituição e diz que fica proibido dar golpe de Estado?” No entanto, há Constituições que dispõem sobre o tema e o povo não considera este 0 ponto essencial de discussões. Este não é o item principal de preocupações, até porque o que não é ótimo pode ficar muito melhor quando aplicado e, ao se interpretar,esm erar-se para o seu aperfeiçoamento. O Brasil tem uma ótim a Constituição. Foi feita porque, rompendo-se com um período ditatorial, era preciso refazer o Brasil. O mote da campanha do Tancredo Neves, que era só isso, um slogan de campanha, era muito bem posto, no entanto.- Nova República. Queríamos, então, um novo Brasil. Porque queríamos um Brasil que fosse diferente, um Brasil que fosse para os brasileiros, que servisse ao modelo de Justiça no qual acreditávamos e que queríamos poder pensar e repensar, sem imposição autoritária. Ora, a Constituição de 1988 veio refletir este anseio do povo. Quem participou dos trabalhos constituintes pela Ordem dos Advogados ou, no meu caso, colocada que fui à disposição daquele Congresso por ser procuradora de Estado e tanto ter sido determinado por Ulysses Guimarães, há de se lembrar do clima democrático que se instalou: Brasília transformou-se numa festa, uma grande festa democrática. Costumo narrar que, na Biblioteca da Câmara, encontrei, querendo saber o que era alguma coisa que se discutia entre as normas sugeridas, índio, de cocar e tudo, um brasileiro, igual a todos, mas que não tinha visibilidade e audiência normal, em espaço público, e que passou, então, a tê-lo. Claro que, com a diversidade que nós temos, não se poderia imaginar que adviesse daqueles trabalhos uma Constituição fechada, certinha no sentido de ser equacionada, em termos articulados, como 17 se o Brasil não tivesse as suas tantas e quantas diferenças. Nem tanto seria legítimo. Mas obtivemos uma boa Constituição. Para que se fe z a Constituição? A resposta está no preâmbulo daquela Lei Fundamental: para tentar instituir uma sociedade livre, justa e solidária, em que os valores da liberdade, da justiça social, da igualdade e da participação popular fossem priorizados, fossem efetivados, não apenas jurídica, mas socialmente e voltando-se para todos. Isso é 0 que está posto. E se nós brasileiros, inclusive e principalmente nós, advogados, cuidamos muito pouco de dar eficácia social a isso é porque nós, advogados e os senhores juizes, continuam , ainda, a c itar pouco e a fazerm os valer pouco a Constituição brasileira. Claro, já é ela muito mais citada do que o fora sempre antes. Porque, há vinte anos atrás, estudava-se, nas faculdades de Direito, cinco anos de Direito Civil e dois semestres, de Direito Constitucional. Hoje, nós temos quase três anos de Direito Constitucional, o que é uma mudança significativa, para que nós tenham os advogados pub lic is ta s , ju izes , m elhor acervo de informações jurídica e m elhor formação publicista em Direito Constitucional para melhor interpretar e aplicar os princípios e as regras constitucionais vigentes. Esta realidade, portanto, foi feita a partir de uma Constituição que tinha como finalidade mudar o Brasil. Para quem é a terceira questão que, inicialmente coloquei, para quem a Constituição de 1988? Penso ser este o dado principal. E este é o dado pelo qual a Ordem dos Advogados mais atuou e que eu espero que a Ordem dos Advogados continue a atuar. A Constituição foi feita para o cidadão. A celebérrima leitura feita pelo Ulysses Guimarães, na Sessão de promulgação, ainda hoje me parece um documento que tem importância política e, inclusive, jurídica. Essa é uma Constituição que foi feita para o povo. Para um povo que não tinha remédio, não tinha sapato, nem educação, nem cidadania. E que continua, 18 15 Anos da Pivinul^dçàd cia Con.Miiiiiçãc' Federal de 1988 melancolicamente, em grande parte, não tendo. Nós somos, ainda hoje, quinze anos depois, pelos dados oficiais do Governo, quarenta milhões de pobres ou miseráveis. Considera-se pobre quem ganha até um salário mínimo, considera-se miserável quem ganha menos de um salário mínimo, para uma família que é, normalmente, cotada em quatro pessoas. Portanto, nós não somos uma sociedade que ainda atingiu, nem de longe, a justiça social preconizada como valor a determinar a feitura constitucional de quinze anos passados e como principal a valer como norma fundamental a ser implementada no curso dos últimos e dos próximos anos desta pátria. Costuma-se indagar: “Considerando-se aqueles dados oficiais, essa Constituição terá valido para alguma coisa?”. Valeu, estamos falando dela, estamos tentando realizá-la, antes nem ao menos se remetia, se referia ou se lutava pela e segundo a Constituição. Valeu e continua valendo a cidadania dos brasileiros. Para eles ela foi elaborada e promulgada, para eles vale a pena continuar tentando defendê-la e implantá-la como Lei Fundamental desta República. Nestes quinze anos, pergunto aos senhores o que fizeram do apanhado que tenham elaborado, mentalmente, de suas vidas. Talvez não tenham mudado tanto e tiro isto da minha própria experiência, porque até que tenho uma vida muito tranqüila e não muito diferente do quadro, pelo menos profissional, do que era há quinze anos atrás, quer dizer, continuo sendo advogada, continuo sendo Procuradora do Estado, continuo sendo professora da PUC/Minas. Mas se se tomar a realidade nacional, haverá de se verificar que tivemos quinze anos de uma verdadeira revolução. O povo calado e olhando de lado, como afirmava então Chico Buarque, em uma de suas belas canções, cedeu espaço a um povo falante que olha de frente. 19 Numa passada rapidíssima da história mais recente do Brasil, podemos observar o seguinte; ao final da década de 80, uma geração de brasileiros, que tinha nascido por volta da década de 60, ou um pouco antes, sequer sabia o que era eleição, porque nós nunca tínhamos votado, fomos votar, pela primeira vez, para Presidente, em 1989. Nós tivemos uma eleição, segundo a Constituição nova. Nós tivemos, na seqüência, o impeachment deste Presidente eleito, num fato inédito, a primeira vez na História da Humanidade que um processo de impeachment se passa, democraticamente, com o povo nas ruas e sem qualquer problema institucional, com a aplicação plena e respeito irrestrito da Constituição. Na seqüência, o Vice-Presidente empossado chega ao final do mandato sem que haja qualquer tumulto social, em clima de absoluta tranqüilidade. É certo que, na seqüência da década de noventa, tivemos um período de mudanças, mas mudanças ideológicas. Somos contra, também é certo, mas estamos pelo menos podendo dizer que o somos e que precisamos rever a quadratura constitucional que, em algumas passagens do texto, passaram a constar contra os princípios constitucionais que não as permitia. Chegamos à eleição de do hoje Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, homem que foi um menino pobre, sem nenhuma alternativa garantida na vida, o que significa que processamos uma mudança significativa em termos sócio-políticos e fomos capazes de assimilar isso também não apenas com tranqüilidade, mas com legitimidade incontestável, em situação de democracia política. Se não chegamos à democracia social, e é certo que não chegamos, porque a desigualdade é muito grande, no Brasil, isto não é culpa da Constituição. Há um tempo atrás, lia um texto de Norberto Bobbio, que é exemplar para nós, brasileiros, porque podia ser perfeitamente aplicado ao Brasil. O texto se chama: “A Constituição não é culpada". 20 !5 A h os da Promulgação da Constituição Federai de 1988 Neste texto, aquele autor pondera, em clima de comemoração do aniversário da Constituição italiana, que: “de tudo o que está errado na Itália culpam a Constituição”. Ele compara, então, a Constituição ao conjunto das regras de um jogo, de um jogo de futebol. Afirma ele: “Se alguém é escalado para um time e não sabe jogar, e não faz gol por isso, isso é um problema do time e do jogador. Se ele resolve entrar e disser: com essas regras, o gol é pequenininho desse jeito, um campo desses e esse tanto dehomens atrás de mim, eu pego a bola com a mão e lanço dentro do gol, ele será expulso, porque ele rompeu com as regras do jogo” . E então aquele autor observa: “Não há jogador perfeito. As regras do jogo não ensinam alguém a sê-lo, mas garante que 0 jogo se passe para que os melhores despontem e participem do jogo na situação de jogador. Se se pudesse conter nas regras do jogo o ensinamento de como ser um jogador perfeito, todo time de futebol 0 seria. Mas não o é.. logo, você pode ter um bom ou um mau jogador. Mas, em qualquer caso, o jogo vai ser jogado segundo regras pré-estabelecidas, isto é que importa” . E ele anota: “A democracia é um jogo político. E esse jogo se joga segundo as normas constitucionais. Se estivermos jogando segundo elas, está bom. Se um jogo não é bom, se o jogo poderia ou deveria ser melhor, se o jogo está indo mal, é outra coisa. Mas nós não vamos ter jogadores perfeitos por conta apenas das regras pré- estabelecidas. Também não vamos permitir que elas mudem apenas para que alguém, que não está sabendo jogador, venha a fazer o que quiser, o gol de mão, etc. Nós não temos governantes perfeitos determinados pela Constituição. O que importa para nós, cidadãos? Que o jogo seja jogado segundo as regras previamente estabelecidas pela Constituição, a fim de que tenhamos segurança”. Ora, eu sou de uma geração que começou a vida sem que tivesse havido nenhum respeito, não apenas à Constituição, mas ao direito, de uma forma geral. E este desrespeito generalizado, escancarado, reiterado, acho que já mudou no sentido do aperfeiçoamento do 21 sentimento de direito e de justiça, o que se deve à Constituição brasileira. Tenho para mim que, no Brasil, hoje, respeita-se o direito muito mais do que há quinze anos atrás. Não me canso de lembrar de uma situação experimentada por mim, quando numa blitz, à noite, saindo da Faculdade, e desci, então, do carro portando o meu exemplar da Constituição. Isto porque ando sempre com ela, porque sou profissional por conta e à conta dela, então é fácil estar sempre com ela debaixo do braço. Ajuda sempre para impedir que me atropelem, pelo menos em meus direitos. O policial responsável naquele momento olhou-me espantado e perguntado; “(9 houve, DonaT'. "‘‘Eu que pergunto, o senhor que me parou. Eu sou trazendo a minha constituição porque o senhor sabe os seus deveres e eu sei os meus direitos”. E ele respondeu: ''Mulher já é uma encrenca. Mulher com Constituição... Este Brasil está muito complicado, é democracia demais. Pode ir embora”. É isso mesmo. E vejo que o fato de alguém achar que sabe Direito - e, antes, eu sou de uma geração que tinha medo do guarda da esquina, literalmente, quer dizer, quando eu estava na Faculdade, quando via um guarda, eu fugia dele. Hoje, eu sei que eu sei dos meus direitos e que, ao saber disto, a postura social muda, como muda, inclusive, o comportamento do Estado em relação a mim. E não somos só nós, advogados, que sabemos disso, não são só os estudantes de Direito que tomam notícia disso.] Hoje nós estamos trabalhando, Presidente, nós, da PUC de Minas, com um projeto que chama de “Constituição Viva”, com as favelas de Belo Horizonte - e temos quase 200 favelas em Belo Horizonte, para levar o conhecimento dos direitos fundamentais e ensinar a eles como se articulam. E os estudantes de direito, são quase 400 que querem participar do projeto. Para isso, para saber como é que se organiza, como é que se articula, como é que se aplica a Constituição. Não mudamos? Mudamos. 22 i5 Anos da Promulgação da Constituição Federal de J988 Eu sou de uma geração que, quando era estudante de Direito, tinha medo de falar de Constituição, que já fez prova de direito constitucional, como eu fiz, no dia 17 de abril de 77, com o Congresso fechado. Então não mudamos? Mudamos e melhoramos. E certo que continuamos a ter problemas, inclusive porque a experiência constitucional não chegou a todos os brasileiros. Mas há possibilidades de vir a chegar. Esta Constituição passa por um grave problema, que é o p rob lem a do reform ism o. Nós tem os tido um a constitu in te reformadora permanentemente instalada”. Quanto a este ponto, gostaria de atentar para dois itens dos pronunciamentos da noite de ontem: nós, advogados, de um lado, estamos reclamando do excesso de reforma, mas nós. Ordem dos Advogados, estamos pedindo novas reformas constitucionais. Ainda ontem foram lembradas, a reforma administrativa, a reforma política e a reforma do Poder Judiciário. Nós reclamos do excesso e estamos pedindo mais??? Então, é preciso que a gente pense qual é a Constituição que nós queremos, qual o Brasil que nós queremos para, depois, a gente tomar uma única posição sobre como buscar o nosso ideal. Não sou contra a reforma constitucional. Mas devo reconhecer que uma Constituição que faz quinze anos e já sofreu 46 reformas, 46 emendas, 40 no corpo de normas permanentes e mais seis das chamadas “emendas de revisão”, passou por um mudancismo que é além do que a estabilidade institucional pondera e a segurança jurídica almeja. E o que mais preocupa é que o núcleo da Constituição, o espírito dela poderá se perder a partir de tantas e profundas mudanças pelas quais vem passando. Mas ela deixará de ser aplicada se nós, principalmente nós, advogados, muito mais responsáveis nisso do que os juizes, não fizermos valer essa Constituição. 23 Reforma - e mesmo reforma constitucional - é proposta que se tem em todas as partes do mundo. A reforma previdenciária, de novo agora em tramitação, está sendo um problema? No mês de julho, enquanto, aqu i, nós estávamos nas ruas, os servidores estavam nas ruas, na França acontecia a mesma coisa. Poderiam responder que nós não somos a França e com ela não poderíamos ser comparados. O que é certo. Porém, o que estou tentando afirmar é que a reforma não é ruim em si, mas no que ela se propõe a ser. Nós temos excesso de reformas constitucionais ou excesso de Constituições? Ora, senhores, a França, que é um modelo de dem ocracia, com apenas 14 anos de d ife rença da prim eira Constituição que teve para a nossa - a deles é do final do século XVIII, a nossa primeira é de 1824 - 16 Constituições. Nós tivemos oito (contando-se, também a Emenda n. 1, observada - ou não observada - como Constituição) e todo mundo reclama do excesso. Toda vez que há uma ruptura constitucional, é imprescindível uma reconstitucionalização. Toda vez que a sociedade muda, a Constituição tem que ser, mesmo, adaptada a ela aos novos paradigmas. Eu não tenho medo de reforma. Eu tenho medo do reformismo, que descaracteriza e que faz com que a Constituição deixe de ser aplicada, segundo a vontade de maiorias parlamentares de momento. Isto é outra coisa, porque isso não atende a sociedade. O nosso papel é 0 de saber como fazer aplicar a Constituição. Nós temos problemas sociais, problemas econômicos e problemas políticos. Não somos os únicos, não adianta ficar achando que nós somos mais importantes que os outros. O mundo inteiro tem esse tipo de problema. Os nossos são diferentes e a nossa questão é como oferecer soluções para estes graves problemas que acometem o nosso sistema sócio-político e jurídico. 24 15 Anos (la Promulgação da Constituição Federal de J988 Sou dos que crêem haver soluções para os nossos problemas e que elas estão na própria Constituição brasileira. Acho, por exemplo, que falhamos, na Ordem dos Advogados, porque não nos mantivemos articulados e atuantes, tal como se deu durante os trabalhos do Congresso Constituinte, para que se chegasse à completa regulamentação da Constituição. Nós temos, hoje, e eu não consegui terminar o trabalho para trazer hoje, mas antes da próxima reunião, pelo menos do Conselho, eu vou encaminhar à Diretoria,106 normas da Constituição que ainda dependem de regulamentação. E algumas são normas da maior importância. Apenas para se ter uma idéia dos gravames que ausência de articulação responsável em defesa da Constituição pode permitir, bastaria citar que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - que era para ser aplicado só durante curto período, na passagem das instituições do modelo antigo para o modelo constitucional atual- , que, no caso brasileiro, é extenso, já foi mudado trinta e três vezes por meio de emendas constitucionais. Isto é circunstância impeditiva do aperfeiçoamento do texto constitucional. Todos os congressistas preferem cuidar de propor emenda constitucional, ao invés de propor e obter a regulamentação constitucional. Reitero não ser contra reforma constitucional em tese. Todas as vezes que precisar, haverá que ser feita, pois o compromisso do Direito é com o presente e com o futuro, não é com o passado. Por isto é que a tendência, até hoje, é ter Constituições semi- rígidas, quer dizer, que em parte possam ser mudadas pelo processo de regulamentação ordinária. Pela singela circunstância de que a Constituição, hoje, trata de temas muito mais vastos do que tratava há dois séculos atrás. 25 Então, por isso mesmo, a forma de mudança tem que se adaptar a essa nova realidade constitucional. Tenho também por certo que a Constituição brasileira, nesses quinze anos de vigência, mostrou a importância de se ter um constitucionalismo de princípios, não apenas um constitucionaiismo de regras, como anteriormente prevalecia. Valem os princípios que são aplicados. Se não são aplicados, e muitas vezes não são, não é por falta, portanto, de fundamento jurídico ou de fundamento constitucional. Chamo a atenção, por exem plo, para o que me parece o fundam ento m ais im portan te do D ire ito con tem porâneo , o fundam ento m ais im portan te do D ire ito C onstitucional contemporâneo, o princípio mais importante do Direito Constitucional brasileiro, o princípio mais importante do Direito brasileiro, que está no artigo 1®, inciso I I I , : o princípio de dignidade da pessoa humana. São pouquíssimos. Senhor Presidente, ainda hoje, no entanto, os advogados que fazem valer essa norma no seu dia a dia. Ele não lança mão disso nem ao menos para fazer a defesa dos seus clientes, fazendo com que os clientes percam oportunidades que poderiam ter, se se insistisse, inclusive judicialmente, quando couber, na aplicação daquele princípio. Por isso que a formação do advogado brasileiro ainda é, como antes acentuado, acentuadamente privatista. Então ele, às vezes, perde a oportunidade de fazer valer algo que poderia mudar a jurisprudência constitucional muito mais do que mudanças estruturais no Poder Judiciário brasileiro. Ora, a Constituição nos dá essa oportunidade. E quando nos assegura, expressamente, o princípio da dignidade da pessoa humana, converteu-se em fonte inequívoca de profunda transformação no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. De uma carta de liberdades - e a liberdade é estática - nós passamos a ter uma carta de libertação - e a libertação é dinâmica. 26 7.5 Anos da Piviiiiilgação da Constituição fed cn d de 1988 Hoje, o constitucionalismo brasileiro propicia a possibilidade, fundada em norma expressa, de libertar-se de situações previamente estabelecidas e nem sempre justas. Por isso mesmo, acho que se se afirma hoje - e fala-se muito - vivermos uma crise, parece necessário lembrar que a história tem sido mesmo isto, porque parece que nós somos em crise. O Brasil tem vivido crises permanentes, continuadas, que terminam apenas por causa do advento de outra, e tanto se desde que eu me entendo por gente, no pouco que eu me entendo, se é que eu me entendo. Estamos sempre em crise. Desde menina que eu escuto minha mãe falar: “Minha filha, o Brasil está em crise, não faz uma coisa dessas, cuidado, seu pai está trabalhando para te manter, porque o país está em crise.” A questão é: queremos viver em crise? Não. Gostamos de viver em crise: Também não. Somos os únicos a estar em crise? Não. O que é a crise? A primeira coisa a se perguntar é essa porque, senão, fica parecendo que foram, pelo menos estes últimos, quinze anos de sofrimento. Não foram. Foram quinze anos de lutas, de conquistas, de boas conquistas algumas, de algumas perdas. Está havendo invasão nos campos, vivemos uma instabilidade social. A fome não é uma instabilidade social? Gente passar fome, num país que tem terra, não é uma agressão à dignidade da pessoa humana também? As coisas estão postas, estão estampadas. Há possibilidade, portanto, de nós começarmos a vislumbrar os problemas de maneira direta. Nós não podemos olhar a vida do Direito, ou a vida dos direitos das pessoas, como se fosse a morte, que a gente sempre olha de soslaio, meio com medo um pouco como se não fosse com a gente. Ora, a Constituição passou a possibilitar enfrentar problemas, vislumbrá-los de frente e buscar a sua solução. Esta é uma grande mudança. Nós passamos a ter a possibilidade de fazer com que haja uma mudança. 27 A violência aumentou. Qual a violência que aumentou? É preciso saber, porque a violência ficava calada. A violência ficava debaixo das pedras, ficava debaixo dos viadutos. E, hoje, ela se tomou patente e, o que é mesmo grave, operante. Por isso estamos reagindo. E é dessa reação que pode sair alguma solução. Não é um momento bom para a nossa geração? Alguma geração, no Brasil, tinha que pagar o preço. Eu acho que esses quinze anos nos dão a possibilidade de ser aqueles que, se não pagam o preço inteiramente, pelo menos temos a solidariedade ética com as gerações que vierem depois de nós, a fim de que, se não receberem um Brasil melhor, pelo menos não vão receber um Brasil que era calado, inclusive na violência praticada no dia a dia. Alguns anos atrás, quando brigávam os contra a revisão constitucional, de 1993, citei o caso de uma outra mulher mineira, a Zuzu Angel. Zuzu Angel era uma costureira, do interior de Minas, do norte de Minas, de Curvelo, vindo ela se casar com um norte-americano e tomando-se, depois, uma estilista famosa. Na década de 70, o seu filho, Síwart Angel, foi preso, torturado e assassinado pela ditadura. A União só reconheceu há pouco mais de dois anos essa situação. Mas ela conseguiu fazer com que as pessoas contassem para ela onde o seu filho estava preso e o que fizeram com ele, o que a levou a uma peregrinação, para tentar resgatar o corpo dele. Por isto a chamei, num trabalho, de Antígona contemporânea . Ela então reclamava em todo lugar; “Já o mataram. Pelo menos me dêem o seu corpo, que eu quero enterrá-lo” . Como se tomara estilista internacionalmente conhecida, aquela mulher gritava no mundo sobre o Brasil, quando a ordem era o silêncio. E ela, então, passou a incomodar muito. Ela promovia desfiles em grandes centros, como Nova York, fazendo as modelos desfilarem com vestidos nos quais se desenhavam bombas, que 28 15 Anos da Pminulgação da Constituição Federal de 1988 misturavam anjinhos com urutu.Tomou-se ela, por isto, extremamente inconveniente. E começou a sofrer, também, uma pressão enorme. Como ela era uma figura que estava denunciando a ditadura ela não podia ser, simplesmente, assassinada. Por isso, ela começou a sofrer alguns atentados ocasionais, circunstanciais. Até que a assassinaram. Quando a família chegou, para buscar a Zuzu Angel, ela já estava com o corpo enrijecido, contando-se que a sua filha comentou, ao lado do caixão, com a tia a impossibilidade de cruzarem-lhe os braços. Mas a tia comentou a ordem que recebera daquela grande e corajosa brasileira: “Mas ela deixou um aviso, que se ela aparecesse assassinada, não cruzassem os braços dela, enterrassem-na com osbraços estendidos. Porque, literalmente, nem morta, governante brasileiro vai vê-la de braços cruzados”. Talvez por ser também dos Gerais, este é o modelo que tenho. Nunca me verão de braços cruzados, porque, literalmente, nem morta, alguém vai me ver de braços cruzados e com medo, com algum tipo de indolência para lutar pelos direitos do Brasil. Se não temos a melhor Constituição - e parece-me que temos uma ótima Constituição é certo que temos instrumentos jurídicos com os quais podemos contribuir e fazer valer para chegarmos a ter o melhor direito para o melhor Brasil. Acho que a Ordem dos Advogados, como todos nós, temos muito a fazer. Nestes quinze anos fizemos alguma coisa mudar para melhor no Brasil, mas não fizemos, nem de longe, tudo o que somos capazes de fazer. Tenho pedido que as Comissões de Estudos Constitucionais que, hoje existem, em todas as Seccionais, mudem os seus regimentos e passem a se denom inar “C om issão de D efesa e E studos Constitucionais” . Porque nós, inclusive, membros dessas Comissões ficamos preocupados em elaborar as ações diretas, em fazer os pareceres e não oferecemos às diretorias da OAB aquilo que poderia 29 ser um progresso ou um avanço, no sentido do aperfeiçoamento, inclusive para regulamentação das Constituições, não apenas da Federal, mas também das Estaduais. Os Conselhos Seccionais, a OAB, pelas suas Seccionais, precisam fazer a defesa do constitucionalismo estadual. Nós temos 46 emendas à Constituição Federal, mas a Constituição mineira, por exemplo, com apenas quatorze anos de vigência, já tem mais de cinqüenta emendas. Nós tivemos casos já chegados aqui, ao Conselho Federal, de quatro emendas constitucionais, uma revogando a outra, no mesmo Diário Oficial de um Estado dessa Federação. Então, é preciso que as Seccionais comecem, também, a lutar p e la F ederação verdadeira . Que as C om issões de Estudos Constitucionais comecem a batalhar pelo constitucionalismo estadual, para que, valendo as Constituições estaduais, muitas das agressões intentadas contra a Constituição Federal não possam prosperar. Queria, também, fôssemos capazes de atuar de uma forma mais direta na defesa da Constituição, aritculando-nos para chegar a uma disseminação das informações sobre os direitos dos indivíduos, a fim de que eles mesmos se municiem de informações para batalhar pelos seus direitos. Em alguns Estados, como, por exemplo, o Rio Grande do Norte, grupos de estudantes e de advogados criaram as assessor!as populares, hoje crescendo, junto com as faculdades, o que tem se mostrado uma experiência extremamente interessante. E acho que nós todos podíamos fazer isso para que, ao invés continuarmos a reclamar e a pedir que os Governos façam mais, venhamos a dar exemplo de que é possível estender nossas atividades para que todos estendam os seus direitos. Estes últimos foram quinze anos em que a Constituição, hoje uma debutante, como lembrava o nosso Presidente, tem perspectiva de se tomar, nos próximos quinze, uma balzaquiana importante, numa 30 J5 Anas da Prvmuigação da Conslituição Federal de 1988 experiência excelente a para o Brasil, com uma estabilidade jurídica e política que, talvez, nós nunca tenhamos tido. Lembro-me, sempre, dos versos de Paulo Mendes Campos, nos quais se enfatizava a dificuldade de se plantar a semente e do sofrimento para colher o fruto. Conhecendo e seguindo as estradas do meu país, descobri que a semente tem terra e homens bons para permitir o plantio do sentimento constitucional e da semente de Justiça. E como dizia o poeta, Paulo Mendes Campos: ''Se multipliquei a minha dor, também multipliquei a minha esperança”. A OAB é isto: o fórum multiplicador das esperanças reais e possíveis, de um Brasil muito melhor e muito mais justo para todos os brasileiros. Muito obrigada. 31 DIREITOS FUNDAMENTAIS, GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO* Paulo Bonavides (Conferência proferida no dia 15 de setembro de 2003, perante o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em solenidade comemorativa do transcurso dos 15 anos da Constituição da República Federativa do Brasil). Antes de passar ao tema desta Conferência apraz-me significar em breves palavras, quão generoso e amável foi o vosso convite para discursar perante este egrégio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, nas cerimônias comemorativas do transcurso dos quinze anos de promulgação da Carta Constitucional de 1988. Reconhecendo e agradecendo a honra insigne, quero, todavia, assinalar, perante tão nobre e culto auditório, que se trata de um pesado encargo de responsabilidade e reflexão. Vivemos, com efeito, uma hora atravessada de muitas incertezas sociais e de graves apreensões acerca de um reformismo sem reforma, ora em curso no país. Soldado raso das hostes libertárias, não desertarei o campo de batalha ao divisar nuvens que já se adensam nos horizontes do espaço, onde há de ferir-se o recontro da emancipação nacional, e onde teremos que fazer, sem tergiversar, a opção de nosso destino. Na escala evolutiva do Direito Constitucional, legislado ao longo das revoluções e metamorfoses de dois séculos, há quatro gerações sucessivas de direitos fundamentais. Passando da esfera subjetiva para as regiões da objetividade, buscam elas reconciliar e reformar a * Palestra proferida no dia 15 de setembro de 2003, perante o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em so lenidade com em orativa do transcurso dos 15 anos da Constituição da República Federativa do Brasil. 32 15 Anos da Promulgação da Constituição Federal de I98S relação do indivíduo com o poder, da sociedade com o Estado, da legalidade com a legitimidade, do governante com o governado. Direitos da primeira geração, os direitos da liberdade foram os primeiros a constar do instrumento normativo constitucional, a saber, direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do ocidente. Se hoje esses direitos parecem já pacíficos na codificação política, em verdade se moveram em cada País constitucional num processo dinâmico e ascendente, entrecortado não raro de eventuais recuos, conforme a natureza do respectivo modelo de sociedade, mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória que parte com freqüência do mero reconhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros consensuais de efetivação democrática do poder. Essa linha ascensional aponta, por conseguinte, para um espaço sempre aberto a novos avanços. A história, comprovadamente tem ajudado mais a enriquecer e alargar tal espaço que a empobrecê-lo ou contraí-lo. Os direitos da primeira geração - direitos civis e políticos - já se consolidaram em sua projeção de universalidade formal. Não há Constituição digna desse nome que os não reconheça em toda a extensão. Os direitos da primeira geração, a saber, os direitos da liberdade, têm por titular o indivíduo; oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o poder estatal. Entram na categoria do status negativus da classificação de Jellinek e fazem também ressaltar na ordem dos valores políticos a nífida separação entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter anti- 33 estatal dos direitos da liberdade, conforme tem sido professado com tanto desvelo teórico pelas correntes do pensamento liberal de teor clássico. São por igual direitos que valorizam primeiro o homem singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista quecompõe a chamada sociedade civil, conforme a linguagem jurídica mais usual. Os direitos fundamentais da segunda geração estes já merecem um exame mais acurado. Dominam o século XX do mesmo modo que os direitos da primeira geração dominaram o século XIX. São os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século passado. Nasceram abraçados com o principio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo eqüivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e legitima. Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos foram inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições Marxistas e também de maneira clássica no constitucionalism o da social- democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as Constituições do segundo pós-guerra. Mas passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos. De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua 34 15 Anos da Pnwiulgação da Coitsiiruiçãn Federal de 1988 concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. De tal sorte que os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tomar-se tão justiciáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada ao caráter programático da norma. Com efeito, até então em quase todos os sistemas jurídicos prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade não eram de aplicabilidade mediata, por via do legislador. Se na fase da prim eira geração os direitos fundam entais consistiam essencialm ente no estabelecim ento das garantias fundamentais da liberdade, a partir da segunda geração tais direitos passaram a compreender, além daquelas garantias, também os critérios objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a Lei Maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência fundamental de suas regras. Cresceu, pois, com a introdução dos direitos fundamentais da segunda geração o juízo de que esses direitos representam de certo modo uma ordem de valores, compondo uma unidade de ordenação valorativa que alguns juristas minoritários temem possam ressuscitar ou correr o risco de ressuscitar a concepção de sistema, à qual, segundo Scheuner, os direitos fundamentais seriam irredutíveis. Mas Scheuner já foi ultrapassado a esse respeito e dele não nos ocuparemos. ' U lrich Scheuner. "Zur Sysiem atik und A uslegung der G rundrech te" , in “Siaatstheorie und Staaisrecht Gesam m elle Schriften, Berlim, 1978, p. 718. 35 De acordo com a nova teorizaçâo dos direitos fundamentais as prescrições desses direitos são também direito objetivo e isso levou, segundo Schmitt, a superar aquela distinção material entre as duas partes básicas da Constituição, em que os direitos fundamentais eram direitos públicos subjetivos ao passo que as disposições organizatórias constituíam unicamente direito objetivo. A concepção de objetividade e de valores, relativamente aos direitos fundamentais, fez que o princípio da igualdade tanto quanto o da liberdade tomasse também um sentido novo, deixando de ser mero direito individual que demanda tratamento igual e uniforme para assumir, consoante demonstra a doutrina e a jurisprudência do constitucionalismo alemão, uma dimensão objetiva de garantia contra atos de arbítrio do Estado. A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em seguida a que se buscasse outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender tão somente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos. Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste começo de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de uma determinada sociedade. Têm, primeiro, por destinatário o gênero ^ C arl Schmitt, “G rundrechte und G rundpflichien” , 1932, in “Verfassungsrechtliche A ufsaetze” , Berlim , 1958, p. 189. ^ “Léçon Inaugurale” , sob o título “Pour les Droits de 1 ’horame de la Troisième Generation", ministrada em 2 de ju lho de 1979, no Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, por Karel Vasak, D iretor da D ivisão de Direitos do H om em e da Paz, da U NESCO. 36 15 Anos da Promulgação daX^onsútuição Federal de 1988 humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezen tos anos na e s te ira da concre tização dos d ire itos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. A teoria, com Vasak e outros, já identificou cinco direitos da fra te rn idade , ou seja, da te rce ira geração: o d ire ito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio-ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito da comunicação. Em meio a tudo isso, a essas considerações teóricas sobre direitos fundamentais, o Brasil está sendo, porém, impelido para a u top ia c rim inosa deste fim de século: a g loba lização do neo libera lism o , ex tra íd a da g loba lização econôm ica . O neoliberalismo cria, em verdade, mais problemas do que os que intenta resolver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, em certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, porquanto afrouxa e debilita os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrina uma falsa despolitização da sociedade. A globalização política neoliberal caminha sutil, sem nenhuma referência de valores. Mas nem por isso deixa de fazer perceptível um desígnio de perpetuidade do statu quo de dominação. Faz parte da estratégia mesm a de formulação do futuro em proveito das hegemonias supranacionais já esboçadas no presente. Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que interessa aos povos da periferia. 37 Globalizar direitos fundamentais eqüivale a universalizá-los no campo institucional. Só assim aufere humanização e legitimidade um conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de último, poderá aparelhar unicamente a servidão do porvir. A globalização política, a nossa globalização, não a deles, introduz os direitos da quartageração, que, aliás, correspondem à fase mais avançada de institucionalização do Estado social. São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dim ensão de m áxim a universalidade, para a qual parece que o mundo se inclinará no plano de todas as relações de convivência. A democracia positivada por direito da quarta geração será, de necessidade, tanto quanto possível, um a dem ocracia direta e participativa. Materialmente exeqüível, graças aos progressos da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável, graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema, há de ser tam bém dem ocracia isen ta já das con tam inações da m ídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo isso, obviamente, se a informação e o pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, enquanto direito do gênero humano, projetado e concretizado no derradeiro grau de sua evolução conceituai. Força dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: 0 vocábulo “dimensão” substitui com vantagem lógica e qualitativa, 0 termo “geração”, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais; os da segunda, d ireitos sociais e os da terceira, d ireitos ao 38 15 Anos da Promulgação da Co/isiituição Federal de 1988 desenvolvim ento, ao m eio-am biente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é 0 direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a Humanidade parece caminhar com menos vagar, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos da quarta geração não som ente culm inam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes, senão que absorvem - sem, todavia, removê-la - a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos da primeira geração. Tais direitos sobrevivem , porquanto ficam opulentados em sua dim ensão principiai, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia normativa a todas as esferas da sociedade e do ordenamento jurídico. Daqui se pode, assim, partir para a asserção de que os direitos da segunda, da terceira e da quarta gerações não se interpretam, concretizam-se. E na esteira dessa concretização que reside o futuro da globalização política, o seu princípio de legitimidade, a força incorporadora de seus valores de libertação. Da globalização econômica e da globalização cultural muito se tem ouvido falar. Da globalização política só nos chegam, porém, o silêncio e o subterfúgio neoliberal da reengenharia do Estado e da Sociedade. Imagens, aliás, anárquicas de um futuro nebuloso onde o Homem e a sua liberdade - a liberdade concreta, entenda-se - parecem haver ficado de todo esquecidos e postergados. Já, na democracia globalizada, o Homem configura a presença moral da cidadania. Ele é a constante axiológica, o centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do sistema. Nessa democracia, a fiscalização de constitucionalidade daqueles direitos enunciados - direitos, conforme vimos, de quatro dimensões distintas, há de ser obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional suprema à propositura da ação de 39 controle, sempre em moldes compatíveis com a índole e o exercício da democracia direta. Enfim, os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente mediante eles será legítima e possível a globalização política. “Eu não nego a lei, mas interpreto-a”, dizia o teólogo de Frei Heitor Pinto na “Imagem da Vida Cristã”. Eu também não nego a globalização, como já ficou assinalado, mas a interpreto na sua versão contemporânea, que é aquela inculcada pela ditadura ideológica do neoliberalismo, e o faço com o propósito de mostrar que ela é injusta, inimiga dos povos, supressiva das liberdades, indigna da adesão dos homens livres. Globalização serva de um capitalismo de opressão, degrada e corrompe a natureza humana, esmaga a personalidade, conculca as franquias do cidadão, nega a soberania, anula a identidade dos povos. Globalização de especuladores, cria um falso mundo sem alternativas para a liberdade, porque a liberdade nunca teve alternativa. E ao começo deste século uma tragédia para os direitos fundamentais. Quando a crise acomete portanto o capitalismo globalizante do modelo neoliberal - a esta altura impugnado e já açoitado das forças de resistência que lhe arriaram a máscara e lhe patentearam a brutalidade com que oprime - o mundo outra vez se há de inclinar para o Estado social, para a democracia participativa. Única saída à crise e ao desmoronamento do capitalismo. Em verdade, capitalismo do gênero mais com prom etido com a especulação que com a produção. Por isso mesmo, de todo estéril e lesivo à economia dos países débeis, vítimas do confisco especulativo e feroz que arruina mercados, câmbios e nações, que vê o lucro e não o homem, o capital e não o trabalho, o egoísmo e não a fraternidade. 40 15 Anas da Promulgação da Constituição Federal de 1988 O capitalismo industrial desencadeou no ocidente com extrema agudeza a luta de classes e ao mesmo tempo se converteu em atroz inimigo dos direitos sociais, cuja inserção no texto das Constituições não afiançou a estes uma proteção jurisdicional do mesmo grau de eficácia daquela conferida aos direitos civis e políticos, os chamados direitos da primeira geração ou do “status negativus” . Já o capitalismo financeiro, que lhe sucedeu, tem outro semblante, outra ideologia, outro argumento de poder que se dissimula em teses do neoliberalismo e da globalização, gerando as formas mais refinadas de opressão. É 0 capitalismo dos globalizadores, capitalismo que não ocasiona conflitos, mas submissões: a submissão de povos; capitalismo de novo gênero cuja hegemonia se exercita a partir das relações de m ercado e das bolsas que regem as finanças internacionais; capitalismo, enfim, que tem por alvo a nação, a soberania, o Estado e não a classe ou um segmento da sociedade como na versão antecedente. Se a primeira modalidade de capitalismo contradiz a consagração definitiva daqueles direitos que nas esferas sociais mitigaram a luta de classes, a segunda, isto é, a do capitalismo financeiro, se apresenta mais funesta e devastadora por atentar contra a justiça dos povos, contra os direitos da terceira geração, contra a soberania das nações. Fez ele recrudescer o conflito das etnias, das civilizações, das culturas e das religiões e articulou, na simultaneidade do combate ao terror, o grito fascista que aclama a morte e vitupera a vida; o mesmo grito do episódio heróico de Unamuno, em Salamanca. Meus caros Conselheiros, minhas Senhoras e meus Senhores: O Brasil é hoje um país constitucional, mas não é um país democrático. Não é democrático País que governa para banqueiros, concentra a renda e perpetua o privilégio, que tem nas cidades uma classe média empobrecida e aviltada, que deixa à fome e ao abandono, 41 sem terra, sem pão, sem emprego, sem teto, sem saúde, sem hospital e sem escola, milhões de brasileiros, arremessados à penúria e indigência; um país que na falácia social da Abolição, transcorridos mais de cento e dez anos, fez o alforriado de ontem sair das senzalas da escravidão negra para as favelas da escravidão branca. Não é democráticoPaís cujo sistema de partidos perdeu a representatividade, e manipulado pelo Poder Executivo, fez-se cúmplice da instalação iminente de um sistema de governo único, que será tão funesto ao Estado de Direito quanto o sistema de partido único introduzido pela ditadura militar, e que eu tive ocasião de denunciar à Nação, em fins da década de 60, num seminário internacional de cientistas políticos, celebrado no Rio de Janeiro, por iniciativa do Professor Cândido Mendes. Igual denúncia hei de fazer, com o mesmo calor cívico, se idêntica calamidade política vier a desabar sobre a nossa forma de governo. Ontem, como escrevi na “Crise Política Brasileira”, havia um sistema de partido único, porque no falso pluralismo de fachada, só 0 partido da ditadura tinha portas abertas de acesso ao poder; os demais existiam por manter a farsa de coonestar o sistema, mediante o exercício limitado de uma oposição consentida; hoje, desenha-se, no horizonte, a silhueta do mesmo quadro, tendo por característico a invariabilidade das políticas presidenciais, com a reprodução do modelo econômico de dependência ao capital externo e às forças que levam a cabo a recolonização e a ruína econômica e financeira do Estado soberano. Não é democrático tampouco um País cujas elites governantes e partidárias, supostamente representativas, abandonaram a causa do povo e, mergulhadas na cumplicidade e na corrupção, sobrevivem abraçadas com o capital colonizador que invade e subjuga o mercado nacional. 42 15 Anos da Pmmulgação da Conxtiiuição Federal de 1988 Não é democrático País que faz o desespero social chegar aos lares da classe média e leva o povo a descrer da ordem jurídica e prantear seu próprio destino. Não é dem ocrático, m uito menos, um país de econom ia falsamente globalizada e que se desnacionaliza prostrado de joelhos diante da unipolaridade. A m esm a unipolaridade que tem derrubado governos e soberanias, com a pressão dos mercados e o desencadeamento das crises especulativas. E se não escraviza com o capital, o faz com as armas, logrando fim semelhante, de forma, porém, mais brutal, como aconteceu recentemente na tragédia do Iraque. Ali, às margens do Tigre e do Eufrates, a Mesopotamia, ontem, berço da civilização, hoje túmulo do direito internacional e da Organização das Nações Unidas (ONU), ministra aos povos a lição da verdade, acerca da natureza maligna do modelo globalizador, executado com a impostura de um determinismo ou de uma fatalidade pela potência hegemônica e imperial. Enfim, não é democrático um país humilhado, até há pouco, por oito anos de ditadura constitucional e seis mil Medidas Provisórias que agrediam a Constituição. Vamos nos bater, pois, advogados do Brasil, pela causa da regeneração nacional, por uma democracia participativa, sob as luzes da Constituição, que clareiam com a normatividade dos princípios a estrada da justiça; por uma ordem internacional reg ida pelo humanismo cristão e pela solidariedade ecumênica; por um País onde o presente não há de propender ao passado, mas ao futuro, porquanto, na órbita da política exterior, o passado traz o FMI, a ALCA e o Consenso de Washington, ao passo que o futuro trará o Mercosul, a Comunidade Andina e a União Européia; o passado leva à recolonização, o futuro levará à libertação; o passado pertence às 43 Ordenações Filipinas, o futuro pertencerá à Declaração Universal dos Direitos Humanos. É este, por sem dúvida, o dilem a presidencial do Brasil contemporâneo na grande perplexidade que a nação ora atravessa. Em rigor, na eleição de outubro de 2002, o povo plebiscitou, com o seu voto e o seu veto, uma política de governo, que arruinava a república, quebran tava a federação, alienava a soberania, despedaçava a Constituição. Se prosseguir assim a política da herança maldita que restará breve da ordem Constitucional e do Estado de Direito? Disse Rui Barbosa na Oração aos Moços que o coração “é o órgão da fé, o órgão da esperança, o órgão do ideal” . Se ainda há fé, esperança e ideal em nossos corações, quando acabo de vos falar acerca dos direitos fundamentais e da Constituição, numa sociedade vítima de corpos representativos prostituídos e de Executivos liberticidas, é porque a desorganização moral no País, sem embargo de todos os seus efeitos devastadores, não lesou por enquanto o coração da Pátria, que continua a bater forte e a manter intacto o músculo da resistência onde se incama o sentimento da nacionalidade agredida. Sentimento que eu vejo refletido nas vossas fisionomias, porque vós levantastes este templo da consciência brasileira, consciência de um País que se não alienou nem perdeu a memória do passado; onde as vossas lutas institucionais fizeram a legitimidade desta Casa e a constituíram a grande oficina jurídica de preservação da soberania constitucional. Este tem sido o vosso papel, a vossa missão histórica, a vossa causa, o vosso compromisso com a Constituição e a liberdade. Ao desempenhar este dever fizestes da OAB na confiança da opinião 0 santuário do Estado de Direito. 44 15 Anos da Promulgação da Constituição Federal de 1988 Este galardão vós possuis e ninguém vos subtrairá porque a OAB desde m uito se acha tom bada pela cidadania como um patrimônio da Nação. Muitas bandeiras poderão ser erguidas. A mais urgente é esta: não há poderes imunes à moralidade administrativa. O nepotismo transgride o art. 37 da Constituição, portanto cabe bani-lo do círculo dos Três Poderes nas suas esferas superiores mais contaminadas. Não importa que sejam as do Executivo, do Judiciário e do próprio Legislativo. Todas estão sujeitas à obediência daquele princípio que pertence às normas superlativas da ordem constitucional. Tomando à contemporaneidade do momento institucional, o povo disse não ao passado e sim ao futuro, e como há uma enorme angústia acerca dos rumos que permanecem por definir, eu vos confesso que não perdi a esperança. Mas reconheço que muitos já transformaram a esperança em desengano. Que não passem todavia do desengano ao medo. Porque o direito de não ter medo, como disse Franklin Roosevelt, é uma das quatro liberdades que inspiraram a Carta do Atlântico, nas procelosas batalhas da democracia contra o fascismo e o nacional- socialismo e o terror de seu império de mil anos. Se vos negarem, com atos e fatos, o direito de não terdes medo, de não manifestardes o vosso pensamento, já não sereis cidadãos, mas vassalos; já não haverá neste Pais sacerdotes da Constituição, tribunos das causas populares, advogados da liberdade, mas súditos, áulicos e serventuários de uma ditadura, que não importa de casaca, de uniforme ou de toga; será sempre ditadura e todas as ditaduras são abomináveis, representam a servidão, o silêncio, o medo, a tristeza, a indignidade, o infortúnio. 45 Elas amortecem as fibras da cidadania porque fazem a sinopse de todos os malefícios sociais. Regridir do constitucionalismo ao absolutismo fora regridir do País constitucional ao Brasil neocolonial; fora aceitar, por via da capitulação, o ultimatum neoliberal e globalizador, que decreta o termo da soberania, assassina a Constituição e, ao mesmo passo, exara a sentença capital dos direitos fundamentais. Impossível consentir, bravos Conselheiros, que isto venha a acontecer. 46 15 Anos da Pwniiilgíiçãa da Consriluição Federal de 1988 O ADVOGADO E A IGUALDADE * * DA JUSTIÇA José Afonso da Silva 1. Introdução ao tema Esta exposição pretende examinar os problemas da igualdade e desigualdade da justiça e a posição do advogado em face deles. A primeira questão a enfrentar consiste em esclarecer a expressão igualdade da Justiça que apresenta dois significados; “igualdade perante a função jurisdicional” e “distribuição igualitária da Justiça”,
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