Buscar

15 anos da promulgação da Constituição Federal palestras

Prévia do material em texto

O r d e m d o s A d v o g a d o s d o B r a s il 
C o n s e l h o F e d e r a l
15 ANOS DA PROMULGAÇÃO
DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
DE 1988
P a l e s t r a s
Cármen Lúcia Antunes Rocha 
Paulo Bonavides 
José Afonso da Silva
Brasília, DF - 2003
© Ordem dos Advogados do Brasil 
Conselho Federal, 2003
D i r e t o r i a :
Rubens Approbato Machado
Presidente 
Roberto Antonio Busato 
Vice-Presidente 
Gilberto Gomes 
Secretário-Geral 
Sérgio Alberto Frazão do Couto 
Secretário-Geral Adjunto 
Esdras Dantas de Souza 
Diretor Tesoureiro
Capa: Susele Bezerra Miranda 
Organização: Luiz Carlos Maroclo
Tiragem: 2.000 exemplares 
FICHA CATALOGRÁFICA
Rocha, Cármen Lúcia Antunes
15 anos da prom ulgação da C onstitu ição Federal de 1988: 
Comemoração : Palestras / Cárm en L úcia A ntunes Rocha, Paulo 
Bonavides, José Afonso da Silva. Brasilia : OAB, Conselho Federal,
2003.
XX p.
1. C onstitu ição federal - B rasil - Com em oração. L D ireito 
Constitucional - Brasil. II. Ordem dos Advogados do Brasil. Conselho 
Federal. III. Título. IV. Bonavides, Paulo. V. Silva, José Afonso.
CDD: 341.24
S u m á r io
Apresentação
Rubens Approbato M achado ..................................................5
Prefácio
Paulo Lopo Sara iva .................................................................. 7
Constituição da República: 15 anos
Cármen Lúcia Antunes R ocha ................................................9
Direitos fundamentais, globalização e neoliberalismo 
Paulo Bonavides ........................................................................ 32
O advogado e a igualdade da Justiça
José Afonso da S ilva .................................................................47
15 Anos da Promulgação da Constituição Federal de 1988
A p r e s e n t a ç ã o
05 de outubro de 1988: 15 anos. A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ, 
aclamada por muitos; hostilizada por alguns, está madura. Atravessou 
momentos difíceis e manteve-se íntegra e deu as soluções que um 
estado democrático de direito exige. Relembrem-se fatos como 
“impeachment” de um Presidente eleito, democraticamente, pelo voto 
popular, depois de mais de 20 anos de ditadura; o escândalo dos 
anões do orçamento, que determinou o afastamento da política do 
próprio Presidente da Câmara Federal. As soluções foram encontradas 
na Constituição Cidadã. É certo que a Constituição vem sendo 
retalhada por mais de quatro dezenas de emendas. Mas, o dinamismo 
de evolução da sociedade brasileira exige a permanente e constante 
adaptação constitucional das mudanças, sem, porém, ferir o caráter 
principiológico da Constituição de 88.
Para comemorar esse cívico momento, a OAB oferece, nesta 
edição, trabalhos de três luminares do direito constitucional brasileiro, 
de expressões internacionais, que são os mestres Paulo Bonavides, 
José Afonso da Silva e Cármen Lúcia Antunes Rocha. Os temas por 
eles tratados e as exposições feitas merecem apaixonada atenção. 
Trata-se de cânticos à democracia, à liberdade, à cidadania. Carmen 
Lúcia, mineira de boa cepa, fala sobre os 15 anos da Constituição, 
relembrando que a Carta veio refletir o anseio do povo. José Afonso, 
professor titular da Velha e sempre Nova Academia do Largo de São 
Francisco - SP põe à mesa um tema angustiante sob o título “O 
advogado e a igualdadade da Justiçd', tendo em vista que inexiste 
e nunca existiu um ser humano repetível, um ser humano igual a 
outro. Como fazer iguais os desiguais, senão pela igualdade jurídica? 
Esse tema apaixonante vem desenvolvido com a inteligência de um 
ser inigualável que é o professor José Afonso, meu contemporâneo 
de faculdade, no início da década de 50, do século passado. Paulo 
Bonavides, cearense da melhor estirpe, um dos constitucionalistas 
mais respeitado de nossa época, em todos os cantos do mundo, mostra-
5
se presente e atualizado com seu trabalho cuidando dos “direitos 
fundam entais - g loba lização e neo liberalism o. Traça, com 
genialidade, a escala evolutiva do Direito Constitucional, analisando 
os direitos de primeira, segunda, terceira e quarta gerações. Após 
essa análise evolutiva enfrenta o momento atual brasileiro, para 
afirmar, lapidarmente, que “o Brasil é hoje um país constitucional, 
mas não é um país democrático”, por perpetuar privilégios, governar 
para os economicamente fortes, pela falência social. Os três mestres, 
para orgulho da advocacia brasileira e da OAB, são membros da 
Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal 
da OAB, onde têm presenças e trabalhos permanentes e marcantes.
Por essas sucintas razões, a Presidência Nacional da OAB se 
sente extremamente honrada e envaidecida por lhe ter sido reservado 
o momento de apresentar esses trabalhos.
Rubens Approbato Machado 
Presidente Nacional da OAB.
6
15 Anos da Promulgação da Constmit, ão Federal de 1988
P r e f á c io
A Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal 
da OAB, que tenho a honra de presidir, há onze anos, decidiu que as 
comemorações relativas aos três lustros da Constituição Federal de 
1988 deveriam ser realizados, no âmbito do próprio Conselho, pois 
é na sua convivência onde se efetiva a defesa diuturna do texto 
constitucional.
Para cumprir esse desiderato convidou três personalidades da 
OAB, todos especialistas da área do Direito Constitucional para 
proferir as conferências, que agora são o conteúdo desta notável 
publicação, em boa hora entregue à reflexão de quantos a lerem.
As lições de Paulo Bonavides, José Afonso da Silva e Carmem 
L úcia A ntunes Rocha, além de serem verdadeiras aulas de 
constitucionalismo contemporâneo, ornarão sempre os 15 anos da 
jovem Constituição Brasileira que, na sua atribulada adolescência, 
já foi violada 46 vezes.
Nesta oportunidade, evocamos o sacrifício de todos quantos 
imolaram suas vidas pela Constituição, dos foram presos e exilados, 
pois se fora a sua luta e o seu holocausto, não viveríamos hoje num 
Estado Democrático de Direito.
A OAB tem como missão precípua a defesa da Constituição e 
tem cum prido sua faina histórica, com destemor, sapiência e 
pertinácia.
A prerrogativa de legitimação para propor Ação Direta de 
Inconstitucionalidade, estatuída pelo art. 103, VII, da Carta Magna, 
tem sido apanágio da proteção cotidiana dos direitos e garantias da 
sociedade brasileira.
7
Esta m eritória obra servirá de lume para todos os que se 
proponham a lutar pela eficácia, efetividade e eficiência dos 
princípios e normas constitucionais, pois, graças a Deus, temos hoje 
uma Constituição e só sabe o seu valor prático quem, na época das 
trevas da ditadura, já a perdeu.
Viva a nossa C onstitu ição . Com e la terem os sem pre; 
CIDADANIA, DEM OCRACIA e DIGNIDADE DA PESSOA 
HUMANA.
Brasília, 11 de novembro de 2003.
Paulo Lopo Saraiva 
Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais
8
15 Anos da Promulgação da Commuiçãa Federal àe 1988
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: 15 ANOS*
Cármen Lúcia Antunes Rocha
Querido Presidente, quero sejam as minhas prim eiras de 
agradecimento à Ordem dos Advogados do Brasil, na pessoa do 
Senhor Presidente, Dr. Rubens Approbate. Na verdade, os quinze 
anos da Constituição devem nos remeter, mesmo, a um momento de 
alegria, espero que nem de tristeza, nem de melancolia, conforme 
eu vou tentar expor aqui, pelo início de um ciclo que é o que estamos 
vivendo no Brasil pós-Constituiçào de 1988. Por isto é que apresento 
as minhas primeiras palavras neste momento como do mais sincero 
agradecimento ao Presidente, à Diretoria da Ordem dos Advogados 
do Brasil, pela oportunidade que me oferece para estar aqui, neste 
últim o Encontro do Colégio de Presidentes desta gestão, para 
conversar sobre esses quinze anos. Não apenas por isto, mas quero 
agradecer a esta Instituição que, durante essesúltimos quinze anos, 
ter representado um modelo de atuação cívica, o que vem sendo 
passado, hoje, para outras entidades. O próprio Institu to dos 
A dvogados Brasileiros “colou” daqui a criação de Comissão 
especializada, exatamente, no estudo do Direito Constitucional para 
compor os seus quadros numa bela inovação, que muito contribui 
para o aprimoramento institucional.
Era necessário este registro inicial, porque a Ordem dos 
Advogados e a sua Casa Matriz, o Instituto da Ordem dos Advogados 
do Brasil, muito contribuíram para as instituições políticas e jurídicas 
desta nossa pátria. Sua história precisa ser honrada, preservada e 
continuada. Queria dizer ao Presidente Approbato, que tem insistido, 
desde ontem, em dizer que esta é a última reunião do Colégio de 
Presidentes, que parece não ser bem assim. Não! Esta é a primeira 
das próximas. A última desta gestão, mas mesmo o Presidente
Palestra proferida na Reunião do Colég io de Presidentes dos Conselhos Seccionais da 
O A B . no dia 13,09.2003-
9
continuará, na condição de Presidente nato da instituição e no coração 
dos que lhe têm estima e consideração.
Esta é uma reunião que, para mim, tem importância especial, 
pela comemoração dos quinze anos da Constituição da República, o 
que nos oferece espaço e oportunidade para pensar e repensar, ainda 
brevemente, o Brasil que tivemos, o que temos e o que queremos 
ter.
Eu não vou tomar muito tempo do Colégio de Presidentes, que 
eu sei que tem uma pauta longa de trabalhos pela frente.
Mas eu queria fazer algumas observações, portanto, sobre esses 
quinze anos, partindo de algumas idéias que eu tenho, muitas das 
quais am adurecidas, m esm o, na C om issão de E studos 
Constitucionais, que é um belíssimo fórum, no qual se tem a 
oportunidade de saber o que é a Constituição vivida, a Constituição 
no dia a dia, a Constituição preocupação de todos.
Eu queria anotar para mim, e desafiaria os senhores, cada um 
dos senhores, a pensar se os senhores se lembram o que cada um 
estava fazendo e quem era cada um dos senhores há quinze anos 
atrás, no dia 5 de outubro de 88, quando se deu a promulgação da 
Constituição del988.
Como nós, da Ordem dos Advogados, e nós, que estudávamos 
e todos os que estávamos muito envolvidos, no meu caso com o 
Sérgio Sérvulo, com os que compunham os órgãos representativos 
da Ordem dos Advogados do Brasil, presente entre nós, ainda, o 
Ministro Seabra Fagundes e o Ministro Evandro Lins e Silva, eu sei 
exatamente o que fazia, quem eu era e o que esperava fosse a minha 
e a vida do Brasil no qual eu viveria a partir daquele momento de 
promulgação da Lei Fundamental de 1988.
Pela significação histórica na minha vida profissional (de 
professora de Direito Constitucional) e de cidadã, posso, ainda agora,
10
J5 Anos (Ia Promulgação da Constituição Federal de 1988
fazer essa localização histórica, a fim de me lembrar como era e 
como era pensado e vivido o Brasil de quinze anos atrás.
Acho que é importante, agora, uma reflexão sobre cada um de 
nós, e cada um de nós neste Brasil de quinze anos atrás, para se ter 
uma perspectiva dos próximos quinze anos e como pensar estes 
quinze anos que já se foram e o que nele fomos capazes de realizar.
Sempre acho que quando se perde de vista o que se foi, o que 
se queria ser e o que se conseguiu ser, a gente fica sem perspectiva 
de imaginar o que nós queremos ser daqui para a frente. Quer dizer, 
eu sei que há quinze anos atrás, com pouco mais de trinta anos, eu 
tinha uma perspectiva de Brasil, já, então, como professora de Direito 
Constitucional, como advogada brasileira. E eu digo que, quinze 
anos depois, eu tenho muito mais esperança e confiança no Brasil 
do que eu tinha no dia da promulgação da Constituição, pelo que vi 
ser possível tomar-se.
Tenho para mim que o Brasil melhorou, e melhorou muito! Se 
não melhorou o tanto que nós queríamos, pretendíamos e achávamos 
possível, se não chegamos ao ideal que almejávamos, se estamos 
longe daquele fim buscado, porque todo mundo está longe, mesmo, 
do ideal, pelo menos de justiça absoluta ou de justiça plena, não 
tenho, entretanto, nenhuma dúvida que, hoje, o Brasil é muito melhor, 
do ponto de vista constitucional, do ponto de vista jurídico, do ponto 
de vista político, do que era há quinze anos atrás.
Por isso é que eu peço que se lembrem do que cada um de nós 
aqui era há quinze anos. Sou de uma geração que teve o seu período 
de faculdade durante uma ditadura. Naquele tempo, não é apenas 
que jamais seria possível eu estar na Ordem dos Advogados. A Ordem 
dos Advogados do Brasil mesmo não era uma possibilidade, era uma 
conquista diária, era um embate, era uma luta dos que resistiam apesar 
de todas as adversidades. Porque aquele era um tem po de 
adversidade. Claro, a perspectiva a partir da qual se vê e se analisa o 
mundo é a de cada um de nós, até porque o mundo que cada um vê 
é o seu.
11
Se estamos aqui, num Colégio de Presidentes de Seccionais da 
Ordem dos Advogados do Brasil, falando cada um o que pensa, é 
porque o Brasil mudou nestes quinze anos. Ainda hoje, sou a única 
mulher hoje presente neste plenário, o que significa que não se mudou 
o que era a nossa vontade e a nossa perspectiva. Mas já é uma. E o 
que sou é apenas isto, uma mulher brasileira, uma advogada brasileira 
que vive do seu trabalho como advogada, falando sobre o que é o 
direito-semente, o direito-raiz de qualquer povo e que o Brasil sequer 
podia pensar, que dirá falar, há duas décadas passadas.
E não é dizer que o Brasil não fala mais de Constituição, ou que 
estamos num reformismo constitucional. Isto não tem a importância 
que se apregoa, porque estamos construindo o constitucionalismo 
que nunca foi um a verdadeira , um a grande construção e, 
principalmente, uma prática brasileira. Pelo menos, estão reformando 
a Constituição. Quando eu cheguei, aos 17 anos, na Faculdade de 
Direito, nem ao menos se mudava a Constituição, se fechava o 
Congresso e se fazia o que queria, segundo o voluntarismo de quem 
estava no poder, sem sequer se falar ou se cogitar de preocupar-se 
com 0 que a era a Constituição.
Segundo penso, o Brasil melhorou muito. O Brasil melhorou, 
eu contava ao Doutor Baeta, ao nosso Presidente, que sexta-feira 
passada eu fiz, no in terio r de M inas, uma reunião com dez 
advogados.. E, nessa reunião, dois eram advogados que tiveram pais 
advogados ou que já advogam há muito tempo. Oito eram advogados 
novos, sem história de profissionais da área na família. E entre estes, 
quatro tinham ou tiveram pais analfabetos. C hegaram a ser 
advogados, vivem da advocacia, no interior de Minas, muito bem, 
sem problema nenhum. O Brasil mudou. O Brasil deu perspectivas 
que não dava antes aos seus cidadãos. Hoje, a pessoa pode chegar a 
uma faculdade e estudar e ser advogado, tanto em Gijoca, quanto 
em São Paulo. Não podia, há trinta anos atrás, porque as faculdades 
eram mais elitizadas do que o são ainda hoje.
12
15 Anos da Pmmulgação da Constituição Federal de 1988
Então, quando eu peço que pensem o que cada um dos senhores 
era, como era e o que os senhores queriam da sua vida e da vida do 
Brasil, há quinze anos atrás, é porque, sem um planejamento, nós 
vamos ser atropelados. Penso: há quinze anos atrás eu queria um 
Brasil melhor para todos. E quinze anos não são nada para a história 
de construção de um Estado. São uma enormidade de tempo para se 
destruir, não para se construir. Há quinze anos estávamos aqui, 
também, no outro prédio da Ordem, discutindo o Brasil, querendo 
um Brasil melhor. Daqui a quinze anos, eu vou ser uma mulher de 
quase 60 anos, portanto, tentando, também, provavelmente, que o 
Brasil seja melhor. Mas eu preciso saber o que era esse melhor para 
mim, o que eu queria, em que - se em algum ponto - eu estava certa, 
em que eu estava errada, emque nós mudamos e que podemos 
aperfeiçoar.
Quer dizer, eu sempre pergunto assim: não é hora de a gente 
pensar qual o Brasil que nós tínhamos, qual a Constituição que nós 
tínhamos, para conseguir sentir qual o Brasil que nós queremos ter, 
qual a Constituição que nós queremos ter?
A minha confiança no Brasil, hoje, digo aos senhores que é 
muito maior. Nessa minha vida de “cigana jurídica”, este ano, até 
hoje, eu falei em 22 estados deste país, tanto para juiz, quanto para 
Ministério Público, quanto para advogados. Eu não vejo ninguém 
achar que o Brasil piorou. Eu não vejo ninguém - e estou falando, e 
todo mundo da área de constitucional,, porque hoje se fala muito - 
mesmo no ano em que o Código Civil entrou em vigor afirmando 
desacreditar do Brasil. Note-se que também há quinze anos atrás 
discutir-se-ia muito mais o Código Civil, porque o Código Civil tinha 
mais importância do que a Constituição.
Nós somos um Brasil que. há quinze anos atrás, dava mais valor 
e importância para uma a portaria do Secretário da Receita Federal 
do que para a sua Constituição. Hoje isto já mudou significativamente. 
C laro, descum pre-se ainda - e m uito -, lam entavelm ente, a 
Constituição do povo deste Estado. E é por isso que nós temos um
13
sistema tão completo e extensivo de controle de constitucionalidade, 
no qual a própria Ordem dos Advogados é chamada a colaborar e a 
participar, para buscar uma temperança neste destempero que é a 
desobediência constitucional, que tanto nos afronta e agride.
Como afirmou, inicialmente, o Presidente, não é incomum saber- 
se que deseja afastar da supervisão ou da participação no controle 
de constitucionalidade da Ordem dos Advogados do Brasil.
Eu me lembro, hoje, nitidamente, da voz do Ministro Se abra 
Fagundes, nos debates do Estatuto. Os senhores, provavelmente, 
Hermann Baeta, o D outor Reginaldo se lembram, quando ele 
proclamava: “Nós não podemos nos acorrentar, porque somos uma 
sociedade que precisa de mais liberdade. A Ordem dos Advogados é 
um espaço de liberdade”.
Durante os trabalhos do Congresso Constituinte estivemos aqui, 
advogados e professores da área, discutindo os grandes temas 
constitucionais. Após a promulgação da Constituição de 1988 
passam os a ter, inclusive, com um a C om issão perm anente 
encarregada de fazer com que todos os grandes temas constitucionais 
sejam discutidos. Se falham os, falham os nós, da Comissão, 
provavelmente. Ou falhou a Ordem, que também não é perfeita. Mas 
andamos, andamos muito no sentido da defesa da nossa Constituição 
e da pátria democrática e constitucionalizada, como pretendíamos 
ter naqueles idos de quase duas décadas atrás.
E por isso é tenho por conveniente que sempre pensássemos, 
nós, advogados brasileiros, porque que se fez essa Constituição, para 
que se fez e, principalmente, para quem que se fez esta obra 
fundamental para a democratização de nossa pátria.
Quanto ao primeiro ponto, porque se fez. poderíamos encontrar 
a resposta na circunstância de que vínhamos de uma ruptura de um 
momento não constitucional, de um Estado que não era de Direito, 
de um Estado que não se submetia ao Direito, que submetia o Direito
14
15 Anas da Pmiitulgação du Coitsiiruiçõo Federal de 1988
às conveniências do poder ou de quem, eventualmente, o exercia. E 
o fazia, de resto, em seu próprio nome, ou, no máximo, no de um 
grupo que não era, não representava o povo brasileiro.Este povo 
que, como todo povo, merecia a sua Constituição legitimando uma 
idéia de Justiça, na qual ele acreditava e que queria ver exitosa e 
eficaz.
Recordo-me bem que, há 21 anos atrás, quando entrei para o 
cargo de Procuradora do Estado de Minas Gerais, recebi, em 
redistribuição, uma chusma de mandados de segurança de oficiais 
de cartórios, baseados na Emenda 22, de 82. Esta Emenda tinha 
nome, era a “Emenda Falcão” . Uma norma constitucional fora 
preparada e outorgada dirigidamente para cumprir o interesse de 
uma pessoa específica.
Aliás, a Constituição do Brasil nem ao menos tinha nome: 
chamava-se “Emenda n° 1.” Tecnicamente era observada pelos 
cidadãos como Constituição, mas nem nome de Constituição recebera. 
E o que é pior, somente era observada pelos cidadãos, porque os 
governantes achavam que nada deviam a ela. Ela é que devia a eles 
a sua existência e sobrevivência até quando bem entendessem.
Por que se fe z l Porque a sociedade brasileira, nas décadas de 
70 e de 80, batalhou para que se rompesse e se extinguisse aquele 
estado ditatorial. Depois, nós, o povo, lutamos pela anistia, fomos 
para as ruas. A anistia não passou do jeito que a OAB, do jeito que 
os cidadãos brasileiros queríamos, não foi ampla, geral e irrestrita. 
Mas veio sempre algo do tudo o que queríamos.
Fomos, de novo, para as ruas, ou continuamos nas ruas, pedindo 
"'Diretas Já". Não passou a denominada Emenda das diretas, mas 
continuamos pedindo, pelo menos, que não fosse o Maluf. Daí surgiu 
o 'Tancredo Já O Tancredo morre, mas não morreu nossa esperança 
e continuamos a lutar, agora pedindo o que representava aquela 
eleição de 1984, ou seja, um novo Brasil, pelo que queríamos 
"'Constituinte Já”.
15
Aquele Congresso Constituinte legitimou-se tão somente porque 
ele não foi e não fez o que o então Presidente da República pensou 
que ele pudesse ser: res tritiv o . Mas ela foi, realm ente, uma 
Constituinte. Em seu seio se discutiram os grandes temas brasileiros 
e para eles se buscaram respostas que estão no texto constitucional. 
Dali se teve o que é uma muito boa Constituição. Diria mesmo, uma 
ótima Constituição. Não é perfeita. Nenhuma lei é perfeita, Direito 
não é perfeito, é criação de homens, que por esta mesma condição já 
faz de sua obra, uma im perfeição aceitável e condicionada à 
humanidade do seu autor.
Nós, brasileiros, temos o hábito de falar mal das nossas leis. O 
Pontes de Miranda tem uma célebre frase, que eu costumo usar, sobre 
a crítica, especialmente contundente em relação às leis novas. 
Segundo aquele grande jurista, deve-se ver a lei nova com simpatia, 
porque com antipatia não se interprete, combate-se.
Nós temos aquele mau hábito referido pelo grande Pontes. No 
advento de lei nova a nossa tendência é, pelo m enos, nos 
posicionarmos com desconfiança, não lutando para que ela tenha 
efetividade jurídica e social. Era preciso - e ainda é - ter boa vontade 
com a Constituição brasileira, mas nós, brasileiros, nem sempre temos 
boa vontade com as suas coisas, menos ainda com as suas criações, 
mesmo com aquelas que possam ser consideradas ótimas. Se os 
senhores analisarem as Constituições - e as temos em mais de cento 
e noventa em vigor, hoje, no mundo - vão deparar com previsões, 
com regras absolutamente impensáveis na teoria da Constituição. 
Mas os povos que a elas se submetem não estão preocupados com 
isso, estão preocupados com o que elas oferecem de melhor e que 
eles tentam aplicar e melhorar aquilo que não ficou tão bom.
Apenas para exemplificar, há pouco, por força de Emenda 
Constitucional, introduziu-se na Lei Fundamental da Argentina norma 
tomando nulos os atos praticados durante períodos ditatoriais. Não 
é, de resto, a única Constituição sul-americana a proibir golpe de 
Estado ou a considerá-lo nulo. Se tanto se desse no Brasil, contudo,
16
J5 A d o s da Prumulgação da Consliruição Federal de J988
tenho certeza que seria objeto de deboche internacional, afirmando- 
se: “Como é isso? A primeira coisa que um golpista de Estado, que 
os ditadores fazem, é rasgar a Constituição. Você faz uma Constituição 
e diz que fica proibido dar golpe de Estado?” No entanto, há 
Constituições que dispõem sobre o tema e o povo não considera 
este 0 ponto essencial de discussões. Este não é o item principal de 
preocupações, até porque o que não é ótimo pode ficar muito melhor 
quando aplicado e, ao se interpretar,esm erar-se para o seu 
aperfeiçoamento.
O Brasil tem uma ótim a Constituição. Foi feita porque, 
rompendo-se com um período ditatorial, era preciso refazer o Brasil. 
O mote da campanha do Tancredo Neves, que era só isso, um slogan 
de campanha, era muito bem posto, no entanto.- Nova República. 
Queríamos, então, um novo Brasil. Porque queríamos um Brasil que 
fosse diferente, um Brasil que fosse para os brasileiros, que servisse 
ao modelo de Justiça no qual acreditávamos e que queríamos poder 
pensar e repensar, sem imposição autoritária.
Ora, a Constituição de 1988 veio refletir este anseio do povo. 
Quem participou dos trabalhos constituintes pela Ordem dos 
Advogados ou, no meu caso, colocada que fui à disposição daquele 
Congresso por ser procuradora de Estado e tanto ter sido determinado 
por Ulysses Guimarães, há de se lembrar do clima democrático que 
se instalou: Brasília transformou-se numa festa, uma grande festa 
democrática.
Costumo narrar que, na Biblioteca da Câmara, encontrei, 
querendo saber o que era alguma coisa que se discutia entre as normas 
sugeridas, índio, de cocar e tudo, um brasileiro, igual a todos, mas 
que não tinha visibilidade e audiência normal, em espaço público, e 
que passou, então, a tê-lo.
Claro que, com a diversidade que nós temos, não se poderia 
imaginar que adviesse daqueles trabalhos uma Constituição fechada, 
certinha no sentido de ser equacionada, em termos articulados, como
17
se o Brasil não tivesse as suas tantas e quantas diferenças. Nem tanto 
seria legítimo. Mas obtivemos uma boa Constituição.
Para que se fe z a Constituição? A resposta está no preâmbulo 
daquela Lei Fundamental: para tentar instituir uma sociedade livre, 
justa e solidária, em que os valores da liberdade, da justiça social, da 
igualdade e da participação popular fossem priorizados, fossem 
efetivados, não apenas jurídica, mas socialmente e voltando-se para 
todos.
Isso é 0 que está posto. E se nós brasileiros, inclusive e 
principalmente nós, advogados, cuidamos muito pouco de dar 
eficácia social a isso é porque nós, advogados e os senhores juizes, 
continuam , ainda, a c itar pouco e a fazerm os valer pouco a 
Constituição brasileira. Claro, já é ela muito mais citada do que o 
fora sempre antes. Porque, há vinte anos atrás, estudava-se, nas 
faculdades de Direito, cinco anos de Direito Civil e dois semestres, 
de Direito Constitucional. Hoje, nós temos quase três anos de Direito 
Constitucional, o que é uma mudança significativa, para que nós 
tenham os advogados pub lic is ta s , ju izes , m elhor acervo de 
informações jurídica e m elhor formação publicista em Direito 
Constitucional para melhor interpretar e aplicar os princípios e as 
regras constitucionais vigentes.
Esta realidade, portanto, foi feita a partir de uma Constituição 
que tinha como finalidade mudar o Brasil. Para quem é a terceira 
questão que, inicialmente coloquei, para quem a Constituição de 
1988? Penso ser este o dado principal. E este é o dado pelo qual a 
Ordem dos Advogados mais atuou e que eu espero que a Ordem dos 
Advogados continue a atuar. A Constituição foi feita para o cidadão.
A celebérrima leitura feita pelo Ulysses Guimarães, na Sessão 
de promulgação, ainda hoje me parece um documento que tem 
importância política e, inclusive, jurídica. Essa é uma Constituição 
que foi feita para o povo. Para um povo que não tinha remédio, não 
tinha sapato, nem educação, nem cidadania. E que continua,
18
15 Anos da Pivinul^dçàd cia Con.Miiiiiçãc' Federal de 1988
melancolicamente, em grande parte, não tendo. Nós somos, ainda 
hoje, quinze anos depois, pelos dados oficiais do Governo, quarenta 
milhões de pobres ou miseráveis. Considera-se pobre quem ganha 
até um salário mínimo, considera-se miserável quem ganha menos 
de um salário mínimo, para uma família que é, normalmente, cotada 
em quatro pessoas.
Portanto, nós não somos uma sociedade que ainda atingiu, nem 
de longe, a justiça social preconizada como valor a determinar a 
feitura constitucional de quinze anos passados e como principal a 
valer como norma fundamental a ser implementada no curso dos 
últimos e dos próximos anos desta pátria.
Costuma-se indagar: “Considerando-se aqueles dados oficiais, 
essa Constituição terá valido para alguma coisa?”. Valeu, estamos 
falando dela, estamos tentando realizá-la, antes nem ao menos se 
remetia, se referia ou se lutava pela e segundo a Constituição. Valeu 
e continua valendo a cidadania dos brasileiros. Para eles ela foi 
elaborada e promulgada, para eles vale a pena continuar tentando 
defendê-la e implantá-la como Lei Fundamental desta República.
Nestes quinze anos, pergunto aos senhores o que fizeram do 
apanhado que tenham elaborado, mentalmente, de suas vidas. Talvez 
não tenham mudado tanto e tiro isto da minha própria experiência, 
porque até que tenho uma vida muito tranqüila e não muito diferente 
do quadro, pelo menos profissional, do que era há quinze anos atrás, 
quer dizer, continuo sendo advogada, continuo sendo Procuradora 
do Estado, continuo sendo professora da PUC/Minas.
Mas se se tomar a realidade nacional, haverá de se verificar que 
tivemos quinze anos de uma verdadeira revolução. O povo calado e 
olhando de lado, como afirmava então Chico Buarque, em uma de 
suas belas canções, cedeu espaço a um povo falante que olha de 
frente.
19
Numa passada rapidíssima da história mais recente do Brasil, 
podemos observar o seguinte; ao final da década de 80, uma geração 
de brasileiros, que tinha nascido por volta da década de 60, ou um 
pouco antes, sequer sabia o que era eleição, porque nós nunca 
tínhamos votado, fomos votar, pela primeira vez, para Presidente, 
em 1989. Nós tivemos uma eleição, segundo a Constituição nova. 
Nós tivemos, na seqüência, o impeachment deste Presidente eleito, 
num fato inédito, a primeira vez na História da Humanidade que um 
processo de impeachment se passa, democraticamente, com o povo 
nas ruas e sem qualquer problema institucional, com a aplicação 
plena e respeito irrestrito da Constituição.
Na seqüência, o Vice-Presidente empossado chega ao final do 
mandato sem que haja qualquer tumulto social, em clima de absoluta 
tranqüilidade.
É certo que, na seqüência da década de noventa, tivemos um 
período de mudanças, mas mudanças ideológicas. Somos contra, 
também é certo, mas estamos pelo menos podendo dizer que o somos 
e que precisamos rever a quadratura constitucional que, em algumas 
passagens do texto, passaram a constar contra os princípios 
constitucionais que não as permitia.
Chegamos à eleição de do hoje Presidente Luiz Inácio Lula da 
Silva, homem que foi um menino pobre, sem nenhuma alternativa 
garantida na vida, o que significa que processamos uma mudança 
significativa em termos sócio-políticos e fomos capazes de assimilar 
isso também não apenas com tranqüilidade, mas com legitimidade 
incontestável, em situação de democracia política.
Se não chegamos à democracia social, e é certo que não 
chegamos, porque a desigualdade é muito grande, no Brasil, isto 
não é culpa da Constituição.
Há um tempo atrás, lia um texto de Norberto Bobbio, que é 
exemplar para nós, brasileiros, porque podia ser perfeitamente 
aplicado ao Brasil. O texto se chama: “A Constituição não é culpada".
20
!5 A h os da Promulgação da Constituição Federai de 1988
Neste texto, aquele autor pondera, em clima de comemoração 
do aniversário da Constituição italiana, que: “de tudo o que está 
errado na Itália culpam a Constituição”.
Ele compara, então, a Constituição ao conjunto das regras de 
um jogo, de um jogo de futebol. Afirma ele: “Se alguém é escalado 
para um time e não sabe jogar, e não faz gol por isso, isso é um 
problema do time e do jogador. Se ele resolve entrar e disser: com 
essas regras, o gol é pequenininho desse jeito, um campo desses e 
esse tanto dehomens atrás de mim, eu pego a bola com a mão e 
lanço dentro do gol, ele será expulso, porque ele rompeu com as 
regras do jogo” . E então aquele autor observa: “Não há jogador 
perfeito. As regras do jogo não ensinam alguém a sê-lo, mas garante 
que 0 jogo se passe para que os melhores despontem e participem 
do jogo na situação de jogador. Se se pudesse conter nas regras do 
jogo o ensinamento de como ser um jogador perfeito, todo time de 
futebol 0 seria. Mas não o é.. logo, você pode ter um bom ou um 
mau jogador. Mas, em qualquer caso, o jogo vai ser jogado segundo 
regras pré-estabelecidas, isto é que importa” .
E ele anota: “A democracia é um jogo político. E esse jogo se 
joga segundo as normas constitucionais. Se estivermos jogando 
segundo elas, está bom. Se um jogo não é bom, se o jogo poderia ou 
deveria ser melhor, se o jogo está indo mal, é outra coisa. Mas nós 
não vamos ter jogadores perfeitos por conta apenas das regras pré- 
estabelecidas. Também não vamos permitir que elas mudem apenas 
para que alguém, que não está sabendo jogador, venha a fazer o que 
quiser, o gol de mão, etc. Nós não temos governantes perfeitos 
determinados pela Constituição. O que importa para nós, cidadãos? 
Que o jogo seja jogado segundo as regras previamente estabelecidas 
pela Constituição, a fim de que tenhamos segurança”.
Ora, eu sou de uma geração que começou a vida sem que tivesse 
havido nenhum respeito, não apenas à Constituição, mas ao direito, 
de uma forma geral. E este desrespeito generalizado, escancarado, 
reiterado, acho que já mudou no sentido do aperfeiçoamento do
21
sentimento de direito e de justiça, o que se deve à Constituição 
brasileira.
Tenho para mim que, no Brasil, hoje, respeita-se o direito muito 
mais do que há quinze anos atrás.
Não me canso de lembrar de uma situação experimentada por 
mim, quando numa blitz, à noite, saindo da Faculdade, e desci, então, 
do carro portando o meu exemplar da Constituição. Isto porque 
ando sempre com ela, porque sou profissional por conta e à conta 
dela, então é fácil estar sempre com ela debaixo do braço. Ajuda 
sempre para impedir que me atropelem, pelo menos em meus direitos. 
O policial responsável naquele momento olhou-me espantado e 
perguntado; “(9 houve, DonaT'. "‘‘Eu que pergunto, o senhor 
que me parou. Eu sou trazendo a minha constituição porque o senhor 
sabe os seus deveres e eu sei os meus direitos”. E ele respondeu: 
''Mulher já é uma encrenca. Mulher com Constituição... Este Brasil 
está muito complicado, é democracia demais. Pode ir embora”.
É isso mesmo. E vejo que o fato de alguém achar que sabe 
Direito - e, antes, eu sou de uma geração que tinha medo do guarda 
da esquina, literalmente, quer dizer, quando eu estava na Faculdade, 
quando via um guarda, eu fugia dele. Hoje, eu sei que eu sei dos 
meus direitos e que, ao saber disto, a postura social muda, como 
muda, inclusive, o comportamento do Estado em relação a mim.
E não somos só nós, advogados, que sabemos disso, não são 
só os estudantes de Direito que tomam notícia disso.]
Hoje nós estamos trabalhando, Presidente, nós, da PUC de Minas, 
com um projeto que chama de “Constituição Viva”, com as favelas 
de Belo Horizonte - e temos quase 200 favelas em Belo Horizonte, 
para levar o conhecimento dos direitos fundamentais e ensinar a 
eles como se articulam. E os estudantes de direito, são quase 400 
que querem participar do projeto. Para isso, para saber como é que 
se organiza, como é que se articula, como é que se aplica a 
Constituição. Não mudamos? Mudamos.
22
i5 Anos da Promulgação da Constituição Federal de J988
Eu sou de uma geração que, quando era estudante de Direito, 
tinha medo de falar de Constituição, que já fez prova de direito 
constitucional, como eu fiz, no dia 17 de abril de 77, com o Congresso 
fechado. Então não mudamos? Mudamos e melhoramos.
E certo que continuamos a ter problemas, inclusive porque a 
experiência constitucional não chegou a todos os brasileiros. Mas 
há possibilidades de vir a chegar.
Esta Constituição passa por um grave problema, que é o 
p rob lem a do reform ism o. Nós tem os tido um a constitu in te 
reformadora permanentemente instalada”.
Quanto a este ponto, gostaria de atentar para dois itens dos 
pronunciamentos da noite de ontem: nós, advogados, de um lado, 
estamos reclamando do excesso de reforma, mas nós. Ordem dos 
Advogados, estamos pedindo novas reformas constitucionais. Ainda 
ontem foram lembradas, a reforma administrativa, a reforma política 
e a reforma do Poder Judiciário. Nós reclamos do excesso e estamos 
pedindo mais???
Então, é preciso que a gente pense qual é a Constituição que 
nós queremos, qual o Brasil que nós queremos para, depois, a gente 
tomar uma única posição sobre como buscar o nosso ideal.
Não sou contra a reforma constitucional. Mas devo reconhecer 
que uma Constituição que faz quinze anos e já sofreu 46 reformas, 
46 emendas, 40 no corpo de normas permanentes e mais seis das 
chamadas “emendas de revisão”, passou por um mudancismo que é 
além do que a estabilidade institucional pondera e a segurança jurídica 
almeja.
E o que mais preocupa é que o núcleo da Constituição, o espírito 
dela poderá se perder a partir de tantas e profundas mudanças pelas 
quais vem passando. Mas ela deixará de ser aplicada se nós, 
principalmente nós, advogados, muito mais responsáveis nisso do 
que os juizes, não fizermos valer essa Constituição.
23
Reforma - e mesmo reforma constitucional - é proposta que se 
tem em todas as partes do mundo.
A reforma previdenciária, de novo agora em tramitação, está 
sendo um problema? No mês de julho, enquanto, aqu i, nós estávamos 
nas ruas, os servidores estavam nas ruas, na França acontecia a mesma 
coisa.
Poderiam responder que nós não somos a França e com ela não 
poderíamos ser comparados. O que é certo. Porém, o que estou 
tentando afirmar é que a reforma não é ruim em si, mas no que ela se 
propõe a ser.
Nós temos excesso de reformas constitucionais ou excesso de 
Constituições? Ora, senhores, a França, que é um modelo de 
dem ocracia, com apenas 14 anos de d ife rença da prim eira 
Constituição que teve para a nossa - a deles é do final do século 
XVIII, a nossa primeira é de 1824 - 16 Constituições. Nós tivemos 
oito (contando-se, também a Emenda n. 1, observada - ou não 
observada - como Constituição) e todo mundo reclama do excesso.
Toda vez que há uma ruptura constitucional, é imprescindível 
uma reconstitucionalização. Toda vez que a sociedade muda, a 
Constituição tem que ser, mesmo, adaptada a ela aos novos 
paradigmas.
Eu não tenho medo de reforma. Eu tenho medo do reformismo, 
que descaracteriza e que faz com que a Constituição deixe de ser 
aplicada, segundo a vontade de maiorias parlamentares de momento. 
Isto é outra coisa, porque isso não atende a sociedade. O nosso papel 
é 0 de saber como fazer aplicar a Constituição. Nós temos problemas 
sociais, problemas econômicos e problemas políticos. Não somos 
os únicos, não adianta ficar achando que nós somos mais importantes 
que os outros. O mundo inteiro tem esse tipo de problema. Os nossos 
são diferentes e a nossa questão é como oferecer soluções para estes 
graves problemas que acometem o nosso sistema sócio-político e 
jurídico.
24
15 Anos (la Promulgação da Constituição Federal de J988
Sou dos que crêem haver soluções para os nossos problemas e 
que elas estão na própria Constituição brasileira.
Acho, por exemplo, que falhamos, na Ordem dos Advogados, 
porque não nos mantivemos articulados e atuantes, tal como se deu 
durante os trabalhos do Congresso Constituinte, para que se chegasse 
à completa regulamentação da Constituição.
Nós temos, hoje, e eu não consegui terminar o trabalho para 
trazer hoje, mas antes da próxima reunião, pelo menos do Conselho, 
eu vou encaminhar à Diretoria,106 normas da Constituição que ainda 
dependem de regulamentação. E algumas são normas da maior 
importância.
Apenas para se ter uma idéia dos gravames que ausência de 
articulação responsável em defesa da Constituição pode permitir, 
bastaria citar que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 
- que era para ser aplicado só durante curto período, na passagem 
das instituições do modelo antigo para o modelo constitucional atual- 
, que, no caso brasileiro, é extenso, já foi mudado trinta e três vezes 
por meio de emendas constitucionais.
Isto é circunstância impeditiva do aperfeiçoamento do texto 
constitucional. Todos os congressistas preferem cuidar de propor 
emenda constitucional, ao invés de propor e obter a regulamentação 
constitucional.
Reitero não ser contra reforma constitucional em tese. Todas as 
vezes que precisar, haverá que ser feita, pois o compromisso do Direito 
é com o presente e com o futuro, não é com o passado.
Por isto é que a tendência, até hoje, é ter Constituições semi- 
rígidas, quer dizer, que em parte possam ser mudadas pelo processo 
de regulamentação ordinária. Pela singela circunstância de que a 
Constituição, hoje, trata de temas muito mais vastos do que tratava 
há dois séculos atrás.
25
Então, por isso mesmo, a forma de mudança tem que se adaptar 
a essa nova realidade constitucional.
Tenho também por certo que a Constituição brasileira, nesses 
quinze anos de vigência, mostrou a importância de se ter um 
constitucionalismo de princípios, não apenas um constitucionaiismo 
de regras, como anteriormente prevalecia.
Valem os princípios que são aplicados. Se não são aplicados, e 
muitas vezes não são, não é por falta, portanto, de fundamento 
jurídico ou de fundamento constitucional.
Chamo a atenção, por exem plo, para o que me parece o 
fundam ento m ais im portan te do D ire ito con tem porâneo , o 
fundam ento m ais im portan te do D ire ito C onstitucional 
contemporâneo, o princípio mais importante do Direito Constitucional 
brasileiro, o princípio mais importante do Direito brasileiro, que está 
no artigo 1®, inciso I I I , : o princípio de dignidade da pessoa humana.
São pouquíssimos. Senhor Presidente, ainda hoje, no entanto, 
os advogados que fazem valer essa norma no seu dia a dia. Ele não 
lança mão disso nem ao menos para fazer a defesa dos seus clientes, 
fazendo com que os clientes percam oportunidades que poderiam 
ter, se se insistisse, inclusive judicialmente, quando couber, na 
aplicação daquele princípio. Por isso que a formação do advogado 
brasileiro ainda é, como antes acentuado, acentuadamente privatista. 
Então ele, às vezes, perde a oportunidade de fazer valer algo que 
poderia mudar a jurisprudência constitucional muito mais do que 
mudanças estruturais no Poder Judiciário brasileiro.
Ora, a Constituição nos dá essa oportunidade. E quando nos 
assegura, expressamente, o princípio da dignidade da pessoa humana, 
converteu-se em fonte inequívoca de profunda transformação no 
constitucionalismo brasileiro contemporâneo. De uma carta de 
liberdades - e a liberdade é estática - nós passamos a ter uma carta 
de libertação - e a libertação é dinâmica.
26
7.5 Anos da Piviiiiilgação da Constituição fed cn d de 1988
Hoje, o constitucionalismo brasileiro propicia a possibilidade, 
fundada em norma expressa, de libertar-se de situações previamente 
estabelecidas e nem sempre justas. Por isso mesmo, acho que se se 
afirma hoje - e fala-se muito - vivermos uma crise, parece necessário 
lembrar que a história tem sido mesmo isto, porque parece que nós 
somos em crise. O Brasil tem vivido crises permanentes, continuadas, 
que terminam apenas por causa do advento de outra, e tanto se desde 
que eu me entendo por gente, no pouco que eu me entendo, se é que 
eu me entendo. Estamos sempre em crise. Desde menina que eu 
escuto minha mãe falar: “Minha filha, o Brasil está em crise, não faz 
uma coisa dessas, cuidado, seu pai está trabalhando para te manter, 
porque o país está em crise.”
A questão é: queremos viver em crise? Não. Gostamos de viver 
em crise: Também não. Somos os únicos a estar em crise? Não. O 
que é a crise? A primeira coisa a se perguntar é essa porque, senão, 
fica parecendo que foram, pelo menos estes últimos, quinze anos de 
sofrimento. Não foram. Foram quinze anos de lutas, de conquistas, 
de boas conquistas algumas, de algumas perdas.
Está havendo invasão nos campos, vivemos uma instabilidade 
social. A fome não é uma instabilidade social? Gente passar fome, 
num país que tem terra, não é uma agressão à dignidade da pessoa 
humana também?
As coisas estão postas, estão estampadas. Há possibilidade, 
portanto, de nós começarmos a vislumbrar os problemas de maneira 
direta. Nós não podemos olhar a vida do Direito, ou a vida dos direitos 
das pessoas, como se fosse a morte, que a gente sempre olha de 
soslaio, meio com medo um pouco como se não fosse com a gente.
Ora, a Constituição passou a possibilitar enfrentar problemas, 
vislumbrá-los de frente e buscar a sua solução. Esta é uma grande 
mudança.
Nós passamos a ter a possibilidade de fazer com que haja uma 
mudança.
27
A violência aumentou. Qual a violência que aumentou? É 
preciso saber, porque a violência ficava calada. A violência ficava 
debaixo das pedras, ficava debaixo dos viadutos. E, hoje, ela se tomou 
patente e, o que é mesmo grave, operante. Por isso estamos reagindo. 
E é dessa reação que pode sair alguma solução.
Não é um momento bom para a nossa geração? Alguma geração, 
no Brasil, tinha que pagar o preço. Eu acho que esses quinze anos 
nos dão a possibilidade de ser aqueles que, se não pagam o preço 
inteiramente, pelo menos temos a solidariedade ética com as gerações 
que vierem depois de nós, a fim de que, se não receberem um Brasil 
melhor, pelo menos não vão receber um Brasil que era calado, 
inclusive na violência praticada no dia a dia.
Alguns anos atrás, quando brigávam os contra a revisão 
constitucional, de 1993, citei o caso de uma outra mulher mineira, a 
Zuzu Angel.
Zuzu Angel era uma costureira, do interior de Minas, do norte 
de Minas, de Curvelo, vindo ela se casar com um norte-americano e 
tomando-se, depois, uma estilista famosa. Na década de 70, o seu 
filho, Síwart Angel, foi preso, torturado e assassinado pela ditadura. 
A União só reconheceu há pouco mais de dois anos essa situação.
Mas ela conseguiu fazer com que as pessoas contassem para 
ela onde o seu filho estava preso e o que fizeram com ele, o que a 
levou a uma peregrinação, para tentar resgatar o corpo dele. Por isto 
a chamei, num trabalho, de Antígona contemporânea . Ela então 
reclamava em todo lugar; “Já o mataram. Pelo menos me dêem o 
seu corpo, que eu quero enterrá-lo” .
Como se tomara estilista internacionalmente conhecida, aquela 
mulher gritava no mundo sobre o Brasil, quando a ordem era o 
silêncio. E ela, então, passou a incomodar muito. Ela promovia 
desfiles em grandes centros, como Nova York, fazendo as modelos 
desfilarem com vestidos nos quais se desenhavam bombas, que
28
15 Anos da Pminulgação da Constituição Federal de 1988
misturavam anjinhos com urutu.Tomou-se ela, por isto, extremamente 
inconveniente. E começou a sofrer, também, uma pressão enorme. 
Como ela era uma figura que estava denunciando a ditadura ela não 
podia ser, simplesmente, assassinada. Por isso, ela começou a sofrer 
alguns atentados ocasionais, circunstanciais.
Até que a assassinaram. Quando a família chegou, para buscar 
a Zuzu Angel, ela já estava com o corpo enrijecido, contando-se que 
a sua filha comentou, ao lado do caixão, com a tia a impossibilidade 
de cruzarem-lhe os braços. Mas a tia comentou a ordem que recebera 
daquela grande e corajosa brasileira: “Mas ela deixou um aviso, que 
se ela aparecesse assassinada, não cruzassem os braços dela, 
enterrassem-na com osbraços estendidos. Porque, literalmente, nem 
morta, governante brasileiro vai vê-la de braços cruzados”.
Talvez por ser também dos Gerais, este é o modelo que tenho. 
Nunca me verão de braços cruzados, porque, literalmente, nem morta, 
alguém vai me ver de braços cruzados e com medo, com algum tipo 
de indolência para lutar pelos direitos do Brasil.
Se não temos a melhor Constituição - e parece-me que temos 
uma ótima Constituição é certo que temos instrumentos jurídicos 
com os quais podemos contribuir e fazer valer para chegarmos a ter 
o melhor direito para o melhor Brasil.
Acho que a Ordem dos Advogados, como todos nós, temos 
muito a fazer. Nestes quinze anos fizemos alguma coisa mudar para 
melhor no Brasil, mas não fizemos, nem de longe, tudo o que somos 
capazes de fazer.
Tenho pedido que as Comissões de Estudos Constitucionais que, 
hoje existem, em todas as Seccionais, mudem os seus regimentos e 
passem a se denom inar “C om issão de D efesa e E studos 
Constitucionais” . Porque nós, inclusive, membros dessas Comissões 
ficamos preocupados em elaborar as ações diretas, em fazer os 
pareceres e não oferecemos às diretorias da OAB aquilo que poderia
29
ser um progresso ou um avanço, no sentido do aperfeiçoamento, 
inclusive para regulamentação das Constituições, não apenas da 
Federal, mas também das Estaduais.
Os Conselhos Seccionais, a OAB, pelas suas Seccionais, 
precisam fazer a defesa do constitucionalismo estadual. Nós temos 
46 emendas à Constituição Federal, mas a Constituição mineira, por 
exemplo, com apenas quatorze anos de vigência, já tem mais de 
cinqüenta emendas. Nós tivemos casos já chegados aqui, ao Conselho 
Federal, de quatro emendas constitucionais, uma revogando a outra, 
no mesmo Diário Oficial de um Estado dessa Federação.
Então, é preciso que as Seccionais comecem, também, a lutar 
p e la F ederação verdadeira . Que as C om issões de Estudos 
Constitucionais comecem a batalhar pelo constitucionalismo estadual, 
para que, valendo as Constituições estaduais, muitas das agressões 
intentadas contra a Constituição Federal não possam prosperar.
Queria, também, fôssemos capazes de atuar de uma forma mais 
direta na defesa da Constituição, aritculando-nos para chegar a uma 
disseminação das informações sobre os direitos dos indivíduos, a 
fim de que eles mesmos se municiem de informações para batalhar 
pelos seus direitos.
Em alguns Estados, como, por exemplo, o Rio Grande do Norte, 
grupos de estudantes e de advogados criaram as assessor!as populares, 
hoje crescendo, junto com as faculdades, o que tem se mostrado 
uma experiência extremamente interessante. E acho que nós todos 
podíamos fazer isso para que, ao invés continuarmos a reclamar e a 
pedir que os Governos façam mais, venhamos a dar exemplo de que 
é possível estender nossas atividades para que todos estendam os 
seus direitos.
Estes últimos foram quinze anos em que a Constituição, hoje 
uma debutante, como lembrava o nosso Presidente, tem perspectiva 
de se tomar, nos próximos quinze, uma balzaquiana importante, numa
30
J5 Anas da Prvmuigação da Conslituição Federal de 1988
experiência excelente a para o Brasil, com uma estabilidade jurídica 
e política que, talvez, nós nunca tenhamos tido.
Lembro-me, sempre, dos versos de Paulo Mendes Campos, nos 
quais se enfatizava a dificuldade de se plantar a semente e do 
sofrimento para colher o fruto. Conhecendo e seguindo as estradas 
do meu país, descobri que a semente tem terra e homens bons para 
permitir o plantio do sentimento constitucional e da semente de 
Justiça.
E como dizia o poeta, Paulo Mendes Campos: ''Se multipliquei 
a minha dor, também multipliquei a minha esperança”.
A OAB é isto: o fórum multiplicador das esperanças reais e 
possíveis, de um Brasil muito melhor e muito mais justo para todos 
os brasileiros.
Muito obrigada.
31
DIREITOS FUNDAMENTAIS, 
GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO*
Paulo Bonavides
(Conferência proferida no dia 15 de setembro de 2003, perante o Conselho Federal 
da Ordem dos Advogados do Brasil, em solenidade comemorativa do transcurso dos 15 
anos da Constituição da República Federativa do Brasil).
Antes de passar ao tema desta Conferência apraz-me significar 
em breves palavras, quão generoso e amável foi o vosso convite 
para discursar perante este egrégio Conselho Federal da Ordem dos 
Advogados do Brasil, nas cerimônias comemorativas do transcurso 
dos quinze anos de promulgação da Carta Constitucional de 1988.
Reconhecendo e agradecendo a honra insigne, quero, todavia, 
assinalar, perante tão nobre e culto auditório, que se trata de um 
pesado encargo de responsabilidade e reflexão.
Vivemos, com efeito, uma hora atravessada de muitas incertezas 
sociais e de graves apreensões acerca de um reformismo sem reforma, 
ora em curso no país.
Soldado raso das hostes libertárias, não desertarei o campo de 
batalha ao divisar nuvens que já se adensam nos horizontes do espaço, 
onde há de ferir-se o recontro da emancipação nacional, e onde 
teremos que fazer, sem tergiversar, a opção de nosso destino.
Na escala evolutiva do Direito Constitucional, legislado ao longo 
das revoluções e metamorfoses de dois séculos, há quatro gerações 
sucessivas de direitos fundamentais. Passando da esfera subjetiva 
para as regiões da objetividade, buscam elas reconciliar e reformar a
* Palestra proferida no dia 15 de setembro de 2003, perante o Conselho Federal da Ordem 
dos Advogados do Brasil, em so lenidade com em orativa do transcurso dos 15 anos da 
Constituição da República Federativa do Brasil.
32
15 Anos da Promulgação da Constituição Federal de I98S
relação do indivíduo com o poder, da sociedade com o Estado, da 
legalidade com a legitimidade, do governante com o governado.
Direitos da primeira geração, os direitos da liberdade foram os 
primeiros a constar do instrumento normativo constitucional, a saber, 
direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por 
um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do 
ocidente.
Se hoje esses direitos parecem já pacíficos na codificação 
política, em verdade se moveram em cada País constitucional num 
processo dinâmico e ascendente, entrecortado não raro de eventuais 
recuos, conforme a natureza do respectivo modelo de sociedade, 
mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória que parte com 
freqüência do mero reconhecimento formal para concretizações 
parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros 
consensuais de efetivação democrática do poder.
Essa linha ascensional aponta, por conseguinte, para um espaço 
sempre aberto a novos avanços. A história, comprovadamente tem 
ajudado mais a enriquecer e alargar tal espaço que a empobrecê-lo 
ou contraí-lo. Os direitos da primeira geração - direitos civis e 
políticos - já se consolidaram em sua projeção de universalidade 
formal. Não há Constituição digna desse nome que os não reconheça 
em toda a extensão.
Os direitos da primeira geração, a saber, os direitos da liberdade, 
têm por titular o indivíduo; oponíveis ao Estado, traduzem-se como 
faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que 
é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou 
de oposição perante o poder estatal.
Entram na categoria do status negativus da classificação de 
Jellinek e fazem também ressaltar na ordem dos valores políticos a 
nífida separação entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento 
dessa separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter anti-
33
estatal dos direitos da liberdade, conforme tem sido professado com 
tanto desvelo teórico pelas correntes do pensamento liberal de teor 
clássico.
São por igual direitos que valorizam primeiro o homem singular, 
o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista 
quecompõe a chamada sociedade civil, conforme a linguagem 
jurídica mais usual.
Os direitos fundamentais da segunda geração estes já merecem 
um exame mais acurado. Dominam o século XX do mesmo modo 
que os direitos da primeira geração dominaram o século XIX. São 
os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos 
coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo 
das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por 
obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século passado. 
Nasceram abraçados com o principio da igualdade, do qual não se 
podem separar, pois fazê-lo eqüivaleria a desmembrá-los da razão 
de ser que os ampara e legitima.
Da mesma maneira que os da primeira geração, esses direitos 
foram inicialmente objeto de uma formulação especulativa em esferas 
filosóficas e políticas de acentuado cunho ideológico; uma vez 
proclamados nas Declarações solenes das Constituições Marxistas e 
também de maneira clássica no constitucionalism o da social- 
democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as 
Constituições do segundo pós-guerra.
Mas passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade 
ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua natureza de direitos 
que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre 
resgatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios 
e recursos.
De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à 
chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua
34
15 Anos da Pnwiulgação da Coitsiiruiçãn Federal de 1988
concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos 
instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade. 
Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo 
fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a 
do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos 
direitos fundamentais.
De tal sorte que os direitos fundamentais da segunda geração 
tendem a tomar-se tão justiciáveis quanto os da primeira; pelo menos 
esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia 
recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada ao caráter 
programático da norma.
Com efeito, até então em quase todos os sistemas jurídicos 
prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade não eram 
de aplicabilidade mediata, por via do legislador.
Se na fase da prim eira geração os direitos fundam entais 
consistiam essencialm ente no estabelecim ento das garantias 
fundamentais da liberdade, a partir da segunda geração tais direitos 
passaram a compreender, além daquelas garantias, também os critérios 
objetivos de valores, bem como os princípios básicos que animam a 
Lei Maior, projetando-lhe a unidade e fazendo a congruência 
fundamental de suas regras.
Cresceu, pois, com a introdução dos direitos fundamentais da 
segunda geração o juízo de que esses direitos representam de certo 
modo uma ordem de valores, compondo uma unidade de ordenação 
valorativa que alguns juristas minoritários temem possam ressuscitar 
ou correr o risco de ressuscitar a concepção de sistema, à qual, 
segundo Scheuner, os direitos fundamentais seriam irredutíveis. Mas 
Scheuner já foi ultrapassado a esse respeito e dele não nos 
ocuparemos.
' U lrich Scheuner. "Zur Sysiem atik und A uslegung der G rundrech te" , in “Siaatstheorie 
und Staaisrecht Gesam m elle Schriften, Berlim, 1978, p. 718.
35
De acordo com a nova teorizaçâo dos direitos fundamentais as 
prescrições desses direitos são também direito objetivo e isso levou, 
segundo Schmitt, a superar aquela distinção material entre as duas 
partes básicas da Constituição, em que os direitos fundamentais eram 
direitos públicos subjetivos ao passo que as disposições organizatórias 
constituíam unicamente direito objetivo.
A concepção de objetividade e de valores, relativamente aos 
direitos fundamentais, fez que o princípio da igualdade tanto quanto 
o da liberdade tomasse também um sentido novo, deixando de ser 
mero direito individual que demanda tratamento igual e uniforme 
para assumir, consoante demonstra a doutrina e a jurisprudência do 
constitucionalismo alemão, uma dimensão objetiva de garantia contra 
atos de arbítrio do Estado.
A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas 
e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu 
lugar em seguida a que se buscasse outra dimensão dos direitos 
fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta 
sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de 
uma latitude de sentido que não parece compreender tão somente a 
proteção específica de direitos individuais ou coletivos.
Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se 
acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade.
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os 
direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste começo de 
século enquanto direitos que não se destinam especificamente à 
proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de uma 
determinada sociedade. Têm, primeiro, por destinatário o gênero
 ^ C arl Schmitt, “G rundrechte und G rundpflichien” , 1932, in “Verfassungsrechtliche 
A ufsaetze” , Berlim , 1958, p. 189.
 ^ “Léçon Inaugurale” , sob o título “Pour les Droits de 1 ’horame de la Troisième Generation", 
ministrada em 2 de ju lho de 1979, no Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em 
Estrasburgo, por Karel Vasak, D iretor da D ivisão de Direitos do H om em e da Paz, da 
U NESCO.
36
15 Anos da Promulgação daX^onsútuição Federal de 1988
humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como 
valor supremo em termos de existencialidade concreta.
Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, 
assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução 
de trezen tos anos na e s te ira da concre tização dos d ire itos 
fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao 
desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à comunicação e ao 
patrimônio comum da humanidade.
A teoria, com Vasak e outros, já identificou cinco direitos da 
fra te rn idade , ou seja, da te rce ira geração: o d ire ito ao 
desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio-ambiente, o direito 
de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito 
da comunicação.
Em meio a tudo isso, a essas considerações teóricas sobre 
direitos fundamentais, o Brasil está sendo, porém, impelido para a 
u top ia c rim inosa deste fim de século: a g loba lização do 
neo libera lism o , ex tra íd a da g loba lização econôm ica . O 
neoliberalismo cria, em verdade, mais problemas do que os que 
intenta resolver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, em 
certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, porquanto 
afrouxa e debilita os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrina 
uma falsa despolitização da sociedade.
A globalização política neoliberal caminha sutil, sem nenhuma 
referência de valores. Mas nem por isso deixa de fazer perceptível 
um desígnio de perpetuidade do statu quo de dominação. Faz parte 
da estratégia mesm a de formulação do futuro em proveito das 
hegemonias supranacionais já esboçadas no presente.
Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, 
sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na 
teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que 
interessa aos povos da periferia.
37
Globalizar direitos fundamentais eqüivale a universalizá-los no 
campo institucional. Só assim aufere humanização e legitimidade 
um conceito que, doutro modo, qual vem acontecendo de último, 
poderá aparelhar unicamente a servidão do porvir.
A globalização política, a nossa globalização, não a deles, 
introduz os direitos da quartageração, que, aliás, correspondem à 
fase mais avançada de institucionalização do Estado social.
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito 
à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização 
da sociedade aberta do futuro, em sua dim ensão de m áxim a 
universalidade, para a qual parece que o mundo se inclinará no plano 
de todas as relações de convivência.
A democracia positivada por direito da quarta geração será, de 
necessidade, tanto quanto possível, um a dem ocracia direta e 
participativa. Materialmente exeqüível, graças aos progressos da 
tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável, graças à 
informação correta e às aberturas pluralistas do sistema, há de ser 
tam bém dem ocracia isen ta já das con tam inações da m ídia 
manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática 
e unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo isso, obviamente, 
se a informação e o pluralismo vingarem por igual como direitos 
paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, enquanto direito 
do gênero humano, projetado e concretizado no derradeiro grau de 
sua evolução conceituai.
Força dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: 
0 vocábulo “dimensão” substitui com vantagem lógica e qualitativa, 
0 termo “geração”, caso este último venha a induzir apenas sucessão 
cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações 
antecedentes, o que não é verdade.
Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais; 
os da segunda, d ireitos sociais e os da terceira, d ireitos ao
38
15 Anos da Promulgação da Co/isiituição Federal de 1988
desenvolvim ento, ao m eio-am biente, à paz e à fraternidade, 
permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo 
ápice é 0 direito à democracia; coroamento daquela globalização 
política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a 
Humanidade parece caminhar com menos vagar, depois de haver 
dado o seu primeiro e largo passo.
Os direitos da quarta geração não som ente culm inam a 
objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes, senão que 
absorvem - sem, todavia, removê-la - a subjetividade dos direitos 
individuais, a saber, os direitos da primeira geração. Tais direitos 
sobrevivem , porquanto ficam opulentados em sua dim ensão 
principiai, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com 
a mais subida eficácia normativa a todas as esferas da sociedade e 
do ordenamento jurídico.
Daqui se pode, assim, partir para a asserção de que os direitos 
da segunda, da terceira e da quarta gerações não se interpretam, 
concretizam-se. E na esteira dessa concretização que reside o futuro 
da globalização política, o seu princípio de legitimidade, a força 
incorporadora de seus valores de libertação.
Da globalização econômica e da globalização cultural muito se 
tem ouvido falar. Da globalização política só nos chegam, porém, o 
silêncio e o subterfúgio neoliberal da reengenharia do Estado e da 
Sociedade. Imagens, aliás, anárquicas de um futuro nebuloso onde 
o Homem e a sua liberdade - a liberdade concreta, entenda-se - 
parecem haver ficado de todo esquecidos e postergados.
Já, na democracia globalizada, o Homem configura a presença 
moral da cidadania. Ele é a constante axiológica, o centro de 
gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do 
sistema. Nessa democracia, a fiscalização de constitucionalidade 
daqueles direitos enunciados - direitos, conforme vimos, de quatro 
dimensões distintas, há de ser obra do cidadão legitimado, perante 
uma instância constitucional suprema à propositura da ação de
39
controle, sempre em moldes compatíveis com a índole e o exercício 
da democracia direta.
Enfim, os direitos da quarta geração compendiam o futuro da 
cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente 
mediante eles será legítima e possível a globalização política.
“Eu não nego a lei, mas interpreto-a”, dizia o teólogo de Frei 
Heitor Pinto na “Imagem da Vida Cristã”. Eu também não nego a 
globalização, como já ficou assinalado, mas a interpreto na sua versão 
contemporânea, que é aquela inculcada pela ditadura ideológica do 
neoliberalismo, e o faço com o propósito de mostrar que ela é injusta, 
inimiga dos povos, supressiva das liberdades, indigna da adesão dos 
homens livres.
Globalização serva de um capitalismo de opressão, degrada e 
corrompe a natureza humana, esmaga a personalidade, conculca as 
franquias do cidadão, nega a soberania, anula a identidade dos povos.
Globalização de especuladores, cria um falso mundo sem 
alternativas para a liberdade, porque a liberdade nunca teve 
alternativa. E ao começo deste século uma tragédia para os direitos 
fundamentais.
Quando a crise acomete portanto o capitalismo globalizante do 
modelo neoliberal - a esta altura impugnado e já açoitado das forças 
de resistência que lhe arriaram a máscara e lhe patentearam a 
brutalidade com que oprime - o mundo outra vez se há de inclinar 
para o Estado social, para a democracia participativa. Única saída à 
crise e ao desmoronamento do capitalismo. Em verdade, capitalismo 
do gênero mais com prom etido com a especulação que com a 
produção. Por isso mesmo, de todo estéril e lesivo à economia dos 
países débeis, vítimas do confisco especulativo e feroz que arruina 
mercados, câmbios e nações, que vê o lucro e não o homem, o capital 
e não o trabalho, o egoísmo e não a fraternidade.
40
15 Anas da Promulgação da Constituição Federal de 1988
O capitalismo industrial desencadeou no ocidente com extrema 
agudeza a luta de classes e ao mesmo tempo se converteu em atroz 
inimigo dos direitos sociais, cuja inserção no texto das Constituições 
não afiançou a estes uma proteção jurisdicional do mesmo grau de 
eficácia daquela conferida aos direitos civis e políticos, os chamados 
direitos da primeira geração ou do “status negativus” . Já o capitalismo 
financeiro, que lhe sucedeu, tem outro semblante, outra ideologia, 
outro argumento de poder que se dissimula em teses do neoliberalismo 
e da globalização, gerando as formas mais refinadas de opressão.
É 0 capitalismo dos globalizadores, capitalismo que não ocasiona 
conflitos, mas submissões: a submissão de povos; capitalismo de 
novo gênero cuja hegemonia se exercita a partir das relações de 
m ercado e das bolsas que regem as finanças internacionais; 
capitalismo, enfim, que tem por alvo a nação, a soberania, o Estado 
e não a classe ou um segmento da sociedade como na versão 
antecedente.
Se a primeira modalidade de capitalismo contradiz a consagração 
definitiva daqueles direitos que nas esferas sociais mitigaram a luta 
de classes, a segunda, isto é, a do capitalismo financeiro, se apresenta 
mais funesta e devastadora por atentar contra a justiça dos povos, 
contra os direitos da terceira geração, contra a soberania das nações.
Fez ele recrudescer o conflito das etnias, das civilizações, das 
culturas e das religiões e articulou, na simultaneidade do combate 
ao terror, o grito fascista que aclama a morte e vitupera a vida; o 
mesmo grito do episódio heróico de Unamuno, em Salamanca.
Meus caros Conselheiros, minhas Senhoras e meus Senhores:
O Brasil é hoje um país constitucional, mas não é um país 
democrático.
Não é democrático País que governa para banqueiros, concentra 
a renda e perpetua o privilégio, que tem nas cidades uma classe 
média empobrecida e aviltada, que deixa à fome e ao abandono,
41
sem terra, sem pão, sem emprego, sem teto, sem saúde, sem hospital 
e sem escola, milhões de brasileiros, arremessados à penúria e 
indigência; um país que na falácia social da Abolição, transcorridos 
mais de cento e dez anos, fez o alforriado de ontem sair das senzalas 
da escravidão negra para as favelas da escravidão branca.
Não é democráticoPaís cujo sistema de partidos perdeu a 
representatividade, e manipulado pelo Poder Executivo, fez-se 
cúmplice da instalação iminente de um sistema de governo único, 
que será tão funesto ao Estado de Direito quanto o sistema de partido 
único introduzido pela ditadura militar, e que eu tive ocasião de 
denunciar à Nação, em fins da década de 60, num seminário 
internacional de cientistas políticos, celebrado no Rio de Janeiro, 
por iniciativa do Professor Cândido Mendes.
Igual denúncia hei de fazer, com o mesmo calor cívico, se 
idêntica calamidade política vier a desabar sobre a nossa forma de 
governo.
Ontem, como escrevi na “Crise Política Brasileira”, havia um 
sistema de partido único, porque no falso pluralismo de fachada, só 
0 partido da ditadura tinha portas abertas de acesso ao poder; os 
demais existiam por manter a farsa de coonestar o sistema, mediante 
o exercício limitado de uma oposição consentida; hoje, desenha-se, 
no horizonte, a silhueta do mesmo quadro, tendo por característico a 
invariabilidade das políticas presidenciais, com a reprodução do 
modelo econômico de dependência ao capital externo e às forças 
que levam a cabo a recolonização e a ruína econômica e financeira 
do Estado soberano.
Não é democrático tampouco um País cujas elites governantes 
e partidárias, supostamente representativas, abandonaram a causa 
do povo e, mergulhadas na cumplicidade e na corrupção, sobrevivem 
abraçadas com o capital colonizador que invade e subjuga o mercado 
nacional.
42
15 Anos da Pmmulgação da Conxtiiuição Federal de 1988
Não é democrático País que faz o desespero social chegar aos 
lares da classe média e leva o povo a descrer da ordem jurídica e 
prantear seu próprio destino.
Não é dem ocrático, m uito menos, um país de econom ia 
falsamente globalizada e que se desnacionaliza prostrado de joelhos 
diante da unipolaridade.
A m esm a unipolaridade que tem derrubado governos e 
soberanias, com a pressão dos mercados e o desencadeamento das 
crises especulativas.
E se não escraviza com o capital, o faz com as armas, logrando 
fim semelhante, de forma, porém, mais brutal, como aconteceu 
recentemente na tragédia do Iraque.
Ali, às margens do Tigre e do Eufrates, a Mesopotamia, ontem, 
berço da civilização, hoje túmulo do direito internacional e da 
Organização das Nações Unidas (ONU), ministra aos povos a lição 
da verdade, acerca da natureza maligna do modelo globalizador, 
executado com a impostura de um determinismo ou de uma fatalidade 
pela potência hegemônica e imperial.
Enfim, não é democrático um país humilhado, até há pouco, 
por oito anos de ditadura constitucional e seis mil Medidas Provisórias 
que agrediam a Constituição.
Vamos nos bater, pois, advogados do Brasil, pela causa da 
regeneração nacional, por uma democracia participativa, sob as luzes 
da Constituição, que clareiam com a normatividade dos princípios a 
estrada da justiça; por uma ordem internacional reg ida pelo 
humanismo cristão e pela solidariedade ecumênica; por um País 
onde o presente não há de propender ao passado, mas ao futuro, 
porquanto, na órbita da política exterior, o passado traz o FMI, a 
ALCA e o Consenso de Washington, ao passo que o futuro trará o 
Mercosul, a Comunidade Andina e a União Européia; o passado leva 
à recolonização, o futuro levará à libertação; o passado pertence às
43
Ordenações Filipinas, o futuro pertencerá à Declaração Universal 
dos Direitos Humanos.
É este, por sem dúvida, o dilem a presidencial do Brasil 
contemporâneo na grande perplexidade que a nação ora atravessa.
Em rigor, na eleição de outubro de 2002, o povo plebiscitou, 
com o seu voto e o seu veto, uma política de governo, que arruinava 
a república, quebran tava a federação, alienava a soberania, 
despedaçava a Constituição.
Se prosseguir assim a política da herança maldita que restará 
breve da ordem Constitucional e do Estado de Direito?
Disse Rui Barbosa na Oração aos Moços que o coração “é o 
órgão da fé, o órgão da esperança, o órgão do ideal” .
Se ainda há fé, esperança e ideal em nossos corações, quando 
acabo de vos falar acerca dos direitos fundamentais e da Constituição, 
numa sociedade vítima de corpos representativos prostituídos e de 
Executivos liberticidas, é porque a desorganização moral no País, 
sem embargo de todos os seus efeitos devastadores, não lesou por 
enquanto o coração da Pátria, que continua a bater forte e a manter 
intacto o músculo da resistência onde se incama o sentimento da 
nacionalidade agredida. Sentimento que eu vejo refletido nas vossas 
fisionomias, porque vós levantastes este templo da consciência 
brasileira, consciência de um País que se não alienou nem perdeu a 
memória do passado; onde as vossas lutas institucionais fizeram a 
legitimidade desta Casa e a constituíram a grande oficina jurídica de 
preservação da soberania constitucional.
Este tem sido o vosso papel, a vossa missão histórica, a vossa 
causa, o vosso compromisso com a Constituição e a liberdade.
Ao desempenhar este dever fizestes da OAB na confiança da 
opinião 0 santuário do Estado de Direito.
44
15 Anos da Promulgação da Constituição Federal de 1988
Este galardão vós possuis e ninguém vos subtrairá porque a 
OAB desde m uito se acha tom bada pela cidadania como um 
patrimônio da Nação.
Muitas bandeiras poderão ser erguidas.
A mais urgente é esta: não há poderes imunes à moralidade 
administrativa. O nepotismo transgride o art. 37 da Constituição, 
portanto cabe bani-lo do círculo dos Três Poderes nas suas esferas 
superiores mais contaminadas.
Não importa que sejam as do Executivo, do Judiciário e do 
próprio Legislativo.
Todas estão sujeitas à obediência daquele princípio que pertence 
às normas superlativas da ordem constitucional.
Tomando à contemporaneidade do momento institucional, o 
povo disse não ao passado e sim ao futuro, e como há uma enorme 
angústia acerca dos rumos que permanecem por definir, eu vos 
confesso que não perdi a esperança.
Mas reconheço que muitos já transformaram a esperança em 
desengano. Que não passem todavia do desengano ao medo.
Porque o direito de não ter medo, como disse Franklin Roosevelt, 
é uma das quatro liberdades que inspiraram a Carta do Atlântico, nas 
procelosas batalhas da democracia contra o fascismo e o nacional- 
socialismo e o terror de seu império de mil anos.
Se vos negarem, com atos e fatos, o direito de não terdes medo, 
de não manifestardes o vosso pensamento, já não sereis cidadãos, 
mas vassalos; já não haverá neste Pais sacerdotes da Constituição, 
tribunos das causas populares, advogados da liberdade, mas súditos, 
áulicos e serventuários de uma ditadura, que não importa de casaca, 
de uniforme ou de toga; será sempre ditadura e todas as ditaduras 
são abomináveis, representam a servidão, o silêncio, o medo, a 
tristeza, a indignidade, o infortúnio.
45
Elas amortecem as fibras da cidadania porque fazem a sinopse 
de todos os malefícios sociais.
Regridir do constitucionalismo ao absolutismo fora regridir do 
País constitucional ao Brasil neocolonial; fora aceitar, por via da 
capitulação, o ultimatum neoliberal e globalizador, que decreta o 
termo da soberania, assassina a Constituição e, ao mesmo passo, 
exara a sentença capital dos direitos fundamentais.
Impossível consentir, bravos Conselheiros, que isto venha a 
acontecer.
46
15 Anos da Pwniiilgíiçãa da Consriluição Federal de 1988
O ADVOGADO E A IGUALDADE
* *
DA JUSTIÇA
José Afonso da Silva
1. Introdução ao tema
Esta exposição pretende examinar os problemas da igualdade 
e desigualdade da justiça e a posição do advogado em face deles. A 
primeira questão a enfrentar consiste em esclarecer a expressão 
igualdade da Justiça que apresenta dois significados; “igualdade 
perante a função jurisdicional” e “distribuição igualitária da Justiça”,

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Materiais recentes

Perguntas Recentes