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E r n a n d o U c h o a Lima R e g i n a l d © O s c a r d e C a s t r o F e r n a n d o H e n r i q u e C a r d o s o A S N O V A S P R I O R I D A D E S D O E S T A D O B R A S I L E I R O y^ o sse J a cio a>unseif)n (fa Q ~7iJi Z Iríê n io 199S-2001 X ) is c u rs o s CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL o Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal, 1998 Distribuidor: Centro de Documentação e Informação do Conselho Federal da OAB Setor de Autarquias Sul - Q .5 - Lote 2 - Bl. N - Sobreloja Brasília - DF CEP 7 0 0 /0 -0 0 0 Fones: (061) 316-9631 e 316-9632 Fax: (061) 225 -4947 6-mail: webmaster@oab.com.br Tiragem: 3 .0 0 0 exemplares Capa e Editoração: Forum Propaganda FICHA CATALOGRÁFICA Lima, Ernando Uchoo As novos prioridades do Estado brasileiro: posse da Diretoria do Conselho Federal da OAB, triênio 1998*2001: discursos / Ernando Uchoo Lima, Reginaldo Oscar de Castro, Fernando Henrique Cardoso. Brasília: OAB, Conselho Federal, 1998. 24 p.,il. 1. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) • Presidente - Posse. • 3. Discursos. I. Castro, Reginaldo Oscar de. II. Cardosc, Fernando Henrique, III. Ordem dos Advogados do Brosil. Conselho Federal. IV. Título. CDD: 341 .41504 G D I/C F -O A B /L u iz C ar los M a ro c lo S u /n d r io Discurso proferido Delo Doufor Ernando Uchoo Limo, no so do cargo de Presic Conselno Federal Advogados do Brosi enidade de transmissão ente do 0 Ordem dos Discurso proferido pelo Doutor Reginaldo Oscar de Castro, no cerimônia de posse no cargo de Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil........................................................... 9 Discurso proferido pelo Presidente da República, Doutor Fernando Henrique Cardoso, no solenidade de posse do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.......................................................... ?7 3 íntegra do discurso proferido pelo advogado Ernando Ucboa Lima no ato em que transmitiu a Presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil oo advogado Reginaldo Oscar de Castro, em 2 de Fevereiro de 1998, no auditório Petrônio Portella, em Brasília. C edo aprendi a cultivar a gratidão, virtude essa que se vai tornando cada vez mais escassa nestes tempos pragmáticos e rudes, marcados pelo egoísmo, pela negação dos valores éticos, pelo desamor ao próximo, pela violência. Por isso. principiei meu discurso de posse na Presidência do Colendo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil agradecendo a Deus, com a alma genuflexa, a suprema ventura daquele momento sublime e grandioso, inapagável na minha memória. E hoje. ao concluir o mandato que me foi outorgado, quero que cscas primeiras palavras sejam de agradeccmcnto ao Criador pelo ânimo e força que me deu para que pudesse cumprir a árdua e honrosa missão de dirigir os destinos da nossa gloriosa instituição com serenidade, equilíbrio, independência e altivez, como é exigido de um Presidente da Ordem, nesses três anos de intenso e diuturno labor, de inteira consagração aos superiores interesses da advocacia brasileira e à causa sacrossanta do Direito, da Justiça, da Democracia e da Liberdade. Movido pelo mesmo sentimento, agradeço, comovido, a inestimável colaboração dos ilustres e leais companheiros da diretoria, dos eminentes Conselheiros Federais, dos preclaros membros honorários vitalícios, dos insignes presidentes das sec cionais. dos denodados e incansáveis dirigentes das Caixas de Assistência dos Advogados, sob a liderança esclarecida da Dra. Ana Maria de Farias Cavalcanti e dos competentes e dedicados servidores da Casa. Por igual, devo manifestar, publicamente, meu reconheci mento a Regina, pela solidariedade, incentivo e participação em todos os momentos da dura jornada que termina nesta noite festiva. Assim, na pessoa de minha mulher, saúdo e expresso pro 5 funda gratidão às abnegadas e admiráveis mulheres dos valorosos líderes e dirigentes da OAB, pela valiosa ajuda que emprestaram à minha administração. No tocante às atividades da gestào que ora finda, não cansarei o egrégio auditório com a citação, que seria longa e fas tidiosa, das inúmeras realizações da diretoria que tive a honra de presidir, seja no plano corporativo, seja no plano institucional, inclusive no campo internacional, onde a Ordem dos Advogados do Brasil marcou presença em reuniões e congressos acontecidos em países da América do Sul, nos Estados Unidos e na Europa, sendo de destacar o 1° Congresso Internacional de Direitos Humanos, em terras brasileiras, patrocinado pela nossa entidade, e a XXXIII Conferência da Federação Interamericana de Advogados, levada a efeito no Rio de Janeiro. De outra parte, não devo nem quero ser juiz de minha atu ação no exercício da Presidência. De feito, nào obstante a imensa e sincera vontade de acer tar, terei, talvez, à força da falibilidade humana, cometido erros. Assim, se cumpri e como cumpri minhas atribuições de Presidente, cabe o julgamento à intrépida classe dos advogados. Diz-me, contudo, a consciência - farol e bússola da minha vida - que fiz o quanto pude para desempenhar com exação os meus deveres funcionais, preservando as caras tradições de inde pendência e destemor da Ordem e combatendo em todas as trincheiras na defesa da Constituição, dos postulados democráti cos e dos interesses nacionais. Sem pretender, nem de longe, antecipar-me ao veredicto a ser proferido, no futuro, sobre a minha gestão, parece-me, salvo melhor juízo, que a ascensão do eminente secretãrio-geral à Presidência da Ordem, em sufrágio unânime das prestigiosas seccionais, representa a aprovação da nossa classe no que per- tine à conduta da diretoria que se despede neste instante. Com a mesma incontida emoção que experimentei ao assumir a Presidência, transfiro o poder administrativo e político da Ordem dos Advogados do Brasil a um dos mais brilhantes expoentes da advocacia deste País: Reginaldo Oscar de Castro. Homem de seu tempo, sensível ao clamor das massas, democrata por convicção, advogado modelar, que vivência a cada dia os embates e as dificuldades forenses, inteligente, culto, 6 operoso, criativo, independente e destemido, tudo isso faz ante ver, sem receio de erro no vaticínio, que sua presidência será das mais profícuas de toda a história da nossa corporação. Cumpre ressaltar, entretanto, que muito mais que essas acrisoladas virtudes, que elevam e dão ao nosso Presidente lugar de relevo no cenário jurídico do País, sobressaem, como ponto mais alto de sua personalidade marcante, a bondade sem osten tação, a retidão de caráter, a lealdade jamais desmentida, a corte sia espontânea, a elegância de maneiras, a sábia moderação, a coerência de atitudes, a honestidade de propósitos, a bra\aira moral com que defende suas crenças e seus ideais, invariavel mente a serviço do Direito e da Liberdade. Bem de ver, portanto, que a eleição do ilustre advogado Reginaldo Oscar de Castro é a garantia de que a Ordem dos Advogados do Brasil, sempre vigilante no resguardo de nossas tradições jurídicas e ideais democráticos, permanecerá na van guarda de todas as lutas em prol da construção de uma sociedade pluralista, igualitária, transparente, democrática e justa. Para isso, Vossa Excelência, ínclito Presidente, ã seme lhança de seus conspícuos antecessores, irá percorrer caminhos íngremes, cobertos de espinhos, de obstáculos e de incompreen- sões, mas que jamais impedirão sua marcha de bravo coman dante da impávida milícia dos defensores dos humildes, dos excluídos, dos miseráveis, por cuja libertação não cessaremos de lutar, os advogados e advogadas brasileiros, em consonância com a vocação eo destino da Ordem dos Advogados do Brasil. Por tudo isso, sinto-me extremamente feliz e jubiloso em passar a Vossa Excelência, caríssimo e vero amigo Reginaldo Oscar de Castro, a direção da entidade que tanto amamos, hoje inteiramente pacificada e unida de forma inquebrantável. Enfim, deixo a Presidência, mas não me despeço dos com panheiros de muitas memoráveis jornadas nem da nossa insti tuição, porque enquanto durar minha passagem pela Terra con tinuarei na dianteira de todas as suas batalhas, sinceramente con vencido de que servir a OAB significa servir o Brasil. Muito obrigado. 7 Integra do discurso proferido pelo advogado Reginaldo Oscar de Casfro, na cerimônia de posse no cargo de Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, em 2 de Fevereiro de 1998, no auditório Petrônio Portella, em Brasília. F raternos amigos, que ao longo dos anos me têm concedido o privilégio da convivência, senhoras e senhores que nos honram com sua presença: a todos, a nova dire toria da OAB agradece pelo comparecimento a este ato solene de posse, atençào que recebemos como um tributo à insti tuição que tem atuado permanentemente na defesa do Estado democrático de direito. A Ordem dos Advogados do Brasil, ao longo de sua história, pela segunda vez recebe o Excelentíssimo Senhor Presidente da República em solenidade de posse de sua diretoria. Na primeira, em 1956, quando da posse de Nehemias Gueiros, sucessor de Seabra Fagundes, registram nossos anais a presença ilustríssima do saudoso Presidente Juscelino Kubitschek. Hoje, honra-nos o Presidente Fernando Henrique Cardoso com seu comparecimento, atribuindo significativa distinção a esta solenidade. Recebemos a presença de Sua Excelência como home nagem aos advogados brasileiros. Representando-os consigno, honrado, nossos agradecimentos. As diversas correntes de opinião representadas nesta solenidade, a par de refletir anseio por cidadania e justiça, reforçam-nos a convicção de que a representatividade social e políticâ da Ordem dos Advogados do Brasil jamais poderá se aco modar em suas fronteiras de entidade corporativa. É a certeza de que, embora ultrapassada a gloriosa fase de luta dos anos de chumbo, continuamos depositários da esperança de que a nossa bandeira estará sempre na linha de frente dos embates - por 9 certo intermináveis - pelo aprimoramento da democracia e pela intransigente defesa dos direitos humanos. Não estamos isolados nessa caminiiada. Crescem visivel mente o desconforto e a angústia da opinião pública, ante a lentidão do Estado no atendimento dos direitos básicos da maior parte da populaçào brasileira. São cada vez mais freqüentes as críticas da mídia. A banalização da violência, a grave deficiência do sistema de saúde e o ambiente de impunidade induzem, em todas as camadas da sociedade civil, à idéia de que o Estado de Direito é uma preocupação secundária do Poder Público. Desrespeito ao meio ambiente, carência habitacional, refor ma agrária e desemprego são outras insatisfações em debate no cotidiano brasileiro, ao lado de temas como aborto, doação pre sumida de órgãos e, agora, o novo Código de Trânsito. Alegra-me perceber que os brasileiros já discutem com mais freqüência as questões que lhes afetam a vida, que lhes confrontam as crenças - e isso é altamente positivo. É um claro sinal de que cessaram a letargia e o conformismo em que se aco modava a sociedade civil. Tudo indica, afinal, que o cidadão brasileiro se conscientiza de sua força como instrumento legítimo e jurídico, para reivindicar seus direitos ante os Poderes da República. Em recente entrevista à televisão, o sociólogo Alain Tourraine observou que o Brasil responde, ainda hoje, pelo equívoco de ter-se estruturado em Estado sem antes construir uma sociedade política, despida das amarras impostas pela corte, pelos fazendeiros, mercadores de escravos e pelos comerciantes, ou seja, as classes dominantes da época. O tempo substituiu alguns desses atores, mas os remanescentes do poder de fato ainda influem na condução política do País, com graves dis torções do sistema democrático. Nessa inversão, o eminente sociólogo identifica uma das fontes dos males sociais que afligem o País. Nesse contexto preocupa-nos o instituto da medida pro visória, Por sua natureza perturbadora do princípio da separação de poderes, está agora sob o foco de crescentes restrições, inclu sive no país onde foi concebido. Adverte o sr. presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, em voto 10 recentemente proferido (ADIN N° 1.687-0), que a Corte Constitucional da Itália já registra reação limitativa de seu uso. Afirma S. Exa. “que é o Parlamento, no regime da separação de poderes, o único órgão estatal investido de legitimidade constitu cional para elaborar, democraticamente, as leis do Estado'% A adoção de instrumentos constitucionais semelhantes durante toda a nossa vida republicana, nunca absorvidos pelos defensores da democracia, justifica a análise de Tourraine quan to às distorções de origem de nosso sistema político. Nào obstante as imperfeições que aponta, o sociólogo, que tão bem conhece o Brasil, manifesta a esperança de que, doma da a inflação, com reconhecidas melhorias do padrão alimentar da população menos assistida, a etapa seguinte do governo de verá ser a construção do novo arcabouço político, do qual se espera resulte a paz social, anseio maior da Nação Também nós advogados nutrimos a mesma esperança de que o Governo terá maior empenho em resgatar a dignidade do povo brasileiro. Mas a Ordem dos Advogados do Brasil não ficará inerte nesse tempo de espera. Estamos e continuaremos a postos para contribuir na reversão do presente quadro de desigualdades, O espírito de solidariedade que devemos cultivar e estimu lar nào pode se conformar com o desatendimento de carências sociais básicas, que exigem providências imediatas. Apesar de terem melhorado nos últimos anos, continuam nos envergonhando os indicadores sociais brasileiros, que nos colocam ao lado ou abaixo de nações menos desenvolvidas. Tampouco podemos nos conformar com recente relatório da ONU, que revela uma queda brutal da idade média dos pre sidiários no País. O documento revela lambém que, nos últimos quatro anos, aumentou em mais de 20% o número de detentos cuja idade varia de 18 a 24 anos. No Estado do Paraná, a OAB acaba de concluir levanta mento que aponta a existência de 1.217 detentos com as respec tivas penas de reclusão cumpridas, e que continuam presos. A presença das mais expressivas lideranças da Nação neste ato solene, que acolhemos como homenagem e apoio à nossa luta em defesa da cidadania, nos encoraja a anunciar que a nova diretoria do Conselho Federal dará, imediatamente, início a entendimentos com entidades afins, com vistas à elaboração con junta de uma agenda mínima a ser submetida às autoridades competentes. Temos em mente que essa iniciativa há de ser trans parente, plural, para que resulte em projeto objetivo e exeqüível. Cumpre-me também anunciar que a nova diretoria dará prosseguimento ao diálogo com a Magistratura, o Ministério Público e membros do Congresso Nacional, com vistas a uma profunda reestruturação do Poder Judiciário. È de fundamental importância que os trabalhos a serem desenvolvidos contem com a presença de todos os que estão preocupados com a crítica situ ação do Judiciário. Sobre a lentidão da Justiça, não se deve esquecer que uma de suas causas e o arcaico sistema processual brasileiro, cuja modernização faz-se imperativa. Tampouco é de se desprezar o uso abusivo dos ecursos processuais, com o objetivo de retardar a solução dos litígios. Evitar tal conduta é dever ético dos advo gados, que sobre isso devem refletir. Entende a OAB que muitopode ser feito, de imediato, com a implementação de providências que independem de mudanças constitucionais; é claro, contudo, que a reestruturação profunda que se almeja só poderá ser alcançada por emenda ã Constituição. A Ordem dos Advogados do Brasil sustenta a necessidade da criação de um Conselho Administrativo da Magistratura, em condições de ser assimilado pelo nosso sistema constitucional, de modo que suas decisões não conflitem com o ato jurisdicional puro, nem aspirem a sobre este ter precedência. É salutar que se diga que o controle disciplinar da magis tratura, uma das finalidades desse Conselho, não pode ser visto como panacéia para os males do judiciário. É uma iniciativa importantíssima ã sua modernização administrativa. Não é, decerto, a única. O desafio não é pequeno: temos de pensar na funcionali dade dessa estrutura, enxugá-la, conferir-lhe padrão de qualidade adequado, tendo em vista a democratização e a rápida dis tribuição da justiça. Os advogados brasileiros estão certos de que a reforma do 12 Judiciário é inadiável e deverá ter prioridade na agenda política do País. Apesar disso, o tema ainda não foi suficientemente examinado e debatido pela sociedade civil. Nós, que conhecemos o Judiciário, temos o dever de traduzir para a compreensão leiga todo o emaranhado de dificul dades e desafios que o afligem. Ouvindo a sociedade, registran do suas demandas, torna-se mais fácil, mais seguro e mais legíti mo decidir as mudanças que precisam ser feitas. A OAB não tem a pretensão de substituir partidos políticos ou qualquer das instituições do poder político. Tampouco se ilude com o sonho ingênuo de que possa ver eliminadas, a curto ou médio prazo, todas as perversidades que sufocam a expressi va maioria dos brasileiros. Nosso objetivo é acelerar, à toda força, a construção da democracia, para que se reduza a distância entre o presente de desigualdades e o futuro dc justiça social, almejado há mais de um século, desde a primeira Constituição republicana. Somos a única entidade corporativa que, por dever legal, nào se ocupa apena.s dos interesses dos filiados. Atribuiu-nos a vontade soberana do povo brasileiro o dever de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático dc direito, os direitos humanos, a justiça social, E mais; pugnar pela boa aplicação das leis. pela rápida adminis tração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das insti tuições jurídicas. São estas as primeiras finalidades arroladas em nosso Estatuto. Oportuno assinalar que, no cumprimento e obediência a esie relevantíssimo dever legal, somos, não raras vezes, taxados de corporativistas. Ocorre, porém, que só seremos indispensáveis à sociedade à medida que formos capazes de dar expressão às suas insatisfações, nas áreas que nos compete defendê-la. A capi laridade da estrutura federativa da Ordem dos Advogados do Brasil nos legitima a tanto, pois, mesmo nos mais recônditos municípios brasileiros, há um advogado. A amplitude da nossa atuação no quadro preocupante em que vivemos exige - e o legislador nos outorgou - prerrogativas indispensáveis ao livre exercício profissional. Os que insistem em conceituá-las como meros privilégios esquecem-se de que essas 13 prerrogativas se destinam, exclusivamente, à preservação dos interesses individuais ou coletivos, defendidos pelos advogados, não à proteção de seus interesses pessoais. Defenderemos com rigor nosso Estatuto, forte no manda mento constitucional contido no art. 133 de nossa Carta Política, que nos faz indispensáveis à administração da justiça. Realizar a justiça é preservar a liberdade, razão última pela qual os homens se reúnem e constituem o Estado. Somos conscientes da dimensão de nossas finalidades. Continuaremos a caminhar com o firme propósito de interpretar e vivificar os anseios da sociedade, civil, mantendo em permanente movimento essa obra, sempre inacabada, que é a democracia. O que nos tranqüiliza é que somos reconhecidos como espaço plural, avesso a sectarismos, o que não significa passivi dade em relação aos desafios político-institucionais do País. A nossos olhos, o Brasil, nesta quadra de sua trajetória, decide o futuro que teremos nas próximas décadas. Senhoras e senhores-, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, registro que sou profundamente grato pelo privilégio de recebê-los nesta solenidade. A todos reitero que as portas da Casa do Advogado estarão sempre abertas. Comungando dos mesmos ideais, poderemos, juntos, trabalhar pela consolidação da democracia e pela prosperidade do Brasil. Ao assumir a presidência nacional da OAB, desejo prestar justa homenagem aos diretores que ora concluem os seus mandatos. Homenageio especialmente o presidente Ernando Uchoa Lima, um cidadão extraordinário. À sua serenidade e diligência atribuo o apoio maciço dos advogados ã bandeira Cidadania e Justiça, traduzido na unanimidade dos votos que nos elegeram. Foi com emoção que acabei de ouvir suas generosas referências à minha pessoa. A ele, no entanto, credito a união dos advogados brasileiros em torno dos objetivos maiores da instituição. Consigno, na pessoa do Presidente do Senado Federal, meus agradecimentos a esta Casa pela gentileza da cessão deste auditório, que tem como patrono o saudoso Senador Petrônio Portella, personalidade que muito contribuiu para o êxito dos esforços da OAB pela redemocratizaçào do País. Ao realizar aqui esta solenidade, pretendemos simbolizar o propósito de estreitar 14 nossas tradicionais relações com o Congresso Nacional. A Ordem dos Advogados do Brasil deseja ampliar a participação dos advo gados na discussão dos grandes temas nacionais. Encerro pedindo-lhes licença para render um tributo pes soal ao advogado Sebastião Oscar de Castro, meu pai. Advogado independente, de acendrado espírito ético, orientou-me na vida e habilitou-me a assumir, com inexcedível honra, a Presidência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Obrigado a todos, e sejam sempre bem-vindos à Casa do Advogado. 15 Integra do discurso p ro fe r ido pe lo Senhor Presidente da República, Doutor Fernando Henrique Cardoso, na so len idade de posse do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em 2 de Fevereiro de 1998, no auditório Petrônio Portella, em Brasília. E uma especial alegria esiar presente a esta cerimônia de transmissão da Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, do D r. Ernando Uchoa Lima ao Dr. Reginaldo Oscar de Castro, Esse sentimento encontra raízes tanto no respeito à entidade como na minha admiração pessoa] por aquele que dirigirá os seus destinos nos próximos anos. Desde 1956, quando juscelino Kubitschek de Oliveira par ticipou de cerimônia semelhante, um Presidente da República nào vinha a esta Casa - que é a Casa dos Advogados e que eu prezo muito e considero, também, como a minha casa, como senador que fui. Repilo hoje aquele gesto com a natural afeição que um democrata há de ter por esta casa do direito, da liber dade e da justiça. Conheço bem Reginaldo Oscar de Castro. Conheço sua postura ética e seu compromisso com o País. Sua experiência como Secretário-Geral da OAB, desde 1995, e o apoio unânime que recebeu das secçòes dc todo o País, tenho certeza, assegu rarão uma gestão profícua e eficaz à frente desta entidade tão re levante para os brasileiros e que foi tão bem dirigida até agora pelo Dr. Ernando Uchoa Lima. A Ordem dos Advogados do Brasil - sobra dizer, mas con vém repelir - sempre esteve ao lado de boas causas. Já no Império, o órgão que a antecedeu, o Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, que foi criado em 7 de agosto de 1843. por 17 Francisco Acaiaba de Montesuma, o Visconde de Jequitinhonha, contribuíra para as diversas etapas da lutacontra a escravidão, desde a lei chamada Euzébio de Queiroz, de 1850, que reprimiu o tráfico, até a Lei Áurea, de 1888. E desde a sua criação na forma atual, como Ordem dos Advogados do Brasil, em 18 de novem bro de 1930, a OAB esteve à frente dos principais momentos da história do País, sempre na defesa das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana. Foi assim no Estado Novo e durante o período militar. Foi assim cada vez que o poder perdeu legitimidade, ao afastar-se dos seus compromissos com a Nação. Nos momentos em que a força do Estado deixava de servir à cidadania, de onde emana, e passava a ameaçá-la em seus di reitos, fez-se evidente a necessidade de estruturas da sociedade civil que pudessem dar proteção a indivíduos e grupos sociais em perigo. Essas estruturas, felizmente, apareceram, mesmo nos piores momentos da nossa História recente, ao contrário do que se ve rificou em outras experiências autoritárias e totalitárias. Essa capacidade de resistência das instituições da sociedade civil explica por que a reconstrução democrática foi mais fluída entre nós do que em outras paragens. Além do Congresso, que, com as restrições conhecidas, permaneceu em funcionamento durante o regime militar, foram instituições essenciais naquele momento, pelo lado da sociedade civil, a imprensa, a Igreja, o movimento sindical e a OAB. A Ordem fez do direito a sua arma no questionamento constante do arbítrio e na luta pelos direitos dos cidadãos. A Constituição de 1988 reconheceu esse papel crucial da OAB. em seu artigo 103, inciso VII, ao incluí-la como uma das poucas instâncias da sociedade civil que pode propor a ação direta de inconstitucionalidade. O relator da Constituinte, senador Bernardo Cabral, ex-presidente da Ordem, participou ativamente dessa decisão. Como Senador e adjunto da relatoria da Constituinte, eu também empenhei-me nessa direção. 18 A Ordem dos Advogados é protagonista da reconstrução da democracia e do Estado de Direito em nosso País. De agora em diante, terá um papel primordial na construção de um Brasil eco nomicamente mais próspero e, como já foi dito pelo seu novo presidente, um Brasil socialmente mais justo, o que é aspiração de todos nós. Será particularmente ativa com respeito aos direitos humanos, que constituem um valor essencial para a sociedade brasileira. A nova diretoria da OAB tem um mandato que vai de agora até 2001, Acompanhará, portanto, o Brasil na entrada do Terceiro Milênio. Na era da globalização, o papel do advogado e do Direito será ainda mais central, abrangente e instigante. No caso brasileiro, caberá aos advogados enfrentar os múltiplos desafios resultantes da crescente inserção internacional do País e das novas formas de supervisão do Estado - através das agências re guladoras -, enfim, todos os desafios que estamos vivendo e que nos obrigam a prepararmo-nos para que, nesta nova etapa do mundo e do Brasil, possamos continuar fiéis servidores dos princípios fundamentais do Direito e do respeito ao homem e, portanto, aos seus direitos. Nessa nova fase, transformam-se as relações entre o inter no e o externo, o público e o privado, o governamental e o não- governamental. Caberá aos advogados estar preparados para lidar com essa mudança acelerada. Como já mencionado, há pouco, pelo Dr. Reginaldo Oscar de Castro, um ilustre sociólogo, essas modificações imensas que nos desafiam, implicam, na ver dade, uma espécie de revolução "copernicana" na nossa per cepção da realidade, Não se pode mais imaginar, como no pas sado, que seja possível simplesmente olhar para o Estado, por um lado. e para a sociedade, pelo outro, como se não houvesse algu ma interação possível, como se não houvesse um espaço públi co não-estatal, no qual se manifestam formas de organização que não pertencem propriamente à ordem do Estado, mas que envolvem decisões que têm alcance público. Por outro lado. estas são formas de organização que não estão puramente no plano da 19 sociedade civil e que. portanto, nào se organizam apenas em ter mos dos interesses específicos de um ou de outro grupo - inde pendentemente da legitimidade ou caráter corporativo desses interesses mas refletem a criação de formas de sociabilidade, para as quais se fazem necessárias, também, outras formas de instituição, inclusive jurídicas, que possam regulamentar essa nova maneira pela qual, no mundo contemporâneo, se dão as relações entre o poder e a cidadania, entre o mercado e o Estado, entre o mercado e a sociedade, e assim por diante. Toda essa construção dependerá, crescentemente, à medi da em que sejamos, como somos, cultores do Estado de Direito, de uma participação crescente dos advogados, dos tribunais, da ordem jurídica, que têm um caminho imenso a percorrer na refor mulação de toda essa vida nova que está surgindo no nosso País. Paralelamente, o espaço conquistado pelas diversas organi zações da sociedade civil, na promoção dos direitos humanos e da justiça social, permitirá aos advogados e ã sua entidade re presentativa renovar seus compromissos de advogar pela sociedade e pelos mais fracos. Como disse o novo presidente desta Casa, em obra recente, após a vitoriosa campanha pela redemocratização, instituições da vanguarda da sociedade civil como a OAB, viveram uma certa perplexidade. Cito-o; "As ban deiras institucionais - liberdade de expressão, direitos civis e políticos, redemocratização do país - já foram conquistadas. A questão hoje nào é mais de natureza institucional. É de ordem prática. Os direitos conquistados e formalmente reconhecidos precisam ser exercitados". É o que ele chama, com propriedade, de "varejo” da cidadania. Esta é uma área em que o Governo e a sociedade civil têm atuado juntos - e devem fazê-lo cada vez mais -, através de parce rias, com vistas a chegar ao pequeno, a transformar a letra da lei em direito efetivamente exercido. É uma parceria dessa natureza, que não pretende omitir as diferenças naturais em qualquer diá logo genuíno, que ofereço à Ordem dos Advogados do Brasil. Quanto mais se fragmenta e se descentraliza o poder do 20 Estado, devolvido à sociedade civil, às suas entidades e aos cidadãos, maiores são as responsabilidades dos advogados e maior, também, é a carga para o Poder Judiciário. Este é um pro blema crucial que devemos enfrentar juntos. Uma justiça lenta ou de difícil acesso é muitas vezes percebida pela sociedade - e com razão - como injusta. Por isso, é necessário buscar os meios para desafogar o Judiciário. É de amplo conhecimento a sobrecarga de trabalho a que está submetido o Poder Judiciário. Tal sobrecarga tem importado em prejuízos à celeridade e à efetividade da prestação jurisdicional, verificando-se uma crônica incapacidade material das corres superiores de enfrentar a verdadeira "enxur rada" de recursos que lhes são submetidos à apreciação. Nos Estados Unidos - e repito aqui o que ouvi dos mestres do Supremo Tribunal Federal - chegam à Suprema Corte cerca de 4 mil processos, dos quais apenas 5% sào julgados. Na Alemanha, onde 7 mil dão entrada, para serem apreciados apenas 2%. Não obstante, nesses dois países fala-se em crises dessas cortes, diante do elevado número de recursos. Comparando com o que ocorre entre nós, basta dizer que no Supremo Tribunal Federal, no ano passado, houve o enxugamento de mais de 40 mil processos, restando outros 96 mil para apreciação, o que só é compreensí vel se lembrarmos que mais de 80% dos julgamentos sào estrita mente uma repetiçào de julgamentos anteriores. Não é diferente a situação do Tribunal Superior de Justiça, onde. dos 3-711 processos julgados em 1989, quando da sua instalação, chegou ao ano de 1997. até o mês de novembro, ã cifra recorde de 94.140 processos julgados, alcançando quase 100 mil em dezembro. Oano de 1998 já começa com um estoque dc 40 mil processos. É necessário, portanto, alcançar um novo cenário, onde as cortes superiores possam, efetivamente, desem penhar sua função precípua de conformadoras do ordenamento jurídico, à luz da Constituição, dando-se realce aos seus pronun ciamentos e evitando-se a proliferação de meios de recursos que apenas perenizam as demandas e consomem inutilmente os esforços da magistratura nacional. Atento a esta realidade, o Governo tem promovido 21 inúmeras medidas, com o objetivo de evitar o ajuizamento, a reprodução de causas e a interposição de recursos que pro movam uma inútil e injusta sobrecarga ao Judiciário. Refiro-me à ação que eu posso ter, como Presidente, para evitar que conti nue a verificar-se essa pletora de causas originadas dentro do Executivo e que já se sabe, de antemão, que serão recusadas, porque já foram objeto de decisões. Temos feito o esforço e eu próprio já adotei mais de uma medida com o objetivo de reduzir esta carga. Nào se pode, portanto, ignorar que há um esforço nessa direção. A nova orientação, além de atender a aspectos práticos e a critérios de economicidade, traduz uma significativa evolução no relacionamento entre os poderes constituídos da República e desses com a cidadania. Fico satisfeito de ouvir que a OAB, como afirmou há pouco seu novo presidente, pretende trabalhar ainda mais estreitamente com o Congresso Nacional. Espero que o faça também com o Executivo. Nào no sentido de que possamos impor uns aos ou tros uma ordem institucional ou um ponto de vista, mas no sen tido de verificar quais são as convergências para os objetivos comuns que impliquem em uma maior economicidade, pratici- dade e eficácia das instituições da justiça. Nào quero, neste momento, entrar em discussões mais difí ceis. Como sabem os senhores, existem no Congresso Nacional discussões sobre a atribuição de efeito vinculante às súmulas do Supremo Tribunal Federal. Sei de opiniões divergentes, respeitáveis. Não sào matérias de fácil solução, nem se poderia imaginar que uma matéria dessa natureza pudesse ser objeto de pressão de algumas das partes, porque nào seria cabível. Nào quero deixar de comentar a alusão que aqui foi feita às medidas provisórias. Sabem os senhores que o Senado Federal já aprovou uma nova regulamentação dessas medidas. Na con vocação extraordinária do Congresso, incluí essa matéria no texto relativo à Câmara dos Deputados. O que temos aqui, portanto, uma vez mais, é um processo de convergência. É necessário que se chegue a alguma definição por parte do Congresso, porque. 22 enquanto isso não ocorrer, o Executivo estará obviamente cingi- do àquilo que estipulado na Constituição e estará cumprindo as suas funções da mellior maneira possível, tratando de reduzir o quanto possível o número de medidas provisórias. Quero reiterar que o Congresso Nacional está discutindo essa matéria e que ela nào encontra objeçào por parte do Poder Executivo. Ao contrário, achamos que também nisso é preciso chegar a uma convergência. Vê-se, por todas essas considerações, que existe uma pre ocupação comum, nessa nova etapa de democracia em que vive mos, no sentido de avançar da forma mais célere possível na redefinição da ordem jurídica e dos modos pelos quais os vários níveis de poder devem convergir para que se concretize o que a Constituição estabelece: que os poderes sejam independentes, mas harmônicos, e que dessa independência resulte um diálogo permanente e nào uma imposição de qualquer um deles sobre os outros. Antes de concluir, desejo reiterar que a minha visita hoje ã OAB é mais do que um ato protocolar. É a confirmação do meu respeito pela instituição, pela diretoria que encerra seu mandato, tendo à frente o presidente Ernando Uchoa Lima, e pela nova diretoria, representada pelo presidente Reginaldo Oscar de Castro. É a reafirmação da importância de um diálogo direto entre o Presidente da República e a entidade que reúne cerca de 400 mil advogados brasileiros, e de que esse diálogo se faça em benefício do Brasil. Acredito, como já escreveu o novo presidente da OAB, que o verdadeiro ambiente democrático é aquele em que o diálogo, desde que elevado, não tem limites, devendo prevalecer sempre a opinião dos que convencem, daqueles que, pela excelência dos argumentos, conseguem convencer os seus contrários. Acredito, como já dizia Immanuel Kant - assim como outros filósofos con- tratualistas -. que a toda sociedade subjaz um contrato social, não como falo histórico, mas como idéia da razão, cuja realidade con siste em obrigar cada legislador a fazer leis como se estas pre 23 cisassem derivar da vontade comum de todo o povo e em con siderar cada indivíduo, uma vez que quer ser cidadão, como se tivesse dado o seu consenso a uma tal vontade. Cabe a esta Casa, em nome da sociedade civil, velar para que assim seja. Muito obrigado. 24
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