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Ensino jurídico, literatura e ética

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Prévia do material em texto

Ensino Juríd ico, L i teratura e Ética
Paulo Roberto de Gouvêa Medina
EDITORA
Roberto Antonio Busato
P re s id e n te da O A B e P res idente H ono rá r io da O A B ED IT O R A
Sergio Ferraz
P re s id e n te E xecu tivo ad lioc da O A B E D IT O R A
Francisco José Pereira
E d ito r
Rodrigo Dias Pereira
Capa e P ro je to G ráfico
Dacio Luiz Osti
R ev isão
Aiine IWachado Costa Timm
Secre tár ia Execu tiva
C on se ti io E d ito ria l 
Sergio Ferraz (P res iden te )
Jefferson Luis Kravchychyn 
Aiberto de Paula Machado 
Ana Maria Morais 
Cesar Luiz Pasoid 
Hermann Assis Baeta 
Oscar Otávio Coimbra Argoiio 
Paulo Bonavides 
Rubens Approbato Machado
M 491e M edina, P aulo Roberto de G ouvéa 
E nsino juríd ico, l ite ra tura e é tica / 
Paulo R oberto de G ouvéa M edina. - 
B rasília ; O A B Editora, 2006.
184 p,
1. D ire ito 2. Ensino Ju ríd ico I. Títu lo
ISBN - 85 -87260-69-3
EDITORA
SAS Quadra 05 ■ Lote 01 - Bloco M 
Edifício Sede do Conselho Federal da OAB 
Brasília, OF - CEP 70070-050 
Tel. (61)3316-9600 
www.oab.org.br 
e-mail: oabeditora@oab.org.br
Aos Presidentes do Conselho Federal da ORDEM DOS A D ­
VOGADOS DO BRASIL, que m e d istingu iram com a sua con­
fiança, designando-m e para integrar a Com issão de Ensino Ju­
rídico daquele órgão e - os dois últim os - para presidi-la;
JOSÉ ROBERTO BATOCHIO,
REGINALDO OSCAR DE CASTRO,
RUBENS APPROBATO M ACHADO,
ROBERTO AN TÔ N IO BUSATO.
SUMARIO
À guisa de apresentação ............................................................................... 9
O ensino juríd ico na literatura: testemunhos e c r í t ic a s .......................15
Formação e destino do bacharel em direito, à luz da lite ra tu ra 26
Do bacharelismo à bacharelice: reflexos desses fenômenos
nos cursos jurídicos, ao longo do te m p o .................................................39
A aula no curso de direito: pedagogia e m em oria lís tica ..................... 60
Bernardo Pereira de Vasconcelos e os cursos ju r íd ic o s .................... 68
Rui Barbosa e o ensino ju r íd ic o ................................................................ 75
Dois legados da reforma Francisco C a m p o s ........................................ 84
A contribuição da faculdade de direito da UFJF para a advocacia ....92
O ensino juríd ico na perspectiva do a d v o g a d o ...................................105
Formação juríd ica e inserção pro fiss iona l.............................................117
Advocacia crim inal e advocacia crim inosa ........................................... 126
A proliferação dos cursos de direito e suas conseqüências para 
a cidadania, a ética e a atuação jurídica do e s ta d o .......................... 139
Ensino juríd ico e formação é t ic a .............................................................155
Formação ética do professor de d ire ito ................................................. 168
ENSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ÉTICA ■ 9
À GUISA DE APRESENTAÇÃO
Os textos que com põem o presente volum e situam -se em 
três vertentes: a do ensino jurídico, a da literatura e a da ética. 
A segunda converge, na verdade, para a anterior, am pliando o 
espaço destinado à abordagem de seus temas específicos. Não 
se cuida, assim, da literatura isoladam ente, m as da literatura 
naquilo em que revela aspectos interessantes do ensino juríd i­
co. A terceira vertente tam bém envolve, na sua m aior parte, 
p roblem as de ensino jurídico, na m ed ida em que trata da ética 
aplicada ao magistério do direito, apresentando, adem ais, um 
estudo de ética profissional, que é o do trabalho Advocacia Cri­
minal e Advocacia Criminosa.
Os textos que versam sobre Ensino Jurídico e L iteratura su r­
g iram naturalm ente , a partir da publicação do prim eiro - O 
Ensino Jurídico na Literatura: Testemunhos e Críticas. Destinou- 
se este ao quin to volum e da série O AB Ensino Jurídico, editado 
pelo Conselho Federal da O rdem dos A dvogados do Brasil, no 
ano 2000'. A lguns colegas que o leram expressaram de forma 
generosa suas im pressões sobre o trabalho, sugerindo-m e que 
desse seqüência à abordagem do ensino jurídico à luz da lite-
’ OAB Ensino Jurídico ■ Balanço de uma Expenência. Edição do Conselho Federal da Ordem dos 
Advogados do Brasil, Brasília, 2000, págs. 163/171.
10 m P AU LO R O B ER TO DE G O U V É A MEDINA
ratura, ali iniciada. Já havendo, então, extraído notas de leituras 
sobre o tema, que, som adas a lembranças de outras tantas incur­
sões pelo cam po da memorialística, da ficção, da sociologia e da 
história, poderiam fornecer-me farto material para esse fim, a d ­
miti, comigo mesm o, lançar-me, um dia, a tal em preitada. Os 
encargos profissionais e outros planos imediatos conspiraram, 
porém , contra a realização do projeto. Até que, algum tempo 
depois, fui convidado pelo Centro de Ensino Superior do Pará- 
CESUPA a proferir palestra sobre tema correlato, para profes­
sores e alunos do curso de direito daquela instituição, cujos 
m étodos de ensino já haviam incluído a literatura entre as for­
mas de motivação dos estudos jurídicos, com o escopo de, as­
sim, conferir ao curso o desejável enfoque humanístico.
Em 24 de m aio de 2004, proferi, pois, em Belém, palestra 
sobre o tem a Formação e destino do Bacharel em Direito, à luz da 
literatura, que m e deu ensejo de redigir o texto co rresponden ­
te. Com o quase sem pre sucede em m inhas palestras, a reda ­
ção veio depois da exposição oral, de m odo que o texto respec­
tivo não rep roduz , exatam ente, o teor daquela, mas, apenas, 
lhe segue as linhas estruturais.
N ão havendo esgotado, ali, m inhas elucubrações em torno 
do assunto, retom ei o tema, no am plo contexto histórico do 
bacharelism o, quando fui cham ado a partic ipar da Sem ana Ju­
rídica em hom enagem ao saudoso Professor A riosvaldo de 
Cam pos Pires, p rom ovida pela Escola Superior de Advocacia 
da Seccional de M inas Gerais da O rdem dos A dvogados do 
Brasil. Surgiu, assim, o estudo Do bacharelismo à bacharelice: 
reflexos desses fenômenos nos cursos jurídicos, ao longo do tempo, 
focalizado, prim eiram ente, na palestra proferida em Belo H o­
rizonte, a 22 de junho de 2004 e depois traduz ido em texto, 
como no caso anterior.
E N S IN O j u r í d i c o L ITERATUR A E ETICA ■ 11
Os quatro ensaios seguintes v ieram na esteira dos anterio ­
res, já destinados, porém , especificamente, ao presente vo lu ­
me. A aula no Curso de Direito: pedagogia e memorialística, como 
o subtítu lo revela, é fruto da leitura das m em órias deixadas 
p o r alguns conhecidos professores de direito. Os trabalhos 
subseqüentes têm natureza diferente dos que lhes antecedem; 
não enfocam, propriam ente , a literatura, m as, sim, a contribui­
ção de destacados protagonistas do ensino do Direito, no país, 
para a sua criação e o seu aperfeiçoamento. O escopo desses 
três trabalhos não é o de fazer história ou o de esboçar biogra­
fias, m as, sim, o de extrair da trajetória de a lguns vultos em i­
nentes aspectos relevantes da criação dos cursos jurídicos no 
Brasil e da sua adequação aos novos tempos. Neles sobressa­
em, assim, as figuras de Bernardo Pereira de Vasconcelos, Rui 
Barbosa e Francisco Cam pos. Em Bernardo Pereira de Vasconce­
los e os cursos jurídicos, faz-se um a análise de discurso proferi­
do pelo D eputado m ineiro na C âm ara do Império, destacan ­
do-se u m ponto de correlação entre o seu pensam ento e as d i­
retrizes seguidas, hoje, pela Comissão de Ensino Jurídico do 
Conselho Federal da OAB. R ui Barbosa e o ensino jurídico cons­
titui estudo de sentido mais biográfico, em bora de g rande a tu ­
alidade, um a vez que algum as das preocupaçõesdo patrono 
dos advogados brasileiros, como as que tinham em vista um 
ensino jurídico do tado de m aior sentido prático, só recente­
m ente se to rnaram vitoriosas, entre nós. Dois legados da Refor­
ma Francisco Cawpos é o terceiro estudo dessa série, tendo sido 
elaborado na perspectiva de quem usa u m argum ento de a u ­
toridade, ao invocar o im portante trabalho do jurista e hom em 
público m ineiro para sugerir um retorno a duas de suas inicia­
tivas, a prim eira no que tange à concepção da Livre-Docência 
e a segunda no que concerne à m atéria In trodução à Ciência
1 2 * PAULO R O B ER TO DE G O U V ÉA MEDINA
do Direito, cuja preservação, em face das atuais d iretrizes cu r­
riculares, se defende.
Dois outros trabalhos que tam bém aqui se inserem já hav i­
am sido, antes, publicados, mas, um a vez que os tem as de que 
tratam , focalizando aspectos peculiares do ensino jurídico, in ­
tegram -se harm oniosam ente no conjunto do livro, achei que 
deveriam ser trazidos para o bojo deste. O Ensino Jurídico na 
Perspectiva do Advogado é o título da palestra que proferi, a 27 
de outubro de 2000, em Florianópolis, no V Seminário de Ensi­
no Jurídico p rom ovido pelo Conselho Federal da O rdem dos 
A dvogados do Brasil, po r iniciativa de sua Com issão de Ensi­
no Jurídico^. Formação Jurídica e Inserção Profissional foi escrito 
para o volum e editado pela Escola N acional de Advocacia, do 
Conselho Federal da OAB, sob o título Política de Educação Con­
tinuada para a Advocacia^
A esses textos se agrega outro em que o ensino do direito é 
focalizado a p a rtir da experiência de um a faculdade do interi­
or do país que já firm ou posição no cenário nacional. E a p a ­
lestra que proferi, a 8 de junho de 2004, em evento com em ora­
tivo dos setenta anos da Faculdade de Direito da U niversida­
de Federal de Juiz de Fora - A contribuição da Faciddade de Direi­
to da UFJF para a advocacia. A im portância desse texto está na 
circunstância de que ele procura m ostrar com o um a institu i­
ção orig inariam ente particular (mas, sem fins lucrativos), cria­
da e m antida po r um grupo de profissionais do Direito, em 
cidade conhecida pelo seu pioneirism o, pôde, superando to ­
das as dificuldades iniciais, consolidar-se e progredir , ao lon-
 ^0 Ensino Jurídico na Perspectiva do Advogado, In Revisia da Ordem dos Advogados do Brasil. 
Conselho Federal, n- 74, janeiro/junho 2002, pág. 91,
 ^Política de Educação Continuada para a Advocacia. Brasilia, 2003, pág. 95.
ENSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ÉTiCA # 1 3
go dos seus setenta anos de funcionam ento in in terrup to , con­
qu istando especial destaque nas avaliações oficiais a que seus 
alunos têm sido subm etidos.
Os trabalhos derradeiros compõem o espaço reservado, neste 
volum e, aos tem as de ética, seja a ética no ensino jurídico, seja 
a ética profissional do advogado. Todos eles já haviam sido, 
antes, publicados, quase sem pre em volum es distintos. En­
contrando-se, assim, dispersos e v inculando-se ao tem a cen­
tral deste livro, achei oportuno reuni-los, aqui, à sem elhança 
do que fizera com dois outros já referidos. Advocacia Criminal e 
Advocacia Criminosa foi escrito para o 2" vo lum e de Ética na 
Advocacia, da série editada pelo Conselho Federal da O rdem 
dos A dvogados do Brasil, po r iniciativa de sua Segunda Câ­
mara^ . A proliferação dos Cursos de Direito e suas conseqüências 
para a cidadania, a ética e a atuação jurídica do Estado corresponde 
à tese que m e coube expor na XVIII Conferência N acional dos 
A dvogados, realizada em Salvador, de 11 a 15 de novem bro 
de 2002^. Ensino Jurídico e Formação Ética abre o volum e Ética 
na Advocacia, já referido^. Formação Ética do Professor de Direito 
é o texto da conferência que proferi no XVI Encontro Brasileiro 
de Faculdades de Direito, realizado em M ogi das Cruzes-SP, 
em ou tub ro de 1988, sob os auspícios do Colégio Brasileiro de 
Faculdades de Direito e que foi depois pub licada na Revista 
TABULAE, da Faculdade de Direito da U niversidade Federal 
de Juiz de Fora^.
Com o, desde logo, se pode perceber, é o laço da formação
•' Ética na Advocacia. 2- vol. Brasília: Editora OAB, 2004, pág. 339, 
Anais. vol. II. Brasilia, 2003, pág, 1441.
 ^Ob. cit,, pág. 9.
' TABULAE, n® 19, maio-1989, pág. 273,
1 4 " P AULO R O B ER TO DE G O U V ÉA MEDINA
jurídica que enfeixa, neste volum e, os quatorze trabalhos apre ­
sentados, dando-lhes un idade e estabelecendo entre eles n a tu ­
ral correlação.
Em se tra tando de páginas escritas em épocas distintas e, às 
vezes, distantes um a da outra , notar-se-á que reclam am atuali­
zação, na leitura, dados estatísticos ou instrum entos norm ati­
vos referidos nos respectivos textos. Assim, há que se ter em 
vista que as diretrizes curriculares para o curso de Direito a tu ­
alm ente em vigor em anam da Resolução n" 09, de 29 de setem ­
bro de 2004, do Conselho Nacional de Educação. Os cursos de 
Direito au torizados a funcionar, no país, g iram , hoje, em torno 
de 800, segundo os elementos fornecidos pelo Institu to N acio ­
nal de Estudos e Pesquisas Educacionais-INEP. Em núm eros 
absolutos, que abrangem cursos oferecidos p o r instituições de 
educação superio r às vezes em mais de um turno, som am , no 
instante em que redigim os esta nota, 887.
PAULO ROBERTO DE GOUVÊA M E D IN A
N ovem bro de 2005.
E NS IN O j u r í d i c o . L ITERATUR A E ÈJ IC A » 1 5
O ENSINO j u r íd ic o NA 
LITERATURA: TESTEMUNHOS 
E CRÍTICAS
A l i t e r a tu r a é a p r ó p r ia h is tó r ia de cada c o le t iv id a d e ; r e f le t e m -s e nela , 
c o m o n u m e s p e lh o p o l ido , as i m a g e n s t r i s t e s o u r i s o n h a s da a lm a h u ­
m a n a . É ela q u e a n u n c i a a s g r a n d e s re v o lu ç õ e s p o l í t i c a s e re l ig iosas , 
c o m o n o caso d e L u t e r o f d o s e n c ic lo p e d is ta s d o s é c u lo X V I Í I , o u q u e 
r e g is t ra os t r i u n f o s d e u m a raça q u e d e c l in a , c o m o n o caso d o s L u s ía d a s . 
( R o n a l d de C a r v a lh o , " P e q u e n a H i s tó r ia da L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a " , 10. 
ed . , F. B r i g u i e t & Cia. E d i to r e s , R io d e Jane iro , 1 9 5 5 , p. 4 3 .)
As palavras que tom o como epígrafe deste texto servem- 
lhe, ao m esm o tem po, de m otivação e justificativa. De um lado, 
sugerem a análise de depoim entos deixados po r m em orialistas 
e inform ações registradas por biógrafos, assim com o a leitura 
de sátiras colhidas em páginas de ficção, com o fito de m ostrar 
com o era visto o curso jurídico pelos seus au tores e persona­
gens, na época em que estudaram ou no tem po em que se situ ­
am. De outra parte, indicam a conveniência de traçar um a li­
nha evolutiva dos m étodos e critérios que têm orien tado o en­
sino do direito, ao longo de diferentes épocas, a pa rtir desses 
registros e comentários.
1 6 * PAULO RO BER TO OE G O U V ÉA MEDINA
N ão se trata, propriam ente , de fazer história. A história dos 
cursos jurídicos no Brasil já foi escrita, com proficiência, por 
Alberto Venâncio Filho, em "Das Arcadas ao Bacharelismo"® e por 
Aurélio Wander Bastos, em "O Ensino Jurídico no Brasil"^. Nosso 
propósito é, apenas, o de anotar algum as impressões relevantes 
sobre a formação do bacharel em direito, no nosso país e em 
Portugal, mais precisamente, quanto a este, em Coimbra - m a ­
triz onde se p lasm ou o perfil dos prim eiros juristas brasileiros - 
e refletir sobre o sentido caricatural que se lhe em prestou na 
figura de um ou outro personagem da literatura.
É in te ressan te observar com o a m ono ton ia das au las, o 
alheamento dos professoresaos m étodos didáticos, a inexistên­
cia de um a visão crítica do direito, contribuíram para afastar da 
seara jurídica talentos de escol ou levaram outros a valer-se, para 
o seu aprendizado, dos recursos do autodidatismo.
N o prim eiro caso se enquadra, po r exemplo, Eç.a de Queirós, 
que optou pela carreira de Cônsul e pela a tiv idade literária, 
depois de um a ráp ida e desalen tadora experiência na advoca­
cia. Segundo o testem unho de Teófilo Braga, foi o m aior rom an ­
cista português, em Coimbra, um "cábula", isto é, u m estu ­
dan te pouco assíduo às aulas e desinteressado das lições. A 
isso, em com pensação, deveu-se o que o seu patrício ilustre 
qualifica de a "saúde cerebral" do escritor, ou seja, a capacida­
de desde logo dem onstrada para reagir "contra a violência de 
velhos m étodos do tem po do hum anism o jesuítico, contra as 
doutrinas de um a ciência atrasada, onde a superstição do tex­
to histórico nunca foi vivificada po r um raio de luz crítica ou
® "Das Arcadas ao Bachaíelismo". São Paulo: Perspectiva, co-edição com a Secrelaria de Cultura, 
Ciência e Tecnologia de São Paulo, 1977,
® "0 Ensino Jurídico no Brasil". Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.
ENSIN O JU RÍD ICO . L ITERATUR A E ÉTiCA ■ 1 7
filosófica, em que a au toridade do mestre se im põe pelo entono 
do pedan tism o doutora i e pelo terror do apontam ento na p au ­
ta escolar, que no fim do ano se traduz em reprovação". A con­
clusão de Teófilo Braga é cáustica, mas, antes de tudo, surpreen­
dente: "Neste terrível meio acadêmico uns sucum bem e adap ­
tam-se a tudo, outros reagem com pujança, como aconteceu a 
Antero de Qucntal e a josé Falcão, mas, em geral, adquire-se no 
meio desta perversão intelectual hábitos p rofundos de ironia, e 
fica-se com um a tendência para o sarcasmo, com um a hostilida­
de contra tudo o que é medíocre, vulgar e chato. E esse é o cará­
ter de Eça de Queirós, e um dos seus poderes de estilo"’" .
C o in c id e com o c o m e n tá r io de seu c o n te m p o râ n e o e 
confrade o depo im ento do p róprio Eça. Descrevendo, em carta 
ao colega Carlos M ayer, o seu quarto de estudante , explica as­
sim porque repelira a idéia de um com panheiro de república 
para que, à guisa de ornam entação, "forrasse o quarto com as 
folhas dos compêndios": "eu opus-m e asperam ente a isso, dan ­
do as m esm as dolorosas razões que daria u m preso, se lhe qui­
sessem forrar as paredes da enxovia com u m tecido feito dos 
seus próprios rem orsos"” .
O tom satírico, o estilo alegórico dessa troca de correspon­
dência com um condiscípulo, assum e o caráter de confissão 
refletida, em "Ultim as Páginas", neste trecho no qual Eça reve­
la sua opção, em dado m om ento da v ida acadêm ica, pela ex­
periência do teatro, d izendo que "depressa com preendendo 
que p o r aquele m étodo de decorar todas as noites, à luz do 
azeite, u m papel litografado que se cham a a sebenta, eu nunca 
chegaria a poder distinguir, juridicam ente, o justo do injusto.
ApuúCaúos Santarém Andrade. “A Coimbra de Eça de Queirós". Coimbra: Minerva, 1995, pág. 15. 
" Apud Carlos Santarém Andrade, ob. cit,, pág. 16.
1 8 ■ PAU LO R O BER TO DE G O U V É A MEDINA
decidi aproveitar os m eus anos moços para m e relacionar com 
o m undo"^^
O uso da apostila - a m alsinada "sebenta" em lugar dos 
livros, parecia ser com um em Coimbra, ao tem po de Eça de 
Queirós e ele, po r isso, o vergastou em página de fina ironia, 
concebida com o u m dos tópicos do 'T ro jeto de Reforma do 
Ensino", a tribuído ao C onde de A branhos - personagem que 
form a com o Conselheiro Acácio (de "O P rim o Basílio")/ o 
Pacheco (da "C orrespondênc ia de F rad ique M endes") e o 
G ouvarinho (de "Os M aias") o quarte to dos tipos medíocres, 
na obra queirosiana. Eis o saboroso trecho:
T êm a lg u n s esp ír itos , á v id o s d e in o va ção , a in d a q u e no fu n d o 
s in c e ra m e n te a fe iç o a d o s a o s p r in c íp io s co n s e n /a d o re s , s u s te n ­
ta d o q u e o s is te m a da s e b e n ta (com o , na s u a jo v ia l lin g u a ge m , 
lh e c h a m a a m o c id a d e e s tu d io sa ) é a n t iq u a d o . E u cons ide ro , 
p o ré m , a se b e n ta c o m o a m a is a d m irá v e l d isc ip l in a p a ra o s e s ­
p í r i to s m oços . O e s tu d a n te h a b itu a n d o -s e , d u ra n te c in c o anos .
 
a d e c o ra r to d a s a s no ites , p a la v ra p o r p a la v ra , p a rá g ra fo s q u e 
há q u a re n ta a n o s p e rm a n e c e m im u tá ve is , s e m o s c r it ica r, s e m 
o s co m e n ta r, - g a n h a o h á b ito s a lu ta r d e ace ita r, s e m d is c u s ­
são , e c o m o b e d iê n c ia , a s id é ia s p re c o n c e b id a s , o s p r in c íp io s 
a d o ta d o s , o s d o g m a s p ro va d o s , a s in s t itu iç õ e s re co n h e c id a s . 
P e rd e a fu n e s ta te n d ê n c ia - q u e ta n to m a l p ro d u z - d e q u e re r 
in d a g a r a ra zã o d a s co isas, e x a m in a r a ve rd a d e d o s fa to s ; p e r ­
d e e n f im o fu n es to h á b ito de e x e rc e r o l iv re -e x a m e - q u e não 
s e n /e s e n ã o p a ra i r fa z e r um p ro c e s s o c ie n tí f ic o a v e n e ra n d a s 
in s titu içõ es , q u e s ã o a b a s e da so c ie d a d e . O liv re -e x a m e é o 
p r in c ip io d a revo lução . A o rd e m o q u e é ? - A a c e ita ç ã o o b e d ie n ­
te d a s id é ia s a d o ta d a s . S e s e a c o s tu m a a m o c id a d e - a n ã o 
re c e b e r n e n h u m a idé ia d o s s e u s m es tre s , s e m v e r i f ic a r se é
'M pudC arlos Santarém Andrade, ob. cit., pág. 31
E NSIN O j u r í d i c o , L ITERATUR A E ÉTICA > 1 9
exa ta - c o rre m o s o p e r ig o d e o s ver, m a is ta rde , n ã o a c e ita r 
n e n h u m a in s t itu iç ã o d o s e u p a ís s e m v e r i f ic a r s e é ju s ta . Temos 
0 e s p ír i to da revo lução , - q u e te rm in a p e la s c a tá s tro fe s soc ia is . 
H oje . d e s tru íd o o re g im e ab so lu to , te m o s a c e rte z a q u e a C arta 
l ib e ra l é ju s ta , é sáb ia , é útil, é sã. Q u e n e c e s s id a d e há de a 
exam ina r, d iscu tir, verificar, crit ica r, c o m p a ra r, p ô r e m d ú v id a ?
O h á b ito de d e c o ra r a se b e n ta - p ro d u z m a is ta rd e o h á b ito de 
a c e i ta ra Carta . A s e b e n ta é a p e d ra a n g u la r da C a r ta ! O B a c h a ­
re l é 0 g é rm e n do C o n s titu c ion a P ^ .
D iscorrendo sobre a concepção que o C onde de A branhos 
tinha do regim e ideal de relacionam ento "entre o estudan te e 
o lente", Eça deixa extravasar, mais um a vez, as decepções acu­
m u la d a s no seu tem p o de e s tu d a n te , p o n d o n a boca do 
im pagável Zagalo - o secretário do Conde - esta observação re­
passada do mais vivo sarcasmo: "o hábito de depender absolu­
tam ente do lente, de se curvar servilmente diante da sua austera 
figura, de obter p o r em penhos que a sua severidade se abrande
- forma os espíritos no salutar respeito da autoridade"^^.
Eça traduzia , assim, a im pressão que lhe ficara dos próprios 
m estres, que eram , segundo um de seus biógrafos - o brasileiro 
Vianna Moog -, "Cavalheiros solenes e enfáticos, m onótonos e 
cansativos, a encher as horas de tédio, recitando o conteúdo 
das sebentas"^^
O autoritarism o e a tendência para a repetição de idéias te­
riam m arcado a vida acadêmica em Coim bra, ao tem po de Eça 
de Queirós.
Eça de Queirós. "0 Conde de Abranhos”, in ‘‘Obra Completa", t. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 
S,A„ 1997, págs. 956/957.
” Ob. cit., ibidem.
“Eça de Queiroze o Século XIX". 4. ed. Porto Alegre: Globo, 1945, pág. 25.
20 ■ PAULO RO BER TO DE G O U V ÉA MEDINA
N o Brasil, a herança coimbrã revelou-se a tenuada quanto 
ao prim eiro aspecto, m as o clima nas Faculdades de Direito, 
em seus prim órdios, não era mais propício ao debate e à pes­
quisa.
Por isso, dizia Joaquim Nabuco, em "U m Estadista do Im pé­
rio":
A p lê ia d e sa ída , n o s p r im e iro s anos . dos n o s s o s c u rs o s ju r íd i ­
c o s p o d e -s e d iz e r q u e n ã o a p re n d e u ne les , m a s p o r s i m esm a ,
0 q u e m a is ta rd e m o s tro u s a b e r (...) N e m Teixe ira de F re ita s 
n e m N a b u c o h a b il i ta ra m -s e e m O lin d a p a ra a p ro f is s ã o que 
e xe rce ra m . S ua b ib lio te ca d e e s tu d a n te p o u c o s e le m e n to s e n ­
c e r r a v a q u e lh e s p u d e s s e m s e r ú te is . N o s s o s a n t ig o s 
ju r is c o n s u lto s fo rm a ra m -s e na p rá t ica da m a g is tra tu ra , da a d ­
vocac ia e a lg u n s da fu n ção leg is la tiva .
Particularm ente em relação ao pai - o Senador N abuco de 
Araújo -, u m dos mais conceituados advogados de seu tem po, 
observa Joaquim Nabuco que "ele nunca fez estudos sistem áti­
cos ou gerais de direito, não esquadrinhou o direito com o ci­
ência; v iveu o direito, se se pode assim dizer, com o juiz, como 
advogado, como legislador, como ministro. Essa falta de estu ­
dos m etódicos na m ocidade - acrescenta Joaquim Nabuco - fá- 
lo-á até o fim tra tar o direito como um a série de questões p rá ­
ticas e não abstratas. As vistas científicas e evolutivas no ensi­
no do direito, a nova terminologia, não o acharam preparado 
na velhice para as receber"’^.
A situação descrita por Joaquim Nabuco relativam ente à épo-
“Um Estadista do Império’’, Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1975, volume único, pág. 51, Livro 
I, tópico “Estudante em Olinda".
ENSIN O j u r í d i c o , L ITERATUR A E ÉTICA ■
ca de seu pai na Faculdade (1831 a 1835), não se alterou ao 
longo de todo o Império.
Em obra do m esm o gênero, "U m Estadista da República" 
(''Afrânio de Melo Franco e seu Tem po"), vam os encontrar 
observações de igual teor, feitas por Afonso Arinos de Melo Franco 
sobre o curso jurídico de seu pai, realizado bem m ais tarde, 
entre 1887 e 1891. N ão tendo o Governo Im perial acolhido o 
projeto de reform a do ensino superior, de autoria de Rui Bar­
bosa, o ensino jurídico seguia o m esm o ram errão de outrora, 
com disciplinas como Direito N atural e Direito Eclesiástico, 
p rogram as e m étodos superados^^.
Talvez po r isso, as Faculdades de Direito fossem, àquela 
época, um estuário de vocações indefinidas, pa ra onde conflu- 
íam, em boa parte, jovens que não se sentiam atraídos nem 
para a m edicina nem para a engenharia ou não hav iam recebi­
do o cham ado interior para a v ida sacerdotal... Bem expressiva 
desse estado de espírito de m uitos moços de então é a passa ­
gem do "D om C asm urro" em que o Bentinho, já enam orado 
de C apitu , apegando-se a qualquer alternativa que o livrasse 
da idéia de m andá-lo para o seminário, tida com o promessa 
irrevogável po r sua mãe, diz, pateticam ente, ao José Dias: "Es­
tou p ron to para tudo; se ela quiser que eu estude leis, vou para 
S. Paulo..
Mas, no Recife - impõe-se ressalvar - já em 1882 o sol des ­
pon tava no horizonte cultural: era o advento de Tobias Barreto. 
Conform e o relato de Cruz Costa, ao seu redor, a partir daquele 
ano, "agrupavam -se os moços que desejavam ouvir um a lin-
"Um Estadista da República” . Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1976, volume único, pág. 172, 
ASSIS, Machado de. "Dom Casmurro” , in Obra Completa. Rio de Janeiro; Nova Aguilar S.A,, 
1985, vol. I, pág. 836, Capitulo XXV.
22 ■ P AU LO R O BER TO DE G O U V ÉA MEDINA
guagem diferente daquela que os velhos lentes da Academ ia 
de Direito do Recife entoavam . E Tobias Barreto soube dizer 
algo de novo aos jovens estudantes do Recife"’^ .
O festejado m estre sergipano que pontificou na capital de 
Pernam buco preconizava am pla m udança de m étodos no en ­
sino jurídico. Em célebre discurso de paraninfo, advertia pa ra 
o fato de que, "pelo sistema que nos rege, nós ... correm os o 
risco ... de tornarm o-nos um povo de advogados, um povo de 
chicanistas, de fazedores de petição, sem critério, sem ciência, 
sem ideal"^*^. E lembrava: "As Faculdades não são som ente es­
tabelecimentos de instrução, mais ainda e principalmente, como 
diz H enrique von Sybel, verdadeiros laboratórios, oficinas de 
ciência. É preciso tam bém pensar por nossa conta. Eis aí tudo"^ '.
N ove anos depois da época recordada, em 1891, a Faculda­
de de São Paulo veria, do m esm o m odo, o arrebol de u m novo 
tempo, com a ascensão à cátedra de Filosofia do Direito de outro 
m estre renovador: Pedro Lessa. É significativo o depoim ento 
de u m de seus m ais ilustre alunos, o fu turo M inistro do Supre ­
m o Carvalho Moiirão, sobre o m agistério desse m ineiro do Ser­
ro, que São Paulo revelou ao país e a nossa m ais alta Corte de 
Justiça consagraria, depois, como o "M arshall brasileiro":
P o d e -s e d iz e r q u e c o m e le p e n e tro u n o a d o rm e c id o re c in to da 
fa c u ld a d e p a u lis ta o e sp ír ito d o sécu lo , c o m to d a s a s s u a s â n s i­
a s de a s p ira ç õ e s h u m a n a s e a s su a s la rg a s v is õ e s do fu tu ro , 
p o is s ó e le in ic io u e c o m p le to u u m c u rs o a n im a d o , todo , p o r um 
s is te m a de id é ia s m o d e rn a s e p ro g re s s is ta s . . . T inha , en tão .
ApudErnârii Donato, "Grandes Discursos da História”. São Paulo: Cultrix, 1968, pág. 154, nota 
introdutória ao discurso de Tobias Barreto de Meneses, “Idéia do Direito".
In Ernàni Donato, ob. cit., pág. 161.
Idem, ibidem, pág. 162.
ENSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ÉTICA ■ 23
P e d ro Lessa , v in te e o ito a n o s e d e s d e logo , f ico u c o n s a g ra d o 
m e s tre e ju r is c o n s u lto , p o rq u e ju r ís c o n s u lto só o é quem , co m 
e sp ír ito de f ilóso fo , vê no D ire ito , n ã o u m c ó d ig o m is te r io s o de 
re g ra s h ie rá tica s , m a s um a fo rça p ro p u ls o ra da v ida p a ra os 
s e u s fins id e a i^ ^ .
Pedro Lessa, ao reunir em livro os estudos p roduz idos ao lon­
go dos dezesseis anos em que lecionou Filosofia do Direito (de 
1891 a 1907, ano em que se torna M inistro do Suprem o), fez, no 
prefácio, im portantes considerações sobre as conseqüências do 
nosso descaso, no ensino do direito, em relação aos princípios, 
às ve rdades gerais, às leis fundam entais, "que constituem o 
supedâneo do direito, que lhe explicam a razão de ser, reve­
lam o quid constante, perm anente, in v a riáv e l, que se nota em 
meio às transform ações das norm as jurídicas, e in fundem a 
convicção da necessidade absoluta da justiça". Por viverm os, 
então, segundo o autor, um a ''fase em brionária da nossa cu ltu ­
ra jurídico-filosófica", "não se deve estranhar que, com o con­
seqüências, logicam ente inevitáveis, tenham os um a profusão 
de leis, irrefletidam ente feitas ao sabor dos interesses indivi­
duais do m om ento, e sem o complexo estudo das necessidades 
sociais, em que deviam ter os seus únicos alicerces; um a juris­
p rudência notável pela instabilidade, e que já m ereceu de um 
dos m ais ilustres civilistas pátrios a censura candente, m as em 
parte justificada, de ser "o p rodu to do instinto cego, à mercê 
de influências acidentais e passageiras"; e a profissão do advo ­
gado, em geral, tão prostitu ída, que dificilmente se encontra­
rão fora dela m ais perniciosos inimigos dod ire i to " ^ . Assim
>4putf Alberto Venâncio Filho, ob. cit., pág. 229. Ver também, sobre “A presença de Pedro Lessa 
no ensino jurídico", Roberto Rosas, “Pedro Lessa, o Marshall Brasileiro”, Horizonte Editora Ltda., 
em convênio com o Instituto Nacional do Livro, Brasília, 1985, pág. 39 e segs.
"Estudos de Philosofiado Direito”. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916. págs. 9/ 
10. Nota: colocou-se na orlografia atual o trecho transcrito.
24 ■ PAULO R O B ER TO DE G O U V ÉA MEDINA
escrevia Pedro Lessa em dezem bro de 1911, para a prim eira ed i­
ção de seu livro!
As deficiências do ensino jurídico no Brasil decorreram sem ­
pre, fundam entalm ente, das m esm as causas: o verbalismo, res­
ponsável pelo estilo das aulas magistrais, não raro monologadas 
e tediosas; a exposição repetitiva do que os alunos poderiam 
encontrar, com m aior proveito, nos autores; a ausência de in­
centivo à pesquisa-"*; o sentido geralm ente acrítico com que os 
institutos jurídicos eram abordados^^ N os prim eiros tempos, 
a esses pontos negativos acrescentar-se-ia outra séria dificul­
dade: a escassa bibliografia nacionaP*^. Gilberto Amado, que es­
tu d o u no Recife, de 1905 a 1909, dá a d im ensão desse p roble ­
m a quando narra o que para ele representou, afinal, a desco­
berta de u m grande livro de au tor brasileiro: o "Direito das
Ressalve-se, porém, que, nos primeiros tempos, sobretudo na Faculdade de São Paulo, as 
dissertações exigidas dos estudantes preenchiam satisfatoriamente essa lacuna - como nota Afon­
so Arínos de Melo Franco, em “Rodrigues Alves • Apogeu e Declínio do Presidencialismo", vol. 1. 
Rio de Janeiro; Livraria José Olympic e Editora da Universidade de São Paulo, 1973, pág. 17.
É importante, a esse respeito, o testemunho de Miguel Reale sobre o ensino na Faculdade de 
Direito de São Paulo na década de trinta, que "não foi época de esplendor na história das Arcadas" 
(“l^emórias". vol. I. “Destinos Cruzados”. São Paulo: Saraiva, 1986, págs. 43 e segs.). No mesmo 
sentido, acerca do curso ministrado, quase á mesma época, na Faculdade Nacional de Direito, é o 
depoimento de Plínio Doyle, em suas memórias ("Uma Vida". Rio de Janeiro: Edição da Casa de 
Rui Barbosa, Casa da Palavra, 1998, págs. 30 e segs.). Narra este memorialista curioso episódio, 
com sabor anedótico: na disciplina Direito Romano, o ponto que o professor dava como “sorteado" 
para a prova escrita era sempre o mesmo e os alunos, sabendo disso, adrede o decoravam na 
ocasião do exame. 0 episódio é contado, do mesmo modo, por um contemporâneo de estudos 
daquele autor, o ilustre Ministro Evandro Lins e Silva, em "0 Salão dos Passos Perdidos”. Rio de 
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997, pág. 62.
É de Ponies de Miranda esta assertiva: “Não chegam a quinze os bons volumes brasileiros sobre 
direito civil, publicados antes do Código” ("Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro". 2. ed., 
1981, pág. 64, apud Pedro Dutra, “Literatura Jurídica no Império". Rio de Janeiro; Topbooks, 1992, 
pág. 28). A fonte de onde extraímos esta citação revela, é certo, respeitável produção doutrinária 
de juristas que se tornaram clássicos da nossa bibliografia, no Império. As obras que a compõem, 
porém, não são, em geral, de leitura agradável ou não apresentam feição didática adequada. Dai, 
naturalmente, a consideração de Gilberto Amado referida no texto.
E NSIN O j u r í d i c o , L ITERATUR A É ÉTICA ■ 25
Coisas", de Lafayette - "um a das mais perfeitas obras do ponto 
de vista literário do nosso idiom a no Brasil", que dispensava 
"o estudan te de procurar livro estrangeiro". "Só então - con­
fessa o em inente escritor, d iplom ata e internacionalista - vi que 
podia tornar-m e um jurista. Graças a ele é que fui procurar 
Teixeira de Freitas, isto é, galgar um H im alaia e ver a que a ltu ­
ras podia subir o Brasil"^^.
Diante das condições m uitas vezes precárias em que se de ­
senvolveu o ensino jurídico no Brasil, até a prim eira m etade 
deste século, fica no ar um a indagação natural: como, a despei­
to disso, o país p ro d u z iu tão respeitáveis juristas? Só dois fato­
res, a nosso ver, podem dar resposta a essa instigante p e rg u n ­
ta; a capacidade de au todidatism o e a sólida form ação h u m a ­
nistic a dos estudantes de então.
Hoje, se a lguns escolhos acham -se superados, m orm ente 
po rque se passou a da r m aior im portância aos m étodos d idáti­
cos e à formação dos professores, defrontamo-nos, todavia, com 
outros graves problemas, o maior de todos, po r certo, é o da 
massificação do ensino, resultante da proliferação indiscriminada
- e, não raro, dom inada pelo espírito mercantilista - das nossas 
Faculdades de Direito.
Mas, não há m elhor forma de corrigir os senões que ainda 
persistem e enfrentar as novas dificuldades que surgem do que 
a de refletir sobre as lições do passado. Historia magistra vitac - 
lem brava Cícero. E até os traços caricaturais de certos professo­
res e estudantes, que a realidade dos fatos e a literatura de fic­
ção nos revelam , servem para evitar que incidam os nos erros 
satirizados, caindo no ridículo ou deixando-nos dom inar pelo 
com odism o ... Ridendo castigat mores - ponderava Horácio.
"Minha Formação no Recife”. Rio de Janeiro: Livraria José Oíympio, 1958, págs. 185/186.
26 ■ P AU LO R O BER TO DE G O U V ÉA MEDINA
FORMAÇÃO E DESTINO 
DO BACHAREL EM DIREITO, 
À LUZ DA LITERATURA
Sumário: 1 Conhecendo o passado, para compreender o presente 
e preparar o futuro, 2 A aula magistral no curso de direito: registro 
de um biógrafo e testemunhos de alguns memorialistas. 3 O desti­
no dos bacharéis, uma vez formados, na perspectiva da obra de 
Machado de Assis. 4 Uma constante sintomática nos bacharéis de 
Machado de Assis: formação profissional precária.
1 Conhecendo o passado, para compreender o presente 
e preparar o futuro
A literatura, como a história, pode proporcionar-nos o co­
nhecim ento do passado - e isso não ocorre em vão. Q uando se 
procura fazer a retrospectiva de determ inadas instituições ou 
se busca saber com o certos m étodos eram , antes, aplicados, o 
escopo é o de aprim orá-los, nos dias v indouros ou, pelo m e­
nos, o de evitar que se incida novam ente nos m esm os erros.
E com este espírito que se devem reler, hoje, a lgum as pág i­
nas fundam entais sobre o ensino jurídico no país, a p a rtir de 
sua instalação, no século XIX. O registro feito po r biógrafos e o 
testem unho deixado po r memorialistas, a esse respeito, convi­
E NSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ÉTICA ■ 27
dam -nos a reflexões que só serão proveitosas se dom inadas 
pela intenção de reverter o quadro descrito, em vez de nele 
encontrar razões de conformismo. Por que as coisas, hoje, não 
vão bem , haverem os de consolar-nos com o fato de, ontem, 
terem sido piores? O u será esse um m otivo especial pa ra iden ­
tificar os pontos vulneráveis dc um antigo sistem a, a fim de 
que deles não fique senão a grave im pressão causada ou a lem ­
brança pitoresca que nos deixaram?
A hora é a de forjar u m futuro mais p rom issor pa ra o ensino 
do direito, no Brasil. Para tanto, é útil pe rqu irir com o foi ele, 
antes, praticado. E que reflexos há de ter acarretado no espíri­
to de quem , p ro d u z in d o obras de ficção, traçou o perfil do ba ­
charel em direito na figura de um ou de ou tro personagem , 
deixando transparecer, quiçá, no com portam ento deles como 
advogados, a idéia que fazia da formação jurídica, à sua época.
2 A aula magistral no curso de direito: registro de um 
biógrafo e testemunhos de alguns memorlalistas
A aula m agistral prevaleceu no ensino jurídico, em todo o 
país, desde o seu advento até, mais ou m enos, m eado do sécu­
lo passado. Só em anos recentes, com a nova política de form a­
çãode professores e o incentivo à freqüência de cursos de d i­
dática do ensino superior, aquele m étodo caiu de m oda. É cer­
to que a aula expositiva continua a ser um a praxe consagrada 
e dom inante , m as p e rd eu o caráter de m agistra lidade, isto é, 
deixou de confundir-se com a aula-conferência, pa ra abrir es­
paço ao debate em classe, na m ed ida em que os professores 
p assa ram a co m p reen d er a im portância do an tigo m étodo 
socrático e pô-lo em prática, despertando , assim , a participa­
ção dos estudantes. Já não há, hoje, via de regra, o distancia­
m ento entre docente e aluno, que era a tônica da aula magis-
28 ■ PAULO RO BER TO DE G O U V ÉA MEDINA
trai de outrora. O discente já não vai à aula apenas para ouvir 
o m estre, que seja capaz de m otivar-lhe o interesse ou para 
acom panhar a lição como quem assistisse a um a sessão de ci­
nema...
No tem po de Castro Alves (aluno de um a geração que m ar­
cou época, condiscípulo de Rui, N abuco, R odrigues Alves, 
Afonso Pena), o curso de direito resum ia-se às aulas-conferên- 
cia. E estas atra íam a atenção dos alunos nos reduzidos casos 
em que o professor era capaz de conjugar a eloqüência ao sa­
ber. Logo ao chegar a São Paulo, transferido do Recife, em 1868, 
o poeta, com um ente pouco interessado nos estudos jurídicos, 
m ostrou-se en tusiasm ado com as aulas de um grande mestre; 
José Bonifácio de A n d ra d a e Silva, conhec ido com o José 
Bonifácio, "o M o ço "^ . Por isso, diria, em carta a u m am igo da 
Bahia: Estou na Academia, ouvindo o grande josé Bonifâcio^''^ A 
linguagem é expressiva: o poeta não diz que tinha o tribuno 
com o professor ou que lhe assistia às aulas; inform a que o ou ­
via, como que preso à sua palavra de o rador consum ado.
Joaquim N abuco, em Minha Formação, leva-nos a com preen ­
der m elhor o entusiasm o de Castro Alves pelo Professor de 
Direito Civil. "Nesse tempo - relata o mem orialista - dom inava 
a Academ ia, com a sedução da sua palavra e de sua figura, o 
segundo José Bonifácio. Os líderes da Academ ia, Ferreira de
José Bonifácio, “o Moço", Proiessor de Direito Civil na Faculdade de Direito de São Paulo, Depu­
tado em mais de uma legislatura. Senador e Ministro no segundo Império, era filho de Martim 
Francisco Ribeiro de Andrada, que se casara com uma sobrinha, Gabhela Frederica Ribeiro de 
Andrada, tilha de seu irmão José Boniíácio, sendo, pois, o grande icone da geração de Castro 
Alves, a um tempo, sobrinho e neto do Patriarca da Independência (Cf. Ligia Maria Leite Pereira e 
Maria Auxiliadora de Faria: Presidente Antonio Carlos, um Andrada da república, o arquiteto da 
revolução áe 30- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, pág. 3).
PEIXOTO, Afránio. Castro Alves, o poeta e o poema. Rio de Janeiro ■ São Paulo - Porto Alegre: 
W, M. Jackson Inc. Editores, 1947, pág. 308. A carta era endereçada a Luís Cornéiio.
ENSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ETICA ■
Meneses, que, apesar de formado, continuava acadêmico e chefe 
literário da m ocidade. Castro Alves, o poeta republicano de 
Gonzaga, bebiam -lhe as palavras, absorviam -se nele em êxta­
se"^”. C uriosam ente, é essa a única referência de N abuco ao 
seu curso^ iniciado em São Paulo e concluído no Recife. Causa 
espécie que o g rande escritor (segundo A gripino C heco, um 
dos dois ou três maiores prosadores do país, se isso não é poiico^^ ), 
tendo ded icado um capítulo de suas m em órias ao pensador 
inglês que tanto influiu em sua formação jurídica e política, 
Bagehot'^% não vá além dessa alusão a José Bonifácio, ao falar 
de sua passagem pela Faculdade de Direito do Largo de São 
Francisco.
Passando de Joaquim N abuco ao seu filho m ais moço, José 
Thom az N abuco, que foi advogado de nom eada, no Rio de Ja­
neiro, no século XX, ao longo de quase setenta anos, colhe-se 
interessante depo im ento sobre a qualidade e a regularidade 
do curso p o r ele feito, na antiga Faculdade de Ciências Ju ríd i­
cas e Sociais do Rio de Janeiro, hoje Faculdade de Direito da 
UFRJ, de 1919 a 1923. Em obra póstum a - O Arresto do Windhnk
- Recordações dc uma luta judiciária -, o Dr. José N abuco refere-se 
de form a pouco lisonjeira ao seu curso de bacharelado, d izen ­
do que Naqueles tempos ninguém era reprovado na Escola de Direi­
to, sendo preciso pistolão, para ir ao pau. Referindo-se ao seu p ro ­
fessor de Direito Industrial, diz que esse só dava d u as ou três 
aulas p o r ano e que, na hora do exame escrito, abria um jornal, 
com entando: suponho que os senhores já estejam prevenidos. De­
pois, dava distinção a todos os alunos.
Minha (ormaçào- Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 1999, pág. 26.
GRIECO, Agripino. Poetas e prosadores do Brasil. Rio de Janeiro: Conquista, 1968, pág. 135.
Ob, cit., Capítulo 11.
0 arresto do Windhuk - recordações de uma luta Judiciária. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, pág. 30.
30 ■ PAULO R O BER TO DE G O U V ÉA MEDINA
O depoim ento de Plínio Doyle, conhecido bibliófilo e advo ­
gado com intensa m ilitância na advocacia, que e s tu d o u na 
m esm a Faculdade, pouco depois (1927/1931), não é diferente. 
R ecordando os seus professores, observa que somente três me­
recem ser destacados: Castro Rebelo (Direito Comercial e Falências); 
Porto Carrero (Medicina Legal)... e Haroldo Valadào (Direito Inter­
nacional Privado). Os demais - acrescenta - eram bastante fracos e 
as respectivas aulas apresentavam sérios defeitos^"^. As deficiências 
do curso eram supridas pelo au todidatism o dos estudantes, 
no tadam ente aqueles que se reuniam no fam oso CAJU (Cen­
tro Acadêmico de Estudos Jurídicos): San Tiago Dantas, Aroldo 
Azevedo, Américo Lacombe, A ntonio Galotti, O távio de Fa­
ria, C h erm o n t de M iranda, Thièrs M artins M oreira , Hélio 
Viana, Gilson A m ado e o p róprio Plínio Doyle, entre outros^^.
O utro bibliófilo, que advogou du ran te a lgum tem po e to ­
m ou-se depois em presário de sucesso, José M indlin, tendo re ­
a lizado seu curso nos anos seguintes ao do colega e confrade 
carioca (1932/1936), freqüentando a tradicional Faculdade do 
Largo de São Francisco, em São Paulo, dá pouca im portância 
ao que ali aprendeu . Segundo ele, o aprendizado jurídico não foi 
0 fa tor predominante, pois ele se fe z mais através de leitura, e do está­
gio de advocacia, do que de freqüência às aulas. Isso porque, naquela 
época, raros eram os professores que prendiam a atenção dos alunos.
 
A maior parte lia suas preleções - provavelmente as mesmas durante 
anos seguidos - sem nenhum contato ou diálogo com os estudantes, o 
que não estimulava a presença.
Goffredo Telles Júnior, professor da m esm a Faculdade, que
Urna v/da. Rio de Janeiro: Casa da Palavra; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1999, pág. 30.
DOYLE, Plínio, ob. cit., pág. 32.
Uma Vida entre livros • reencontros com o tempo. São Paulo: Edusp/Companhia das Letras, 
1977, págs. 68/69.
E N S IN O JU R ÍD IC O , L ITERATUR A E ETICA ■ 31
se tom ou referência entre os grandes nom es do m agistério ju ­
rídico, tendo feito o seu curso na m esm a época (1933/1937), 
sobre esse fornece-nos testem unho que, se não é oposto ao de 
seu contem porâneo José M indlin, é, pelo m enos, diferente, no 
tom e no enfoque. N o seu livro de m em órias - A Folha Dobrada
- Lembranças de iim Estudante -, o professor Goffredo prefere 
destacar o que gu a rd o u de positivo dos seus tem pos de Aca­
dem ia, silenciando sobre eventuais falhas (se é que as sentiu) 
ou p referindo atribuir a si m esm o o desinteresse pelas aulas, 
que não deixa de apontar... Confessa esse ilustre m em orialista 
que, em bora tenha tido notáveis professores, não foi, como aluno, 
um bom ouvinte de suas preleções, faltando m uito e tendo, em 
certas aulas, a freqüência mínima exigida pelos regulamentos. Res­
ponsabiliza-sepor isso, em vez de fazer qualquer apreciação 
crítica das aulas m inistradas, dizendo-se, por natureza, avesso a 
longas dissertações orais. Por essa razão, acrescenta, A obrigação 
de ouvir quatro preleções seguidas, numa só manhã, constituía, para 
mim, um flagelo insuportáveP'^.
O m esm o distanciam ento em relação aos professores, senti­
do por José M indlin, é, no entanto, destacado po r Caio M ário 
da Silva Pereira, em inente professor e advogado, cujo curso, 
na Faculdade de Belo H orizonte (UFMG), decorreu entre os 
anos de 1931 a 1935. Depõe o saudoso civilista: A convivência 
com os professores era distante e poucos permitiam perguntas em 
aula ou mesmo ao seu final. Sentíamo-nos privilegiados quando um 
luminar nos distinguia pelo nome, por alguma referência acadêmica 
ou familiar. Isso decorria não só dos hábitos de então, mas, so­
b re tudo , do m étodo de ensino adotado. N a seqüência de seu 
testem unho. Caio M ário põe ênfase na seguin te afirmativa:
^^Ob. cit., págs. 74/75. Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1999.
32 ■ PAULO RO BER TO DE G O U V ÉA MEDINA
Durante o tempo em que freqüentei a Universidade, prevalecia o 
método das chamadas "aulas-conferências"^^.
3 O destino dos bacharéis, uma vez formados, 
na perspectiva da obra de Machado de Assis
O quadro descrito po r quase todos esses m em orialistas acer­
ca do curso que realizaram, entre a prim eira e a terceira déca­
das do século XX, não era outro ao tem po em que viveu e es­
creveu M achado de Assis. O nosso m aior rom ancista, em bora 
não houvesse feito curso superior, põe o anel de doutor no dedo 
de m uitos dos seus personagens. M uitos desses são bacharéis, 
com o era tão com um naquela época de apogeu do bacharelis- 
mo. A lguns se dedicaram , profissionalm ente, à advocacia, vi­
vendo do comércio dos autos, para usar um a expressão m uito 
do agrado do escritor. Essa circunstância é d igna de nota, p o r ­
que não vam os encontrar, talvez, tantos bacharéis nas obras 
de outros escritores, nem m esm o na de u m José de Alencar, 
que foi advogado de grande conceito no Rio de Janeiro e P ro ­
fessor de Direito Comercial.
Bacharel era o Janjão, desde os vinte e um anos, contando, 
entào, não só com o diplom a, m as a lgum as apólices e boas 
possibilidades no parlamento, na magistratura, na imprensa, na 
lavoura, na indiistria, no comércio, nas letras ou nas artes, confor­
m e o fu turo com que lhe acenava o pai, ao expor-lhe, aos p r i ­
m eiros m inutos do dia em que adquiria m aioridade, a sua Te­
oria do Medalhão. E para esse papel o jovem Janjão parecia p re ­
destinado não em razão de talentos especiais, m as po rque o 
p róprio pai o considerava dotado da perfeita inópia mental, coni^e- 
niente ao uso deste nobre ofício... de medalhão!"'*^
Algumas lembranças. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pág. 21.
^ Obra completa, vol. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1985, págs. 288/290.
ENSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ÉTICA ■ 33
T am bém bacharel, sem nenhum a preocupação com as ativi­
dades profissionais próprias do seu grau, era o Azevedo, de 
Linha Reta e Linha Curva. Segundo no-lo descreve M achado de 
Assis, possuía ele um diploma de bacharel em direito; mas esse di­
ploma nunca lhe serviu; existe guardado no fundo da lata clássica em 
que 0 trouxe da Faculdade de São Paulo. De quando em quando A ze ­
vedo fa z uma visita ao diploma, aliás ganho legitimamente, mas é 
para não se ver mais senão daí a longo tempo. Não é um diploma, é 
uma relíquia-^^.
Diferentemente do Azevedo, o Romualdo, de O Programa, es­
tudara com dificuldade, ambicionando tomar-se um jurisconsulto 
como os Nabucos, os Zacarias, os Teixeira de Freitas. Acabou, contu­
do, melancolicamente, como um advogado da roça, labutando pela 
sobrevivência, depois de um a experiência frustrada na política. 
Por fim, conjecturava, na altura dos seus 53 anos: Foi talvez o pro­
grama que me fez mal; se não pretendesse tanto .
O Estêvão, de A Mão e a Luva, posto fizesse boa figura na acade­
mia, mais prezava do que amava a ciência do direito. C erta feita, no 
jard im da casa de u m amigo, enquanto aguardava o m om ento 
em que, do ou tro lado, aparecesse a form osa G uiom ar (por 
quem ele se interessara, tendo com o rival, aliás, o anfitrião, 
Luís Alves, que acabaria sendo o eleito), acendeu um charuto e 
abriu o livro que trazia consigo. O livro era uma Prática forense. 
Demos-lhe razão - d iz o na rrado r do rom ance, com m uito espíri­
to e senso poético - ao despeito com que o fechou e atirou ao chão, 
contentando-se com o canto dos pássaros e o cheiro das flores, e a sua 
imaginação também, que valia as flores e os pássaros"^^.
Obra completa, vol. II, cit,, pág. 118.
•" Obra completa, vol. II, cit., págs. 913/923. 
Obra completa, vol. I, págs. 205/207.
34 ■ PAULO R O B ER TO DE G O U V É A MEDINA
A Prática Forense, do m esm o modo, não interessava ao Jor­
ge, de laiá Garcia. Para esse, o praxista representava o bárbaro. A 
mãe, Valéria, percebeu, já por ocasião da form atura, que o filho 
não tinha queda para a profissão de advogado nem para a de juiz. 
Aliás, Jorge não era profundo; abrangia mais do que penetrava. Sobre­
tudo, era uma inteligência teórica. A despeito da falta de vocação e 
de interesse, não se afastou de todo da advocacia. Possuindo 
muitos bens, que lhe davam para viver à farta, empregava uma partí­
cula do tempo em advogar o menos que podia - apenas o bastante para 
ter 0 nome no portal do escritório e no Almanaque Laemmert"^^.
Figura curiosa era o Dr. Matos, do rom ance Helena. M acha­
do o descreve como um velho advogado que em compensação da 
ciência do direito, que não sabia, possuía noções muito apreciáveis de 
meteorologia e botânica, da arte de comer, do voltarete, do gamão e da 
política. Era impossível a ninguém queixar-se do calor ou do frio, 
sem ouvir dele a causa e a natureza de um e outro, e logo a divisão das 
estações, os ventos, a neve, as vazantes dos rios e suas enchentes, as 
marés e a pororoca. Ele falava com igual abundância das qualidades 
terapêuticas de uma erva, do nome científico de uma flor, da estrutu­
ra de certo vegetal e suas peculiaridades. Alheio às paixões da políti­
ca, se abria a boca em tal assunto era para criticar igualmente de 
liberais e conservadores - os quais todos eles lhe pareciam abaixo do 
país. O jogo e a comida achavam-no menos cético; e nada lhe avivava 
tanto a fisionomia como um bom gamão depois de um bom jantar. 
Estas prendas faziam do Dr. Matos um conviva interessante nas noi­
tes que 0 não eram. Posto soubesse efetivamente alguma cousa dos 
assuntos que lhe eram mais prezados, não ganhou o pecúlio que pos­
suía professando a botânica ou a meteorologia, mas aplicando as re­
gras do direito, que ignorou até a morte^^.
« Obra completa, vol. I, cit., pâgs. 400/403. 
Obra completa, vol. I, cit., pág. 287,
ENSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ETICA ■ 35
M enos desp ro v id o de noções juríd icas que o Dr. Matos, 
m as tam bém não conhecendo grandes cousas de direito, era o 
Dr. Cam acho, de Qiiíncas Borba. Formado em Direito em 1844, 
pela Faculdade do Recife, não era dado ao estudo da sua ciên­
cia. C onhecim ento do direito guardava algum do que lhe dera a 
academia, mais a legislação posterior e práticas forenses. Com isso 
ia arrazoando e ganhando^ .^
O Brás Cubas, por sua vez, confessava, nas Memórias Póstu­
mas, que fora um acadêmico estróina, superficial, tumultuârio e petu­
lante, dado as aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo te­
órico, vivendo na pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas. 
Relem brando o grau de bacharel, obtido em Coimbra, não se 
pejava de dizer: No dia em que a Universidade me atestou, em perga­
minho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigadano cérebro, 
confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso'^^''.
Na verdade, dos m uitos bacharéis que pe rpassam pela obra 
m achadiana, um dos poucos que parece haver alcançado êxito 
na advocacia foi o Bentinho, de Dom Casmurro - ou m elhor, o 
p róprio D om Casm urro. Com efeito, era ele advogado de algu­
mas casas ricas, e os processos vinham chegando, nos prim eiros tem ­
pos, em boa parte, po r influência do rival póstum o, o Escobar^'. 
E o Bentinho, como se sabe, op tou pelo curso de direito à falta 
de ou tra escolha, como forma de livrar-se do Seminário, a que 
um a prom essa de sua m ãe o destinava...
4 Uma constante sintomática nos bacharéis de 
IVIachado de Assis: formação profissional precária
A análise desses personagens de M achado de Assis que ves-
Obra completa, vol. I, cit., págs. 690/691.
« Obra completa, vol. I, cit., pâg. 542.
Obra completa, vol. I, cit., pág. 910.
36 ■ PAULO R O B ER TO DE G O U V É A MEDINA
tiam a beca do advogado im pressiona po r um traço com um , 
que só não aparece em u m ou outro, como o Bentinho: a precá­
ria form ação profissional.
M achado, como tantas vezes tem sido ressaltado, foi um 
escritor que parecia penetrar na alm a hum ana , no afã de des­
crever e com preender o hom em com um . N ão só nos rom ances 
como nos contos, traça, com maestria, o perfil psicológico das 
figuras que com põem a tram a de seus enredos.
Em discurso na Academia Brasileira de Letras, Pedro Lessa‘‘® 
destacou essa particu laridade do escritor, observando: O que 
fa z 0 constante objeto dos seus estudos é o homem, todo o homem, a 
espécie humana, com os seus instintos, os seus sentimentos, as suas 
paixões e defeitos. Segundo o ilustre orador. M achado nos revela 
0 homem com seus atributos, bons ou maus, suas qualidades e defei­
tos de sempre.
Era natural, pois, que, n u m país de tantos bacharéis e num a 
fase de predom inância desses em tantos setores da vida social. 
M achado de Assis pusesse em cena, com freqüência, os g rad u ­
ados em direito e procurasse com por os respectivos persona ­
gens à feição dos equivalentes mais com uns do seu meio, d an ­
do-lhes a conotação que tinham no im aginário popular. Suce­
de que, na figura de um Dr. M atos ou de um Dr. Camacho, 
reflete-se, inevitavelm ente, o conceito que se fazia, então, dos 
cursos jurídicos - cursos livres em que os estudantes não esta- 
vam obrigados à freqüência e a que os próprios professores 
não davam , m uitas vezes, m aior im portância. Por isso, saíam 
d a Faculdade de Direito, espíritos diletantes com o o Azevedo,
Resposta a Alfredo Pujol, na sucessão de Lafayette Rodrigues Pereira, que fora o segundo 
ocupante da cadeira de Machado de Assis {CAMPOS, Humberto de. Antologia da Academia Brasi­
leira de Letras, vol. 18. Rio de Janeiro • São Paulo - Porto Alegre; Mérito S.A., págs. 330/331).
ENSIN O j u r í d i c o , l i t e r a t u r a e é t i c a ■
o Estêvão e o Jorge, para os quais o d iplom a era apenas um 
ornam ento ou u m sinal de status, e não um título que os hab i­
litasse à atuação profissional. Eram bacharéis com o tantos o u ­
tros ou como toda gente... O utros traziam do seu curso pouco 
m ais do que as hum anidades ap rendidas no colégio e que o 
tem po passado na Faculdade perm itira aprim orar, po r meio 
de boas leituras. Esses iriam ostentar os frutos de um a cultura 
m ais ilustrativa do que p rofunda, mais genérica do que espe­
cializada. O u seriam esses bacharéis, com o se costum ava d i­
zer, especialistas em idéias gerais, hábeis no dom ínio da pala ­
vra, capazes de p render a atenção dos interlocutores em qual­
quer assunto , fosse a meteorologia, fosse a botânica e, até, em 
alguns casos, o p róprio direito...
A realidade dos tem pos atuais já não com porta, todavia, ba ­
charéis desse jaez. Antes de tudo , porque a v ida m oderna não 
perm ite desperdícios. O tem po, cada vez m ais, deve ser ap ro ­
veitado, pelo hom em , intensam ente. Vê-se o ind iv íduo na con­
tingência de atualizar-se, a cada dia, d ian te das transform a­
ções vertiginosas que a ciência e a técnica vão im pondo ao 
m undo . Q uem se dirige à U niversidade deve ter u m objetivo 
bem definido, consciente de que há de preparar-se para en ­
frentar os desafios do futuro. Formação e destino são, para o 
estudan te universitário, um binôm io indissociável, que há de 
dom inar-lhe as preocupações.
A lém disso, deve haver para o acadêm ico - particularm ente 
para o acadêm ico de direito - a consciência de que as opo rtun i­
dades que se lhe oferecerão no cam po profissional serão m ú l­
tiplas, mas ásperas e difíceis. O direito tom ou-se m ais com ple­
xo, com o surg im ento de novos ram os do conhecim ento juríd i­
co. A um entou consideravelm ente a concorrência, entre os p ro ­
fissionais. N ovas exigências no plano da form ação cultural se
38 ■ PAULO R O BER TO DE G O U V É A MEDINA
im puseram . Já não basta conhecer o direito: é preciso conjugar 
ao conhecim ento jurídico o dom ínio de um a língua estrangei­
ra; ter noções de política e de econom ia; adestrar-se no uso da 
inform ática - tu d o isso sem desprezar a form ação hum anísti- 
ca, baseada no estudo da história e da literatura. N u m a época 
em que tan tos derivativos afastam o hom em dos instan tes de 
isolam ento e de reflexão, e em que, po r isso, o au tod ida tism o 
já não encontra am biente propício, com o outro ra , cresce a im ­
portância dos estudos sistem atizados, que só as Faculdades 
p o d em proporcionar. A freqüência às aulas assum e, p o r isso, 
papel re levante no ap ren d izad o e as lições (as boas lições) 
dos professores passam a ser condição de êxito da form ação 
jurídica.
O m undo, hoje como nunca, tende a reservar espaço aos mais 
qualificados. O bacharel do fu turo não terá, seguram ente, nada 
em com um com o perfil que dele traçou M achado de Assis ou 
com os depoim entos deixados acerca de sua formação por gran­
des nom es do direito, em nosso país. E é na tu ra l que assim 
seja. O hom em cam inha sem pre no rum o do aperfeiçoam ento.
E NSIN O j u r í d i c o , L ITERATUR A E ÉTICA ■ 39
DO BACHARELISMO A 
BACHARELICE: REFLEXOS DESSES 
FENÔMENOS NOS CURSOS 
JURÍDICOS, AO LONGO DO TEMPO
Sumário: 1 O ba chare lism o e a bachare lice : conce iluação . 2 A s ­
cen são e dec lín io do bachare l em dire ito no cenário po lí t ico e soc i­
al. 3 A bachare lice dos ternpos a tua is e suas conseqüê nc ias . 4 
C ons ide rações finais.
1 O bacharelismo e a bacharelice: conceituação
O bacharelism o é, em geral, descrito com o o fenôm eno soci­
al caracterizado pela predom inância do bacharel na vida do 
país, ocupando ele posição preem inente na a tiv idade política 
e absorvendo funções alheias à sua especialidade, à falta de 
profissionais qualificados para exercê-las. N a fase de apogeu 
do bacharel, que vai do Segundo Im pério à República Velha, 
esse fenôm eno tornou-se responsável pela crença de que o ho ­
m em do direito fosse um a espécie de factotum , apto a exercer 
quaisquer a tiv idades para as quais os estudos sociais se m os­
trassem úteis. E pelo m ito de que n inguém m elhor do que ele 
achava-se p reparado para dirigir a política e exercer os cargos
40 ■ P AU LO R O BER TO DE G O U V ÉA MEDINA
públicos m ais im portantes. O dip lom a de bacharel não habili­
tava, apenas, para a profissão de advogado e as carreiras ju rí­
dicas: era o instrum ento próprio para ingresso num a série de 
outras atividades, como o jornalismo; o m agistério, em dife­
rentes níveis e matérias, especialmente no ensino de línguas, 
da história ou da geografia; a chefia de órgãos públicos a que 
se atribuíssem tarefas de ordem econômica ou paraos quais se 
requeresse formação no cam po da sociologia ou das ciências 
sociais. N a vida pública, o prestígio do bacharel só era contras­
tado, nas com unidades do interior do país, pelo do coronel, 
p rotagonista de fenôm eno sem elhante em term os de influên­
cia política, que foi o do coronelísmo.
N u m sentido restrito, atribuído a um a forma de com porta ­
m ento do bacharel na vida pública, o bacharelism o já foi defi­
nido como a técnica jurídica aplicada especialmente à realidade po- 
lítica'^'^. O te rm o é, a s s im , u s a d o em c o n t r a p o s iç ã o ao 
jurisdicismo, que seria um a espécie do gênero, de característi­
cas diversas do bacharelismo clássico, porque enquan to este 
tende a fazer da lei um instrum ento de atuação política, fada ­
do a am oldar os fatos às norm as, aquele teria um a visão inova­
dora do ordenam ento jurídico, voltando-se preferentem ente 
para o direito e procurando, po r meio dos seus princípios, for­
jar as transform ações sociais. Daí po r que o bacharel, p ro p ria ­
m ente, seria um hom em mais da lei do que do direito, revelan­
do, quase sem pre, um perfil conservador, ao passo que o juris­
ta, a tuando no meio político ou pontificando na doutrina , re­
velaria m aior capacidade criativa e inovadora, a inda que nem 
sem pre no sentido progressista. Estabelecendo esse contraste 
entre o bacharelismo e o jurisdicismo, Afonso Arinos de Melo
MELO FRANCO, Afonso Arinos de. Escalada. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1965, págs. 
48/50,
E NSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ÉTICA ■ 41
Franco aponta como nom es que representariam a prim eira ca­
tegoria Rui Barbosa, Epitácio Pessoa, Afrânio de Melo Franco, 
Prado Kelly e Pedro Aleixo, entre outros; e enquadra na se­
gunda Tobias Barreto, Pedro Lessa, Pontes de M iranda, Gil­
berto A m ado e Francisco Campos^".
N a sua acepção com um , no entanto, o bacharelism o indica, 
s im plesm ente, o p rim ado do bacharel no plano social, político 
e cultural. Sujeito a desvios e contrafações, esse fenôm eno pode 
tom ar um a form a caricatural, que é a da bachardice. O termo, 
evidentem ente, tem sentido pejorativo^’, defin indo a afetação 
de quem procura com portar-se como bacharel, valendo-se de 
um pa lavreado vazio e pretensioso, para dem onstra r falsa elo­
qüência. O registro desse term o no nosso léxico é significativo, 
po rque ele dá, em si m esm o, a d im ensão da im portância do 
bacharel, reconhecida como de tal o rdem que se fez m ister de ­
finir o outro lado do bacharelismo, o reverso dessa m edalha 
de duas faces, que é o do falso bacharel, o do ind iv íduo em pe­
nhado em seguir-lhe o m odelo e levado, assim, a p ro tagonizar 
fenôm eno diverso, de conotação ridícula.
A partir do significado que lhe dão os dicionários, pode-se 
tom ar o term o bacharelice, pois, para definir tam bém o bacha­
rel m al form ado, cujo artificialismo se revela na pose e na lin­
guagem , podendo tornar-se, m esm o, um arquétipo imitado, 
ainda que inconscientemente, por aqueles que buscam formar- 
se de qualquer jeito, valendo-se das facilidades que tantas es­
colas para isso oferecem. O protagonista desse segundo fenô­
m eno não deixará de trair, contudo, sua precária form ação cul-
"O b. cít... 48 pág.
V. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, verbete bacharelice, como pejorativo de bacl^are- 
lismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
42 ■ P AU LO R O BER TO DE G O U V ÊA MEDINA
tural no prim eiro contato que m antiver ou no prim eiro ato que 
praticar, na condição de bacharel em direito. Logo se verá, en ­
tão, estar-se d iante de alguém que representa a caricatura do 
bacharel em direito.
Com o se verá, a seguir, se o bacharelism o influ iu na criação 
das nossas prim eiras Faculdades de Direito e na expansão ini­
cial do ensino jurídico, em nosso país, hoje, a proliferação 
indiscrim inada de cursos se dá, em grande parte, ao influxo 
dessa tendência de form ar bacharéis à outrance. O espectro da 
bacharelice é, p o r isso, atualm ente, m uito m ais am eaçador do 
que terá sido, no passado, ao ver de alguns, o im pacto do ba ­
charelismo sobre a nossa sociedade.
2 Ascensão e declínio do bacharel em direito no cenário 
político e social
N inguém m elhor do que Gilberto Freyre estudou a ascen­
são do bacharel na sociedade brasileira. Dedicou-lhe, aliás, um 
capítulo do seu livro Sobrados e Miicambos^^, onde m ostra que a 
form ação da sociedade urbana, no Brasil, com o surg im ento 
dos sobrados em contraposição às antigas casas-grandes, re ­
velou tam bém o advento de uma nova nobreza: a dos doutores e 
bacharéis, talvez mais que a dos negociantes ou industriais^^.
Escreve, a esse respeito, o em inente sociólogo:
A a s c e n s ã o d o s b a c h a ré is b ra n c o s s e fe z ra p id a m e n te n o m e io 
p o lít ico , e m pa rt icu la r, c o m o n o socia l, em ge ra l. O c o m e ç o do 
re in a d o d e P e d ro II é o q u e m arca , e n tre o u tra s a lte ra ç õ e s na 
f is io n o m ia b ra s ile ira : o c o m e ç o do "ro m a n tism o ju r íd ic o " n o B ra -
Sobrados e i[/1ucambos. 2 ^tomo, Capítulo XI - Ascensão do Bacharel e do Mulato, 5. ed. Rio de 
Janeiro: Livraria José Olympio, 1977, pág. 573.
“ Ob. e tomo cits,, pág. 574.
ENSIN O JU RÍD ICO . L ITERATUR A E ETtCA ■ 43
s//, a té e n tã o g o v e rn a d o m a is p e lo b o m s e n s o dos ve lh o s que 
p e lo s e n s o ju r íd ic o dos m o p o s * '.
Para isso terão contribuído o feitio e as inclinações intelec­
tuais do Im perador, a cujo estímulo m uito deve, sem dúv ida , o 
prestígio granjeado pelo bacharel. Basta recordar que foi nos 
prim eiros tem pos de seu reinado que su rg iu o Instituto dos 
A dvogados Brasileiros, criado por Aviso do M inistro da Justi­
ça, de 7 de agosto de 1843 e instalado solenem ente a 7 de se­
tem bro do m esm o ano, no salão nobre do Im perial Colégio 
Pedro II, no Rio de Janeiro^^. Nos anos seguintes, m ostrando a 
im portância que atribuía aos trabalhos do Instituto, Dom Pedro 
II, po r m ais de um a vez, com pareceu a sessões da en tidade dos 
advogados - mais tarde, aliás, transform ada em Instituto da 
O rdem dos A dvogados Brasileiros e tornando-se, assim, o em ­
brião da O rdem dos A dvogados do Brasil. A inda hoje se con­
serva, na sede do lAB, no Rio de Janeiro, a cadeira im perial, ali 
reservada a Pedro II. Razões não faltavam, pois, para que Gil­
berto Freyre afirm asse que ninguém foi mais bacharel nem mais 
doutor neste País que Dom Pedro II. Nem menos indígena e mais 
europeu. Seu reinado fo i o reinado dos Bacharéis^^'.
R eproduzindo trechos das M em órias de D om R om ualdo 
Seixas, conta o m aior dos nossos sociólogos curioso episódio 
m otivado po r grave crise que atravessava, em determ inada 
época, a província do Pará, quando certo D eputado propôs que 
para lá se m andassem carne, farinha e Bacharéis. A duziu , a esse 
propósito , 0 citado memorialista expressivo comentário:
Ob. e tomo cits., pág. 574.
História da Ordem dos Advogados do Brasil, vol. ^ - O l A B e os Advogados no Império, págs. 20/ 
21. Edição do Conseltio Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Coordenador Hermann Assis 
Baeta; Pesquisadoras Lúcia Maria Paschoal Guimarães e Tânia Bessone.
Ob. e tomo cits., pág. 575.
44 ■ PAULO R O BER TO DE G O U V ÊA MEDINA
P a re c e u c o m e fe ito irr isó r ia a m e d id a ; m a s re f le t in d o -s e um 
p o u c o vé -se q u e o s do is p r im e iro s so c o rro s e ra m o s m a is p ró ­
p r io s p a ra c o n te n ta r o s p o v o s o p r im id o s d e fo m e e m isé ria e o 
te rce iro n ã o m e n o s va lio so p e la m á g ic a v ir tu d e q u e te m u m a 
c a r ta d eB a c h a re l q u e tra n s fo rm a o s q u e tê m a fo r tu n a de 
a lc a n ç á - la e m h o m e n s e n c ic lo p é d ic o s e a p to s p a ra tudcf''’ .
Nesse contexto, é com preensível que, m esm o nos prim eiros 
tem pos da República, m uitas famílias m antivessem a tradição 
de enviar seus filhos para as escolas de direito como forma de permi­
tir-lhes ascensão social ou criar para eles um veículo de prestígio o 
que com o tempo se estendeu aos demais cursos de nível superior no 
Brasil - os de medicina e engenharia embora em menor escala^^. 
Gilberto A m ado, em inente d iplom ata e professor de direito^ 
revela, em suas M emórias, em tom bastante significativo, que, 
tendo concluído o curso de Farmácia, na Bahia, a inda adoles­
cente, sua família, depois de a lgum a hesitação quanto a fazê-lo 
estabelecer-se com o boticário, em Sergipe, resolveu m andá-lo 
para o Recife, "para estudar direito e ... ser Deputado FederaP'^ 
Cuidava-se de descortinar-lhe futuro certam ente m ais prom is­
sor, assegurando-lhe, por meio do diplom a de bacharel, a cha­
ve que lhe abriria o cam inho da vida pública. E isso, efetiva­
m ente, se verificou, porquan to o intelectual sergipano tornar- 
se-ia, sucessivam ente. D eputado e Senador pelo seu estado, 
depois de conquistar, m uito jovem, a cátedra de Direito Penal, 
na Faculdade em que se formara.
Bem se com preende esse projeto de vida de Gilberto A m a­
do quando se tem em vista a observação feita p o r Joaquim
Ob. e tomo cits,, pág. íbidem.
Tânia Bessone, in Dicionário do Brasil Imperial, direção de Ronaldo Vaínfas, verbete bacharehs- 
mo, págs. 68/69. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
História da Minha infância, 226 pág.
ENSIN O j u r í d i c o , L ITERATUR A E ÉTICA ■ 45
N abuco sobre a época em que o C onselheiro josé Thom az 
N abuco de Araújo, seu pai, estudara, no Recife, m uitos anos 
antes. Jíí então - diz o filho ilustre e biógrafo do eminente jurista 
e hom em público do Império - as faculdades de direito eram ante- 
salas da Câmara^^. A carreira política foi, de fato, po r m uito tem­
po, um a opção natural para os bacharéis em direito, como um a 
das vertentes de sua atuação, ao lado da advocacia, da m agis­
tratura e do ministério público. Estas últim as representavam , 
não raro, o estádio inicial de um a trajetória cujo escopo era, na 
verdade, o exercício do m andato parlamentar. João Neves da 
Fontoura - exemplo típico dobacharel-político -, d izendo que os 
advogados, por essa época, formavam uma espécie de patriciado 
intelectual, aduz, a esse respeito, expressiva observação:
O d ip lo m a de b a c h a re l e m D ire ito ab ria to d as a s po rtas , s o b re tu ­
do q u a n d o o va lo rizavam p re d ica d o s de c a p a c id a d e e m s e u p o r ­
ta d o r e q u a nd o es te e xe rce ra co m d e s ta q u e a p ro f is s ã o de a d v o ­
gado. A linha q u a se inva riáve l p a rt ia do fo ro p a ra a p o l i t ic s ^ ' .
A presença dom inante do bacharel em m últip los setores já 
era um a realidade, no Império, m uitas vezes transposta para 
páginas de ficção literária, como aconteceu, sobretudo, na obra 
d e M a c h a d o d e A ssis . O b se rv o u -o , co m p r o p r ie d a d e , 
R aim undo Faoro, ao com entar a presença do bacharel nos ro ­
m ances e contos do grande escritor:
O b a c h a re l es tá em toda p a rte : p o lít ico , jo rn a lis ta , o rador, a d vo -
“ NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império. Volume único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1975, 
pág. 52.
Wemdrás, í ■ volume ■ Borges de Medeiros e seu Tempo. Rio de Janeiro-Porto Alegre-São Paulo: 
Globo, 1958, pág. 139.
46 ■ PAU LO R O BER TO DE G O U V ÉA MEDINA
g a d o p ro f is s io n a l, e m p re g a d o p úb lico . D o m tn a -o u m a a u ré o la 
supe rio r, de a s p ira n te c re d e n c ia d o à m ã o de u m a h e rd e ira rica 
ou a um a ca d e ira üo p a ria m e n to . O b a c h a re l p o b re , e m p re g a d o 
n u m a re p a r t iç ã o p ú b lic a o u e n tre g u e a um a p ro m o to r ia , g u a r ­
da. ju n to c o m o d ip lo m a , o b a s tã o do fu tu ro , n o h ip o té t ic o e 
c o b iç a d o m i n i s t é r ^ .
O perfil do bacharel em direito como protagonista do fenô­
m eno social do bacharelism o era, pois, o de um cidadão ap to a 
exercer não só as atividades de natureza jurídica, m as tam bém 
as concernentes ao exercício de m andatos parlam entares e de 
cargos públicos, em geral. C orrespondia esse tipo de bacharel 
aos objetivos traçados para os nossos prim eiros cursos juríd i­
cos pelos estatu tos do Visconde da Cachoeira, José Luís de 
C arvalho e Melo. Segundo tais estatutos - e laborados, em 1825, 
para um curso que se p retendia instalar no Rio de Janeiro, mas 
que acabaram adotados, provisoriam ente, para as Faculdades 
de São Paulo e O linda, criadas em 1827 os cursos de direito 
destinavam -se a form ar homens hábeis para serem um dia sábios 
magistrados e peritos advogados de qiie tanto se carece e ou tros que 
possam vir a ser dignos Deputados e Senadores [ou] para ocuparem 
os lugares diplomáticos e mais empregos do Estado^^.
C om preende-se que isso ocorresse num a época em que a 
formação de nível superior era, ainda, m uito restrita e o curso 
de direito tinha a m issão de cobrir toda a área dos estudos so­
ciais, habilitando os seus g raduados a a tuar em diferentes se­
tores ou, m esm o, a lecionar disciplinas que com o seu feitio 
cultural guardavam , apenas, vagas afinidades. Era natural.
f^^achado de Assis: a pirâmide e o trapézio. 4. ed, São Paulo: Globo, 2001, pág. 326.
Alberto Venáncio Filho. Das Arcadas ao Bacharelismo. São Paulo: Perspectiva, em co-edição 
com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, s/d., págs. 30/31.
ENSIN O JU RÍD ICO , L ITERATUR A E ÉTICA ■ 47
assim, que m uitos acorressem aos cursos jurídicos sem um a 
vocação definida ou m ovidos por interesses estranhos à for­
mação profissional. Havia aqueles que estavam em busca de 
um dip lom a que lhes desse certo status social; outros, p rova ­
velm ente vocacionados para o estudo da ciência política, da 
história, da filosofia ou da sociologia, dirigiam -se às faculda­
des de direito com o simples intuito de obter, ao m enos, a base 
d isponível que a ciência jurídica lhes poderia proporcionar 
para, sobre ela, erguer, m ais tarde, num esforço de au to d id a ­
tas, o arcabouço de sua formação cultural. Isso explica porque 
tantos egressos dos cursos jurídicos se desviavam dos cam i­
nhos profissionais que o direito lhes descortinava.
M esm o em relação a esse período inicial - que foi o do apo ­
geu do bacharelism o -, a m uitos parecia ociosa a form ação de 
u m grande núm ero de bacharéis em direito, quando era sabi­
do que boa parte deles não iria aplicar a ciência ap rend ida nas 
faculdades de direito. Um dos críticos m ais ferinos desse p a ­
noram a que se estendeu desde o Segundo Im pério até, pelo 
m enos, a Prim eira República, foi um bacharel cujo perfil bem 
se am oldava ao segundo tipo de não vocacionados pa ra o di­
reito, acima referido - o historiador Sérgio Buarque de Holanda. 
Escreveu o au tor de Raízes do Brasil, obra cuja prim eira edição 
data de 1936;
A s n o s s a s a c a d e m ia s d ip lo m a m to d o s o s a n o s c e n te n a s de 
n o v o s b a ch a ré is , q u e só e x c e p c io n a lm e n te fa rã o uso, na vida 
p rá tica , d o s e n s in a m e n to s re c e b id o s d u ra n te o c u rs o ^ .
Talvez p o r isso - ou por não perceber bem a m issão cum pri-
Raizes do Brasil. 26. ed, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, pág. 156.
48 ■ PAU LO R O BER TO DE G O U V ÊA MEDINA
da pelos nossos

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