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Libras como Língua Natural - Elidéia

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1
A LIBRAS COMO LÍNGUA NATURAL 
 
 
Elidéa Lúcia Almeida Bernardino 
Giselli Mara da Silva 
Rosana Passos 
 
 
1. Linguagem e língua 
 
O que é língua? E o que é linguagem? Na língua portuguesa, fazemos a distinção 
entre os termos língua e linguagem, e, ao compreendermos corretamente o significado de 
ambos, percebemos que eles não podem ser usados indistintamente, um no lugar do outro. 
O termo linguagem, na língua portuguesa, faz referência à forma generalizada de 
comunicação. Linguagem seria o meio usado para transmitir uma informação em toda e 
qualquer forma de comunicação. Por exemplo, fala-se muito em linguagem dos animais (os 
pássaros usam uma forma de linguagem especial para comunicarem a presença de perigo, 
uma outra forma para acasalamento, ainda uma outra diferenciada para avisar sobre a 
presença de alimentos em locais específicos. Baleias ou golfinhos também têm uma 
comunicação especial com seus pares, através de sons que são transmitidos pela água. 
Outros animais, ainda, utilizam algumas formas de comunicação para passar informações 
aos outros membros do seu grupo, com o objetivo de modificar o seu comportamento a seu 
favor ou a favor do grupo). Entretanto, a comunicação não utiliza sempre um tipo de 
linguagem sonora. As abelhas, por exemplo, podem comunicar-se por meio de sons, 
substâncias químicas, tato, dança ou estímulos eletromagnéticos (maiores informações em 
PEREIRA et. al., 2003). Todos esses sinais comunicativos são transmitidos por meio de 
uma linguagem inteligível aos outros participantes do mesmo contexto. Linguagem, nesse 
contexto, seria o meio utilizado para que aconteça uma interação. É importante notar que 
todo tipo de interação envolve algum tipo de comunicação, seja ela sonora, visual ou de 
outra forma. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1 – Abelhas comunicando às outras a presença de alimento através da dança 
 
 2
O termo linguagem, entretanto, também é entendido como um “sistema de signos 
simbólicos empregados na intercomunicação social para expressar e comunicar ideias e 
sentimentos, isto é, conteúdos da consciência” (BECHARA, 2004). Bechara afirma que a 
linguagem humana se realiza por meio de atos linguísticos, organizados em sistemas de 
isoglossas (iso = igual; glossa = línguas), que são denominados de línguas. O ato 
linguístico corresponde a cada unidade de comunicação da linguagem humana, seja uma 
palavra ou uma frase. Atos linguísticos não são idênticos entre os falantes de uma mesma 
comunidade linguística, mesmo que compartilhem a mesma língua. Isso acontece tanto na 
forma de expressão quanto no significado, ou no que se refere ao conteúdo. As diferenças 
na forma de falar de uma mesma língua são conhecidas como dialetos, ou seja, indivíduos 
pertencentes a comunidades ou grupos diferentes usam uma variação dialetal que os 
identifica como pertencentes a determinado grupo. Essas variações podem ocorrer devido a 
diferenças geográficas, ideológicas, de faixas etárias ou mesmo de gênero, e ocorrem em 
todas as línguas conhecidas. 
Sintetizando, linguagem seria a capacidade do indivíduo de interagir com o mundo 
exterior, de expressar seus sentimentos e intenções, e de comunicar-se com seus 
semelhantes. A língua seria então a ferramenta usada pela comunidade nessa forma de 
comunicação. É através da linguagem que o indivíduo é capaz de estruturar seu 
pensamento. 
O termo linguagem ainda faz referência à capacidade que o ser humano tem de 
adquirir uma língua. Também, num sentido mais genérico, o ser humano tem uma 
capacidade biológica de linguagem, caracterizada como faculdade de linguagem. É através 
dessa faculdade que uma criança, em condições normais, adquire uma língua. 
A língua, por sua vez, pode ser definida como um conjunto de palavras, sinais e 
expressões organizados a partir de regras, sendo utilizada por uma comunidade para a 
interação. As línguas organizam-se em diferentes níveis: 
a. Nível fonológico: refere-se à organização dos sons das palavras ou dos 
parâmetros das línguas de sinais; 
b. Nível morfológico: refere-se à estrutura e à formação das palavras ou sinais de 
uma língua; 
c. Nível sintático: refere-se às relações das palavras ou dos sinais numa sentença; 
d. Nível semântico: refere-se ao significado das palavras, das sentenças e dos 
textos; 
e. Nível pragmático: refere-se ao uso que se faz da língua num determinado 
contexto. 
Devemos estar atentos a essa distinção terminológica LÍNGUA X LINGUAGEM, 
já que, por muito tempo, quando não se conhecia suficientemente a estrutura linguística das 
línguas de sinais, elas receberam denominações tais como “linguagem das mãos”, 
“linguagem de sinais” ou “linguagem de gestos”. Nesse sentido, o termo linguagem remete 
a algo de cunho individual, sem uma estruturação bem definida. Podemos dizer, por 
exemplo, no caso de crianças surdas que não têm contato com adultos surdos que usam a 
Libras, que essas crianças usam uma linguagem, denominada de protolinguagem. Esta teria 
uma função de comunicação restrita ao âmbito doméstico e geralmente é compreendida 
apenas pela família ou por pessoas que convivem constantemente com a criança. Esse tipo 
de comunicação não apresenta os cinco níveis listados acima e, além disso, não é utilizada 
por um povo como veículo corrente de comunicação. Sendo assim, entendemos que uma 
 3
das principais características das línguas é o fato de elas serem sociais, pertencendo assim a 
um povo, que, no caso da Libras, é a comunidade surda. 
 
2. As pesquisas sobre línguas de sinais 
 
As primeiras pesquisas científicas a respeito das línguas de sinais buscavam mostrar 
como essas línguas são tão complexas em sua estrutura quanto qualquer língua oral. A 
principal motivação das pesquisas, nessa época, era “provar” que as línguas de sinais eram 
línguas de fato e não simplesmente mímica ou gestos. Com isso, todo esforço era voltado 
para encontrar características semelhantes entre as duas modalidades. 
 William Stokoe foi o primeiro linguista a pesquisar a organização fonológica, as 
partes constituintes dos sinais da Língua de Sinais Americana – ASL. Depois dele, vários 
outros linguistas se interessaram pelo assunto. Atualmente, a ASL é a língua de sinais mais 
estudada no mundo, embora vários linguistas estejam se voltando para o estudo de línguas 
de sinais de outros países. 
 No Brasil, as pesquisas em língua de sinais começaram a se expandir na década de 
80. Ferreira-Brito (1993) apresenta-nos um panorama dos estudos que se desenvolveram 
nessa década na área da Educação e da Linguística no Brasil. De acordo com a autora, no 
início da década de 80, não havia pesquisas suficientes para se afirmar que se falava uma 
mesma língua de sinais em todas as regiões brasileiras. Hoje, sabe-se que a Língua de 
Sinais Brasileira é uma língua única, com variações dialetais, ou “sotaques” distintos, tanto 
em relação à região onde é “falada” (em diferentes estados e municípios) quanto em relação 
às diferenças entre grupos menores (variações entre faixas etárias ou grupos específicos, 
como grupos religiosos, por exemplo), assim como acontece também com o Português ou 
outras línguas orais faladas em países extensos como o Brasil. 
 Atualmente, com a oficialização da Língua de Sinais Basileira através da Lei 
Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, a sigla Libras1 é utilizada e amplamente aceita 
pela comunidade surda, pelos profissionais da área educacional e pela mídia. 
 Com o crescente interesse nas pesquisas em línguas de sinais no Brasil e em outros 
países, podemos contar atualmente com uma diversidade de pesquisas em áreas e linhas 
teóricas distintas, apesar de ainda termos muito a descobrir a respeito da língua de sinais e 
dos aspectos culturais e cognitivos relacionados à surdez. Analisar e entender uma línguaespaço-visual tem sido um desafio para pesquisadores, já que demanda um olhar diverso 
que os leve a compreender o funcionamento dessas línguas. Contudo, essas pesquisas 
também trouxeram novas reflexões para o estudo das línguas em geral, já que se impõe aos 
pesquisadores uma reflexão nova sobre conceitos talvez “cristalizados” nas pesquisas em 
línguas orais-auditivas. 
 
3. Relação entre línguas de sinais e surdez 
 
 
 
1 Anteriormente escrita com maiúsculas – LIBRAS, a sigla passa a ser escrita apenas com a inicial 
maiúscula a partir do Decreto nº 5.626 de 22/12/05. Há uma discussão a respeito de qual sigla seria a mais 
adequada para a língua de sinais brasileira, sendo que, em alguns meios, opta-se pela sigla LSB, conforme 
convenção internacional. Entretanto, a sigla Libras foi consagrada pelo uso no interior da comunidade 
surda. 
 4
 
O homem não possui nenhum órgão especializado na produção de sons, mas com o 
desenvolvimento da linguagem falada, alguns órgãos da respiração passaram a exercer a 
função na emissão de sons. Sendo assim, o canal oral tornou-se o privilegiado na expressão 
da linguagem. Como ouvintes, temos acesso às palavras e conceitos desde que nascemos, 
não sendo difícil para nós percebermos que, embora haja uma certa semelhança entre dois 
termos como saudação e saudade, essas palavras não são correlatas. Para o surdo, porém, 
esse aprendizado não é natural, uma vez que ele não ouve. Além de ser preciso entender o 
movimento dos lábios do falante, discriminando, por exemplo, consoantes vozeadas (como 
“b” ou “d”) daquelas que têm o mesmo movimento labial, porém sem a vibração das cordas 
vocais, as desvozeadas (no caso, “p” ou “t”), o leitor labial ainda tem de identificar a qual 
conceito aquela palavra está associada. Todo o trabalho de aprendizagem da fala não é 
realizado de forma “natural”, mas no tratamento fonoaudiológico. 
O surdo não tem acesso a essa linguagem oral naturalmente através da 
discriminação de sons, assim utilizam um outro canal para desenvolver sua linguagem. De 
acordo com Brito (1995), a língua de sinais revela de imediato a força e a importância da 
manifestação da faculdade de linguagem. 
O canal visuo-espacial pode não ser o preferido pela maioria dos seres humanos 
para o desenvolvimento da linguagem, posto que a maioria das línguas naturais 
são orais-auditivas, porém é uma alternativa que revela de imediato a força e a 
importância da manifestação da faculdade de linguagem nas pessoas 
(FERREIRA-BRITO ,1995, p. 11). 
Assim, ao longo dos tempos, pelas necessidades comunicativas dos surdos, quando 
era possível que eles se encontrassem e pudessem interagir entre si (como nas escolas de 
surdos, associações ou, até mesmo, nas ruas), foram-se desenvolvendo diferentes línguas de 
sinais. O uso da língua de sinais então, para as pessoas surdas, torna-se natural no sentido 
de que é uma língua percebida pelos olhos e produzida pelas mãos e pelo corpo. Assim, 
como uma criança ouvinte adquire a língua oral desde criança no contato com falantes 
dessa língua, a criança surda, tendo oportunidade de interagir com usuários da Libras, 
poderá adquirir essa língua na infância, sem necessidade de instrução formal. Isso acontece, 
por exemplo, com crianças surdas filhas de pais surdos. Nessas famílias, a língua de sinais 
passa de geração a geração, sendo usada nas interações cotidianas entre os familiares. 
Além de compreendermos a Libras como língua “natural” que se desenvolveu pelas 
necessidades comunicativas dos surdos, podemos também pensar na função cognitiva que 
essa língua vai desempenhar para as pessoas surdas. As línguas humanas possibilitam o 
desenvolvimento de certos tipos de pensamento (abstração, generalização, etc.) que não 
seriam possíveis por meio de outras linguagens. Nesse sentido, a língua de sinais possibilita 
aos surdos o desenvolvimento de funções superiores do pensamento. Podemos então 
compreender que, além das funções sociais e comunicativas, a língua de sinais também 
possui a função cognitiva, proporcionando ao surdo o desenvolvimento de sua cognição na 
infância (GOLDFELD, 2002). 
A Libras é uma língua com características espaço-visuais, ou seja, utiliza-se do 
espaço físico na construção de um “cenário” para a realização das relações referenciais, 
além de possuir uma gramática própria, independente da gramática do Português. Por ter 
uma produção manual e uma percepção visual, além do espaço físico, o próprio corpo do 
sinalizador é utilizado para a execução do conteúdo da mensagem visual. A exploração do 
espaço físico e o uso do próprio corpo são importantes elementos na interação. 
 5
 
 
 
Referências 
 
BECHARA, Evanildo Moderna Gramática Portuguesa. 37a. ed. revista e ampliada. Rio de 
Janeiro: Ed. Lucerna, 2004. 
 
BREEUWER, M.; PLOMP, R. Speechreading supplemented with auditorily presented 
speech parameters. Journal of the Acoustical Society of America, Amsterdam, v. 79, n. 
2, p. 481-499, Feb. 1986. 
 
BOTELHO, Paula. Segredos e silêncios na educação dos surdos. Belo Horizonte: ed. 
Autêntica. 1998. 126 p. 
 
EMMOREY, Karen. Language, Cognition and the Brain: Insights from Sign Language 
Research. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers, 2002. 
 
FERNANDES, E. Problemas lingüísticos e cognitivos do surdo. Rio de Janeiro: Agir, 
1990. 162 p. 
 
FERREIRA-BRITO, Lucinda. Língua Brasileira de Sinais. Brasília: MEC-SEESP, 1997. 
 
FERREIRA-BRITO, Lucinda. Integração social e educação de surdos. Rio de Janeiro: 
Babel Editora, 1993. 
 
FERREIRA-BRITO, Lucinda. Por uma gramática de Línguas de Sinais. Rio de Janeiro: 
Tempo Brasileiro, 1995. 273 p. 
 
HOFFMEISTER, R. et al (Hoffmeister, R., Philip, M., Costello, P. & Grass, W.) 
Evaluating American Sign Language in Deaf Children: ASL Influences on Reading 
with a Focus on Classifiers, Plurals, Verbs of Motion and Location. Paper presented at 
the Annual Conference of Educators of the Deaf, Hartford, CT. 1997. 
 
NORTHERN, J. L.; DOWNS, M. P. Audição na Infância. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara 
Koogan, 2005. 359 p. 
 
PEREIRA, Fábia M. et al. Organização Social e Desenvolvimento das abelhas Apis 
mellifera. Sistemas de produção 3, EMBRAPA versão eletrônica. 
http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/organizacao.ht
m , 2003. (acessado em 19/01/10). 
 
QUADROS, Ronice Muller; KARNOPP, Lodenir. Língua de Sinais Brasileira: Estudos 
Lingüísticos. Porto Alegre, RS: Artmed. 2004. 221 p. 
 
RAMOS, S. M. Voz e fala do deficiente auditivo. In: FERREIRA, L. P.; BEFI-LOPES, D. 
M.; LIMONGI, S. C. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p. 91-101. 
 6
 
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia 
das Letras, 1998. 
 
SKLIAR, Carlos. Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a educação dos 
surdos. In: Carlos Skliar (ed.) Educação e exclusão. Porto Alegre: Ed. Mediação, 1997. 
 
VYGOTSKY, Lev. Thought and Language. Cambridge, MA: The MIT Press, 2000.

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