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1 PSIQUIATRIA BÁSICA – CAPÍTULO 21 CAPÍTULO 21 - Tratamentos Biológicos em Psiquiatria Renato Teodoro Ramos & Táki Athanássios Cordás Chamamos de tratamento biológicos em psiquiatria, as intervenções que envolvem o uso de drogas ou outros procedimentos que atuam diretamente sobre o organismo, em particular sobre o sistema nervoso central. Neste capítulo, trataremos dos psicofármacos e da eletroconvulsoterapia. Os psicofármacos são geralmente classificados pelo seu uso terapêutico (Quadro 1). Apesar de útil na prática clínica, essa classificação envolve alguns problemas (p. ex., embora não classificados como ansiolíticos, os antidepressivos são cada vez mais usados no tratamento dos diversos transtornos ansiosos). QUADRO 1. Classificação dos Psicofármacos Grupo Outro Nomes Ansiolíticos Tranqüilizantes menores Antipsicóticos Tranqüilizantes maiores, neurolépticos Antidepressivos Estabilizadores do humor A complexidade dos diversos transtornos psiquiátricos tem levado a uma crescente especialização dos esquemas terapêuticos que envolvem, muitas vezes, abordagens psicoterápicas e sociais associadas ao tratamento medicamentoso. Ao prescrever um psicofármaco, devemos ter em mente que as causas mais freqüentes de falha no tratamento são os erros diagnósticos, o emprego de baixas doses ou o uso da droga por tempo insuficiente. Um exemplo do primeiro caso é o fato de alguns pacientes portadores de esquizofrenia poderem apresentar-se, inicialmente, com sintomas depressivos. Da mesma forma, uma das maiores causas de cronificação de um quadro depressivo é o emprego de baixas doses de antidepressivos. Além disso, devemos estar bem conscientes do que se deve e do que não se deve esperar de um fármaco. Assim, antipsicóticos são deficientes no tratamento de um delírio e alucinações, mas tem menor efeito sobre os sintomas negativos e as conseqüentes seqüelas sociais de esquizofrenia. Muitos pacientes não aceitam com facilidade a idéia de tomar remédios. Alguns podem não ver a necessidade de medicar-se, enquanto outros podem relutar em manter um tratamento em que os efeitos colaterais precedem em vários dias os efeitos terapêuticos (como com os antidepressivos). A única forma de superar tais obstáculos e o relacionamento de confiança e franqueza entre médico e paciente. Fred Mesquita 2 PSICOFARMACOS Ansiolíticos Benzodiazepínicos Conceito O clordiazepóxido foi o primeiro benzodiazepínico sintetizado, o que ocorreu em 1957. Mais seletivos no tratamento da ansiedade do que os barbitúricos anteriormente usados, todos os compostos dessa classe exibem propriedades ansiolíticas, sedativas e hipnóticas, devendo-se os diferentes usos propostos para cada derivado a diferenças em suas propriedades farmacocinéticas. Apesar de sedativos em doses elevadas, apresentam grande margem de segurança, o que facilita sua utilização clinica. Classificação Os benzodiazepínicos e os triazolobenzodiazepínicos podem ser divididos de acordo com o seu período de meia-vida (Tabela 1). TABELA 1. Benzodiazepínicos Nome Meia-Vida (horas) Dose Média (mg/dia) Diazepam 20 - 100 5 - 30 Clordiazepóxido 5 - 30 15 - 40 Clorazepato 100 15 - 30 Flurazepam 100 15 - 30 Clonazepam 18 - 50 0,25 - 1,5 Oxazepam 4 - 15 30 - 120 Lorazepam 10 - 20 2 - 6 Alprazolam 6 - 20 0,5 - 6 Triazolam 2 - 3 0,125 - 0.5 Midazolam 1 - 12 2 - 4 Mecanismo de ação Foram descritos, a partir de 1977, sítios específicos de ligação para o diazepam em estruturas do sistema límbico, núcleos talâmicos e córtex cerebral, com uma alta correlação entre a afinidade por tais receptores e a potência clínica dos diferentes compostos. Receptores benzodiazepínicos parecem potencializar o funcionamento de sistemas GABA (ácido gama-aminobutírico), que, por sua vez, possuem propriedades inibitórias sobre diversas regiões do sistema nervoso central (Gonnan e Davis, 1989). Farmacocinética A administração oral dos benzodiazepínicos é extremamente eficaz, alcançando sua máxima concentração em 1 a 4 horas, em contraste com a administração via intramuscular, que oferece uma absorção errática (com a exceção do lorazepam). A administração por via endovenosa requer uma infusão lenta e monitorizada devido ao risco de parada respiratória. Os benzodiazepínicos ligam-se a proteínas plasmáticas com grande afinidade (80 a 100%), com exceção do clonazepam (50%). Esses compostos atravessam a barreira hematoencefálica, o que se reflete, por exemplo, na rápida ação anticonvulsivante do diazepam. O metabolismo dos benzodiazepínicos, essencialmente hepático, é muito complexo, com diferentes rotas metabólicas, levando à formação de metabólicos ativos. Tais fatos influem na escolha de compostos como o Fred Mesquita 3 oxazepam e o lorazepam para o tratamento de pacientes com insuficiência hepática ou em idosos, que são excretados sem posterior metabolização. A principal diferença farmacocinética entre os diversos compostos reside na meia-vida plasmática (ver Tabela 1). A principal via de excreção é renal, com apenas cerca de 10% de excreção fecal (Bueno e cols., 1985). Indicações Os benzodiazepínicos são usados no tratamento da ansiedade situacional, severa o suficiente para comprometer o desempenho do paciente. Devem ser utilizados por curto período de tempo, em geral enquanto dura a situação desencadeante (internações, cirurgias ou estresse passageiro), devendo o paciente saber, desde o início do tratamento, qual o papel da medicação na resolução de seus problemas. Inicia-se o tratamento com doses baixas, sempre com muita atenção aos efeitos colaterais, especialmente prejuízo no desempenho psicomotor (p. ex., ao dirigir). A já relatada má absorção dos benzodiazepínicos por via intramuscular limita seu uso em situações de emergência. A descontinuação deve ser gradual, podendo-se, especialmente após um uso prolongado em doses altas, substituir um benzodiazepínico por outro de meia-vida maior antes da retirada completa, para evitar os sintomas de uma síndrome de abstinência (Busto e cols., 1986). São a droga de escolha no tratamento da síndrome de abstinência de álcool, com ação sobre os fenômenos alucinatórios e as crises convulsivas. Os benzodiazepínicos são ainda usados como medicação pré-anestésica, anticonvulsivantes, relaxantes musculares e no tratamento sintomático da discinesia tardia e acatisia induzidas por neurolépticos. Hipnóticos De forma geral, os hipnóticos devem ser usados por curtos períodos de tempo, nas situações em que um fator externo passageiro (cirurgias, internações, situações interpessoais de conflito transitórias) esteja atuando. Não se deve esquecer o diagnóstico do distúrbio de base que esteja levando à insônia. Devemos lembrar que a ansiedade é, muitas vezes, sintoma e não um distúrbio de base. Deve-se avaliar, para cada paciente, o uso de cafeína, inibidores do apetite, assim como uma avaliação médica completa (com especial atenção à função tireoidiana), como fatores geradores de ansiedade. Pessoas com sintomas ansiosos de longa duração e dificuldades para lidar com situações difíceis que não se constituem eventos extraordinários e passageiros em suas vidas em geral se beneficiam mais de psicoterapia, outras intervenções não-medicamentosas ou, conforme o diagnóstico, de antidepressivos. Efeitos colaterais Os principais efeitos colaterais estão apresentados no Quadro 2. QUADRO 2. Efeitos colaterais dos benzodiazepínicos Sistema nervoso central Tontura, sedação, fadiga e fraqueza Digestivo Constipação, diarréia e náuseas Anticolinérgicos Boca seca e retenção urinária Ansiolíticos não-benzodiazepínicos A buspirona, com ação específica sobre sistemas serotoninérgicos e dopaminérgicos, foi recentemente introduzida no mercado, com a vantagem de não causar os efeitos sedativos e de tolerância e dependência relacionada aos benzodiazepínicos. Sua ação ansiolítica surge após, cerca de, 15 dias de administração. Entre seus efeitos colaterais incluem-se tonturas, cefaléia e diarréia. Em geral, recomenda-se o uso de doses iniciais baixas (5 – 10 mg/dia) até um máximo de 20 a 30 mg/dia. Os beta-bloqueadores são eficazes no controle dos sintomas autonômicos da ansiedade, como tremores, sudorese e palpitações, o que favorece seu uso em certas formas de ansiedade em que esses sintomas têm um papel central. O exato mecanismo de sua ação ansiolítica não é totalmente conhecido, havendo indicações de que possam atuar também no sistema nervoso central, além de sua ação sobre receptores periféricos. Fred Mesquita 4 Antipsicóticos ou Neurolépticos Conceito A clorpromazina foi o primeiro neuroléptico utilizado. Sintetizada como anti-histamínico, foi testada em humanos devido ao seu efeito sedativo, sendo usada no tratamento da esquizofrenia a partir de 1952, por Delay e Deniker. A eficácia dos neurolépticos no tratamento dos quadros psicóticos tem sido demonstrada em inúmeros ensaios clínicos controlados. Grande parte da melhora clínica ocorre nas primeiras seis a oito semanas de tratamento, embora muitos pacientes possam ainda melhorar durante 12 a 18 semanas. São drogas relativamente seguras, não existindo evidências de desenvolvimento de tolerância, dependência ou síndrome de abstinência associadas ao uso dessas. A principal complicação associada ao uso prolongado de neurolépticos é a discinesia tardia (descrita adiante). Classificação Os neurolépticos podem ser divididos em categorias de acordo com sua estrutura química (Tabela 2). Mecanismo de Ação O mecanismo de ação comum a todos os neurolépticos parece ser o bloqueio de receptores centrais de dopamina e um aumento compensatório da síntese desse neurotransmissor. Parte das evidências nesse sentido vem da observação de que os neurolépticos induzem uma síndrome parkinsoniana (também conhecida por impregnação) classicamente associada a uma deficiência de dopamina em estruturas nigroestriatais. TABELA 2. Neurolépticos: classificação Classe Nome Dose média de manutenção (mg/dia) Fenotiazínicos Alifáticos Clorpromazina 50 – 400 (oral) Piperazínicos Trifluoperazina 15 – 60 (oral) Flufenazina 1 – 15 (oral) 12,5 – 50 (IM-enandato) Piperidínicos Tioridazina 100 – 300 (oral) Butirofenonas Haloperidol 1 – 15 (oral) 25 – 200 (IM-decanoato) Difenilbutil Piperidinas Pimozide 0,5 – 4 (oral) Tioxantenos Tiotexene 6 – 60 (oral) Benzamidas Sulpiride 600 – 1.800 (oral) Dibenzo Diazepinas Clozapina 25 – 450 (oral) Benzisoxalíticos Risperidona 4 – 8 (oral) Dados experimentais sugerem uma correlação entre a potência de ligação dos diversos compostos aos receptores de dopamina e sua potência clínica. Tais fatos levam alguns autores a sugerir que o efeito antipsicótico dessas drogas seja devido à sua ação nos principais sistemas dopaminérgicos centrais (mesolímbico e mesocortical) (Farder, 1988). Farmacocinética Após a administração oral, o pico plasmático máximo ocorre em 2 a 4 horas. Essa absorção pode ser diminuída pelo uso associado de antiácidos, café, chá e antiparkinsonianos. Em relação à via intramuscular, o pico plasmático é atingido entre 10 a 30 minutos após a aplicação no músculo deltóide. Cerca de 150 metabólicos da clorpromazina já foram identificados, alguns farmacologicamente ativos. Há também neurolépticos que possuem um número menor ou não possuem metabólitos ativos. Fred Mesquita 5 A meia-vida da droga determina a freqüência da administração clínica. A clorpromazina, por exemplo, (meia-vida entre 12 a 16 horas), deve ser administradas duas vezes ao dia, ao passo que o haloperidol (12 a 38 horas) pode ser usado em dose única. Não existem evidências de uma correlação entre níveis plasmáticos e efeito terapêutico para nenhuma droga desse grupo (Hollister & Csemanaky, 1990). Indicações Os neurolépticos têm se mostrado os compostos mais eficazes para o tratamento da maioria dos pacientes com esquizofrenia. Apresentam grande eficácia no controle dos sintomas positivos e menor nos negativos, porém sua associação com formas dirigidas de psicoterapia parece melhorar ainda mais o prognóstico em relação ao funcionamento global e à adaptação social de pacientes crônicos. A ação antipsicótica dos diferentes compostos é igual em doses equivalentes, o que faz com que a escolha da droga a ser usada se dê mais pelo seu perfil de efeitos colaterais do que por qualquer outra indicação precisa. Psicoses não- esquizofrênicas associadas ou não a distúrbios orgânicos, deficiências mentais e transtornos afetivos com sintomas psicóticos também respondem bem a essa classe de drogas. Os neurolépticos são indicados no controle da agitação psicomotora, em geral por via intramuscular. Muitos pacientes esquizofrênicos usam neurolépticos continuamente para evitar recaídas ou devido à persistência de sintomas residuais. Embora não haja estudos definitivos, existem evidências de que pacientes esquizofrênicos com doses de manutenção de neurolépticos tenham um melhor prognóstico. No entanto, o risco de efeitos colaterais a longo prazo (discinesias) tem levado alguns autores a sugerirem esquemas alternativos, como períodos de descontinuação da droga (drug holidays) de dias ou semanas, com resultados ainda contraditórios (Tumer e cols., 1986). Neurolépticos de Depósito Uma das principais causas de recidiva entre pacientes esquizofrênicos é a interrupção da medicação de manutenção. Tal fato levou ao desenvolvimento de neurolépticos injetáveis de depósito (depot), de longa duração. No Brasil, estão disponíveis o enantato de flufenazina, o palmitato de pipotiazina e o decanoato de haloperidol. O ajuste da dose é basicamente empírico, muitas vezes sendo necessária a associação com neurolépticos orais durante os primeiros dias de tratamento, até que a dose de equilíbrio seja estabelecida. Em algumas situações, torna-se também necessária a associação com drogas antiparkinsonianas para o controle dos sintomas de impregnação. Efeitos Colaterais Os efeitos colaterais mais freqüentes dos neurolépticos estão listados no Quadro 3. QUADRO 3. Efeitos colaterais dos neurolépticos Visão turva, retenção urinária, boca seca, constipação Sedação, tontura, hipotensão postural Idiossincráticos (raros): retinopatia pigmentar, agranulocitose, icterícia Além dos efeitos mencionados no Quadro 3, temos outras alterações especificamente ligadas a esse grupo de substâncias: 1. Síndrome parkinsoniana: também conhecida como impregnação, a síndrome parkinsoniana consiste na ocorrência de rigidez facial e de postura, lentificação motora, tremores e outros achados semelhantes aos da síndrome de Parkinson idiopática. Surge, em geral, após as primeiras tomadas da medicação e pode ser tratada com a redução da dose do neuroléptico, sua substituição por outro menos potente ou com a associação de drogas anticolinérgicas (p.ex., o bipcrideno). 2. Acatisia: a acatisia é uma sensação de inquietação física e psíquica, com incapacidade de ficar parado e continua movimentação, especialmente das pernas. Surge nos primeiros dias de uso da droga e, muitas vezes, associa-se aos sintomas parkinsonianos. Tem pobre resposta aos antiparkinsonianos e resposta parcial aos benzodiazepínicos ou beta- bloqueadores. 3. Distonia aguda: pouco freqüente, a distonia aguda consiste na torção principalmente da face e pescoço, podendo acompanhar-se de crise oculógira. É considerada um quadro agudo e ocorre, em geral, no inicio do tratamento com neurolépticos (50% dos casos nas primeiras 48 horas e até 90% dos casos nos primeiros S dias). O tratamento é feito com drogas anticolinérgicas por via intramuscular (p.ex.. biperideno), com melhora em minutos. Fred Mesquita 6 4. Discinesia tardia: a discinesia tardia é a mais grave complicação do uso de neurolépticos, com incidência variando, segundo o autor, de 0,5 a 40% dos pacientes em uso crônico dessas drogas. Caracteriza-se por movimentos involuntários de face (lábios e língua), extremidades (movimentos coreoatetóticos de braços, mãos, dedos, pernas e pés) e tronco (pescoço, ombros e quadris) com grande variedade de apresentações clínicas e associações entre esses sintomas. Na maioria dos casos, ocorre após vários anos de uso contínuo de neurolépticos, com maior risco entre pacientes idosos, mulheres com doença afetiva ou lesão orgânica cerebral. O quadro clínico pode ser progressivo ou estável, com variação dos sintomas durante o dia e alívio durante o sono. A prevenção é o melhor tratamento, o que justifica o uso de neurolépticos pelo menor tempo e doses possíveis. 5. Síndrome neuroléptica maligna: é responsável por um quadro clínico dramático, caracterizado por hipertermia, sintomas extrapiramidais severos, hipertensão, taquicardia, taquipnéia, leucocitose (15.000 ou mais) e aumento dos níveis séries de creatinina fosfoquinase (300U/ml ou mais). Quadro raro, porém extremamente grave (mortalidade de 15 a 20%), pode ocorrer com as primeiras doses ou após o aumento da dosagem já em uso. O mecanismo fisiopatológico envolvido ainda é desconhecido. O tratamento exige terapia de suporte em UTI e imediata suspensão dos neurolépticos (Levenson, 1985). Antidepressivos Conceito As drogas antidepressivas são eficazes em muitas formas de depressão, sendo capazes de melhorar notavelmente o humor depressivo sem possuírem uma ação euforizante sobre a pessoa sadia. Em outras palavras, parecem ter uma ação específica sobre os mecanismos fisiopatológicos da depressão. Os diferentes compostos disponíveis no Brasil são apresentados na Tabela 3. TABELA 3. Antidepressivos: Classificação Nome Dose diária usual (mg/dia) Tricíclicos Amitriptilina 150 – 200 lmipramina 150 – 250 Clomipramina 75 – 150 Nortriptilina 50 – 100 Tetraciclicos Maprotilina 100 – 150 Inibidores da monoaminoxidase (IMAO) Tranilcipromina 40 – 80 Moclobemida 400 – 600 Outros Fluoxetina 20 – 60 Paroxetina 20 – 60 Sertralina 50 – 200 Antidepressivas Tricíclicos Em 1958, Kuhn descreveu a imipramina, o primeiro composto a ter sua ação antidepressiva descrita. Logo, estudos controlados mostraram sua grande superioridade sobre placebo na remissão aguda dos sintomas depressivos, especialmente nas depressões endógenas. A omitriptilina, com estrutura química semelhante à da imipramina, foi desenvolvida pouco depois (1960), com eficácia comparável, mas com maior efeito sedativo. Diversos compostos tricíclicos têm sido desenvolvidos desde então, tais como a desipramina, a clomipramina e a nortriptilina, entre outros, com ação sobre as depressões e, em alguns casos, sobre determinados transtornos ansiosos. Mecanismo de ação Os antidepressivos tricíclicos bloqueiam agudamente a recaptura pré-sináptica de noradrenalina e serotonina e induzem uma sub-regulação de receptores beta-adrenérgicos pós-sinápticos ao cabo de alguns dias. Além disso, parecem ter Fred Mesquita 7 uma ação sobre receptores alfa-2-adrenérgicos pré-sinápticos, o que levaria a uma diminuição da síntese global de noradrenalina (Davis & Glassan, 1989). Muitos tricíclicos são parcialmente metabolizados, e seus derivados desmetilados (desmetilimipramina, desmetilclomipramina, desipramina e nortriptilina) também possuem ação terapêutica e são potentes inibidores da recaptura da noradrenalina e da serotonina in vitro. Farmacocinética Quando a imipramina é utilizada como droga modelo, observamos um pico de concentração plasmática da droga 2 a 6 horas após a administração oral, podendo chegar até a 12 horas em pacientes idosos ou em uso concomitante de anticolinérgicos. Variações na metabolização hepática causam grandes diferenças individuais na biodisponibilidade da droga, o que pode interferir nos seus níveis plasmáticos e constituir causa de resistência ao tratamento. A vida média dessas drogas é relativamente longa, variando de 10 a 20 horas para a imipramina a 20 a 40 horas para a clomipramina e omitriptilina. Sua exceção, predominantemente renal, também apresenta diferenças individuais determinadas por aspectos genéticos. Indicações Os antidepressivos tricíclicos são empregados no tratamento de estados depressivos, especialmente os de caráter endógeno, e nos transtornos ansiosos. O tratamento começa com doses baixas, com atenção à tolerância inicial do paciente. O aparecimento dos efeitos antidepressivos pode demorar até três semanas, enquanto que os efeitos colaterais surgem mais precocemente. A remissão completa dos sintomas pode demorar; não se deve considerar que uma droga tenha atingido sua maior eficácia antes que sua dose máxima tenha sido mantida por um período mínimo de quatro semanas. O esquema terapêutico completo inclui a manutenção da medicação por cerca de quatro a seis meses após a remissão completa do quadro. Caso a dose máxima necessária para a remissão traga efeitos colaterais intensos, ela pode ser reduzida, desde que não reapareçam os sintomas depressivos, sendo mantida por aquele período de tempo. Alguns pacientes respondem de forma parcial ou não respondem a esquemas terapêuticos completos. Nesses casos, pode-se verificar os níveis séricos da medicação. Embora não haja evidências definitivas de uma relação entre nível plasmático e resposta clínica, os valores obtidos podem orientar o clínico para um aumento seguro da dose. Outras alternativas nesses casos incluem a troca do antidepressivo em uso. Não existem regras fixas para se escolher uma segunda droga, mas muitos autores sugerem que, caso o paciente não responda adequadamente a dois antidepressivos tricíclicos, deve-se usar um inibidor da MAO. O uso simultâneo de lítio em doses terapêuticas e de hormônio tireoidiano, mesmo na ausência de patologias da tireóide, pode potencializar a ação dos antidepressivos nos casos resistentes (Zusky e cols., 1989). Os tricíclicos estão particularmente associados a “viradas” da depressão para a hipomania e mania, em pacientes com transtorno afetivo bipolar. Em tais situações, recomenda-se o uso simultâneo de lítio ou o tratamento com inibidores MAO. Os principais tricíclicos (imipramina, clomipramina, nortriptilina) são eficazes no bloqueio dos ataques de pânico, muitas vezes em doses menores que as necessárias na depressão. O desaparecimento dos sintomas é gradual, e muitos pacientes (cerca de 30%) apresentam piora de seus sintomas durante as primeiras doses, o que sugere o uso de doses bem inferiores às usadas nos pacientes deprimidos. A clomipramina e a fluoxetina têm sido os últimos antidepressivos usados com sucesso no tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo. As doses necessárias são freqüentemente altas, e os efeitos terapêuticos podem surgir após até seis meses de uso. Efeitos colaterais Os efeitos colaterais surgem logo com as primeiras tomadas e se intensificam durante as primeiras semanas de aumento de dose. Ao cabo de alguns meses, alguns pacientes relatam melhora, mas a remissão completa desses sintomas costuma vir com a suspensão completa do antidepressivo. Os principais efeitos colaterais estão listados no Quadro 4. Fred Mesquita 8 QUADRO 4. Antidepressivos: efeitos colaterais Antimuscarínicos Boca seca, constipação, retenção urinária, visão turva, distúrbios de memória, taquicardia sinusal e piora de glaucoma de ângulo fechado Anti-histamínicos Tontura e sedação Antiadrenérgicos Hipotensão ortostática Outros Galactorréia, alterações da condução cardíaca, lesões cutâneas, precipitação de mania, agranulocitose (rara) Dentre os efeitos mencionados no Quadro 4, convém ressaltar a ação dos tricíclicos sobre a condução cardíaca. Eles possuem uma ação semelhante à da quinidina e estão contra-indicados nos bloqueios completos de ramo, embora possam ser utilizados nos bloqueios parciais. Uma interconsulta cardiológica é fundamental nesses casos (Kanter e cols., 1978). Inibidores da Monoaminoxidase (IMAO) Conceito e Classificação Em 1952, foi observada por Zeller e em seguida por Selikoff a elevação do humor e sensação de bem-estar em pacientes tuberculosos tratados com iproniazida, efeito esse que transcendia o efeito bacteriológico da droga. Observou-se igualmente que a iproniazida, ao contrário da isoniazida, era capaz de bloquear a MAO. A iproniazida, no entanto, mostrou-se capaz de produzir hepatotoxicidade, sendo abandonada até que novos IMAOs fossem desenvolvidos (Paykcl, 1982). Posteriormente, o temor pelas reações hipertensivas associadas ao consumo de tiramina (cheese reaction) levaram à restrição do uso e quase abandono dos lMAOs em favor dos antidepressivos tricíclicos, sendo hoje, no entanto, revalorizado o uso dessas drogas. No momento, os lMAOs para uso psiquiátrico são a isocarboxazida, a fenelzina, a tranilcipromina e a moclobemida, as duas últimas disponíveis no Brasil. Farmacologia Com referência ao seu mecanismo de ação, os inibidores da MAO podem ser classificados em compostos de ação reversível e compostos de ação irreversível, sendo este segundo grupo subdividido em hidrazidicos e não-hidrazidicos. Das drogas existentes no Brasil, a tranilcipromina é um derivado irreversível não-hidrazidico, e a moclobemida, um composto reversível, inibidor da MAO-A, recentemente introduzida no mercado. A pesquisa de inibidores seletivos da MAO se baseia na existência de pelo menos dois tipos de enzima. Sabe-se, por exemplo, que a placenta humana contém apenas a MAO-A, ao passo que as plaquetas, apenas a MAO-B; tecidos como fígado e cérebro contêm ambos os tipos. Certas aminas são substratos da forma A, como a serotonina e a noradrenalina; outros da forma B, tais como a dopamina e a benzilamina; a tiramina e triptamina parecem ser substratos de ambas as formas da enzima. A capacidade dos lMAOs atuarem como antidepressivos tem sido justificada pela maior disponibilidade de uma ou mais dessas aminas no sistema nervoso central após a inibição da enzima. Como foi mencionado anteriormente, no entanto, não é possível dizer que a resposta antidepressiva ocorra em função disso (Korn e cols., 1986). Farmacocinética Os lMAOs são drogas rapidamente absorvidas por via oral, a única via de administração, atingindo o pico de concentração plasmática em cerca de 2 horas. Eles atravessam a barreira hematoencefálica com facilidade, alcançando altas concentrações no sistema nervoso central. São também encontrados no leite de mães em uso da medicação. O mecanismo fundamental de metabolização é a acetilação e está determinado, geneticamente, pela ação da acetil- transferase hepática, com variações individuais e raciais marcantes (Versell, 1972). A excreção da tranilcipromina é predominantemente urinária e ocorre em cerca de 24 horas. Indicações É cada vez maior o interesse pelos lMAOs no tratamento dos transtornos ansiosos, particularmente no transtorno de pânico com ou sem agorafobia e na fobia social como alternativa ao uso de antidepressivos tricíclicos. Fred Mesquita 9 Em pacientes deprimidos resistentes a pelo menos dois tricíclicos, os IMAOs estão indicados previamente ao uso de ECT. Ainda nas depressões refratárias à terapêutica habitual, seu uso em doses acima das convencionais, ou associado a um triciclico (amitriptilina) ou ao carbonato de lítio pode ser útil. No tratamento de fase depressiva (associado ao lítio) de pacientes bipolares com ciclagem rápida (mais de 4 ciclos por ano), acredita-se que o risco de virada para mania seja menor do que com antidepressivos tricíclicos. Um subtipo de depressão historicamente conhecido como depressão atípica, em que a depressão de moderada intensidade associa-se a ataques de pânico, traços histéricos e sintomas fóbicos foi durante certo tempo considerada indicação preferencial para IMAO, reservando-se os tricíclicos para as depressões de tipo endógena, nas quais supostamente os lMAOs seriam ineficazes. Tais conclusões podem ter sido devido a erros metodológicos, como o emprego de baixas doses de lMAO em deprimidos endógenos, e não foram corroboradas por trabalhos mais recentes. Outras indicações, com menor número de evidências teóricas incluem dor crônica, delírios crônicos de infestação de parasitas, narcolepsia, anorexia e bulimia nervosa e transtorno obsessivo-compulsivo. A tranilcipromina é mais tóxica do que a fenelzina, droga de largo uso na Europa e nos EUA, dada a sua ação anfetamina-símile, o que dificulta seu uso após as 16 horas por causar insônia e a torna mais propensa a interações com outras drogas e alimentos. Seu uso deve ser dividido em duas tomadas, e a dose terapêutica está compreendida entre 40 e 80 mg (Baldessarini, 1985), embora casos refratários permitam doses superiores, entre 90 e 180 mg ao dia (Amsterdam, 1991). Deve-se iniciar com dose baixa e subir gradualmente, até a dose de 80 mg por dia de tranilcipromina ou mais, a critério clinico, dividida em duas tomadas. A última dose, pelos motivos já referidos, deve ser dada antes das 16 horas. A melhora do quadro depressivo pode se dar gradualmente ou de uma maneira brusca em 24 horas, devendo-se esperar três a quatro semanas em dose máxima para declarar a terapêutica ineficaz. Na passagem de um lMAO para um tricíclico, deve-se manter um intervalo livre de sete a dez dias para evitar o risco de uma crise hipertensiva. Em depressões refratárias, a tranilcipromina (ou a fenelzina) pode ser associada a um triciclico, em geral a amitriptilina (mas não com a clomipramina ou fluoxetina). Devem-se iniciar as duas drogas de forma simultânea e gradualmente elevar a dose de ambas até encontrar uma resposta clínica ou se os efeitos colaterais limitarem novo aumento de dose. A moclobemida ainda necessita de maiores dados quanto à sua eficácia e às indicações diferenciais. A dose empregada situa-se entre 400 e 600 mg ao dia em duas tomadas. Efeitos Colaterais Feocromocitoma e aneurisma intracraniano são as contra-indicações absolutas. Os efeitos colaterais são principalmente autonômicos, em especial hipotensão postural, que ocorre em 40 a 60% dos pacientes, muitas vezes sem o desenvolvimento de tolerância. O risco de hipotensão postural severa deve ser particularmente temido em idosos, devido ao risco de acidente vascular, e nos diabéticos, pela neuropatia periférica. Efeitos colinérgicos como boca seca, obstipação e anorgasmia ocorrem em menor intensidade do que com tricíclicos. Mioclonias, ganho de peso, diminuição da libido, síndrome lúpus-símile, edema de membros, daltonismo e crise hipertensiva espontânea são efeitos mais raros ainda. Sintomas maníacos e esquizofrênicos podem piorar (Nies & Robinson, 1982). Há diferentes problemas de interação com o uso dessas drogas, sendo os de maior relevância as crises hipertensivas na interação com tiramina ou outros agentes simpatomiméticos. No entanto, estudos com infusão de tiramina encontraram um efeito “protetor" da associação entre amitriptilina e um IMAO em relação ao IMAO usado isoladamente. Dieta livre de tiramina deve ser instituída tão logo se inicie o tratamento com tranileipromina, devendo ser mantida até 15 dias após a retirada da droga. Sintomas da crise hipertensiva incluem intensa cefaléia occipital ou temporal, calor, palpitação, sudorese profusa, náuseas e vômitos, hipertensão severa e, ocasionalmente, morte. A lista de alimentos e medicações que sugerimos evitar está apresentada no Quadro 5. Outras alterações incluem a potencialização dos efeitos de hipoglicemiantes orais, anticolinérgicos, barbitúricos e alguns anti-hipertensivos como metildopa reserpina e altas doses de propranolol (Klein, 1980). Fred Mesquita 10 Lítio Conceito Referências esparsas sobre propriedades anti-maníacas de águas alcalinas, hoje reconhecidas como ricas em lítio, são encontradas desde Soranus de Éfeso, no século II antes de Cristo. Descoberto como elemento, em 1815, pelo cientista sueco Berzelius, o lítio passou a ser usado de maneira não-sistemática no tratamento da artrite. QUADRO 5. Recomendações a serem seguidas durante o tratamento com inibidores da MAO Enquanto tomar inibidores da MAO, e durante 15 dias após sua interrupção, NÃO USE os seguintes alimentos: A Queijos (podendo comer queijos frescos. ricota e requeijão) B Caviar, peixes defumados, feijoada. miúdos de galinha e fígado C Feijão tipo fava e soja D Carnes enlatadas, em conserva ou defumadas E Conservas em geral F Compota de figo ou figo em calda G Chocolate em excesso As seguintes bebidas: A Vinhos em geral, especialmente. Chianti, Xerez ou Porto B Cerveja Os seguintes medicamentos: A Outros antidepressivos B Antigripais (podendo usar Novalgina, Aspirina, AAS e Tylienol) C Descongestionantes nasais (podendo usar soro fisiológico) D Colírios (podendo usar Lácrima) E Xaropes (podendo usar Iodeto de Potássio) F Remédios para tirar a fome G Remédios para aumentar a pressão arterial H Estimulantes I Morfina ou derivados J Anestésicos locais com adrenalina Procure seu médico caso apresente algum dos seguintes sintomas: - Dor de cabeça forte e súbita - Náuseas e vômitos - Dificuldades em mover qualquer membro Caso precise procurar qualquer outro médico, não se esqueça de avisar que faz, ou fez, uso dessas medicações. Na era atual, coube a Cade, nos anos 40, e, posteriormente, a Mogens Schou, em 1954, sua introdução no arsenal psiquiátrico (Gentil Filho, 1985). A introdução dos sais de lítio no tratamento dos transtornos do humor foi sem dúvida um dos maiores marcos da história da Psiquiatria. Fred Mesquita 11 Mecanismo de Ação O mecanismo de ação de lítio é desconhecido, mas postula-se que atue na membrana celular e sobre os neurotransmissores. O lítio levaria a uma alteração do balanço dos íons Na+ eK+, permanecendo o Li+ predominantemente extracelular e estimulado e transporte ativo de NA+. Da mesma forma, ocasionaria uma elevação da atividade do Ca++ intracelular, favorecendo e incrementando os processos dependentes desse íon. Com respeito aos neurotransmissores do sistema nervoso central, o lítio aumenta a metabolização da noradrenalina, diminuindo sua disponibilidade na fenda sináptica. Efeitos semelhantes parecem marcar sua ação sobre o sistema dopaminérgico. Com respeito à sua ação sobre os neuroreceptores, produz inibição específica da adenilciclase noradrenalina-sensível, interferindo na síntese do AMP cíclico (Bueno e cols., 1985). Indicações e Contra-indicações No tratamento da mania e da hipomania aguda, o tempo de latência para o inicio de seus efeitos é de 5 a 14 dias, uma vez em dose adequada. Indica-se o uso concomitante de neurolépticos em pacientes cujo quadro exija uma intervenção mais rápida. O manuseio, porém, deve ser feito com cautela, dados os relatos, embora raros e em parte discutíveis, de neurotoxicidade pela associação de lítio com haloperidol e flufenazina. O efeito é indicado na profilaxia das psicoses afetivas bipolares ou unipolares recorrentes. Sabe-se, entretanto, que cerca de 20 a 30% dos pacientes não respondem ao mesmo. Entre o sucesso completo e a ausência de resposta, outras situações possíveis são: Menor freqüência e intensidade dos episódios; e Supressão das fases de mania, mas não das de depressão. No episódio agudo de depressão, o efeito antidepressivo é pior que o dos tricíclicos, porém apresenta-se como uma opção no tratamento de pacientes resistentes a antidepressivos, em associação com estes. Em cicladores rápidos (mais de 4 episódios em 1 ano) pode ser necessário o uso de lítio concomitante ao de carbamazepina ou hormônio tireoidiano para maior efetividade. Sua eficácia na ciclotimia, transtorno esquizoafetivo, tensão pré-mentrual, discinesia tardia e outros, entretanto, é muito menos embasada (Bebbington & Hill, 1985). Vale a pena relembrar algumas questões práticas. Uma primeira fase de mania deve merecer pelo menos seis meses de tratamento, após a remissão completa da fase. Tratamentos mais longos devem ser considerados se o paciente teve duas ou mais fases, particularmente se os intervalos entre elas foram curtos e se houve prejuízo das atividades sociais. Caso as duas fases tenham sido de depressão, o lítio deve ser ponderado em razão de fatores como história familiar ou se a paciente é mulher em idade fértil. Como norma, recomenda-se que antes de iniciar o tratamento com lítio e, periodicamente, durante o seu uso, proceda-se a seguinte avaliação: Exame físico; Hemograma; Avaliação de função renal: creatinina, uréia, sódio e potássio séricos, urina l e, eventualmente. Clearence de creatinina; T3, T4, TSH e anticorpos antitireóide; Eletrocardiograma; Eletroencefalograma em alguns casos. Essa avaliação laboratorial deve ser repetida a cada seis meses ou a critério clínico. Uma orientação franca e completa sobre a doença com o paciente e familiares e, eventualmente, o uso de manual ou grupos de orientação periódicos melhora a aderência ao tratamento. Existem diferentes maneiras de introduzir o lítio. Nós preferimos a introdução de um comprimido de 300 mg com aumento gradual da dose. Tradicionalmente, o nível terapêutico se estabelece entre 0,6 e 1,2 mEq/1 e, embora haja variações para cima (na mania aguda) ou para baixo (aparentemente alguns pacientes podem ser mantidos em doses de 0,4 mEq/1), esses casos devem ser entendidos como uma exceção. O lítio tem uma meia-vida de 24 horas, e são necessárias 4 a 5 meias-vidas para se atingir um estado de equilíbrio, devendo-se determinar a litemia a cada cinco ou sete dias (exceto nos casos de intoxicação). Fred Mesquita 12 Isso se aplica não apenas ao início da terapia, mas a cada alteração da dosagem. Pode-se levar de um a dois anos antes de atingir o completo efeito profilático, portanto, antes desse prazo, é inadequado falar em falha terapêutica. Durante o seguimento, o achado de níveis flutuantes indica ingestão irregular da medicação, interação com outras drogas ou problemas de aderência ao tratamento (Jefferson e cols., 1987). As contra-indicações absolutas à litioterapia incluem o período anterior a uma gravidez planejada ou durante o primeiro trimestre de gravidez: bebês nascidos de mães em uso de lítio têm uma incidência maior de anormalidades cardíacas. Outras contra-indicações incluem a amamentação e a insuficiência renal severa. Insuficiência renal controlada, insuficiência cardíaca e doença de Addison, por afetarem a excreção do lítio tanto diretamente como por mudanças eletrolíticas, e o hipotereoidismo são contra-indicações relativas. Efeitos Colaterais e Interações Medicamentosas Vestergard e cols. (1980) avaliaram 237 pacientes durante 5,2 anos, encontrando: 70% de aumento de diurese; 45% com tremor de mãos (social e profissionalmente embaraçoso); 20% de ganho de peso superior a 10 quilos; 20% de diarréia; 10% de edema intermitente; 10% sem complicações. Outros efeitos colaterais incluem queda de cabelo, acne, diminuição da memória, tremor, intoxicação, cáries dentárias, complicações tireoidianas (bócio hipotireoidismo), anorexia, disfunções renais e disfunções sexuais (impotência no homem). Assim, é possível dizer que, muitas vezes, o uso do lítio pode apresentar para o paciente um ótimo passeio, que o livrará de uma doença extremamente incapacitante, sentado em uma cadeira desagradável. A mais importante situação de risco durante o uso de lítio é a intoxicação devido a uma condição qualquer que eleve os níveis plasmáticos acima dos terapêuticos. Intoxicação deve ser suspeitada na presença de: Diarréia persistente (não fezes pastosas); Vômitos ou náuseas severas e persistentes; Visão turva; Fraqueza generalizada e dificuldade de locomoção; Tremores intensos, se previamente presente há uma exacerbação; Câimbras; Grande desconforto subjetivo; Anorexia não explicável; Tontura acentuada; Rebaixamento da consciência; Nistagmo, disartria e convulsões; Sudorese de pés e pernas. Deve-se interromper o uso de lítio imediatamente e verificar o nível sérico de creatinina, uréia e eletrólitos, bem como rever a possível causa da toxicidade (infecção, febre, desidratação, interação com outras drogas ou ingestão abusiva) (Schou, 1989). O uso concomitante com neurolépticos pode levar ao aumento dos efeitos extrapiramidais dessas drogas. O uso de diuréticos deve ser evitado se possível, podendo levar à intoxicação por lítio. A indometacina, as drogas anorexígenas e os esteróides podem potencializar os efeitos do lítio. Alternativas ao Uso do Lítio Carbamazepina, um anticonvulsivante particularmente útil em pacientes com epilepsia do lobo temporal, passou a constituir uma alternativa em pacientes maníacos não-responsivos à litioterapia, a partir de trabalhos iniciais de pesquisadores japoneses. Além da carbamazepina, sem dúvida a droga mais pesquisada, drogas como a clonidina, o lorazepam em altas doses, o clonazepam, o verapamil e o ácido valpróico vêm sendo testados. Fred Mesquita 13 ELETROCONVULSOTERAPIA (ECT) Conceito Terapias convulsivas foram introduzidas, em 1934, para o tratamento da esquizofrenia pelo psiquiatra húngaro Von Meduna, em Budapeste, através do uso de óleo de cânfora, primeiramente, e depois com metrazol no tratamento da demência precoce, baseado numa premissa errônea de que haveria uma oposição entre esquizofrenia e epilepsia. Anos depois, em 1938, Cerletti e Bini, em Roma, introduziram a eletroconvulsoterapia. Principalmente a partir da década de 1960, o desenvolvimento das terapias farmacológicas fez com que diminuísse o interesse pelo estudo e o número de indicações de ECT. Apesar do preconceito, de certa forma irracional, mas ainda existente, o fato é que o ECT permanece como instrumento insubstituível do arsenal terapêutico do psiquiatra na medida em que cresce o número de pacientes resistentes aos tratamentos farmacológicos (Kalinowsky, 1986). Mecanismo de Ação Ao longo dos anos, uma variedade de teorias sucedeu-se na tentativa de justificar a eficácia terapêutica do ECT, desde idéias psicológicas de medo, punição, amnésia, negação e repressão sem embasamento cientifico até a ênfase atual nos mecanismos de alteração dos neurotransmissores. Tais alterações incluem um aumento da função serotoninérgica por efeito pós-sináptico, elevação da síntese e utilização da noradrenalina, bem como alterações dos sistemas envolvendo dopamina, acetilcolina, opióides e de uma série de outros neurotransmissores e neuromoduladores. Embora o mecanismo de ação não seja completamente conhecido, há o consenso de que a crise convulsiva é necessária para o efeito terapêutico (Abrams & Fink, 1984). Indicações e Contra-indicações Apenas quatro anos após sua introdução para o tratamento da esquizofrenia, ficou patente que os melhores resultados eram obtidos no tratamento da depressão. Depressão A resposta dos quadros depressivos ao ECT, sejam eles unipolares ou bipolares, é uma das mais espetaculares vistas em Medicina. O ECT pode ser considerado nas seguintes circunstâncias: Quando o grau de angústia ou inanição, ou o risco de suicídio exigirem uma rápida resposta terapêutica; Quando houver previamente resposta positiva ao ECT; Depressão com retardo psicomotor importante ou com delírios (depressão psicótica); Depressão com características endógenas que não respondam a medicação antidepressiva dada em doses adequadas por quatro a seis semanas; Depressão em situações clínicas que não permitam ouso de antidepressivos tricíclicos (gravidez, patologia cardíaca severa, marca-passo ou em idosos). Após a remissão do quadro, o seguimento com lítio ou um antidepressivo triciclico deve ser instituído com a finalidade de evitar a recaída, uma vez que a terapia convulsiva não previne episódios depressivos subseqüentes (Bassuk & Gelenberg, 1987). Esquizofrenia O ECT tem lugar no tratamento do estupor catatônico ou em estados de excitação, quando o paciente corre risco de debilitação grave. Ocasionalmente, pode ser considerado na esquizofrenia aguda com sintomas intensos, apesar do tratamento com medicação neuroléptica. O conceito de que na esquizofrenia catatônica o ECT seria superior a medicação neuroléptica nunca foi sustentada por sólidas evidências. Também não se observa benefício no uso de ECT para o tratamento da esquizofrenia crônica (Hamilton, 1986). Mania Eventualmente, o ECT pode ser empregado na mania aguda ou severa que não responde ao lítio ou à medicação neurológica, havendo sugestões de que haveria um melhor controle do quadro com essas medicações após o ECT. Fred Mesquita 14 Como o uso de antidepressivos tem sido associado ao fenômeno de ciclagem rápida, o ECT é uma boa opção para tais pacientes (Schou, 1991). Epilepsia Um único ECT em geral é suficiente no tratamento de estados psicóticos agudos pós-críticos. Outras Indicações Poderíamos citar a anorexia nervosa, o transtorno esquizoafetivo e o transtorno “obsessivo-compulsivo de indicações não-usuais, com poucos relatos e que necessitam de maiores evidências que embasem o seu uso. Técnicas de Aplicação A anestesia envolve a administração de atropina, um barbitúrico de curta ação e um relaxante muscular. O choque pode ser administrado bilateralmente, na região dos lobos temporais, ou unilateralmente, no lado do hemisfério não-dominante, em geral o direito. No procedimento unilateral, os eletrodos devem ser colocados afastados um do outro o suficiente, com uma distância aproximada de um dedo. Há uma pequena vantagem aparente no ECT bilateral em relação ao unilateral, porém este oferece menor comprometimento cognitivo (amnésia e desorientação). Pacientes que não melhoram após cinco ou sete aplicações de ECT unilateral devem passar a receber aplicação bilateral (Taylor & Abrams, 1985). O número e a freqüência de aplicações devem ser estabelecidas a partir da resposta inicial ao tratamento. E prática corrente prescrever ECT duas ou três vezes por semana, com um intervalo mínimo de 48 horas entre as aplicações. Na depressão é comum o uso de quatro a oito sessões, embora eventualmente possa se chegar a 12. Tratamentos adicionais de suporte, após a melhora clínica, não diminuem a probabilidade de recaída e aumentam os riscos de distúrbio de memória. Efeitos Colaterais Considera-se como contra-indicação absoluta a suspeita de hipertensão intracraniana. O ECT produz um aumento brusco da pressão sanguínea sistólica e, em função disso, constituem contra-indicações relativas infarto do miocárdio recente, aneurisma cerebral ou aórtico e acidente cerebrovascular prévio (Hamilton, 1986). O risco de morte por ECT é mínimo, ainda mais com melhoria dos procedimentos anestésicos, sendo consideravelmente menor que o da doença depressiva severa não-tratada ou tratada de modo inadequado. Entretanto, o ECT tem como efeitos colaterais a taquicardia temporária e o aumento da pressão sanguínea sistólica, excitação confusional, crise convulsiva espontânea, cefaléia e breve amnésia retrógrada do momento do choque, além de uma dificuldade em assimilar novos dados, o que normalmente desaparece dois ou três meses após o tratamento. Não há nenhuma evidência de prejuízo permanente da memória com o tratamento de duas vezes por semana, bilateral ou unilateral (Paykel, 1982). Fred Mesquita
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