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Ainda em breve esboço. Discutirei, em tempo, neste espaço, a noção de ideologia em Marx, tal como se encontra no volume I do livro Ideologia Alemã. Esse livro apresenta uma dimensão histórica de interesse para o estudante: trata-se do primeiro livro de fôlego escrito em conjunto com Engels. Nele, os autores buscaram alinhar uma perspectiva filosófica em contraponto com a esquerda hegeliana, do qual, diga-se de passagem, ambos, em algum momento de suas vidas, fizeram parte (o conhecido "clube dos doutores"). Abandonando qualquer preciosismo teórico-filosófico, podemos dizer que a esquerda hegeliana situava-se em relação a Hegel criticamente, i.e., não apenas buscavam elevar conceitualmente o mestre, como procuravam, a partir das noções de Hegel, criticar a velha sociedade alemã. Com efeito, a filosofia de Hegel prestava-se a duas interpretações: conservadora ou crítica. Podemos visualizar isso a partir de uma frase proferida pelo filósofo alemão: "o real é racional; o racional é o real". Conforme se posicionam a esquerda ou direita do espectro político, assume-se uma parte dessa frase como a mais reveladora: ora se diz que a realidade deve-se conformar como o seu modelo ideal racional, assumindo uma posição crítica em relação a realidade; ora se compreende que a realidade é o racional, assumindo uma posição conservadora. Outro aspecto relevante é a adoção, por parte dos autores, do materialismo de Feuerbach. Evidentemente, não se trata de uma incorporação integral do materialismo de Feuerbach, que os autores consideravam ainda idealista. No entanto, a abordagem materialista apresenta-se fundamental para dar o passo decisivo em direção à crítica ao idealismo alemão. Essas breves considerações nos servem apenas para uma ligeira apreciação da obra, que tentaremos desenvolver a seguir focalizando na noção de Ideologia. O livro desenvolve o materialismo histórico como concepção de transformação histórica. Tendo-nos ocupado dessa temática anteriormente, resolvemos não aprofundar a questão, a não ser no que diz respeito direta ou indiretamente à noção de ideologia. Questões norteadoras: 1) O que podemos entender por ideologia? Qual a sua importância às sociedades contemporâneas? Quais ideologias marcaram o mundo Ocidental no século XX? De maneira geral, o senso comum entende por ideologia toda a forma de pensamento desconectada com a realidade e que a obscurece dessa forma a falseando. Em outras palavras, seriam formas rígidas de ideias preconcebidas que distorcem a compreensão da realidade. Diz- se desse modo que alguém está falando ideologicamente quando se supõe que seu sistema de crenças e pensamento se sobrepõe às evidências - ou seja, quando esse alguém não consegue ver as coisas como realmente são, mas apenas através de princípios gerais que buscam esgotar determinada situação. Ou ainda, tomamos, ordinariamente, por ideologia formas de conhecimento ou sistemas filosóficos e de crenças que têm implicações significativas na organização social, justificando, ou melhor, legitimando determinadas formas de dominação. Desse modo, o termo não está relacionado apenas com o sistema de crença, mas, também, pode estar vinculado a questões de poder. Sendo assim, as ideologias forneceriam condições para a continuidade de sistemas políticos, mediante a difusão de ideias que o legitimem e combate das que possam lhe desafiar, obscurecendo a realidade social. As ideologias dariam condições de continuidade para as formações sociais mediante a resolução ou obscurecimento dos conflitos sociais reais nos sistemas de pensamento. Nisso reside sua importância de forma negativa para as sociedades contemporâneas. O século XX foi marcado por duas grandes ideologias: o liberalismo (hoje, neoliberalismo) e o socialismo. O socialismo perdeu muito de sua força após os eventos que levaram ao esfalecimento da URSS. O liberalismo tornou-se hegemônico, e assumiu novos contornos com o neoliberalismo. 2) Em resumo, como podemos definir a ideologia segundo os autores? A noção de ideologia é muito mais complexa do que a precedente. Seus desdobramentos, a partir de Marx, tomaram rumos diversos. Em ideologia alemã, contudo, Marx e Engels consideram ideológica toda forma de pensamento desvinculada da prática social, tomada em si mesma, e que, mediante um processo de inversão, passa a ser compreendida como a própria origem e fundamento da vida histórica. 3) Qual a relação entre os bens de produção de um povo e a formação de sua ideologia? "A produção das ideias, das representações e da consciência está, no princípio, diretamente vinculada à atividade material e o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da vida real" (MARX e ENGELS). Há dois pontos a serem levantados. Em primeiro lugar, Marx está afirmando que as ideias, as representações e a consciência "emanam" da vida material, portanto, é por ela condicionada. O que ele está considerando é o homem real, que é o verdadeiro produtor das ideias, condicionado por um determinado estágio de desenvolvimento da vida material. Opõe-se, pois, ao empirismo sensualista (Feuerbach), na medida em que o conhecimento é produto da atividade social dos homens. Em segundo lugar, quando afirmam que "no princípio" existe esse condicionamento, eles estão também considerando a possibilidade de que essas ideias, representações e consciência do ser podem se apresentar desconectadas da vida material, fetichizadas em uma coisa em si, que, mediante um processo de inversão, podem ser compreendidas como a própria origem da história. No entanto, esse descolamento das ideias em relação ao processo da vida material decorre do próprio desenvolvimento das forças produtivas e das relações a ele correspondentes. O que Marx e Engels têm em mente é o processo de divisão do trabalho material e espiritual. Essa divisão implica que, dado o desenvolvimento das forças produtivas, um grupo de pessoas pode ser liberado das exigências do trabalho material e dedicar-se exclusivamente a atividade intelectual. Desse modo, estão dadas as condições para que a consciência possa "iludir-se" de que é realmente independente da realidade material. A separação entre as ideias e a realidade material reflete uma desconjunção na própria realidade. Decorre, portanto, do desenvolvimento das forças produtivas e das relações correspondentes. 4) Explicar o trecho: "Na história até aqui existente é empiricamente demonstrável o fato de que os indivíduos, com a extensão da atividade para uma atividade histórico-mundial, tornaram-se cada vez mais subjulgado a uma potência que lhes é estranha..." A partir de determinado estágio de desenvolvimento produtivo, os produtos e processos humanos escapam totalmente ao controle dos sujeitos que os engendraram, passando a manifestar uma existência autônoma. Apresentam-se, então, como uma força estranha, coisificada, que se impõe aos seres humanos - como uma realidade alienada. Assim como as instituições e produtos humanos, a consciência pode aparecer dissociada das práticas dos homens, manifestando-se como entidades em si mesmas e impondo-se como origem e fundamento da história. Essa é a natureza da ideologia, particularmente da ideologia alemã. 5) Argumentar a afirmação: "as ideias das classes dominantes são, em todas as épocas, as ideias dominantes; ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante..." A classe que controla a força material controla também a produção espiritual. O grupo que detém os meios de produção material tem a seu dispor os meios de produção e difusão de suas ideias. Essas ideias são, portanto, as ideias do grupo dominante, expressam a consciência que os grupos dominantes possuem das relações sociais. São, pois, as ideias de sua dominação. Consistem em ideias dominantes por se colocar acima das representações de outrosgrupos, ou classes, e expressarem os interesses da classe dominante. Essas ideias, contudo, só podem se tornar dominantes na medida em que aparecem desligadas dos grupos dominantes. Ora, se estivesse clara a relação delas com os grupos dominantes, os grupos subordinados teriam razões suficientes para se opuser a elas. No entanto, essas ideias têm a aparecência de serem autônomas, e são suficientemente abstratas para se generalizarem em toda a sociedade. Incorporada por outras classes, apresenta-se como "falsa consciência", não no sentido de estar em desacordo com a realidade, mas de não corresponder às suas condições de existência, desse modo estranha a ele.
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