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Aroldo Plínio Gonçalves - Técnica Processual e Teoria do Processo - Ano 1992 (1)

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Prévia do material em texto

AROLDO PLÍNIO GONÇALVES
PROFESSOR TITULAR DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL NA 
FACULDADE DE DIREITO DA UFMG - JUIZ PRESIDENTE DO 
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO - MG
t é c n ic a p r o c e s s u a l
e
TEORIA DO PROCESSO
AIDE EDITORA
Ia edição — 1992
G635t Gonçalves, Aroldo Plínio, 1943
Técnica Processual e teoria do processo/
Aroldo Plínio Gonçalves. — Rio de Janeiro :
Aide Ed., 1992.
220 p.
1. Direito processual civil. I. Título.
CDD-341.45
ISBN: 85-321-0071-6
I BIBLIOTECAS a T p 
| i ; 'í j- íf 
| RSGsSTRO: ' ^ 3 3 ^ 5 
Í0ATA:Jsi„# o$ /99 
PUBLICAÇAO N °146 tacetVO : *
Reservados os direitos desfl^èíTfÇãQ^ara jí
AIDE EDITORA E COMÉRCIO DE LIVROS LTDA.
Rua Siqueira Campos 143 — 2° andar — Lojas 22 e 23 
Tels.: 235-2440 - 236-5986 - 256-2975 FAX: (021) 237-4585 
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INTRODUÇÃO
O movimento de renovação do Direito Processual, que eclo- 
de em vários Congressos e se manifesta em importantes obras do 
Direito brasileiro, atua como fonte geradora de novas idéias e 
novas reflexões sobre antigas questões da construção doutriná­
ria.
Dentre suas contribuições, anuncia a superação do tecnicis­
mo do século XIX, onde o rito se fazia pelo rito e a forma se 
cumpria pela forma. Essa é realmente uma boa-nova que o século 
XX, já caminhando para seu final, pode deixar como conquista 
para as gerações futuras. As novas idéias tendem, entretanto, a 
diluir, na própria superação do tecnicismo do século passado, a 
visão do processo como estrutura técnica que se põe como 
instrumento para o exercício da jurisdição.
Quando se reflete sobre as superações de velhos modelos 
produzidas pelos movimentos inovadores, em alguns momentos 
da história humana, tem-se a impressão de que todos cumprem 
um destino comum. Não se passam como as ações e reações 
explicadas pela Física, que envolvem forças iguais e contrárias. 
Neles, as forças que se sucedem às antigas são mais potentes, e 
nem sempre vão apenas na direção contrária, 'mas abrem-se em
7
um verdadeiro prisma de possibilidades de múltiplos caminhos. 
Pode ser lembrado, nos anos sessenta, deste século, o movimen­
to da contracultura, que, reagindo contra uma cultura considera­
da arcaica, propõe-se a fechar as Universidades, a retirar os 
professores das salas de aula, e a renovar o mundo a partir de 
outras bases. Seus efeitos se desdobram em marchas sobre Paris, 
no movimento hipp ie , nos w oodstockes, e em tantas outras ma­
nifestações inesquecíveis, que fizeram dos anos sessenta os anos 
das revoluções.
O movimento dè renovação do Direito Processual parece 
cumprir também esse destino. Tenta superar as insuficiências de 
uma concepção deficiente de processo, do rito pelo rito e da 
forma pela forma, abolindo o formalismo. Tenta superar um 
direito insuficiente, porque não deu respostas adequadas aos 
problemas sociais da época, eliminando o fator jurídico, que se 
torna o elemento menos importante, confrontado com uma or­
dem social ou política. Tenta substituir uma técnica jurídica 
deficiente, porque construída sobre antigos conceitos que não 
passaram pelo necessário ajustamento, eliminando a técnica. 
Nega-se, ou se exclui como algo necessário, o papel fundamental 
do conhecimento em relação às necessidades sociais e humanas, 
e às necessidades da Ciência do Direito Processual. O importan­
te, no Direito Processual, já não são os conceitos, mas é uma 
nova mentalidade de reforma, que se quer efetiva, e se fez urgen­
te, porque é preciso transformar as condições sociais. E o meca­
nismo dessa transformação é direcionado para o processo, a que 
se atribui a missão de reformador social, pelo cumprimento de 
finalidades políticas e sociais.1 MARX é sempre relembrado, na
1 V. CÂNDIDO R. DINAMARCO - "O que conceitualmente sabemos dos insti­
tutos fundamentais desse ramo jurídico já constitui suporte suficiente para 
o que queremos, ou seja, para a construção de um sistema processuaL apto 
a conduzir aos resultados práticos desejados. Assoma, nesse contexto, o 
chamado aspecto ético do processo, a sua conotação deontológica." In: "A 
Instrumentalidade do Processo" 2~ ed. rev. e atual. - São Paulo: Editora 
Revista dos Tribunais, 1990, p. 21. Ainda: "O processualista de hoje pensa 
na missão social, política e jurídica do processo." Cf. CÂNDIDO R. DINA-
passagem mais célebre das Teses Contra Feuerbach, a 11a tese: 
"Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, 
cabe transformá-lo'1. Mas não será lembrado que MARX não cha­
mava os teóricos como agentes da transformação e sim os operá­
rios do mundo, que eram conclamados a se unirem. Uma teoria 
será sempre uma teoria, e por si só não tem o poder de ser outra 
coisa, e MARX certamente percebia isso. Se for usada como arma 
de reforma, a força que possuir estará no braço revolucionário, 
ou no braço reacionário, e não nos conceitos por ela formula­
dos. GALILEU não foi processado pela força >de qualquer teoria 
de ARISTÓTELES, mas pela força de BELARMINO e de URBANO 
VIII, ou pela força da Inquisição, que, conforme diz RUSSELL, 
"foi muito bem sucedida em seu empenho de acabar com a 
ciência na Itália"2. NIETZSCHE certamente não suspeitava da 
futura existência de GOBINEAU. É inútil perguntar se teriam 
eles, se pudessem, dado autorização para o uso prático que foi 
feito de suas construções. A responsabilidade que o teórico tem 
com as idéias que coloca em circulação3 limita-se à sua honesti­
dade, pois não se pode amordaçar o pensamento, nem se colocar 
em uma camisa-de-força a liberdade que constitui instrumento 
de sua veiculação. Por isso, teoria são teorias.
Os movimentos de renovação deste século, no campo da 
cultura ocidental, como ocorreu em outros momentos da Histó­
ria, nasceram da crise da razão, de uma razão que CASTORIADIS 
vê como uma criação humana enlouquecida19 e que tem sido 
motivo de muitas angústias.
MARCO: "Técnica e Efetividade do Direito Processual" inSynthesis - Direito 
do Trabalho Material e Processual - Rev. Semestral, n - 4187, pp. 46147.
2 Cf. BERTRAND RUSSELL - "História da Filosofia Ocidental", Livro Terceiro, 
Trad. de Brenno Silveira, 3“ ed., São Paulo: Companhia Editora Nacional, 
1969, p. 55.
3 A questão é levantada por MICHEL VIRRALY - La Pensée Juridique, Paris: 
Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1960.
4 "Digamos, antes, que o homem é um animal louco que, por meio da sua 
loucura, inventou a razão. Sendo um animal louco, naturalmente fez da
9
Assim como, no limiar da Idade Média, SANTO AGOSTI­
NHO chorava amargamente por haver cedido à tentação de ter se 
entretido com a literatura grega,5 o Ocidente carrega essa sina. 
Ama a razão apaixonadamente, cultua-a como nenhum outro 
povo jamais o fez, HEGEL o mostrou, mas depois se lamenta por 
haver cedido à sua sedução e faz o seu m ea cu lpa , repudiando-a. 
Tenta encontrar sua absolvição no culto dos procedimentos ir­
racionais (no sentido Weberiano). A razão não deu respostas 
adequadas aos problemas do mundo? Exclui-se, elimina-se a 
razão.
A crise da razão, com a negação da racionalidade, alastrou- 
se pelo Ocidente, que mal percebeu que, se não deu respostás 
adequadas a seus problemas, o fato não poderia ser tributado à 
razão, mas às finalidades que foram dadas a seu uso, eleitas pelos 
próprios homens. Se a técnica se aperfeiçoou tanto a ponto de 
permitir a eficiência em grau de excelência para o culto da vida 
ou para o culto da morte, a responsabilidade que decorre desse 
aperfeiçoamento não é certamente da técnica, ou da capacidade 
que o homem possui de produzi-la, mas da vontade que a dire­ciona para os fins. Porque a pedra foi, segundo os antigos textos 
sagrados, a primeira arma de um crime, para se acabar com os 
crimes não basta destruir as pedras.
O jogo de amor da cultura ocidental com a razão é um 
estranho jogo, mas não mais estranho do que qualquer jogo de 
amor. E um jogo dirigido e presidido pelas emoções, e forma
sua invenção, a razão, o instrumento e a expressão mais metódica da sua 
loucura. Isto podemos hoje saber, porque isto aconteceu". Cf. CORNELIUS 
CASTOKIADIS - Reflexões sobre o Desenvolvimento e a Racionalidade, 
trad. de Maurício Santiago Almeida F., in Revolução e Autonomia - Um 
Perfil de Cornelius Castoriadis, Belo Horizonte: COPEC-Cooperativa Edito­
ra de Cultura e de Ciências Sociais Ltda., 1981, pp. 117/145, o trecho citado 
está na p. 144.
5 Cf. SANTO AGOSTINHO - Confissões, trad. de J. Oliveira Santos, S.J., e A. 
Ambrósio de Pina, S.J., São Paulo: Abril Cultural, 1973, v. Livro I, 14 e 15, 
pp. 36/37.
10
não um curso regular, mas um dis-curso, que, como viu ROLAND 
BARTHES,6 é a única via possível em toda experiência amorosa, 
porque a sua trajetória jamais se dá em uma linha reta e contí­
nua. A razão é tão amada e tão cultuada que o homem ocidental 
quase se dissolve nela. Mas pede demais a ela, projeta demais 
nela, espera demais dela, e logo se ressente e a repudia, incrimi­
na-a por não dar respostas satisfatórias a todos os seus anseios. 
Entretanto, a separação não dura muito, porque o ser humano 
ocidental se fez uno com a razão e necessita dela para se reco­
nhecer a si mesmo, e sem ela se vê fragmentado e, para se 
recompor, acaba retornando a ela. E porque a razão o cativa, ele 
a detém cativa.7
A penosa caminhada de uma sociedade, que ainda não 
resolveu problemas de ordem vital para a maioria de seus mem­
bros, desperta, nos estudiosos mais conscientes da dignidade 
reconhecida a cada ser humano pelo Direito, a indignação por 
sabê-lo existente e por vê-lo, não obstante, negado. A indignação 
que nasce da pureza das intenções tem pressa. A dignidade 
humana é valor que não se negocia, como realmente sempre o 
foi, por isso nasce a ânsia de promovê-la já. Compreende-se, 
então, o apelo para que o Direito seja o elemento transformador 
da sociedade. Mas não se pode esquecer que a sociedade con­
temporânea não tem a pureza das primitivas, e já não aceita 
profetas com suas tábuas de leis. Quer fazer o seu destino e quer 
ser agente da sua história. Seus conflitos são trazidos à luz do dia 
e resolvem-se no jogo das pressões e das contradições.
O direito material, enquanto cânone de conduta e de orga­
nização social, será fator de transformação, se assim for construí­
do pelos seus destinatários, que são também os seus criadores. O
6 ROLAND BARTHES - Fragmentos de um Discurso Amoroso - Trad. de 
Hortênsia dos Santos, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 3a ed., 1981.
7 Cf. Reporta-se, aqui, ao duplo significado da expressão "a razão cativa" da 
obra de SÉRGIO PAULO ROUANET - A Razão Cativa - As Ilusões da Cons­
ciência: de Platão a Freud. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
11
processo, como instrumento disciplinado pela lei para permitir a 
manifestação do Poder Jurisdicional, chamado a resolver os con­
flitos, onde as autocomposições falharem, é instrumento pelo 
qual o Estado fala, mas é, também, instrumento pelo qual o 
Estado se submete ao próprio Direito que a nação instituiu. E 
esse Direito é o único p o d er capaz de limitar a atuação do Poder.
Foi a crise de confiança no Direito instituído pela sociedade 
politicamente organizada que inspirou a Escola do Direito Livre 
na Alemanha, o F reirecht de KANTOROWICZ, de EHRLICH, de 
PHILIPP HECK, mas foi~também ela que, a partir de 1933, 
inspirou a "renovação completa dos ideais do direito e da missão 
do juiz", que repudiou as construções lógicas dos romanistas e 
confiou no senso inato do juiz à condition qu 'il so it d e p u re 
race et q u ’il s'inspire, non p a s d ’urt in div idu alism e désuet, 
m ais d e la com m unauté n ation ale , que admitiu que a lei é um 
aspecto do direito, mas não o mais importante, porque existe un 
d ro it non écrit qu i se dégage d e Vâme du peu p le a llem an d et 
qu i est con form e au x necessités d e la vie nationale, d ro it claire- 
m ent reconnu, ou m ieux, senti et énergiquem ent réa lisé p a r le 
ju g e a llem am fí. Como recorda DU PASQUIER, o congresso jurí­
dico germano-italiano, realizado em Viena em maio de 1939, 
tratando do problema do Direito e dos juizes, adotou teses no 
sentido de que o juiz vinculasse à lei, ressalvando-se que ele 
$’inspire d e 1’esprit d e la nouvelle p h ilosoph ie et non p lu s des 
prín cip es in d iv idu alistes surannés du siècle p a ssé? Essa nova 
filosofia que se impunha aos juizes era o nacional-socialismo.
O século XX rompeu com o mito do século passado de que 
a ciência é um conjunto de verdades e certezas, permanentes,
8 Número inaugural de l ’Akademie fü r dentsches Recht, ju in 1934, p .6, 
article du professeur W. Kisch, vice-président de la dite académie, intitulé 
D er deutsche Richter Cf. CLA.UDE DU PASQUIER - Introduction à la Théo- 
ríe Générale et à la Philosophie du Droit, 4~ ed., Neuchâtel: D elachaux et 
Niestlé, 1967, p. 196.
9 Cf. CLAUDE DU PASQUIER, op. cit., p. 196.
12
imutáveis, definitivamente estabelecidas. Ao con trário de depor 
co n tra o con h ecim en to científico, essa postura anseia pelo seu 
progresso, p o r sua contínua com plem entação, e conduz àquela 
palavra de fé, de que fala BACHELARD, do cientista que termina 
o seu dia de trabalho dizendo: "Amanhã saberei".1®. E nessa 
profissão de fé a ciência recupera a sua dim ensão hum ana. Todo 
con h ecim en to , em qualquer área, é fruto de m uitos esforços 
conjugados, em que conceitos e teorias se substituem e se ren o­
vam , e, n ão raras vezes, a renovação se faz com esteio nas antigas 
co n cep çõ es repudiadas ou com o resposta a elas.
T oda afirm ação sobre a inutilidade, a im propriedade ou 
im possibilidade d o reexam e de conceitos só pod e ser tom ada 
co m o um a atitude de renúncia ou com o um a atitude autoritária, 
ou, ainda, co m o m anifestação de extraordinária pureza, da qual 
um a das form as se revela naquela fé inabalável n o dogm a que 
leva as pessoas a m orrerem p or suas verdades. Essa fé é a dos 
santos, m as n ão dos cientistas, pois, lem brando novam ente BA­
CHELARD, "verdades inatas não poderiam intervir na ciência"11. 
A liberdade da investigação científica não pode ser tolhida, e 
m esm o a lei, quando fixa definições e estabelece con ceitos, não 
p od eria im pedir a ação da doutrina jurídica. Poderia, p or certo , 
ten tar im pedir a sua divulgação, com o ocorreu com a censura, 
quando legalm ente admitida, mas a própria história dem onstia 
que a liberdade de pensam ento, mesmo quanclo n ão en contra 
sua correlata garantia de com unicação, en contra ou tros cam i­
n h os para se expandir.
A autonom ia d o D ireito Processual, com o seu bem dem ar­
cad o cam p o de investigação, com conceitos e categorias p ró ­
prias, não p od eria constituir razão para se dispensar um a revisão 
de seus principais institutos. A revisita a eles n ão é m ovida p or
10 Cf. GASTON BACHELARD - O Novo Espírito Científico, trad. de Remberto 
Francisco Kuhnen. in Bergson-Bachelard, São Paulo: Abril Cutural, 1974, 
p. 334.
11 Cf. BACHELARD, op. cit., p. 334.
13
diletantismo ou por qualquer afinidade com uma jurisprudência 
dos conceitos, há muito desmistificada pela crítica de VON JHE- 
RING sobre o lúgubre céu dos conceitos descarnados, que per­
dem a vitalidade quando se distanciam do real. Longe, também, 
de sugerir postura conservadora, a tarefa que se constitui não 
apenas no "repensar o que já uma vez foi pensado", mas princi­
palmente "em um pensar até aofim o já pensado uma vez",— 
expressão utilizada por RADBRUCH12 para definir o próprio 
labor interpretativo — é, ainda, a alternativa de se projetar 
alguma luz sobre a própria realidade do Direito que tem vínculos 
diretos com o fator humano. Assim, embora não seja certo, 
porque intrincados fatores não autorizam tal previsão, sempre 
será possível que o resultado dessa tarefa contribua para que as 
transformações sociais possam se fazer não de modo caótico, 
mas com o mínimo de sofrimento possível, com a racionalidade 
que a época alcança.
No momento em que uma ciência renuncia a continuar 
investigando seu objeto e as complexas relações a que pode ser 
submetido pela análise, terá renunciado, antes, a si própria, 
como competência explicativa da realidade, quando clarificar a 
realidade que elege como seu domínio de trabalho é, inegavel­
mente, a missão social comum de qualquer ciência.
A retomada do exame de alguns dos conceitos já considera­
dos seguramente estabelecidos no Direito Processual pode com­
portar certas surpresas. A importância crescente que os institutos 
do Direito Processual adquiriram na época contemporânea não 
chegou, ainda, ao ápice de seu movimento ascendente. Não 
obstante, a doutrina do Direito Processual não resolveu alguns 
problemas que têm retardado sua marcha e ela não pode negli­
genciar seu próprio progresso justamente quando as formas de 
solução de conflitos do mundo atual dela muito esperam.
Este trabalho não pretende e não poderia pretender inven­
12 Cf. GUSTAV RADBRUCH - Filosofia do Direito, Trad. do Prof. L. Cabral de 
Moncada, Coimbra: Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v. II, p.186.
14
tariar todas as inovações que se prenunciam no Direito Proces­
sual Civil. Mas prétende deixar uma contribuição sobre a nova 
concepção de processo como procedimento realizado em con­
traditório entre as partes, que exige que se pensem novamente 
alguns conceitos da moderna doutrina que já não se ajustam ao 
novo quadro do Direito positivo contemporâneo: assim, a pró­
pria concepção de procedimento, de relação jurídica processual, 
da ação, da relação entre o direito material e o processo. Preten­
de, também, a partir de uma nova concepção de processo, refle­
tir novamente sobre os escopos que lhe são atribuídos.
A nova concepção de processo será trabalhada com base na 
obra do ilustre Professor italiano ELIO FAZZALARI, que contém a 
síntese de suas investigações sobre o tema. Não há a preocupa­
ção de se citar passagens no original, a não ser quando a oportu­
nidade do tratamento do tema o autorizar, porque, na obra de 
FAZZALARI, toda reflexão é profunda, o que tira o sentido de se 
relevarem os aspectos mais importantes que j ustificariam a trans­
crição acadêmica. As constantes referências em notas de pé de 
página suprirão as exigências de se indicar o pensamento do 
autor citado e do controle de sua autenticidade. O método 
escolhido se explica pela opção que se faz: entre a tentativa de se 
demonstrar erudição e a tentativa de se conquistar a clareza, a 
preferência é por essa última, em coerência com o que se enten­
de ser a função social da ciência.
A reflexão sobre os escopos do processo tem inspiração na 
obra do ilustre jurista brasileiro, Professor CÂNDIDO R. DINA- 
MARCO, citado, inclusive, por FAZZALARI, em notas de pé de 
página. Dele se vai divergir em vários tópicos, mas este é apenas 
o sinal do reconhecimento da grande influência que seu pensa­
mento tem exercido na formação dos processualistas brasileiros 
da nova geração.
Não se negará, em nenhum m om ento, o direito fundamen­
tal da doutrina de fazer suas opções filosóficas. O que se coloca 
em questão são os problemas da construção jurídica e de sua 
fundamentação.
15
As possíveis elucidações sobre as ainda presentes insuficiên­
cias o u con trad içõ es d o quadro conceituai utilizado pela d outri­
na d o D ireito Processual Civil para estabelecer as relações entre 
p roced im en to e p rocesso, que incidem inevitavelm ente em dife­
rentes m od os de se con ceb er o processo, e que se refletem n o 
con ceito de ação , e que se projetam na finalidade d o p rocesso, 
p o d erão se constitu ir em contribuição tanto p ara a Ciência d o 
D ireito Processual, co m o para o tratam ento de questões de o r­
dem prática, tão necessária nesse m om ento em que a nova o r­
dem co n stitu cio n al brasileira abriu ex ten so cam p o d e p os­
sibilidades de alterações n o Direito Processual, aqui referido 
co m o sistem a norm ativo.
16
CAPÍTULO I 
CIÊNCIA E TÉCNICA
1.1. A CIÊNCIA
A divisão do campo do conhecimento, no curso da História, 
gerou uma multiplicidade de ciências e, mais ainda, de termino­
logias para designá-las de acordo com variados critérios referi­
dos, principalmente, à relação entre teoria e prática e ao objeto 
da investigação científica.
Não se pretende, aqui, recuperar o elenco das diversas 
propostas de divisão e de designação das ciências, mas explicitar 
algumas noções cuja obscuridade tem prejudicado a compreen­
são do tema que se põe como objeto deste estudo.
E, ainda, comum encontrar-se a divisão das ciências entre 
teóricas e práticas, ou especulativas e práticas.
A qualificação, imprópria e ainda amplamente utilizada na 
doutrina jurídica,13 que contrapõe às ciências teóricas as práti­
cas, tem a única utilidade de ressaltar que as primeiras se voltam
13 Sobre as manifestações da doutrina envolvendo a distinção entre ciências 
especulativas e práticas, cf. MIGUEL REALE - Filosofia do Direito, 8a ed. rev. 
e atualizada - São Paulo: Saraiva, 1978, 1° v., pp. 264 e s.
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para a produção do conhecimento e as segundas para a aplicação 
dos resultados adquiridos por aquelas.
Tal terminologia certamente é reminiscência da divisão aris- 
totélica entre a ciência e arte (ars, tradução latina do grego 
teXvn, de que derivou a palavra "técnica").
Sem necessidade de se aprofundar, aqui, as transforma­
ções por que as duas concepções passaram na experiência 
histórica, registre-se apenas que ARISTÓTELES restringe o 
campo da ciência ao conhecimento teórico, cujo objeto é con­
cebido como necessário, e projeta fora dessa esfera do neces­
sário o que, não sendo necessário, é, entretanto, possível. 
Subdividindo o possível, quanto à ação e à produção, reserva a 
expressão arte à ação possível que tem como objeto a produ­
ção. A arte é definida como o hábito dirigido pela razão de se 
produzir alguirík coisa.14
Hoje, a antiga denominação, de que se tem ainda resquí­
cios, se substitui, mais adequadamente, por ciências teóricas e 
ciências aplicadas, admitindo-se que a ciência aplicada é apenas 
a ciência, em sua constituição intrinsecamente teórica, voltada 
para resultados determinados.
Não se duvida mais de que qualquer ciência é sempre teóri­
ca, embora a atividade humana -encontre procedimentos para a 
aplicação prática das aquisições do conhecimento.
Toda ciência, seja natural, social, cultural, divisões que se 
fazem pelo critério do objeto da investigação, pode ser entendi­
da como um conjunto de conhecimentos fundamentados, ou 
como uma atividade criadora de conhecimento. De uma ou de 
outra forma, independentemente de qual seja seu objeto, toda 
ciência se quer como uma competência explicativa de uma deter­
minada realidade, seja ela natural ou cultural.
Não é demais insistir na dupla possibilidade de emprego do
14 Cf. ARISTÓTELES - Metafísica, L .l, in Obras, trad. de Francisco de P. 
Samaranch, Madrid: Aguilar, 1977.
18
BIBLIOTECA 
PUCMINAS/BETIM
termo ciência, pois a falta dessa discriminação tem gerado muitas 
disputas inúteis,no campo do Direito.15
Em uma das cinco acepções registradas por LAIANDE — 
quatro delas referidas a "saber", a "direção de conduta", a "habili­
dade técnica", e a "termo usado para oposição a letras" — o 
termo ciência corresponde a "um conjunto de conhecimentos e 
de pesquisas que têm um grau suficiente de unidade, de genera­
lidade, e susceptíveis de levar os homens que a ele se consagram 
a conclusões concordantes que não resultam de convenções 
arbitrárias ou de gostos e interesses individuais que lhes sejam 
comuns, mas de relações objetivas que se descobrem gradual­
mente e que possam ser confirmadas por métodos de verificação 
definidos".16
A definição de LALANDE compreende a ciência tanto como 
conjunto de conhecimento, tanto como pesquisa. Encerra, tam­
bém, a idéia de que ciência é descoberta gradual e de que seus 
resultados são sujeitos àverificabilidade.
HUISMAN e VERGEZ, com base em LAIANDE , afirmam que 
"a ciência pode ser entendida como descoberta progressiva das 
relações objetivas que existem no real" (...) "um esforço para 
conhecer, para explicar o que é".17
Percebe-se, no exame das duas propostas, que o termo 
ciência refere-se ou ao conhecimento obtido, ou à atividade 
desenvolvida para se obtê-lo, sendo empregado ou como produ­
15 Até hoje se discute, por exemplo, se o Direito é uma ciência, ou uma arte. 
Mesmo considerando-se a multiplicidade de sentidos que o termo Direito 
comporta, essa questão se esvazia, porque obviamente o Direito enquanto 
objeto de um conhecimento fundamentado é só objeto desse co­
nhecimento. Nem por outra razão se fala em Ciência do Direito.
16 Cf. ANDRÉ LALANDE - Vocabulaire Tecbnique et CHtique d e la 
Philosophie, Paris: Presses IJniversitaires de France, 1972 - verbete: Science.
17 Cf. DENIS HUISMAN e ANDRÉ VERGEZ - Curso Moderno de Filosofia - 
Introdução à Filosofia da Ciência, trad. de Lélia de Almeida Gonzalez, 8a 
ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 42.
19
to de uma atividade ou como a própria atividade capaz de produ­
zi-lo.
Quando se diz que a ciência é uma procura, uma investiga­
ção, uma tentativa de compreensão, está implícito, nessa afirma­
ção, que o intelecto se debruça sobre a realidade procurando 
entendê-la, pois o conhecimento não é um objeto natural que 
possa ser simplesmente encontrado em algum lugar, mas é, 
antes, construído sobre uma determinada realidade. A atividade 
científica, enquanto atividade que gera conhecimento, se faz por 
muitas formas, mas uma atividade científica racionalizada, capaz 
de compreender o seu próprio operar, exige alguma meta (em­
bora o resultado obtido sempre possa dela escapar e causar 
surpresas), alguns métodos que já foram testados, ou mesmo o 
teste de novos métodos, e o manejo do que usualmente se denomi­
na instrumental teórico, ou seja, alguns conceitos, definições, no­
ções, teorias que auxiliem a investigação. Nenhuma realidade pene­
tra na mente humana senão pela representação que se tenha dela, 
por isso a atividade científica necessita encontrar um meio de 
relação do intelecto com o real que se faz objeto da investigação, e 
o encontra nesse instrumental, que também sofre retificações, na 
medida em que novos conhecimentos são produzidos.
A ciência, considerada já não como atividade, mas como con­
junto de conhecimentos, é, naturalmente, a unificação das desco­
bertas fragmentadas, dos resultados parciais da investigação.
Assim, as duas acepções do termo, como atividade que 
produz conhecimento e como conjunto de conhecimentos fun­
damentados, se complementam.
Convém, ainda, explicitar o que se entende por criação de 
conhecimento, e, para tanto, vale a pena relembrar duas defini­
ções propostas, em síntese magistral, por BRONOWSK1
"Toda ciência é a procura da unidade em seme­
lhanças ocultas".18
18 JACOB BRONOWSKI - Ciência e Valores Humanos, Trad. de Alceu Letal,
20
"A Ciência é um processo de criação de novos 
conceitos que unificam a nossa compreensão do 
mundo".19
A atividade essencial da ciência é essa procura das seme­
lhanças não aparentes, da unificação, no entendimento, dò que 
se encontra fragmentado e disperso em algum plano da realida­
de. É no momento dessa unificação do real no conceito, que é 
classicamente definido como uma unidade mental pela qual se 
representa alguma parcela da realidade no intelecto, que a Ciên­
cia exerce a sua atividade criadora.
É oportuno ressaltar, também, a qualificação da atividade 
científica, e do próprio conhecimento que dela resulta, como um 
processo. A antiga concepção de ciência como saber definitiva­
mente adquirido em caráter irretocável e imutável não se confir­
ma historicamente e não é mais sustentável, e a pretensão à 
universalidade necessária, requerida pela imobilidade da perfei­
ção, tão explicável no pensamento grego, que acompanhou as 
antigas concepções de ciência, foi substituída pela objetividade 
que admite, e requer, processos de correções sobre todo co­
nhecimento que não perdeu sua vitalidade pela mumificação 
seguida da decomposição.
Os processos e métodos utilizados na atividade científica 
são múltiplos, e são, também, em seu aperfeiçoamento, submeti­
dos à racionalização da ciência. Recuperar suas manifestações e 
suas avaliações, no curso da História, seria penetrar em toda a 
história do conhecimento, e, em conseqüência, pode-se dizer, na 
história da humanidade.20
Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 
1979, p. 19.
19 Cf. JACOB BRONOWSKI - O Senso Comum da Ciência, Trad. de Neil 
Ribeiro da Silva, BeLo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universida­
de de São Paulo, 1977, p. 114.
20 A tentativa da ciência de se tornar um processo racional, não uni saber 
infundado, mas inteligível e transparente para si mesmo, tem origens
*
21
1.2. A TÉCNICA
A palavra técnica é objeto de dois verbetes em LALANDE, 
que fez a crítica de seu significado tomando-a como adjetivo e 
como substantivo. A técnica, como substantivo, que nomeia um 
objeto, é por ele definida com dois sentidos:
"Conjunto de procedimentos bem definidos 
e transmissíveis destinados a produzir certos re­
sultados julgados úteis"
imemoriais, mas, no Ocidente, até onde a investigação alcançou, inicia-se 
na Grécia, com os chamados Pré-Socráticos. JOHANNES HESSEN atribui a 
forima mais antiga do racionalismo a Platão, que distinguiu o verdadeiro 
saber "pelas nojas da necessidade lógica e da validade universal". O verda­
deiro saber não poderia ser fornecido por um mundo em constantes 
mutações, submetido à lei do movimento, à geração e corrupção, e por 
isso não poderia provir dos sentidos. Estes podem fornecer uma simples 
opinião, uma "doxa". Além do mundo sensível há um mundo supra-sensí- 
vel, o mundo das idéias que são modeLos dos conceitos e da realidade 
empírica. A ele, Platão julga possível ascender, como mostra pela teoria da 
anamnésis, pela qual o conhecimento é uma reminiscência, uma rememo- 
ração da alma que contemplou as idéias em uma experiência extraterrena. 
Cf. JOHANNES HESSEN - Teoria do Conhecimento. Trad. do Dr. Antônio 
Correia, 8- ed., Coimbra: Armênio Amado-Editora, 1987, pp.63/64. Entre­
tanto, antes de Platão houve Parmênides, Heráclito, e tantos outros, cuja 
"doxografia" foi parcialmente recuperada para nossos tempos. JEAN BEAU- 
FRET, em ensaio sobre o Poema de Parmênides, na parte da Palavras da 
Verdade, contra a "Opinião, defensora do partido dos múltiplos", escreve: 
"...a doxa, que não é nem conhecimento nem ignorância, voga em alguma 
parte entre... o ser puro e o não-ser absoluto, só se ligando à inconstância 
daquilo que está incessantemente em devir. A ciência (epistéme), ao con­
trário, é acesso direto ao que existe de propriamente sendo naquilo que 
é..., ou seja, àquilo que sempre se comporta invariavelmente em relação a 
si mesmo e a que Platão denominaeidos". Cf. in Os Pré-Socrátieos - 
Fragmentos, Doxografia e Comentários, Seleção de textos e supervisão do 
Prof. José Cavalcante de Souza, 2~ ed., São Paulo: Abril Cultural, 1978, 
pp. 163/169. Em relação à alétheia, a doxa era opinião sem fundamento, 
pura ilusão dos sentidos, recolhida da aparência ao contrário da epistéme, 
a ciência, o conhecimento de que se podia apresentar as causas. A investi­
gação do método adequado para a busca de Alétheia, iniciada, no Ociden­
te, com o nôus de Parmênides, prossegue até os nossos dias.
"Em sentido especial (...) a palavra técnica se diz 
particularmente dos métodos organizados que se 
fundam sobre um conhecimento científico cor­
respondente"21.
A noção geral da técnica é de conjunto de meios adequados 
para a consecução dos resultados desejados, de procedimentos 
idôneos para a realização de finalidades.
É bastante difundida a concepção de que a adequação dos 
meios aos fins, a idoneidade do procedimento, que estão na 
própria concepção de técnica, supõem o conhecimento da eficá­
cia dos meios adotados para a realização do fim, como se lê em 
EDUARDO GARCÍA MÁYNEZ, que sustenta que toda técnica ge­
nuína deve encontrar-se iluminada pelas luzes da Ciência, e, por 
isso, toda técnica é de índole científica, pois uma técnica não 
científica não é técnica, porque se torna incapaz de cumprir o 
seu destino.22
Essa noção deve ser tomada com extrema cautela, porque, 
depois dos recentes estudos da Filosofia da ciência e dos não tão 
recentes estudos de MAX WEBER sobre os processos de raciona­
lidade no Ocidente, já há base suficiente para se afirmar que há 
técnicas produzidas antes da ciência, e que os procedimentos 
mágicos primitivos eram dotados de admirável eficácia para a 
consecução de finalidades desejadas.
Dizer que toda técnica é "iluminada pelas luzes da ciência" 
significa ou negar-se a existência dessas técnicas primitivas, ou 
ampliar-se tanto o conceito de ciência para que dentro dele se 
inclua, também, o saber desorganizado e ainda irracional, no 
sentido de que não pode ainda pensar seus próprios fundamen­
21 Cf. ANDRÉ LALANDE - Vocabulciire cit., verbete: Technique (subst.).
22 Cf. EDUARDO GARCÍA MÁYNEZ - Introduccion a l Estúdio del Derecho - 
Vigesimuquinta Edicion Revisada, México: EditorialPorrua S.A 1975 p 
317.
23
tos. E nenhuma das duas hipóteses, pelo que já disse, poderia ser 
aceita.
É por isso que os estudos críticos do termo técnica hoje 
incluem técnicas racionais e técnicas irracionais, como já está em 
ABBAGNANO.23
Se é verdade que a técnica nunca é concebida como um 
fazer desordenado, que eventual e acidentalmente alcança resul­
tados, não é menos verdade que a ciência se quer um conjunto 
de conhecimentos, organizado e ordenado.
1.3. RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA E TÉCNICA
A concepção de que a ciência revela as relações entre os 
fenômenos e a técnica utiliza esse conhecimento para a obtenção 
de um resultado desejado — tão divulgada nos estudos da Ciên­
cia do Direito, formulada na linha adotada por GARCÍA MAYNEZ
— supõe a concepção de que a técnica corresponde a um saber 
aplicado, como se necessariamente ela viesse a atingir o nível de 
eficácia equivalente ao nível de racionalidade do saber que lhe é 
teoricamente correlato.
Não obstante, há trabalhos bem sistematizados demons­
trando que as relações entre a ciência e a técnica nem sempre 
podem ser captadas, na história de seu desenvolvimento.
DENIS HUISMAN e ANDRÉ VERGEZ24 fornecem exemplos
23 Cf. NICOLA ABBAGNANO - Dicionário de Filosofia, trad. coordenada e rev. 
por Alfredo Bosi, com a colaboração de Maurício Cunio .. .et al., 2_ ed., São 
Paulo: Mestre Jou, 1982, v. verbete Técnica.
24 Das velhas formas antropomórficas de explicação do mundo, em que os 
procedimentos mágicos deram origem à formação de técnicas eficazes para 
a atuação do homem na busca de resultados úteis, cujas bases científicas 
seriam descobertas posteriormente, lembram as antigas embarcações, o 
arco e a flecha, os utensílios, a alavanca, que permitiu o deslocamento de 
enormes blocos de pedras de que resultaram arquiteturas admiráveis. Cf. 
DENIS HUISMAN e ANDRÉ VERGEZ, op. cit., p.42 e s. Observe-se que, 
prosseguindo na história, até os nossos dias, os exemplos poderiam se
24
bastante significativos para dem onstrar um postulado que é qua­
se intuitivo, quando se reflete sobre os processos culturais e os 
resultados deles derivados: o de que "historicam ente a prática 
precede a teoria, a técnica precede à ciência".
O p ro cesso de racionalização da técnica iria levá-la a pos­
sibilitar que a ciência se tornasse, realmente, um "saber aplica­
do". Ao alcançar essa etapa, a ciência engendra novas técnicas e a 
técn ica , racion alizad a, p erm ite tan to o crescim en to d o co ­
nhecim ento científico co m o a m elhor aplicação da ciência, con ­
form e finalidades previam ente concebidas.
A partir desse p on to de confluência, é possível se fazer um a 
ciência da técnica e é tam bém possível se obter tanto o aprim ora­
m en to de antigas co m o a prod u ção de novas técnicas pela aplica­
ção d o con h ecim en to fornecido pela ciência.
Entretanto, deve ser ressaltado que essa possibilidade é 
apenas o que se disse: um a possibilidade.
MAX W EBER,25 a quem se deve uma sistem atizada investiga­
ção dos p rocessos da crescente racionalização da civilização oci­
dental, dem on strou co m o essa tendência não é suficiente para 
afastar as form as irracionais em vários de seus dom ínios, dentre 
eles o d o D ireito.26
multiplicar em dimensão insuspeitada. »
25 MAX WEBER - Bssais sur la Théorie de la Science, Paris: Plon, 1965. A 
Sociologia do Direito (Recbtssoziologie) que constituiu um capítulo da 
Wirtscbaft u n d Gesellschaft, publicada postumamente, foi publicada sepa­
radamente há alguns anos na França, com alguns acréscimos que Weber 
havia confiado a um de seus aLunos, como relata JULIEN FREUND, a quem 
se deve um excelente estudo feito sobre a racionalização do Direito em 
Weber, recolhida do conjunto de sua obra, referida no número seguinte 
deste rodapé.
26 A racionalização, segundo WEBER, liga-se ao desenvolvimento cumulativo 
das civilizações, que cresce na medida em que elas manejam e dominam a 
técnica ou certos procedimentos técnicos. No Direito, o processo de racio­
nalização é muito antigo, e WEBER o remete mesmo ao código de Hamura- 
bi. Entretanto, as formas irracionais, que são aquelas formas primitivas e 
arcaicas de Direito, em que o pensamento jurídico não se distingue do rito 
religioso, das prescrições morais e políticas, convivem freqüentemente
25
o
3
3
3
3
O
3
3
3
3
3
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O
3
D
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O
O
Q
O
3
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O
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3
O
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3
3
3
3
3
3
3
De qualquer forma, para racionalizar a técnica, investigando 
os meios mais hábeis, mais idôneos e mais adequados para a 
consecução de resultados sobre bases objetivas, que podem ser 
explicadas e entendidas, ou seja, sobre bases inteligíveis, a ciên­
cia, em qualquer campo do conhecimento, necessitou, primeira­
mente, se construir a si mesma, como competência explicativa da 
realidade que se fez objeto de sua investigação.
com as formas racionais. As variadas formas de irracionalismo passam pelo 
direito carismático, que apela a um profeta deixado à própria inspiração, 
porque interpreta oráculos ou recebe revelações, do qual WEBER formula 
o arquétipo da justiça do Kadi (Kadi-justiz), profética e carismática, que 
não se vincula a normas preexistentes. Os exemplos fornecidos por 
WEBER, sob esse arquétipo, são bem amplos, e podem ser lembrados a 
justiça de Salomão, as Ordálias, os linchamentos e as atuações dos tribu­
nais revolucionários. Tais formas irracionais subsistem nos sistemas os mais 
racionais, e, para demonstrar a convivência da racionalidade com a ir­
racionalidade,WEBER toma a distinção entre direito formal e material, 
oferecendo quatro hipóteses e afirmando que um pode ser tão irracional 
quanto o outro: 1. O direito material irracional que se funda sobre o 
sentimento pessoal do juiz ou sobre o arbítrio do déspota. A justiça do. 
Kadi é o exemplo típico. 2. O direito material racional, quando o direito ou 
a sentença se baseiam em normas exteriores e anteriores (nâo importando 
sua fonte: moral, política, religiosa ou ideológica). 3- O direito formal 
irracional — quando o juiz formaliza a sentença, mas fundando-se sobre 
uma revelação, isso é, o rito da produção da sentença deve-se â revelação 
do juiz. 4. O direito formal racional, quando o julgamento é baseado em lei 
preexistente, ou seja, em regras sistematizadas e conceitos abstratos elabo­
rados juridicamente. Cf. JULIEN FREUND - La rationalisation d u droit 
selon M ax Weber, in Formes de Racionalité en-Droit, Archives d e Phílóso- 
phie, Tome 23, Paris: Sirey, 1978, pp.67/92.
26
CAPÍTULO II 
CIÊNCIA JURÍDICA E TÉCNICA JURÍDICA
2.1. RELAÇÃO ENTRE CLÊNCLA JURÍDICA E TÉCNICA 
JURÍDICA
O Direito é criado, formulado, para ser aplicado, e entre a
- sua ciência e os procedimentos adequados para sua aplicação
1 deveria haver um indissociável liame, realimentado mutuamen­
te, em razão de sua natureza, que o faz em permanente processo 
de construção.
No entanto, as relações entre a ciência do direito positivo e 
os procedimentos de sua aplicação verificaram-se no mesmo 
passo que marcou a cadência do relacionamento entre a ciência 
de qualquer campo do saber e a técnica que, de alguma forma, 
s lhe correspondia.
Para investigar os procedimentos adequados, hábeis e idô­
neos para a aplicação do Direito e lhes conferir racionalidade, a 
Ciência Jurídica necessitou, primeiramente, construir-se a si 
mesma.
u Os passos dessa construção foram muito férteis, pois entre
coerências e contradições, puseram em pauta as questões das 
relações entre um direito ideal e um direito positivo, entre o '
27
direito natural e o direito estatal, e o que estava em jogo, na 
verdade, eram os limites da intervenção social na liberdade indi­
vidual, e, logo, a sua recíproca, que entra em cena, passada a fase 
do individualismo: os limites da liberdade humana dentro de 
uma sociedade politicamente organizada. Como resultado desse 
processo, uma multiplicidade de temas e de perspectivas se abriu 
para a investigação do fenômeno jurídico, ou seja, do direito 
manifestado na experiência, do direito positivo, com existência 
no tempo e no espaço. Do estudo da gênese das normas até o 
estudo de sua aplicação há uma infinidade inesgotável de refle­
xões, pois o que está envolvido, entre esses dois momentos, é a 
própria existência da sociedade humana, as formas de sua orga­
nização e de solução de seus conflitos.
2.2. OS CAMPOS DA INVESTIGAÇÃO DO DIREITO
O conhecimento jurídico se dividiu em vários campos, que 
a doutrina ainda separa por critérios diferentes.27 mas nos qua­
dros por ela apresentados percebe-se que o domínio de cada 
saber é, geralmente, demarcado tanto pelo objeto como pelos 
objetivos da investigação desenvolvida sobre o Direito. De forma 
geral, pode-se dizer que a Filosofia do Direito, com suas divisões
27 Cf. MIGUEL REALE - op. cit., 2~ v. p. 609 e s.; NORBERTO BOBBIO - Teoria 
delia Scienza Giurídica, Turim, 1950, p. 18 e s., GUSTAV RADBRUCH - 
Filosofia do Direito, Trad. do Prof. L. Cabral de Moncada, Coimbra: Armê­
nio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v. II, p .185 e s.; ENRIQUE R. AFTALIÓN, 
FERNANDO GARCÍA OLANO, JOSÉ VILANOVA - Introduccion a l Derecho, 
8a ed., Buenos Aires: La Ley, 1967, p.73 e s; LUIS RECASÉNS SICHES - 
Tratado General d e Filosofia D el Derecho, Quinta Edicion, México: Edito­
rial Porrua, S.A., 1975, p .l60 e s. Sem pretender esgotar os quadros do 
saber jurídico, apresentados na doutrina, registre-se que incluem, ainda, 
outros domínios, como a Psicologia Jurídica, a Antropologia Jurídica, a 
Lógica Jurídica, com destaque para os trabalhos de PERELMAN, a recente 
tendência do "Politicismo Jurídico", Cf. ANTONIO HERNANDEZ GIL-Meto­
dologia de la Ciência del Derecho, Madrid, 1971, v.I, pp. 337/352.
28
internas, se ocupou do Direito em sua natureza e em seus funda­
mentos; aí, Sociologia Jurídica se preocupou com as relações 
entre os fatos sociais e a normatividade; a Ciência do Direito 
restringiu seu campo ao Direito que se positiviza, que se torna 
manifesto na experiência, como fenômeno, o fenômeno jurídico 
que se delimita pelo critério espácio-temporal. Os três domínios 
não esgotam as possibilidades do estudo do Direito e, se essas 
possibilidades se voltam também para o passado, pela História 
do Direito, projetam-se, igualmente, para o futuro, com a preo­
cupação em torno de uma Política Jurídica, já admitida por 
RADBRUCH,28 e até mesmo de uma recente Informática Jurídica, 
que já pretende se sistematizar como campo autônomo do co­
nhecimento jurídico.29
O ponto de interesse desse tópico, no entanto, não é o de 
fazer cortes epistemológicos no amplo espaço em que se realiza 
a investigação jurídica, mas apenas o de correlacionar a Ciência 
Jurídica e a Técnica Jurídica, superando algumas dificuldades 
que se põem para o trato da técnica processual.
2.3. DOGMÁTICA JURÍDICA E 
TEORIA GERAL DO DIREITO
A Ciência Jurídica, cujo objeto ficou bem definido como "o 
fenômeno jurídico tal como ele se encontra historicamente reali­
zado", "tal como se concretiza no espaço e no tempo",30 em 
síntese, o direito positivo, a "ciência do sentido objetivo do
28 Cf. GUSTAV RADBRUCH - Filosofia do Direito, Trad. do Prof. L. Cabral de 
Moncada, Coimbra: Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v.II, p. 185.
29 Cf. PIERRE CATAIA - L Hnformatique et la mcionalíté du Droit, in Archives 
de Philosophie d u Droit, Tome 23 - Formes de Racionalité en Droit, Paris: 
Sirey, 1978, pp. 295/321.
30 Cf. MIGUEL REALE - Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 
1976, pp. 16/17.
29
3
3
3
3
3
3
3
3
3
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a
3
3
3
3
3
3
3
direito positivo",31 também se subdividiu na Dogmática Jurídica 
e na Teoria Geral do Direito, dirigida para o Direito positivo em 
geral, sem fronteiras de sistemas, fundada por JOHN AUSTIN e 
amplamente aceita como "um substitutivo" da Filosofia do Direi­
to, no século passado, como mostra RADBRUCH32.
Enquanto a Dogmática Jurídica se volta para o estudo do 
Direito positivo de um sistema jurídico determinado, tendo por 
objeto de investigação "a conduta em função de modelos jurídi­
cos consagrados no ordenamento jurídico em vigor"33, a Teoria 
Geral do Direito — que, segundo as propostas originárias de 
AUSTIN34, deveria extrair de uma ordem jurídica determinada 
noções, conceitos e distinções fundamentais, para compará-los 
com noções, conceitos e distinções fundamentais de outra ou 
outras ordens jurídicas, estabelecendo, em um terceiro momen­
to, os elementos comuns, as correlações lógicas entre elas, as 
semelhanças existentes em sua estrutura, porque os conceitos 
gerais comparecem com certa uniformidade em todos os siste­
mas jurídicos que alcançaram análogo nível de maturidade — 
desenvolveu-se como a ciência das noções elementares da ordem
31 Cf. GUSTAV RADBRUCH - Filosofia do Direito, Trad. do Prof. L. Cabral de 
Moncada, Coimbra: Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1961, v. II, p. 185.
32 GUSTAV RADBRUCH - op. cit., p. 189-
33 Cf. MIGUEL REALE - O Direito como Experiência, São Paulo: Saraiva, 1968, 
pp.88191, p. 130.
34 Cf. JOHN AUSTIN -Lectures on Jurispm dence, London: R. Campbell, 1885. 
Sobre a influência do positivismo analítico na construção da Teoria do 
Direito v. EDGAR DE GODOI DA MATA-MACHADO - Elementos de Teoria 
Geral do Direito. Belo Horizonte: Editora Vega S.A., 1976, p .121 e s; W.FRIEDMAN - Tbéotie Générale du Droit, Paris: Librairie Générale de Droit 
et d e Jurisprudence-LGDL, 1965, p.211 e s.; EDGAR BODENHEIMER - Ciên­
cia do Direito, Filosofia e Metodologia Jurídicas - Trad. de Enéas Marzano, 
Rio de Janeiro: Forense, 1966; p. 109 e s.; ALBERT BRIMO - Les Grands 
Courants de La Philosophie du Droit et de UÉtat, Paris: Ed. A Pedone, 3 a 
ed., 1978, p. 276 es.
30
jurídica e dos princípios fundamentais que regem seu conjun­
to .»
Entretanto, com a diferença de grau apontada, ambas, a 
Dogmática Jurídica e a Teoria Geral do Direito, têm como objeto 
de investigação o Direito positivo36 e, por isso, estão no quadro 
da Ciência do Direito. Nem por outro motivo, quando justificou 
o título de sua obra Teoria Pura do Direito, KELSEN definiu i 
como uma Teoria do Direito positivo em geral, e não, de umu 
ordem jurídica especial, uma Ciência do Direito positivo.37
J 2.4. A TÉCNICA JURÍDICAc ■
JULIEN BONNECASE, fazendo o levantamento das doutri­
nas jurídicas surgidas em França, de 1880 até o fim da segunda 
década do século XX, considera que o estudo da ciência do 
Direito Civil não apareceu senão pela via da técnica jurídica e 
que a distinção entre ciência e técnica no Direito foi o signo da 
grande revolução do pensamento jurídico.38
A revolução, de que fala BONNECASE, produziu resultados 
realmente profícuos. Sob o título de Técnica Jurídica, a Ciência 
do Direito anunciava que havia uma técnica de criação, uma 
técnica de interpretação e uma técnica de aplicação do Direito, e
35 Cf. PIERRE PESCATORE - Introduction à la Science du Droit, Luxem bourg: 
Office des Imprimés de L ’État, 1960, p.73
36 Cf. HANS NAWIASKY - Teoria General del Derecho - Trad. p o r el Dr. Jose 
Safra Valverde, M adrid: Ediciones Rialp, S.A.., 1962, pp. 19/27; PIERRE 
PESCATORE - Introduction à la Science du Droit., Luxembourg: Office des 
Imprimés de L'État, 1960, pp.74/75.
37 Cf. HANS KELSEN - Teoria Pura do Direito, trad. de João Baptista Machado, 
Coimbra: Armênio Amado-Editor, Sucessor, 5~ ed., p. 17.
38 Cf. JULIEN BONNECASE - Science du Droit et Romantisme - Les Conflits 
des conceptions juridiques en France de 1880 à 1’heure actuelle, Paris: 
Librairie de R ecueil Sirey, 1928, pp.268/269-
31
passava à investigação detalhada e exaustiva dos procedimentos 
intelectuais da construção jurídica.39
A técnica jurídica, conforme a define CLAUDE DU PAS- 
QUIER, é "o conjunto de procedimentos pelos quais o Direito 
transforma em regras claras e práticas as diretivas da política 
jurídica"40.
Mas, no estudo desses procedimentos, embora a Técnica 
Jurídica, desenvolvida no âmago da Ciência do Direito, já 
percebesse que há uma "técnica legislativa" e uma "técnica da 
jurisprudência", seus estudos se concentram na formulação dos 
conceitos, de categorias jurídicas, de institutos jurídicos, e de 
ramos do Direito positivo.
É sobretudo da elaboração jurídico-científica que trata essa 
técnica, que, como diz RADBRUCH, executa-se em três tempos: 
interpretação, Construção e Sistematização, a que correspon­
dem os conceitos juridicamente relevantes e os genuínos concei­
tos jurídicos41.
Enquanto a Ciência do Direito construía seu instrumental
39 Essa é fundamentalmente a matéria da obra magistral de FRANÇOIS GÉNY, 
que estuda os fundamentos do Direito, separa "o dado", o real, a matéria 
que decorre da "natureza das coisas", do "construído", os procedimentos 
da construção intelectual, matéria de trabalho dos juristas, que, pelo 
método da libre recherhe scientifique, poderão encontrar soluções para os 
problemas da,elaboração, buscando os critérios da integração, que serão 
utilizados na aplicação do Direito. Cf. FRANÇOIS GÉNY -Science et Techni- 
que en Droit Ptivé Positif 4 vol. Paris: Sirey, 1914-1924. É também à 
técnica de elaboração teórica e lógica, compreendendo o estudo das fon­
tes, a formulação de conceitos, as construções jurídicas, que se dedica JEAN 
DABIN, na clássica obra La Technique de 1'élaboration du droit p ositif - 
Bruxelles: Bruylant et Paris: Sirey, 1935.
40 CLAUDE DU PASQUIER, op. cit., p. 163-
41 Cf. RADBRUCH - Op. cit., p.185 e s. No mesmo sentido CLAUDE DU 
PASQUIER que distinguindo três momentos da construção jurídica: a siste­
mática, a criadora e a construção na aplicação do direito, caracteriza esta, 
citando BUCKHARDT, Methode u n d System como. "Construire, c'est alors 
ram ener les élements camctéristiques du cas concret au x notions abstrai- 
tes incluses dans la règle ou dans 1‘institution jutidique", op. cit., p .170.
32
teórico para trabalhar seu objeto, os procedimentos de criação 
da lei e da aplicação do Direito ao caso concreto não constituí­
ram preocupação fundamental do pensamento jurídico. Este 
parava no limiar daquela investigação, quando, do estudo da 
interpretação da lei, fazia o salto para pesquisar os problemas de 
ordem ética ou axiológica da atividade do juiz e o grau de sua 
independência em relação à lei. Entre esses momentos, ficava 
sem explicação, ou, antes, explicado como une a ffa ire d esprati- 
ciens, todo o procedimento que leva o Direito a incidir sobre 
casos concretos ou a dar solução para os~conflitos sociais, sub­
metidos à decisão do Poder.
Na expressão de PIERRE PESCATORE, tais procedimentos 
constituíam o savoir fa ir e daqueles que elaboram e praticam o 
Direito, podendo assumir duas funções distintas: a de fazer leis
— a técnica legislativa e a de aplicar a lei, en d ’autres mots, la 
p ra tiq u e ju d ic ia ir e et adm in istrative42.
Sua descrição dessa atividade é significativa para demons­
trar a concepção generalizada quanto à aplicação do Direito ao 
caso concreto, na época em que a técnica de construção jurídica 
resplandescia:
"Considérée com m e pratique du droit, la techni- 
qu e ju rid iqu e consiste à appliquer• le droit, à l ’exé- 
cuter, à le m ettre en oeuvre. C’est l ’ h ab ilitép ratiqu e 
du m agistrat, d e l ’avocat, du notaire, du fon ction - 
naire... C espraticien s n ’on tp as la m êm e liberté qu e 
ceux qu i fo n t Office d e législateur et leur art se d is­
tingue sensiblem ent d e 1’art d e la législation. Pour 
lespraticien s, ils'ag it avant tout d e sa isir la réa lité 
d es fa its et des situations concrètes, d e m anier les 
règles d e droit avec intelligence et d e fa ir e em ploi 
ju d ic ieu x du pou voir d iscrétionn aire qu i leur est
42 Cf. PIERRE PESCATORE, op. cit., p. 47.
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laissé. Leur art est la pru den ce ju rid iqu e, la iuris 
pru den tia au sens etym ologique du terme"43.
E muito compreensível que, em decorrência dos resultados 
do movimento da codificação, a Ciência do Direito tenha as­
sumido sua tarefa de trabalhar sobre essa realidade jurídica, 
sobre o fenômeno jurídico, o Direito posto, criado pelos órgãos 
competentes, recriando-o no plano epistemológico, conferindo- 
lhe unidade, sistematizando-o, elaborando conceitos, dedican­
do-se à construção jurídica, e no trabalho de agrupar as normas, 
elaborando categorias jurídicas, institutos jurídicos e organizan­
do ramos do Direito positivo. E também compreensível que sob 
o império do tecnicismo, ou seja, do domínio do rito e da forma, 
o procedimento de aplicação não fosse mais do que une a ffa ir e 
des praticiensf44.
A revolução de que falou BONNECASE alcançaria também o 
Direito nesse aspecto, mas viria da Alemanha, onde já se prepara­
va na renovação dos conceitos produzida pelo movimento pan- 
dectista, e encontraria terreno fértil para seu desenvolvimento na 
Itália. Passou, também, por sua fase de construção para transfor­
mar esse campo de investigação em uma ciência autônoma com 
seu referencial teórico próprio, que, hoje, já se quer uma TeoriaGeral do Processo45.
43 Cf. PIERRE PESCATORE, op. cit,., p. 48.
44 Tal concepção não foi superada, como demonstra, ilustrativamente, K. 
STOYANOVITCH, fazendo a resenha do livro de ROBERT CHARVIN - "La 
Justice en France, Mutations de l'appareil Judiciaire et Lutte d e Classes", 
avec la collaboration de GÉRARD QUIOT, Editions Sociales, Paris, 1976, e 
justificando por que, de início, não tinha intenção de apresentá-lo: "Ceei 
p a rce q u ’il traite d u fonctionnem ent de l ’appareiljudiciaire, qui est une 
question tetre à teire et non p a s d e questions qui intéressent la philosophie 
d u droit (justice, droit objectif, intérêt général, sujet de droit, responsabi- 
lité...)" Cf. Comptes Rendues, in Archives de Philosophie du Droit, Tome 23 
■ Form es de Racionalité en Droit. Paris: Sirey, 1978, pp.43V433.
45 Cf. ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA., ADA PELLEGRINI GRINOVER 
e CÂNDIDO R. DINAMARCO - Teoria Geral do Processo, 8a ed. rev. e atual.
34
Em seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, a técnica jurí­
dica tem oferecido excelentes resultados, como conjunto de 
meios idôneos para o trato do Direito.
O Direito, como sistema normativo, não é elaborado pelos 
juristas, mas pelos órgãos que são legitimados pelo próprio 
sistema para produzi-lo. O poder para elaborar a norma genérica 
e abstrata destinada à observância geral, ou é difuso na coletivi­
dade, quando o sistema jurídico acolhe o costume como forma 
de produção normativa, ou é centralizado pelo Estado, que re­
presenta a comunidade jurídica, a sociedade politicamente orga­
nizada pelo Direito.
A Ciência do Direito tem desenvolvido e aprimorado suas 
técnicas para apreender o fenômeno jurídico e realizar seu traba­
lho de construção jurídica. As normas criadas pelo legislador são 
recolhidas, sistematizadas, classificadas, conceitos são formula­
dos, através da busca das semelhanças ocultas na diversidade, 
unificando realidades jurídicas em um modelo genérico aplicá­
vel a uma multiplicidade de casos, normas são agrupadas por um 
critério lógico de conexão e coerência entre a matéria social 
regida, sobre princípios comuns, que conferem unidade ao con­
junto, em grau crescente de categorias jurídicas, institutos jurídi­
cos e ramos do Direito; constroem-se teorias explicativas e críti­
cas, que oferecem subsídios novamente ao trabalho do legisla­
dor. A construção jurídica se desdobra em construção técnica e 
em construção criadora46.
Toda essa atividade não poderia deixar de ser extremamen­
te valiosa para o crescimento do conhecimento jurídico, para a
- São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1991-
46 Çf. CLAUDE DU PASQUIER, op. cit., pp. 167/172. Especificamente sobre a 
técnica de construção teórica de agrupamentos normativos, v. CARLOS 
MOUCHET - RICARDO ZORRAQUIN BECU, Introduccion a l Derecho, Oc- 
tava Edicion, Buenos Aires: Editorial Penot, 1975, pp. 149/167, sobre a 
elaboração do conceito, v. RAJFAEL BIELSA, Metodologia Jurídica, Santa Fé: 
Librería y Editorial Castellví S.A , 1961, pp. 133/206, e RADBRUCH, op. 
cit., p. 188 e s.
35
aplicação de seus resultados, pelos próprios juristas, e para a 
oferta desses resultados, no plano da atividade da criação e da 
aplicação do Direito47.
2.5. O AUXÍLIO DA LÓGICA
2.5.1. MITIFICAÇÃO E DESMITIFICAÇÃO
Algumas palavras sobre o auxílio da lógica, na Ciência, e, 
conseqüentemente, na ciência do Direito Processual, serão úteis 
para os temas discutidos neste trabalho. Essa utilidade é avalia­
da, tanto em relação ao prisma pelo qual muitos dos temas são 
visualizados, como para o aclaramento de algumas conclusões, 
referentes não só a esta "técnica e teoria do processo" que agora 
se escreve, mas, também, a algumas teses doutrinárias que des­
pertaram polêmicas.
Foi corrente, no século passado (e neste século, ainda se 
encontra esse argumento), a discussão em torno da afirmação de 
que a aplicação do Direito pelo juiz resumia-se a um raciocínio 
silogístico, em que a lei comparecia como premissa maior, o caso 
concreto como premissa menor e a sentença como conclusão48.
47 Sobre o indiscutível valor dessas construções cf. JOSÉ CARLOS BARBOSA 
MOREIRA: "Na verdade, o processo é e sempre será, de certo ponto de 
vista, um mecanismo técnico, que só em termos técnicos pode ser explica­
do.^..) Uma técnica esmerada constitui, em regra, penhor de segurança na 
condução de qualquer pesquisa científica, e não há supor que o direito 
processual faça aqui exceção." "Os Temas Fundamentais do Direito Brasi­
leiro nos Anos 80: Direito Processual Civil". In Temas de Direito Proces­
sual: quarta série - São Pauto: Saraiva, 1989, p. 12. Sobre a dignidade da 
dimensão prática do Direito Processual, discorre JOSÉ OLYMPIO DE CAS­
TRO FILHO, lembrando Carnelutti, que se orgulhava de se incluir entre os 
práticos, e Redenti, que punha como questão de primeira ordem a neces­
sidade de que o Direito se fizesse concreto: Ma prim a di tutto bisogna chc
il códice si apprenda e si applichi. Questo è che urge, Cf. JOSÉ OLYMPIO 
DE CASTRO FILHO - Prática Forense, vol. I, 4~ ed., 2~ tiragem, Rio de 
Janeiro: Forense, 1989, pp.7118.
48 A discussão é gerada pela Escola da Exegese, não porque se houvesse
36
É compreensível que, na falta de uma construção científica 
mais aprimorada, em uma época em que o Direito "da aplicação" 
estava se "reconstruindo", pela elaboração de seus conceitos, o 
pensamento jurídico, necessitando de um ponto de apoio para 
explicar o procedimento da aplicação, houvesse recorrido ao 
silogismo.
As reações ao silogismo da aplicação vieram, e vieram muito 
fortes, mas não atacaram o ponto que merecia o pronunciamento 
mais incisivo. Contornaram o problema com argumentos sobre a 
complexidade dos casos concretos, a liberdade da interpretação do 
juiz, a opção implícita na aplicação pela escolha da norma aplicável, 
a questão axiológica que permeia todo o direito49.
O "silogismo da aplicação" poderia ter tido seu golpe de 
misericórdia com o auxílio da própria lógica. Não porque fosse 
verdadeiro ou falso, correto ou incorreto, provável ou imprová­
vel, conveniente ou inconveniente, mas simplesmente porque 
era logicamente inviável. Não havia, na verdade, sequer silogis­
mo, no modelo proposto, porque não havia como se estabelecer 
as premissas para a inferência da conclusão, já que não seria
dedicado à construção do silogismo da aplicação, mas pelos princípios que 
defendia, sobretudo em sua primeira fase, sobre a interpretação. Tais 
princípios foram bem expostos por CH. PERELMAN epi Théories relatives 
au raisonnem ent judiciaire, surtoüt en droit continental, depuis le Code 
Napoléon jusqu 'à nos jours, primeira parte de sua obra Méthode du 
Droit-Logique Jurídique-Nouve/le Rhêtoríque, Paris: Dalloz, 1979, 
pp. 19/96. O modelo do silogismo da aplicação é exposto por CLAUDE DU 
PASQUIER, que, no capítulo destinado à L’application dn Droit, estuda os 
mecanismos da aplicação: Le syllogisme juridique; Syllogisme à faits juri- 
diques multiples; Syllogismes successifs. A operação de subsunção do fato 
à norma é descrita segundo aqueles esquemas, porque "Appliquer une 
règle, c ’est transposer su r un caspartiadier et concret la décision incluse 
dans la règle abstraite" ..."Cette application comporte donc unpassage de 
l'abstrait au concret, d u general auparticulier, b ref une déduction, Son 
instrument est le syllogisme" in op. cit., p. 126.
49 Grandes contribuições para a axiologia jurídica surgiram em torno desses 
argumentos, como as de COÍNG, em Gnmdzüge der Rechtsphilosophie, 
sobre as "situações-tipos".
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possível se estabelecer previamente a distribuição dos termos 
dos juízos. Nos três juízos, "a lei é a premissa maior", "o caso 
concretoé a premissa menor" e "a sentença é a conclusão", não 
há meio de se identificar onde está o termo maior e o termo 
menor. E essa identificação seria de absoluta necessidade para o 
modelo de raciocínio que se postulava, pois o termo maior é o 
termo predicado da conclusão, e a premissa maior deve contê-lo;, 
o teimo menor é o termo sujeito da conclusão, e a premissa 
menor deve contê-lo. Não há como se identificar, igualmente, o 
termo médio, que não aparece na conclusão, mas comparece nas 
premissas. Apenas depois de proferida a sentença, seria possível 
encontrar as proposições que lhe teriam servido de base, mas 
não antes. Pelo modelo do silogismo, poder-se-ia pensar em 
estranhos arranjos e estranhas seriam as conclusões deles inferi­
das. «
É claro que não se nega que o "argumento", no sentido 
estrito da lógica, como cadeias de proposições, estruturadas em 
premissas e conclusões, possa auxiliar os fundamentos da deci­
são judicial, mas não se pode (por pura impossibilidade lógica) 
conceber a existência de um silogismo naquele modelo proposto 
para se inferir a sentença.
De qualquer forma, dentre as conseqüências provocadas 
pelo "silogismo da aplicação" houve uma especialmente evidente 
em diversos campos do Direito: um certo, ou acentuado, ranço 
dirigido contra a lógica. Era natural, e não só a doutrina do 
Direito olhou a lógica de viés. Se se meditar, por exemplo, na 
lógica de Port-Royal, que "ensina" condutas e que compôs a 
formação cultural de tantos nomes ilustres por longo tempo, ou 
na função que lhe foi atribuída de "arte de pensar", ela deveria 
aparecer como algo aterrador.
A lógica passou, no Direito, por um crivo ideológico, para 
ser julgada e condenada a ser excluída, ou quando nada, ser 
relegada a permanecer à margem de uma ciência qiie se propôs 
a trabalhar com as coisas humanas, sob uma perspectiva huma­
38
na, e não sob aquela fria argumentação gerada nos "gabinetes" da 
razão.
Mas algo muda em nosso tempo. Começa-se a descobrir que 
a lógica pode ser outra coisa que não comandos para o pensa­
mento e para a conduta ou prisão para uma razão vital, de que 
fala ORTEGA Y GASSET50, ou camisa-de-força para o Direito.
Fazer o inventário do que mudou exigiria um incomensurá­
vel esforço. Mas podem ser apontados alguns fatos e conquistas, 
que ajudaram a desmitificar o mito sobre as leis do pensamento, 
da verdade e da conduta, e tornar a lógica uma aliada na verifica­
ção e na correção dos temas de qualquer argumento da ciência.
2.5.2. UM INSTRUMENTO PARA UM RACIOCÍNIO
A lógica passou pelas vicissitudes históricas que toda ciência 
experimenta em seu processo da construção. "De Aristóteles a 
Bertrand Russell"51, sobre ela se formaram grandes sistemas que 
foram tateando caminhos, em um processo muito humano, que 
é a busca do conhecimento.
ROBERT BLANCHÉ, em "História da Lógica de Aristóteles a 
Bertrand Russell", faz o levantamento desses sistemas utilizando 
o critério temporal como metodologia da exposição, para pene­
trar nas especificidades de cada um, começando pelos precurso­
res da lógica, dos chamados pré-socráticos à dialética de Platão, 
e prosseguindo pela lógica aristotélica, pela lógica dos estóicos, 
pela lógica medieval, pela chamada "lógica de Port-Royal"52, pela 
lógica clássica, iniciada por LEIBNIZ, pela lógica moderna, cuja 
construção começa na segunda metade do século XIX, pela logís­
50 JOSÉ ORTEGA Y GASSET - Origem e Epílogo da Filosofia, trad. de Luís 
Washington Vita, Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1963.
51 Esse é parte do título da obra de ROBERT BLANCHÉ que será referida a 
seguir.
52 Denominação devida ao tratado publicado anonimamente em 1662 La 
Logique ou ia r t de Penser, mas da autoria de dois religiosos, ANTOINE 
ARNAUD e PIERRE NICOLE, da Abadia de Port-Royal.
39
tica, da primeira metade do século XX, que pretendia compreen­
der, com essa denominação, a lógica algorítmica, a lógica simbó­
lica e a lógica matemática, e pela lógica contemporânea, que, 
"agora que a nova lógica se substituiu suficientemente à antiga 
para que a confusão já não seja possível"53, volta à antiga deno­
minação de lógica formal, ou simplesmente lógica, englobando 
as lógicas paralelas que renovam e alargam antigos sistemas, até 
a paralógica, que se propõe como uma linguagem da lógica.
A lógica, referida nos próximos tópicos, é a lógica formal 
contemporânea, mas máis do que o nome, é conveniente esclare­
cer alguns dos pontos por ela estabelecidos.
1. Ela não é, nem uma "arte de pensar", nem uma ciência 
normativa54. Não tem qualquer pretensão de estabelecer ou de 
recolher as "leis do pensamento"55. O pensamento, como proces­
so mental, a psicologia já o revelou, e utilizou tal achado para 
construir o método da livre associação, pode passar por movi­
mentos bastante complexos, nem sempre sujeitos à descrição, 
que não se submetem a leis. Ela não é, também, uma "ciência do 
raciocínio", porque este pode se formar por intrincadas vias, não 
alcançadas por critérios objetivos de descrição.
2. A lógica preocupa-se apenas com o raciocínio, que é uma 
espécie de pensamento em que se inferem ou se derivam conclu­
sões a partir de premissas, entretanto, não para estabelecer leis 
para seu desenvolvimento, mas tão-somente para verificar a cor­
reção do resultado já completado56. Propõe-se, assim, "a estabe­
lecer e enunciar explicitamente as leis da dedução, apresentan­
53 Cf. ROBERT BLANCHÉ - História da Lógica de Aristóteles a Bertrand Rus­
sell, Trad. de Antônio J. Pinto Ribeiro-Lisboa: Edições 70, s/d, p. 309.
54 Cf. ROBERT BLANCHÉ, op. cit., p. 348.
55 Sobre esse sistema de lógica que se dá como objeto presidir "as leis formais 
do pensamento" cf. RONALDO CALDEIRA XAVIER - Português no Direito - 
Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1991, 8- ed., p. 297 e s.
56 Cf. IRVING M. COPI - Introdução à Lógica, Trad. de Álvaro Cabral. 2a ed. - 
São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 21.
40
do-as elas próprias sob a forma de uma teoria dedutiva axiomati- 
zada57."
3- A lógica não pretende estabelecer critérios de verdade ou 
falsidade sobre o conteúdo das proposições, enquanto simples 
enunciados ou juízos. Essas podem ser verdadeiras ou falsas, 
mas são afirmações ou negações que podem ser formuladas 
sobre qualquer tema, sobre qualquer campo do conhecimento, e 
apenas à ciência do respectivo domínio compete o controle de 
sua verdade ou falsidade. A lógica não pretende ser onisciente, 
também o problema do enunciado vazio, pelo critério da existên­
cia, é deixado à ciência. Já não se repudia a tautologia, porque o 
que é evidente em um campo do conhecimento póde não o ser 
em outro, e isso vale também para um só campo, quanto a temas 
diferentes.
4. Os critérios de verdade e falsidade interessam à lógica 
apenas na estrutura formal das proposições, por isso pode-se 
falar não em "enunciados falsos", mas em "falsos enunciados", em 
sua estrutura, e quando estes são tratados como proposições da 
dedução. As verdades da lógica são formais, porque referidas não 
ao conteúdo das proposições mas a elas na estrutura do argu­
mento, como um sistema proposicional de premissas e conclu­
sões. Por isso, no argumento dedutivo, o valor de verdade e 
falsidade é substituído pelos predicados de "validade e invalida­
de", e pela forma de relações entre proposições que são premis­
sas e proposições que são conclusões.
5. O processo de inferência já não incide sobre a relação dos 
termos de um juízo, nos moldes da antiga lógica formal58, mas se
57 Cf. ROBERT BLANCHÉ, op. cit., p. 348.
58 As relações entre o sujeito e o predicado que lhe era atribuído, no enuncia­
do, foram construídas sobre vários critérios, dentre eles o da quantidade, 
em que se quantificava o sujeito para se formular a relação de inclusão. As 
dificuldades causadas pela célebre trilogia resultante da quantidade, emKANT, em que aos juízos universais, particulares e singulares cor­
respondiam as categorias da unidade, pluralidade e totalidade, (Cf. Crítica 
da Razão Pura, Trad. de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique
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desenvolve em uma relação que se dá entre classes de objetos, 
no argumento59.
6. O argumento dedutivo tem como ponto de partida uma 
premissa (uma proposição que será usada como base para se 
inferir uma conclusão). Essa premissa é um juízo ou uma propo­
sição, em uma posição de relação, e deve conter os elementos do 
juízo: S (sujeito) - cópula - P - (predicado).
7. Uma premissa é uma proposição não isolada, mas rela-
Morujão, Lisboa: Ed. da Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, 
pp. 104/111), são percebidas em seus intérpretes que oscilam em relacionar 
às suas correspondentes categorias os juízos universais e os individuais, ou 
singulares. Assim, GEORGES PASCAL: "singular, para Kant, é o juízo que 
refere o predicado à totalidade do sujeito, e tão-somente a ele" e explica: 
"Pensar é estabelecer, na multiplicidade dada pela intuição, certas relações 
que façam dessa multiplicidade uma unidade" "a unidade que a análise 
descobre nos juízos supõe uma unidade sintética introduzida pelo entendi­
mento nas intuições" - Cf. O Pensamento de Kant, trad. de Raimundo Vier, 
3" ed. Petrópolis: Vozes, 1990, pp.64/65, e GARCIA MORENTE, relacionan­
do-o à categoria da totalidade: "teremos que os juízos individuais que 
afirmam de uma coisa singular, seja o que for, contém no seu seio a 
unidade; os juízos particulares que afirmam de várias coisas algo, contém 
em seu seio a pluralidade; os juízos universais contêm em seu seio a 
totalidade" Cf. Fundamentos de Filosofia I - Lições Preliminares, Trad. de 
Guilhermo da Cruz Coronado, São Paulo, Editora Mestre Jou, 1970, p.240; 
no mesmo sentido JOHANNES HESSEN - Teoria do Conhecimento, Trad. 
do Dr. Antônio Correia, Coimbra - Portugal-Arménio Amado-Editora, 1987, 
pp. 169/170. Não é difícil de se entender a oscilação, porque tudo que é 
individual e único é absoluto em si, e o que se pode afirmar ou negar do 
sum m um genus? Esses juízos e categorias, que se encontram em ARISTÓ­
TELES, com algumas diferenças de KANT, em razão da forma de se conce­
ber o conhecimento, em uma perspectiva ontológica ou gnoseológica, 
geraram dentre as múltiplas discussões aquelas sobre os universais, na 
Idade Média, e as posturas diferentes entre o realismo de Paris e o nomina- 
lismo de Oxford iriam se refletir sobre o Direito.
59 "A estrutura interna da proposição é analisada não já em termos de sujeito 
e atributo unidos por uma cópula, mas em termos de função e argumento. 
E aí que se encontra a lógica das classes, e a teoria das funções proposicio- 
nais de um argumento e a lógica das relações, correspondendo à teoria das 
funções proposicionais de dois ou vários argumentos". Cf. ROBERT BLAN- 
CHÉ, op. cit. pp.310/311.
42
ciónada. Nenhuma proposição tomada isoladamente é uma 
premissa. Também a conclusão é uma proposição, mas não isola­
da, porque nenhum juízo tomado isoladamente é uma conclu­
são60.
8. O argumento é um grupo de proposições dentro de uma 
estrutura, em que as proposições são premissas ou conclusões. 
O argumento dedutivo pretende a certeza de uma conclusão, e o 
argumento indutivo pretende oferecer apenas uma pro­
babilidade da afirmação da conclusão61.
9. A dedução se faz entre classes, que é apenas uma coleção 
de objetos que possuem algumas características específicas co­
muns. O que é necessário na identificação dos objetos para 
integrá-los a uma classe é que compartilhem de características, 
qualidades, determinações específicas. Assim como o problema 
da proposição vazia é deixado à ciência de cada campo do co­
nhecimento, a lei da implicação, que rege a relação de inclusão 
entre classes, não se detém mais sobre o problema das classes 
vazias62, mas incide apenas sobre o modelo formal da inclusão.
<50 Cf. IRVING M. COPI, op. cit., p. 23-
61 Cf. IRVING M. COPI, op. cit., pp.23/39-
62 ROBERT BLANCHÉ mostra como a aflição de FREGE, que é considerado o 
criador da lógica moderna, e de BERTRAND RUSSELL, seu grande divulga­
dor, girava, sem solução, em torno do problema das classes vazias: "De 
falsas premissas não se pode, de uma maneira geral, concluir nada. Um 
puro pensamento, não reconhecido como verdadeiro, não pode ser uma 
premissa. É só quando eu reconheci como verdadeiro um pensamento que 
ele pode ser para mim uma premissa; puras hipóteses não podem ser 
empregadas como premissas". (FREGE, Carta a Jourdain, 1910, em BO- 
CHENSKI, F.L. p. 336, citado por BLANCHÉ) Cf. op. cit., pp.307/308. "A 
lógica e a matemática forçam-nos a admitir que há um mundo dos univer­
sais e das verdades que não incidem diretamente sobre tal ou tal existência 
particular". (RUSSELL, Vimportante philosophique de la logique, Re v. de 
métaph., 1911, pp.289/290, citado por BLANCHÉ) in op. cit., p.309. E 
sublinha o quanto este era um dogmatismo lógico, que supõe um mundo 
inteligível, lugar das idéias e das verdades eternas, verdades estranhas ao 
mesmo tempo ao mundo sensível fora de nós e, em nós, à consciência que 
dele podemos tomar, mas que se impõem a nós quando as apreendemos. 
Existência supõe localização espácio-temporal, e como tanto o "dogmatis-
10. Uma classe pode ser incluída numa classe mais vasta, 
segundo determinadas características de que compartilham, mas 
pode também pertencer a uma outra classe, de elementos dife­
rentes, quando uma característica é tomada como totalidade 
dessa outra classe, e a classe incluída possui tal característica na 
sua individualidade própria. Mas deve haver uma hierarquia d^s 
classes para a validade da inclusão. A classe a que pertence o 
indivíduo deve ser de tipo imediatamente superior ao seu63.
A preocupação com o levantamento desses dez tópicos, 
escolhidos dentre as conquistas que a lógica alcançou, em seu 
desenvolvimento, teve em mira os temas que serão discutidos 
adiante e obedeceu apenas a um propósito: o de "explicitar o 
implícito", em razão da multiplicidade dos sistemas de lógica que 
convivem no tempo presente. Como diz BLANCHÉ, "a lógica tem 
a obrigação de esclarecer o implícito"64. Houve uma época em 
que se dizia que "a clareza é a cortesia do gênio", brocardo que 
legitimava as obscuridades dos gênios. Os gênios podem ser 
como quiserem, obscuros ou claros, assim como o próprio pen­
samento que, em sua liberdade de expressão, escolhe livremente 
a forma de se exprimir. Mas a clareza nunca prejudica a ciência, 
e o esforço para se obtê-la sempre pode resultar em algum 
benefício para seu desenvolvimento.
mo lógico" de Frege, quanto o "realismo platonizante" de Russell consti­
tuíam posições que seriam superadas no ulterior desenvolvimento da 
lógica. Cf. op. cit., pp.309/310.
63 Cf. ROBERT BLANCHÉ, op. cit., p.329 - A inclusão de uma classe em várias 
classes, pelas características compartilhadas entre objetos individualmente 
diferentes, é exemplificada por BLANCHÉ com a classe das dúzias, que 
permite incluir a classe dos meses do ano, a classe dos apóstolos, e uma 
variedade de outras classes.
64 Cf. ROBERT BLANCHÉ op. cit., p.287, p.304, e, no mesmo sentido, "a lógica 
tem a obrigação de enunciar explicitamente tudo que fica implícito no 
pensamento", p.256.
44
CAPÍTULO III
CIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL 
E TÉCNICA PROCESSUAL
3.1. A CIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL E SEU OBJETO
Nos sistemas jurídicos que alcançaram certo grau de racio­
nalidade, a aplicação do Direito é referida a critérios objetiva­
mente definidos e delimitados pelas normas integrantes do pró­
prio sistema.
O mais alto grau de racionalidade atingido pelos ordena­
mentos jurídicos contemporâneos,

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