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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a Distância Educação, Diversidade e Inclusão Social Criança e Adolescente em situação de vulnerabilidade social Autor: Salette Marinho de Sá EAD – Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação 2 www.eunapos.com.br SUMÁRIO UNIDADE 1 – CRIANÇA E ADOLESCENTE ......................................................... 04 1.1 Noções sobre infância ...................................................................................... 05 1.2 Adolescência: uma discussão necessária ........................................................ 09 UNIDADE 2 - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) .............. 15 2.1 O Código de Menores ....................................................................................... 16 2.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente........................................................... 20 UNIDADE3 - ECA E O SISTEMA DE PROTEÇÃO ................................................ 29 3.1 O Conselho Tutelar e as medidas de proteção ................................................. 32 3.2 O Conselho Tutelar e a violência doméstica ..................................................... 35 3.3 O ato infracional e a questão da imputabilidade penal ...................................... 39 UNIDADE 4 – ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTE ..................................................................................................... 42 4.1 Proteção Social Básica...................................................................................... 45 4.2 Proteção Social Especial ................................................................................... 49 UNIDADE 5 – CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA ................................ 54 5.1 Assistência social no atendimento à criança e aos adolescentes ..................... 56 5.2 A retirada da criança e do adolescente do convívio familiar.............................. 60 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 65 3 www.eunapos.com.br Introdução Fonte: http://migre.me/8B5yM Discutir o tema criança e adolescente é complexo e uma tarefa desafiadora. Para tanto, organizamos esta disciplina para contribuir na discussão de assuntos vivenciados no cotidiano de professores, assistentes sociais, psicólogos, educadores físicos, entre tantos outros profissionais que atuam nas diversas políticas públicas. Sabemos que as escolas e demais locais onde estamos inseridos não se constituem de situações estáticas, mas trata-se de um processo que tem movimentos e dinâmicas diversas, conforme a correlação de forças presentes na sociedade. Realizamos uma breve retrospectiva da legislação relativa à infância, a partir da aprovação do primeiro Código de Menores em 1927 que introduz o conceito de “abandono” e, posteriormente, é incluído o conceito de “situação irregular” pelo Código de Menores reformulado em 1979, até a promulgação da Constituição Federal em 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, consagrando a “doutrina da proteção integral”. A aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990) trouxe mudanças no atendimento às crianças e aos adolescentes, apresentando discussões que merecem ser aprofundadas, devido aos avanços significativos na efetivação da doutrina de proteção integral trazida pelo ECA. Assim essa disciplina tem a intenção de contribuir com reflexões sobre essa temática, apontando questões referentes à trajetória da criança e do adolescente, as mudanças após o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), destacando a implantação de órgãos como Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar. 4 www.eunapos.com.br UNIDADE 1- CRIANÇA E ADOLESCENTE [...] Criança, no meu tempo de criança, não valia mesmo nada. A gente grande da casa usava e abusava de pretensos direitos de educação. Por dá-cá-aquela-palha, ralhos e beliscão. Palmatória e chineladas não faltavam [...] (Cora Coralina, Antiguidades,1965) Cora Coralina apresenta no poema Antiguidades (1965) a condição da criança na sociedade brasileira no final do século XIX. Percebemos que, felizmente, essa condição experimentou muitas transformações. A mais importante dessas transformações é o reconhecimento da criança e também dos adolescentes, como sujeito de direitos. Muitas vezes, ainda as crianças e adolescentes são vistos como adultos em miniaturas. Infelizmente é comum a ideia de "adultizarmos" as crianças, isso se manifesta, por exemplo, na maneira de vestir, na imposição de modelos de comportamento adulto para as crianças, nas responsabilidades que determinamos para as crianças, no uso de uma linguagem conceitual, no impedimento da brincadeira, no acúmulo de atividades que levam as crianças ao estresse. Isto não significa que a educação será feita sem colocar limites e responsabilidades. A educação deve ocorrer respeitando a condição de infância da criança. Se quisermos uma sociedade saudável, devemos começar a cuidar melhor das crianças, o que, em síntese, significa deixar a criança viver a sua infância. Fonte: http://migre.me/8Hruz 5 www.eunapos.com.br Ultimamente estamos tão preocupados em preparar as crianças para o mundo globalizado e tecnológico que descuidamos de algo muito importante: deixar a criança aproveitar a sua infância, ter contato com a natureza, brincar com os amigos, usar a imaginação e a criatividade nas várias situações que lhes são apresentadas. Fonte: http://migre.me/8HryI A contribuição da família, profissionais, defensores dos direitos e ainda legisladores e poder público deveria ser reconhecer na criança um cidadão em desenvolvimento, com necessidades e direitos. A regra básica é que a criança e o adolescente devem ter todos os direitos que têm os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade. E, além disso, devem contar, ainda, com direitos especiais decorrentes de sua caracterização como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento pessoal e social. Certos direitos são reconhecidos a todos os seres humanos independente de sua idade, como a proteção contra tortura, contra o trabalho abusivo e explorador, com acesso aos serviços de saúde e à liberdade de crença e opinião. Outros direitos, no entanto, são específicos das crianças e dos adolescentes, como o acesso à educação, enquanto condição imprescindível do seu desenvolvimento, juntamente com o esporte, o lazer e a recreação. 1.1 Noções sobre infância Ao iniciarmos as discussões sobre a infância, vale atentar-se para o que Korczak, ao escrever sobre a criança, afirmou: 6 www.eunapos.com.br Somente poderá amar cada criança com amor sábio, quem se interessar por sua vida espiritual, por suas necessidades, por seu futuro. Quanto mais se aproximar da criança, mais verá nela coisas dignas de sua atenção. E é nessa observação escrupulosa que encontrará sua recompensa e a coragem para novos esforços, que permitam que vá sempre em frente. (KORCZAK, 1983, p.234). O pesquisador francês Philippe Ariès (1960), em sua obraHistória Social da Criança e da Família, afirma que o conceito ou a ideia que se tem da infância foi sendo historicamente construído e que a criança, por muito tempo, não foi vista como um ser em desenvolvimento, com características e necessidades próprias, e sim como um adulto em miniatura. Vigorava a noção de que a criança deveria vestir- se como adulto, trabalhar nos mesmos locais, com jornadas de mesma duração, frequentar os mesmos ambientes. Ariès aponta que a construção do sentimento de amor pelas crianças foi, durante muitos séculos, despercebido, chegando mesmo a não existir. Sua tese indica o surgimento da noção de infância apenas no século XVII, junto com as transformações que começam a se processar na transição para a sociedade moderna. Aparecem retratos de crianças vivas, quando começa a surgir nessa época, interesse pela criança na organização da família. Começam a surgir pinturas de retrato de crianças, pequenos príncipes, filhos de senhores burgueses ricos. No século XIX a pintura foi substituída pela fotografia. Príncipe Baltasar Carlos (séc. XVII) Fonte: http://migre.me/8Hs4x Os sentimentos em relação à criança tiveram algumas transformações no decorrer da história: o primeiro sentimento foi chamado de paparicação, surgido no meio familiar, onde a criança era considerada ingênua, inocente e graciosa e por isso precisava de cuidados. Logo depois surge um novo tipo de sentimento oriundo dos meios eclesiásticos ou dos homens da lei e de homens moralistas, que estavam 7 www.eunapos.com.br preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes. As crianças eram vistas como criaturas frágeis de Deus que precisam ser preservadas e disciplinadas. Esse sentimento passou para a vida familiar, onde a criança passou a ser vista como ser incompleto e imperfeito, que necessitava de moralização e da educação do adulto. Até o século XVIII a família era um espaço aberto em que tinham trânsito livre, os avôs, filhos, amigos, mas a criança não tinha nenhuma garantia e nem consideração especial. A família era considerada mais como realidade social e moral. A criança foi ocultada por muito tempo pela família. A partir do século XVIII, aliou-se aos sentimentos de paparicação e de disciplina, o sentimento de preocupação com a higiene e com a saúde. A criança conquista o lugar junto a seus pais, tornando-se um assunto sério e digno de atenção. Sua simples existência era digna de atenção. A criança começa a ser vista como um indivíduo social, dentro da coletividade, e a família tem grande preocupação com sua saúde e sua educação. Destacamos que também a partir do século XIX a adolescência passou a ser definida com características específicas, que a diferencia da infância e da idade adulta. Percebe-se que a trajetória da criança é marcada pela discriminação, marginalização e exploração. http://migre.me/8AYaU Nos últimos 50 anos, várias concepções de crianças acerca da infância vêm sendo expressas e indicam novas concepções: sujeito social e histórico, constituído no seu presente, cidadão portador e produtor de cultura. Essas novas 8 www.eunapos.com.br concepções aparecem especialmente no âmbito educacional, e no Brasil, são frutos tanto da ação de movimentos sociais quanto do desenvolvimento das ciências que estudam a infância. O século XX é o século da descoberta, valorização, defesa e proteção da criança. Nessa perspectiva a infância passa a ser vista não mais como um tempo de “preparação para...”, mas como um tempo em si, tempo de sorrir, de brincar, de jogar, de sonhar. Ou seja, um tempo que incorpore tudo o que a criança é e vive como sujeito de direitos. 1.1.1 Sujeitos de Direitos A criança e o adolescente já não poderão mais ser tratados como objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e do estado. A criança tem direito ao respeito, à dignidade e à liberdade, e este é um dado novo que em nenhum momento ou circunstância poderá deixar de ser levado em conta. 1.1.2 Pessoas em Condição Peculiar de Desenvolvimento Serem consideradas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento foi uma das principais conquistas. Isso significa que, além de todos os direitos de que desfrutam os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade, a criança e o adolescente têm ainda direitos especiais decorrentes do fato de que: ainda não têm acesso ao conhecimento pleno de seus direitos; ainda não atingiram condições de defender seus direitos frente a omissões e transgressões capazes de violá-los; não contam com meios próprios para arcar com a situação de suas necessidades básicas; por se tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sociocultural, a criança e o adolescente não podem responder pelo cumprimento das leis e demais deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que os adultos. 1.1.3 Prioridade Absoluta A prioridade absoluta da criança e do adolescente é entendida como: 9 www.eunapos.com.br primazia em receber proteção e socorro em qualquer circunstância; precedência no atendimento por serviço ou órgão público de qualquer Poder; preferência na formação e execução das políticas sociais públicas; destinação privilegiada de recursos públicos às áreas relacionadas com a proteção da infância e da juventude. (COSTA, 1994) 1.2 Adolescência: uma discussão necessária Fonte: http://migre.me/8AY6i A discussão proposta neste texto é importante para entender a adolescência como um processo psicossocial, com mudanças biológicas, psicológicas e sociológicas - portanto ela terá diferentes peculiaridades, dependendo do ambiente social, econômico e cultural em que o adolescente se desenvolve, como um processo de construção de identidade. Portanto, a adolescência deve sempre ser compreendida em um contexto amplo, numa perspectiva de história de vida, de possibilidades, de oportunidades, de características pessoais, individuais e relacionais. Assim é fundamental para o profissional que trabalha diretamente com esta população, refletir sobre concepções de adolescência e de família, visto que essas concepções nortearão suas práticas e formas de intervenção. Sem dúvida, precisamos retomar a discussão a respeito da necessidade de garantir os direitos. Pensar em adolescentes que não têm acesso a uma educação 10 www.eunapos.com.br de qualidade, a espaços públicos de lazer com segurança e equipamentos para saúde, trabalho, cultura entre outros, significa que os direitos não estão garantidos, como se afirma na Constituição Federal. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), desde 1980, publica o relatório Situação Mundial da Infância. Na edição de 2011, tem o título: “A adolescência: uma fase de oportunidades” e trouxe como foco de análise a adolescência, apontando a importância e a urgência da discussão do tema. O relatório afirma que a adolescência é, antes de tudo, uma fase especial de desenvolvimento, que precisa ser abordada a partir da perspectiva dos direitos. Argumenta que é um equivoco entender a adolescência como um problema. Muitos adolescentes são vistos como ameaça para suas famílias e para a sociedade, no entanto, deveriam ser reconhecidos como sujeitos da sua própria história e suas necessidades deveriam ser pauta das políticas públicas. O interessante no relatório é que há uma convocação para todos inverterem a lógica tradicional, que costuma reduzir a adolescência a uma fase de riscos e vulnerabilidades.A ideia proposta é a visão dessa fase da vida como oportunidade não apenas para os próprios adolescentes, mas também para suas famílias, suas comunidades, os governos e a sociedade. Oportunidade de socialização, construção de identidade e autonomia. Afirma o Relatório: Para as famílias, a adolescência é um convite para descobrir um mundo novo. As escolas podem aproveitar a facilidade de aprendizado dessa fase e contribuir para que os estudantes adquiram o conhecimento necessário para desenvolver seu potencial. A comunidade se beneficia com a característica natural da adolescência de agir coletivamente. Na esfera das políticas públicas, devem ser ampliados os canais para que os adolescentes exerçam seu poder de influência e construam uma perspectiva crítica em relação à sua realidade. (UNICEF1, 2011) Na discussão trazida pelo relatório, não há valorização de dados sobre a gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis e infrações cometidas, uso de drogas. O relatório aborda essas questões ressaltando a necessidade de se compreender as trajetórias de vida para identificar as razões e 1 Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/br_sowcr11web.pdf>. Acesso em 29/01/2012. 11 www.eunapos.com.br reverter a falta de acesso a direitos básicos que levam a estatísticas devastadoras para a adolescência. Importante destacar que é na adolescência que meninas e meninos possuem imenso potencial para seu próprio desenvolvimento e podem consolidar de forma sustentável e duradoura as experiências vivenciadas. Portanto, investir no desenvolvimento dos adolescentes é disponibilizar ferramentas para que encarem os desafios do seu tempo e se engajem em um esforço coletivo para melhoria de sua vida, da sua família, da sua comunidade e do seu país. O Brasil possui uma população jovem: 30% dos seus 191 milhões de habitantes têm menos de 18 anos e 11% da população possuem entre 12 e 17 anos, uma população de mais de 21 milhões de adolescentes. Por isso, é essencial que o Brasil atenda às necessidades específicas da adolescência nas suas políticas. Caso contrário, corre-se o risco de que um grupo tão significativo e estratégico para o desenvolvimento do País fique invisível para as políticas públicas que priorizam a infância e a juventude. No Brasil, as políticas destinadas a esse público, estão mais voltadas para dois desses aspectos que veem a adolescência/ juventude como problema e a juventude como ator estratégico para desenvolvimento. Em ambos os processos deve-se considerar a identidade desses adolescentes e jovens, identificar sua cultura, suas necessidades, transformando-as em ações, projetos e políticas públicas. Com certeza, dessa forma eles se sentirão mais dispostos para interagir com profissionais, com outros jovens e com sua própria família. Alguns fatores como: falta de oportunidades educacionais e profissionais, mortes violentas, relações sexuais precoces desprotegidas, HIV/AIDS e trabalho infantil são alguns dos principais riscos que podem impedir que os adolescentes se desenvolvam até chegar a vida adulta. Fonte: http://migre.me/8Hzzb 12 www.eunapos.com.br Os desafios são muitos, mas destacamos que para enfrentar essas situações e outras, é necessário que as políticas públicas sejam voltadas para a adolescência, para sua promoção e desenvolvimento, com investimentos e educação, cuidados de saúde, proteção e participação dos adolescentes, principalmente para os mais pobres e vulneráveis. A questão da vulnerabilidade social será discutida a seguir. É fundamental enxergarmos os jovens como cidadãos de direitos, quais os diferentes espaços de participação. A juventude precisa estar em espaços de participação de seus municípios, desde a escola até a prefeitura, passando pela igreja, pelas associações, pelos diversos grupos juvenis, buscando melhoria para todos. Acesse o site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome e veja a Política Nacional da Juventude (http://www.mds.gov.br Atalho: http://migre.me/8HtCS) 1.2.1 Vulnerabilidade social A situação de vulnerabilidade social se encontra diretamente ligada à miséria estrutural, agravada pela crise econômica que lança o homem ou a mulher ao desemprego ou subemprego. Pode ser entendida como resultado negativo da relação entre recursos materiais disponíveis e acesso às oportunidades sociais, econômicas, culturais, responsabilidade do Estado, da relação mercado e sociedade. Essa situação se traduz em desvantagem social para os jovens e suas famílias, como por exemplo, no caso de mobilidade social. À medida que a família encontra dificuldades para cumprir satisfatoriamente suas tarefas básicas de socialização e amparo/serviços aos seus membros, criam-se situações de vulnerabilidade. São apresentados dados secundários sobre educação, saúde, cultura, lazer e trabalho que demonstram a dificuldade de acesso dos adolescentes e jovens a essas políticas, o que contribui com a situação de vulnerabilidade social. A questão agrava-se em situações que fomentam o aumento da violência e da criminalidade. Ressaltamos aqui que embora muitos casos, a violência esteja associada à pobreza, não é sua consequência direta, mas sim resultado das desigualdades sociais, a negação do direito ao acesso a bens e 13 www.eunapos.com.br equipamentos de lazer, esporte e cultura opera nas especificidades da cada grupo social desencadeando comportamentos violentos. As políticas públicas voltadas aos adolescentes e jovens têm como desafio combinar políticas universais, compreendendo eles não isolados em um mundo à parte, e políticas afirmativas, compensatórias, sensíveis à particularidade da identidade juvenil, já que eles compõem uma geração com linguagens, necessidades e formas de ser específicas – reconhecendo o protagonismo juvenil. O protagonismo juvenil é parte de um método de educação para a cidadania que prima pelo desenvolvimento de atividades em que o jovem ocupa uma posição de centralidade, e sua opinião e participação são valorizadas em todos os momentos. No combate à vulnerabilidade social é necessária a superação dos enfoques setoriais e desarticulados de grande parte das políticas sociais. Saiba o que o Governo federal está fazendo para contribuir à superação da miséria no Brasil (http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/expansao-dos-servicos-de- protecao-social-basica-e-especial-2012-2013-plano-brasil-sem-miseria Atalho: http://migre.me/8HtVN). Expansão dos Serviços de Proteção Social Básica e Especial 2012 – Plano Brasil sem Miséria - Decreto nº 7.492 de junho de 2011, que instituiu o Plano Brasil Sem Miséria – com expansão dos serviços socioassistenciais e promovendo a integração e a articulação de políticas públicas, programas e ações. 14 www.eunapos.com.br UNIDADE 2 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Cada época, dependendo dos determinantes econômicos com suas implicações sócio-político-culturais, elaborou um tipo de discurso sobre a questão da criança em situação de vulnerabilidade, sugerindo formas de encaminhamento para a sua solução. Fonte: http://migre.me/8AYE2 Para falar do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990), é necessária uma comparação com a lei que anteriormente existiu no país: o Código de Menores. O Código de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente apresentam duas visões jurídicassobre a criança: a Doutrina da Situação Irregular e a Doutrina da Proteção Integral. O ECA traduz esta última em lei, que está em vigor desde 1990, dividindo até hoje opiniões e práticas quanto ao modo de cuidar as crianças e adolescentes. 15 www.eunapos.com.br Quadro 1 – Duas visões jurídicas sobre a criança Doutrina da Situação irregular Doutrina de Proteção Integral Trata-se da doutrina que orientou o Código de Menores. Preconiza a atuação do Estado, através do Judiciário, quando o menor se encontra em alguma situação considerada irregular: os abandonados, vítimas de maus-tratos, miseráveis e infratores. Trata-se da nova concepção jurídica segundo a qual o Governo, o Estado e a Sociedade são obrigados a propiciar a todas as crianças e adolescentes, o respeito a seus direitos fundamentais. O Estatuto da Criança e do Adolescente concebe a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Fonte: Elaboração própria a partir do Código de Menores e Estatuto da Criança e do Adolescente 2.1O Código de Menores O lema do Código de Menores (1979) era a preservação da ordem social e o Estado era responsável por providenciar a assistência às crianças e adolescentes abandonados, para “reeducá-los” ou “recuperá-los”. Crianças e adolescentes abandonados eram chamados de “menores”. O discurso moralizador existente na época atribuía às famílias consideradas “desajustadas” a incapacidade de oferecer educação e afeto aos seus filhos, que viviam nas vias públicas, convivendo com o mundo dos vícios e com a “escola” do crime. Com tal entendimento, era necessário frear a ação dos infratores que ameaçavam a ordem pública. Surgiram nessa época as primeiras instituições para menores abandonados ou envolvidos com o crime. O debate que se propunha era de um lado a prevenção e de outro, a punição. A criação do Juízo de Menores por meio do Decreto nº 16.272, de 20/12/1923, indicava que a pessoa do juiz deveria determinar o tipo de tratamento para cada situação apresentada pelos “menores abandonados ou infratores”. O Juiz de Menores era uma figura atípica dentro da estrutura do Estado. Ele aplicava a lei e detinha poderes de vigilância, proteção e regulação da vida dos menores. A responsabilidade do Estado consagrou-se no Direito através da edição do primeiro Código de Menores em 1927. Passetti afirma: 16 www.eunapos.com.br que foi com o Código de Menores (Decreto nº 1734/A, de 12 de outubro de 1927) que o Estado respondeu pela primeira vez com a internação, responsabilizando-se pela situação de abandono e propondo-se a aplicar os corretivos necessários para reprimir o comportamento delinquência. Os abandonados estavam na mira do Estado. (1999, p.355) O mesmo autor relata que nos primeiros 30 anos da República, a criança pobre era considerada abandonada e potencialmente perigosa, e cabia ao Estado, incutir-lhe a obediência. A educação, sob o controle do Estado, direcionava-se assim, para disciplinar os cidadãos demonstrando uma política centralizadora e repressora. A correção de comportamento em nome da educação elevou o número de prisões e internatos, onde os “desajustados” deveriam ser reeducados. “Ao escolher políticas de internação para crianças abandonadas e infratores, o Estado escolhe educar pelo medo.” (PASSETTI, 1999, p.356). O argumento para as internações fundamentava-se no princípio de que era preciso combater o indivíduo perigoso. No entanto, o infrator que deveria ser reintegrado socialmente era totalmente alijado da sociedade e o internato em vez de corrigir, deformava. A integração ocorria pelo avesso na ilegalidade e a austera vida de interno orientada pela rotina perpetuava a individualidade e a delinquência. O Código de Menores (1927) regulamentou também o trabalho infantil até que com a Constituição de 1934, determinou-se a proibição do trabalho dos menores de 12 anos em todo o território brasileiro. Esse Código introduziu timidamente a discussão sobre os castigos de pais contra filhos, referindo-se a punição apenas para castigos imoderados. Era aceita a disciplina corporal de crianças e adolescentes, com a finalidade de educar. O Estado, através do Juiz de Menores, podia destituir o pátrio poder, decretando a sentença da “situação irregular do menor”. Era determinado pelo Juiz ao “menor carente”, considerado criança em perigo, que a rede de atendimento abarcasse com todos os efeitos da pobreza, assumindo funções de abrigo, escola, hospital e, às vezes, prisão. Pátrio poder é um poder-dever atribuído aos pais em benefício dos filhos. Os pais só podem usá-lo para a realização desse dever. Por ser exercido por ambos os pais, a expressão pátrio poder foi substituída por poder familiar no Código Civil de 2002. É o conjunto de direitos e deveres referentes aos pais com relação a seus filhos e respectivos bens, com a finalidade de protegê-los. 17 www.eunapos.com.br O Juiz, ao determinar que a criança fosse retirada das ruas, da sua família ou comunidade, acreditava, fundamentando-se no Código, que o atendimento seria, no mínimo, melhor que o oferecido anteriormente, o que efetivamente, na prática, não ocorria. Sempre houve denúncias sobre a situação dos internatos, os quais funcionavam como depósitos. A lógica utilizada pelo Código era aparentemente simples: “se a família não pode ou falha no cuidado e proteção do menor, o Estado toma para si esta função”. (FALEIROS, 1995b, p.54). Devido à complexidade na disputa pela guarda dessas crianças, que não eram órfãs e sim carentes, entre o Juiz de Menores, a família e as entidades de atendimento, muitas famílias acabavam abandonando os filhos nos internatos. Esse abandono era apontado pelos profissionais (psicólogos, assistentes sociais, e outros) dos internatos como imoralidade das famílias, desconsiderando a dificuldade destas para reaver o chamado poder familiar. De acordo com Arantes, embora a prática do internato de crianças não seja fato recente no Brasil, apenas com a criação da FUNABEM na década de 60 e a revisão do Código de Menores na década de 70, quando também, com a ditadura militar os menores foram considerados ‘questão de segurança nacional’, consolida-se a ideia de que lugar de criança pobre é no internato. (1995, p.213). Por não satisfazer as necessidades do momento e apoiado nas críticas ao antigo Serviço de Assistência ao Menor, o regime militar substituiu o SAM pela Fundação do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) criada em 1º de dezembro de 1964, pela Lei nº 4513, vinculada ao Ministério da Justiça, reforçando seu caráter policial frente à problemática que deveria atender. Fonte: http://migre.me/8HzQq À FUNABEM coube a tarefa de implementar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBM), que deveria por fim ao emprego de métodos repressivos e primitivos nas instituições para “menores” e, através da ação conjunta com a 18 www.eunapos.com.br “comunidade”, desenvolver outras estratégias de atendimento que não priorizassem mais a internação ou a institucionalização da criança. Para assegurar o controle da situação, a FUNABEM, desencadeou, na década de 70, um processo de sensibilização dos governos estaduais, dando origem às Fundações Estaduais do Bem-Estar do MenorFEBEMs. No entanto, as unidades da FEBEM em cada estado se revelavam lugares de tortura e espancamentos, nos moldes dos esconderijos militares, onde subversivos eram torturados. Os prejuízos resultantes da marginalizaçãoeram alarmantes, chegando a formar a Comissão Parlamentar de Inquérito em 1976, constituindo a CPI do Menor. A CPI concluiu seu trabalho, apresentando como recomendação a criação do Ministério Extraordinário, coordenador de todos os demais organismos envolvidos, financeiramente apoiado por um Fundo Nacional de Proteção ao Menor. Entretanto, não veio a concretizar-se. Ao final da década de 70, era promulgado o novo Código de Menores, através da Lei 6697, de 10/10/79, que pretendia inaugurar uma nova postura jurídica frente à questão dos “menores”. O Código de Menores em 1979 passou a ser o único diploma a regular a matéria que dita normas de proteção e assistência aos brasileiros menores de 18 anos. Para exemplificar, citamos o Art., 2º: Para efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I- privado de condições essenciais à subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta de omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vítimas de maus-tratos ou castigos imoderados impostos por pais ou responsável; (...) VI- autor de infração penal. O Código autorizava os juízes a internarem crianças que se encontram em “situação irregular” e define a carência como uma das hipóteses dessa situação. Em 1984 a FUNABEM passa a subordinar-se ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). Os anos 80, no campo das políticas de atendimento à população infanto-juvenil, surgem como um ciclo de grandes transformações. A partir das lutas e pressões sociais, e dentro das correlações de forças possíveis, em 1986, os direitos da criança são colocados em evidência por inúmeras organizações, destacando-se o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, 19 www.eunapos.com.br Pastoral do Menor, entidades de direitos humanos, ONG’s. As organizações sociais se opunham à desumana, bárbara e violenta situação a que se encontrava submetida a infância pobre no Brasil; e também à omissão e ineficácia das políticas sociais e das leis existentes em fornecer respostas satisfatórias face à complexidade e gravidade da chamada questão do “menor”. À medida que se pôde efetivamente questionar o modelo de assistência vigente, tornou-se possível a emergência de novas proposições contidas na Constituição Federal (1988), como veremos a seguir. 2.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990 – concretiza um notável avanço democrático, ao regulamentar as conquistas relativas aos direitos de criança e adolescente consubstanciadas no Artigo 227 da Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Criança e do Adolescente é o reflexo, no direito brasileiro, dos avanços obtidos na ordem internacional, em favor da infância e da juventude. Ele representa uma parte importante do esforço de uma Nação, recém-saída de uma ditadura de duas décadas, para acertar o passo com a comunidade internacional em termos de direitos humanos. O ECA é a regulamentação num sentido amplo do art. 227 da Constituição, reconhecendo e garantindo os direitos das crianças e dos adolescentes, consagrando a Doutrina da Proteção Integral. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). Absoluta prioridade não é simplesmente uma expressão, mas um princípio que gera direitos e obrigações jurídicas. A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1993), com inúmeros títulos, capítulos e artigos que garantem a imagem da 20 www.eunapos.com.br nossa última Constituição, direitos fundamentais – respeito à vida e à saúde, à liberdade e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, cultura, esporte e lazer, à profissionalização e proteção no trabalho, à prevenção, vem não só ratificar a Declaração Universal da Criança, mas reconhecer e consagrar a criança e o adolescente como indivíduos e, portanto, cidadãos. O ECA resgata o valor da criança e do adolescente como seres humanos – sujeitos de direitos – que devem receber o máximo de dedicação, em virtude de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Fonte: http://migre.me/8B5CF A criança e o adolescente passam a ser percebidos como seres em desenvolvimento, tanto do ponto de vista físico quanto psicológico e social, com necessidades que precisam ser supridas nestas três esferas. O Estatuto da Criança e do Adolescente exige um tratamento especial, prioritário, e, para garanti-lo, obriga o conjunto da política, da economia e da organização social a operar um reordenamento; a revisar prioridades políticas e de investimentos; a colocar em questão o modelo de desenvolvimento e respectivo projeto da sociedade, excludente e perverso, que desconhece, na prática, estes seres sujeitos de direitos: a criança e o adolescente. Este reordenamento tem uma configuração legal, formal, que deve expressar- se ao longo de um processo em todos os campos da vida social: das organizações governamentais e não governamentais, das políticas sociais básicas e da organização familiar. 21 www.eunapos.com.br Para o cumprimento do chamado Sistema de Garantia de Direitos, introduzido pelo Estatuto, o art. 86 desta Lei propõe uma nova gestão desses direitos, “através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. A primeira e importante novidade desse artigo é, justamente, a expressão política de atendimento. Isso porque, como vimos, o atendimento à criança e ao adolescente foi, ao longo da história, predominantemente isolado e fragmentário. Tanto que sempre se falou em “atendimento”, mas apenas com o ECA ganhou força a expressão “política de atendimento”, visando designar ações articuladas e integradas. O Sistema de Garantia de Direitos apresenta três eixos fundamentais: promoção, defesa e controle social. Estes eixos devem funcionar de maneira articulada – órgãos governamentais e não governamentais. O eixo da “promoção” corresponde à deliberação e formulação política de atendimento dos direitos, articulada com as demais políticas públicas. Destacam-se como exemplo de atores desse eixo os Conselhos de Direitos. No eixo da “defesa”, temos os Conselhos Tutelares, Centros de Defesa, Ministério Público, entre outros atores. Esse eixo assegura a exigibilidade dos direitos, cada vez que estes são violados. Por fim, o eixo do “controle social”, que diz respeito à vigilância do cumprimento dos preceitos legais. Deve haver uma articulação da sociedade civil para agir, controlar e fazer funcionar esse sistema. Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente são órgãos cuja função é formular as políticas públicas (básicas, assistenciais e de garantia), nas esferas federal, estadual e municipal, compostos de maneira paritária, por representantes do Poder Executivo e de entidades da sociedade civil. Conselhos Tutelares são órgãos de fiscalização, aos quais compete averiguar o descumprimento dos direitos fundamentais às crianças. Existem nos municípios e são compostos por cidadãos eleitos na comunidade.Centros de Defesa são organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos, criadas para garantir, defender e promover os direitos da pessoa humana, no caso específico, da criança e do adolescente. Ministério Público, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é “instituição permanente, essencial à função jurisdiscional do Estado, imcumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (Art.127). 22 www.eunapos.com.br É este o espaço da sociedade civil articulada em “fóruns”: Fóruns de Defesa das Crianças e Adolescentes; o Fórum de Combate ao Trabalho Infantil, entre outros. Os mesmos fazem o papel também de controle e vigilância social sobre a ação governamental e representam a retaguarda dos conselhos deliberativos. Ainda no eixo do controle social, também se produz conhecimento, pois nele residem todos os esforços das instituições de estudos e pesquisas que fazem propostas para os Conselhos e que têm papel fundamental na formação social para a cidadania, para o exercício dos direitos, para a participação na relação com o Estado e no subsídio para as políticas públicas. A sociedade civil possui importante papel político para garantir a continuidade das políticas públicas. O Ministério Público só se pronuncia quando provocado, embora tenha o papel de vigiar o cumprimento da lei. Assim, cabe à sociedade civil fazer uma articulação entre os três eixos para garantir que as políticas públicas sejam universais, suficientes e mais adequadas às normas do Estatuto. 2.2.1 Os Conselhos de Direito - espaços institucionais de participação Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, órgãos instituídos por representação paritária de entidades governamentais e não governamentais2, são responsáveis por elaborar e fiscalizar as políticas destinadas à sua área de competência, infância e adolescência, estando presente nos níveis municipal, estadual e nacional; denominando-se respectivamente Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Conselho Estadual dos Direitos da 2 Lembramos que o Ministério Público, Poder Judiciário e Poder Legislativo, apesar de órgãos do Estado, não são propriamente “governo”, muito menos sociedade civil, logo não podem participar dos conselhos. Os fóruns são um espaço de mobilização e organização, em geral. É instrumento legítimo de promoção, convocação (política) e fortalecimento das assembleias amplas para a escolha dos representantes da Sociedade Civil Organizada para constituição dos Conselhos. São, em especial, espaços de articulação do poder e do saber da sociedade, espaço de debate, de divulgação de ideias, de estímulo a propostas de políticas e estratégias que façam avançar as conquistas democráticas, e de articulação com parlamentares e magistrados. 23 www.eunapos.com.br Criança e do Adolescente (CEDCA) e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Considerados novos atores no cenário da política nacional, os Conselhos dos Direitos constituem-se na primeira iniciativa legal de implantação de conselhos paritários com poder deliberativo; assim também como espaços privilegiados de participação popular e como meios para comprometer, democraticamente, Estado e Sociedade com a política de atendimento à criança e ao adolescente. (Art. 86 ECA), e controlar as ações públicas dela decorrentes (Art. 88 ECA): Art. 86 A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 88 São diretrizes da política de atendimento: I- Municipalização do atendimento; II- Criação de Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais [...]. Discutir conselhos deliberativos significa apresentá-los como espaço formal da sociedade onde são discutidas as políticas sociais. Portanto, é parte de um todo, que se relaciona com outras, influencia e sofre influência de toda a dinâmica social, podendo provocar alterações substanciais na vida da sociedade. Sendo órgãos deliberativos, não lhes cabe a primazia na formulação de políticas. Elas podem e devem ser formuladas pelo Conselho, mas outros órgãos do governo também podem ter suas políticas. Ocorre que, para que essas políticas sejam executadas, o Conselho terá que apreciá-las e aprová-las. A política relacionada às crianças e aos adolescentes, que não foi aprovada pelo Conselho de Direitos, é ilegal, pois fere o Estatuto e a Constituição. Pensando na atribuição deliberativa e controladora do Conselho de Direitos, conclui-se que uma determinada política se concretiza através de ações organizadas em programas e projetos. Ocorre, porém, que toda organização que desenvolve atividades com crianças e adolescentes deve, juridicamente, ser uma instituição com a característica de política de atendimento, e seus programas devem estar inscritos no CMDCA, conforme o ECA preconiza no Art. 90, Parágrafo único: 24 www.eunapos.com.br As entidades governamentais e não governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária. Estes últimos são os responsáveis pela aplicação das medidas de proteção e socioeducativas, previstas no ECA. Outro aspecto a ser evidenciado, refere-se ao Art. 91 do Estatuto que permite o funcionamento das entidades não-governamentais somente após seu registro no CMDCA, pois é a partir dele que tais entidades passarão a integrar de fato a rede de atendimento de que o município disporá para atender a criança e o adolescente. Art.91 As entidades não-governamentais somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária da respectiva localidade. Para que os programas e projetos efetivamente se realizem é necessário, evidentemente, que tenham recursos financeiros. Uma das mais importantes atribuições dos conselhos municipais é o gerenciamento do respectivo fundo, porquanto o desenvolvimento de ações na área sempre depende da existência e disponibilidade de recursos financeiros. A fonte privilegiada dos mesmos é o orçamento público, na medida em que é constituído, basicamente, de tributos pagos pela população. Portanto, a deliberação do Conselho de Direitos tem força normativa sobre esse orçamento. Porém, o orçamento é aprovado na forma de lei, com vigência de um ano, o que pode trazer certos impasses, dado o rigor próprio da lei. É por isso que existe o Fundo da Infância e da Adolescência – FIA, como uma espécie de reserva de recursos voltados, exclusivamente, para a área infanto-juvenil e subordinado ao poder político do Conselho de Direitos. Essa é uma maneira de assegurar que a política de atendimento garanta a proteção integral aludida, já que sem recursos nada acontece. Recomenda-se, que os recursos do FIA sejam destinados ao financiamento de Projetos de ProteçãoEspecial, pois estes estão mais diretamente ligados à área de intervenção do CMDCA, especialmente aqueles elencados no artigo 90 do ECA. 25 www.eunapos.com.br Art.90 As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e socioeducativos destinados a criança e adolescente, em regime de: I- orientação e apoio sociofamiliar; II- apoio socioeducativo em meio aberto; III- colocação familiar; IV- abrigo; V- liberdade assistida; VI- semiliberdade; VII- internação. Parágrafo único: As entidades governamentais e não- governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária. Vale lembrar que o Fundo angaria recursos provenientes não apenas do orçamento público (embora este deva ser sua principal fonte), mas de doações e multas, dentre outras formas. Isto posto, entendemos que adequar os procedimentos de tomada de decisão à lógica democrática de participação, igualdade, liberdade e pluralidade é o desafio para a realização de uma organização social, que se pretende democrática e que não se limita ao arcabouço institucional. Portanto, Estado e sociedade civil necessitam de uma profunda democratização para tornar possível a participação e intervenção de diversos sujeitos políticos na construção da democracia representativa e de novas formas de democracia participativa. Torna-se assim evidente que o processo de constituição e funcionamento do CMDCA é dificultado, ou até mesmo, é impedido por fatores já elencados como: irregularidades nas Leis que criam os Conselhos, a falta de paridade, ausência da participação popular e também falta de condições de funcionamento. Fatores que explicam em parte o imobilismo dos conselhos no sentido da não operacionalização do ECA, com superposições de ações, pulverização de recursos e sem capacidade de gerenciamento. Destacamos que na condução da política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, a missão dos conselhos é garantir com prioridade absoluta o direito de todas as crianças e adolescentes. Nessa perspectiva, o 26 www.eunapos.com.br objetivo dos Conselhos é a melhoria integral das condições de vida da população infanto-juvenil. Garantia de prioridade compreende a primazia, a precedência, a preferência e a destinação privilegiada de recursos públicos. Então, se a política da criança não tiver essa característica, não há cumprimento do Estatuto e da Constituição Federal. É importante frisar que o conselheiro deve superar-se em seu papel, pois representa os interesses das crianças e dos adolescentes. Plano Decenal Documento aprovado pelo CONANDA no dia 19 de abril de 2011. Contém Eixos, Diretrizes e Objetivos Estratégicos. Principal desdobramento da 8ª. Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Plano Decenal é um documento que prevê as diretrizes da Política Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente para os próximos dez anos. Sua principal finalidade é orientar e cobrar do poder público na esfera federal a implementação de políticas que efetivamente garantam os direitos infanto-juvenis. (http://www.obscriancaeadolescente.gov.br/bv-politicas-planos/file/102-plano-decenal- 2011). CÓDIGO DE MENORES (1979) ECA (1990) Figura 1 - Algumas diferenças entre o Código de Menores e o ECA Fonte: elaboração própria DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR INVISIBILIDADE SOCIAL DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL AÇÕES ASSISTENCIALISTAS OU AUTORITÁRIAS, PENALIZANTES E CRIMINALIZADORAS VISIBILIDADE SOCIAL TITULARES DE DIREITOS 27 www.eunapos.com.br UNIDADE 3 – ECA E O SISTEMA DE PROTEÇÃO Segundo a Constituição Federal, Art.227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). No Brasil, principalmente, após a Constituição de 1988, ocorreram avanços no âmbito jurídico e legal, no que tange aos direitos das crianças como cidadãs, bem como às relações de responsabilidades sociais compartilhadas entre governo, família e sociedade, quanto ao cuidado e atenção à criança e ao adolescente. Entretanto, para além dos avanços, constata-se que há uma distância entre as condições reais de vida das crianças brasileiras e o que lhes cabe por direito. Por outro lado, e apesar de se ter ampliado em qualidade e extensão o acesso ao conjunto de bens e serviços que lhes são destinados, fica ainda o desafio de que é necessário desenvolver estratégias e instrumentos gerenciais, de forma a promover a universalização e a equidade do atendimento proporcionado pelas políticas públicas. O Estatuto exige um tratamento especial, prioritário, e, para garanti-lo, obriga o conjunto de política, economia e da organização social operar um reordenamento; revisar prioridades políticas e de investimentos. Deve-se desencadear uma série de inúmeras inovações de método e gestão, que contribuirão para a construção de uma nova sociedade. É pertinente lembrar que cabe às entidades governamentais e não- governamentais, o atendimento de crianças e adolescentes em programas e projetos. A partir daí, foi-se construindo um Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente com a implantação do CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares, Juizados da 28 www.eunapos.com.br Criança e do Adolescente, das Delegacias da Criança e do Adolescente e de Proteção da Criança e do Adolescente, descritos abaixo: Justiça da Infância e Juventude é o órgão encarregado de aplicar a lei para solução de conflitos relacionados aos direitos da criança e do adolescente. O ECA faculta (e estimula) a criação das chamadas varas especializadas e exclusivas para a infância e a juventude, mas, até o momento, há poucas no país. Nos municípios que não as têm, suas atribuições são acumuladas por juiz de outra alçada, conforme dispuser a Lei de Organização Judiciária. Ministério Público (MP) é responsável pela fiscalização do cumprimento da lei. Promotores e promotoras de Justiça têm sido fortes aliados do movimento social de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Defensoria Pública é o órgão do estado encarregado de prestar assistência judiciária gratuita a quem dela precisar, por meio da nomeação de defensores públicos ou advogados. A Constituição Federal assegurou esse direito e determinou a criação de defensorias públicas e o Estatuto da Criança e do Adolescente estendeu esse direito a todas as crianças e adolescentes. Delegacia Especializada é órgão da polícia civil encarregado de investigar e apurar fatos em que crianças e/ou adolescentes são vítimas de crimes. Esse tipo de delegacia foi a solução encontrada para superar tanto o problema da falta de preparo das delegacias comuns quanto a priorização dos crimes cometidos contra a infância, que normalmentese diluem nas já sobrecarregadas delegacias comuns. Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) configura-se como uma unidade pública e estatal, que oferta serviços continuados a famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social. Centros de Defesa são organizações não governamentais que atuam no campo da defesa jurídica de crianças e adolescentes que têm seus direitos violados. Atuam, também, na divulgação dos direitos infanto- 29 www.eunapos.com.br juvenis, na sensibilização da população local sobre esses direitos e no controle da execução das políticas públicas. Organizações não governamentais (ONG’s): Essas organizações da sociedade civil são parte integrante da Rede de Proteção, nas funções de Promoção (nos Conselhos de Direitos), Atendimento (em programas nas áreas de saúde, educação, assistência, cultura, profissionalização e proteção especial), Controle (Fóruns DCA), Defesa e Responsabilização (Centros de Defesa). Para o funcionamento do Sistema são essenciais a integração e a articulação entre órgãos do poder público, sociedade e poder judiciário. Essa integração supõe uma reflexão sobre cada um desses atores quanto a sua identidade e com definição de estratégia para cada um dos espaços, com instrumentos e atores próprios. O desafio é posicionar-se eficazmente dentro da estratégia geral do Estatuto, no que se refere à defesa do seu conteúdo, reafirmando a responsabilidade de todos: não há concorrência, mas sim trabalho em conjunto. A figura a seguir identifica as políticas públicas e as relações entre as organizações governamentais, não-governamentais e comunidade para atendimento à criança e ao adolescente, como prioridade absoluta. Todos interligados num grande sistema a favor da criança e da adolescente. 30 www.eunapos.com.br Figura 2 – Sistema de proteção Fonte: Elaboração própria 3.1 O Conselho Tutelar e as medidas de proteção Art. 18 É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (ECA, 1990) Fonte: http://www.fundacaofia.com.br/ceats/eca_gibi/08.htm O Estatuto da Criança e do Adolescente institui como um dos principais mecanismos de execução das políticas para crianças e adolescentes a instalação dos Conselhos Tutelares. O Art. 131 do Estatuto conceitua e define a finalidade do Conselho Tutelar: “O Conselho Tutelar é órgão permanente, autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”. (ECA, 1990). O Conselho Tutelar é um órgão permanente, isto representa que uma vez instalado, deve funcionar ininterruptamente, cumprindo seu papel na comunidade. Ser autônomo significa ter liberdade e independência na atuação funcional, suas decisões não são submetidas a escalas hierárquicas, no âmbito da administração. A revisão judicial (prevista no Art.137) não fere essa autonomia, porque é de caráter jurisdicional e não administrativo. 31 www.eunapos.com.br Ser não jurisdicional significa não pertencer ao Poder Judiciário (Art.92 da CF). Não cabe ao Conselho Tutelar estabelecer qualquer sanção para forçar o cumprimento de suas decisões. Se necessário, terá que representar ao Poder Judiciário. O Conselho Tutelar é o mais legítimo instrumento de pressão e prevenção para que de fato o Estatuto seja vivenciado no Brasil, pois força a implantação de mecanismos necessários ao atendimento digno dos direitos de todas as crianças e dos adolescentes brasileiros, independentes das situações em que estejam envolvidos. O conselheiro é escolhido pela comunidade, em processo conduzido sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com fiscalização do Ministério Público. Cada conselho é formado por cinco conselheiros titulares e cinco suplentes, escolhidos em eleição direta. Cumpre destacar que a Lei 8069/90-ECA, coerente com a diretriz da municipalização, adotada pela Constituição Federal, torna obrigatória a existência de pelo menos um Conselho Tutelar para cada município, fixando o número de seus membros e a forma de sua escolha. O Art. 132 do ECA prevê: “Em cada município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar, composto por cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução”. O Conselho é uma expressão da sociedade organizada, através de seus escolhidos. O fato de conselheiros serem escolhidos pela comunidade local, e não indicados política ou administrativamente, torna-os mais legítimos no desempenho de suas funções, evitando inibições para acionar o Ministério Público, contra as instituições e poderes constituídos, quando estes violarem os direitos contidos no Estatuto. É função do Conselho Tutelar receber denúncias, comunicações e reclamações envolvendo violação dos direitos da criança e do adolescente, devendo aplicar as medidas de proteção às vítimas, quando os direitos, reconhecidos no ECA, “forem ameaçados ou violados por ação de omissão ou abuso dos pais ou responsável e em razão da própria conduta”. (Art. 98 do ECA). Ao comentar o Art. 98 do Estatuto, devemos ressaltar a premissa de que é dever da sociedade em geral e do Poder Público em especial, além da família, assegurar os direitos básicos às crianças e aos adolescentes. Cabe ao Conselho 32 www.eunapos.com.br Tutelar, quando acionado, propiciar maior agilidade no atendimento às denúncias, utilizando os serviços existentes na própria comunidade para ressarcir os direitos violados, aplicando medidas de proteção estabelecidas no ECA, no artigo 136: I- atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos Arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no Art. 101, I a VII; II- atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no Art. 129, I a VII; III- promover a execução de suas decisões, podendo, para tanto: a) requisitar serviços públicos na área de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações; IV- encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente; V- encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência; VI- providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no Art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional; VII- expedir notificações; VIII- requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário; IX- assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; X- representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no Art. 220,§ 3, inciso II da Constituição Federal; XI- representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou pátrio poder. O Conselho Tutelar é autônomo nas suas decisões e é parte integrante da estrutura governamental, possuindo vínculo administrativo. Ao definir o Conselho Tutelar, o Estatuto utiliza a terminologia “órgão”, mas não acrescenta a palavra “público”. Entretanto, na leitura do Art.131 do Estatuto, compreende-se o Conselho Tutelar como um dos órgãos que compõem a administração pública municipal. O ECA estabelece que os recursos que são destinadosao Conselho Tutelar devem ser dotados na Lei Orçamentária Municipal. O principal fator determinante para a dinâmica de funcionamento do Conselho Tutelar é a demanda. O Conselho é um ótimo termômetro para detectar a existência de problemas na comunidade. O que não se admite é que alguma criança ou adolescente deixe de ser atendido por falta de organização ou planejamento. 33 www.eunapos.com.br 3.2 O Conselho Tutelar e a violência doméstica A violência doméstica contra a criança e o adolescente, embora repudiada socialmente, pode ser considerada fato cotidiano. Governos e sociedade civil despertam para a importância de se dar mais atenção ao grupo social formado por esse segmento. Fonte: http://migre.me/8HGZv A conjuntura apresentada é marcada pela exclusão social, injustiças, marginalização, violências e com conflitos étnicos surgindo a cada momento, aponta para a necessidade de não mais ser ignorada a problemática da violência contra a criança e o adolescente e de, ao contrário, serem viabilizados investimentos para esse segmento da população. A Violência Doméstica é entendida como uma forma de linguagem que não expressa apenas o intuito de educar ou de corrigir comportamentos inadequados, mas quer comunicar o poder dos pais sobre a criança, ou seja, o poder do mais forte sobre o mais fraco. [...] “a violência na família brasileira existe, esta família não é sagrada, nem intocável e pode em alguns momentos oferecer grandes riscos à integridade de uma criança”. (GUERRA, 1998, p.154). A notificação sobre violência física doméstica é a que mais chega aos serviços de proteção e de saúde, pois é facilmente detectada, através das marcas deixadas no corpo da criança ou adolescente. Reconhecemos o Conselho Tutelar como legítimo instrumento de pressão e prevenção para que de fato o Estatuto da Criança e do Adolescente seja vivenciado no Brasil, destacando a legitimidade do 34 www.eunapos.com.br órgão para atender às denúncias que lhes são apresentadas e quais suas reais possibilidades para o enfrentamento da violência de pais contra filhos. Importante lembrar que a aprovação de uma lei não é suficiente para mudar uma concepção tão arraigada na nossa sociedade, mas é capaz de oferecer instrumentos para a mudança. Assim, podemos afirmar que nenhum Conselho poderá desempenhar o seu papel sem o apoio e reconhecimento dos demais organismos que atuam seja na esfera do poder público, seja no âmbito da sociedade civil, voltados para a problemática dos direitos da infância e da adolescência. O ECA reconhece a importância da denúncia de casos de violação de direitos, conforme traz o Art.13: “Os casos de suspeita de maus-tratos contra a criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências”. Ao aplicar uma das medidas do art. 101 ou 109, o Conselho Tutelar, está emanando um ato administrativo. Portanto, os conselheiros devem estar atentos aos cinco requisitos necessários à formação do ato administrativo válido: Competência, Finalidade, Forma, Motivo e Objeto. Limitações são impostas muitas vezes, ao Conselho pela própria forma como os poderes públicos, na esfera municipal, atuam no sentido de dificultar sua viabilidade, bem como a própria ação dos conselheiros. Ao inter-relacionar família-comunidade-sociedade-Estado, como o quarteto assegurador de direitos, geradores da paz social que emana da família e que tem no Estado a garantia de sua recomposição quando fraturada, ou assumindo seu lugar quando por qualquer razão fracassa, o ECA, novamente, revela sua faceta intervencionista. (PASSETTI, 1999b, p.56). E essa intervenção, concluímos, dá-se através do Conselho Tutelar, que tem a função de atender as denúncias de violação dos direitos de crianças e adolescentes. Diante do caso concreto, cabe-lhe agir para que cesse a violação ressarcindo os direitos violados e promover a responsabilização do agressor. A despeito das dificuldades para a aplicação das medidas de proteção, acreditamos que o Conselho Tutelar tem atuado como braço social e institucional de garantias de direitos. Sem dúvida, acreditamos que o primeiro passo para enfrentar a violência doméstica é indignar-se, recusar sua banalização e a partir disso, 35 www.eunapos.com.br construir alternativas para que progressivamente seja alijada no cotidiano das famílias e da própria sociedade. A cultura trazida pelo ECA implica que os que estão fazendo repensem sua prática, e os que estão pensando, reforcem suas teorias, numa relação dialética. Desse movimento, deve brotar um conhecimento profícuo e ações que respondam às exigências da realidade de nossas crianças e adolescentes. 3.2.1 Violência sexual O novo olhar sobre a situação da criança e do adolescente, a partir do ECA, fez com que começasse a se tornar visível a triste realidade de violência perpetrada contra meninos e meninas em todo o mundo. Este é um fenômeno que atinge todas as classes e ambos os sexos. O Estatuto da Criança e do Adolescente juntamente com outras normas e acordos internacionais, fez com que o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes deixassem de ser apenas um crime contra a liberdade sexual e se transformassem numa violação dos direitos humanos, ou seja, direito ao respeito, à dignidade, à liberdade, à convivência familiar e comunitária e ao desenvolvimento de uma sexualidade saudável. A partir de 1991 ocorreu a disseminação do paradigma dos direitos da criança e do adolescente, difundido pelo movimento dos direitos da criança e expresso no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que criou as bases para o surgimento de um sentimento de intolerância em relação à violência sexual contra crianças e adolescentes. Esse paradigma deu origem na sociedade brasileira, a uma nova consciência de que as crianças têm “o direito de terem direitos”, criou novos parâmetros para aferir as violações maciças dos direitos da criança, bem como gerou novos instrumentos legais para o enfrentamento das violações dos direitos da criança. (SÁ. 2001) A complexidade da violência sexual demanda ações urgentes e enérgicas, capazes de interromper a reprodução do ciclo de violência. Apesar de o abuso sexual doméstico representar a maioria dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, o eixo da exploração sexual (prostituição infanto-juvenil, pornografia, sexo-turismo e tráfico de crianças e 36 www.eunapos.com.br adolescentes para fins sexuais) transforma-se gradativamente em carro-chefe da mobilização social brasileira tendo em vista seu poder aglutinador. 3.2.2 Formas da violência sexual O abuso sexual intra e/ou extrafamiliar pode se expressar de diversas formas: a) Abuso sexual sem contato físico: São práticas sexuais que não envolvem contato físico: O assédio sexual caracteriza-se por propostas de relações sexuais. Baseia- se, na maioria das vezes, na posição de poder do agente sobre a vítima, que é ameaçada pelo autor da agressão. O abuso sexual verbal pode ser definido por conversas abertas sobre atividades sexuais destinadas a despertar o interesse da criança ou do adolescente ou a chocá-los. Os telefonemas obscenos são também uma modalidade de abuso sexual verbal. A maioria deles é feita por adultos, especialmente do sexo masculino. Podem gerar muita ansiedade na criança, no adolescente e na família. O exibicionismo é o ato de mostrar os órgãos genitais ou se masturbar diante da criança ou do adolescenteou no campo de visão deles. A experiência pode ser assustadora para algumas crianças e adolescentes. O voyeurismo é o ato de observar fixamente atos ou órgãos sexuais de outras pessoas, quando elas não desejam serem vistas e obter satisfação com essa prática. A experiência pode perturbar e assustar a criança e o adolescente. A pornografia é uma forma de abuso que pode também ser enquadrada como exploração sexual comercial, uma vez que, na maioria dos casos, o objetivo da exposição da criança ou do adolescente é a obtenção de lucro financeiro. b) Abuso sexual com contato físico São atos físico-genitais que incluem carícias nos órgãos genitais, tentativas de relações sexuais, masturbação, sexo oral, penetração vaginal e anal. Podem ser tipificados em: atentado violento ao pudor, corrupção de menores, sedução e estupro. 37 www.eunapos.com.br c) Pedofilia O conceito social de pedofilia define-se pela atração erótica por crianças. Essa atração pode ser elaborada no terreno da fantasia ou se materializar em atos sexuais com meninos ou meninas. Nesse aspecto, há muitos pedófilos pelo mundo que não cometem violência sexual, satisfazem-se sexualmente com fotos de revistas ou imagens despretensiosas de crianças, mas que geram neles intenso desejo sexual. Atuam na fantasia e, muitas vezes, não têm coragem de por em ato seu real desejo. Estudos vêm apontando que o indivíduo adepto da pedofilia e/ou da prática de pedofilia é indivíduo aparentemente normal, inserido na sociedade. Muitos têm atividades sexuais normais com adultos, não têm fixação erótica única por crianças, mas são fixados no sexo. 3.3 O ato infracional e a questão da imputabilidade penal Uma das distorções mais frequentes quando tratamos a questão do ato infracional é acreditar que as crianças e adolescentes que cometem ato infracional não são responsabilizados. Essa crença, de boa parte da opinião pública, advém da dificuldade que muitos profissionais e muitas pessoas têm em diferenciar “imputabilidade” e “impunidade”. Imputabilidade significa a possibilidade legal de receber uma punição por seus atos. A Constituição Brasileira dispõe que até a idade de 18 anos, um adolescente é considerado inimputável, ou seja, não pode ser punido conforme previsto no Código Penal, mas recebe as medidas socioeducativas previstas no ECA. Como consequência de seus atos, a criança deve ser submetida às medidas de proteção, previstas no ECA (Art. 101). A partir dos 12 anos de idade, aplicam-se as medidas socioeducativas (art. 112 do ECA), que são muito mais severas do que as de proteção e devem ter caráter construtivo, como prestação de serviço à comunidade, ou até privação de liberdade, como a internação. Ainda temos as medidas de: advertência, obrigação de reparar o dano; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade. Em resumo, no Brasil, adolescentes são penalmente responsáveis, isto é, pode-se atribuir a eles conduta definida na lei criminal (morte, roubo, furto ou 38 www.eunapos.com.br agressão). Entretanto, não respondem pelos seus atos de acordo com o Código Penal. Conforme determinado no ECA, respondem pelos seus atos diante do Juiz da Infância e da Juventude. Atualmente temos o SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes: Sancionada lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) A presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei 12.594, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que estejam em conflito com a lei. O Sinase busca uniformizar, em todo o País, o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei e o processo de apuração de infrações cometidas. O projeto de 88 artigos, aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2010, estabelece as medidas socioeducativas que devem ser adotadas para reinserção sociocultural do adolescente. Veja a notícia na íntegra, disponível em: <http://www.obscriancaeadolescente.gov.br/todas-noticias/571-sancionada-lei-que-institui- o-sinase> Acesso em 17 abr. 2012. 39 www.eunapos.com.br UNIDADE 4 – ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Sabe-se que a educação, cultura, arte, lazer e esporte podem ser instrumentos eficientes, capazes de contribuir, inclusive, com o fim da violência e com a formação de uma consciência cidadã. Assim, devemos procurar formas de fazer a nossa parte. Ser cidadão é buscar formas de participar ativamente das decisões de sua comunidade, influenciar modos de vida de maneira positiva ao seu redor, exercer os direitos constitucionais adquiridos e lutar pelos que virão. É preservar o meio ambiente, a natureza, os animais, os seus semelhantes, os opostos. É ser solidário, político, flexível, decidido e, principalmente, estar consciente de todas as atitudes tomadas em prol da sociedade. Fonte: http://migre.me/8It57 Dallari ressalta que: A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social (1998, p. 14). Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade de direitos, enfim, direitos civis, políticos e sociais. E ainda, ser cidadão implica em cumprir com seus deveres enquanto membro da coletividade. Cidadania, segundo Marshal (1972), se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. 40 www.eunapos.com.br Ao longo da história, as crianças e adolescentes não tiveram acesso às questões de cidadania. Fato que se alterou principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e também do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), que provocaram uma mudança significativa no que se refere ao reconhecimento da criança e do adolescente como cidadãos de direitos, bem como no que tange à construção de uma rede de proteção e de atendimento que favorecessem o desenvolvimento familiar e comunitário das mesmas. Fonte: http://migre.me/8IuO6 Neste sentido, a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à infância e à adolescência por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA estabeleceu nova concepção, organização e gestão das políticas de atenção a este segmento da sociedade, dando origem a um verdadeiro sistema de garantia de direitos. Do ponto de vista da concepção, esse sistema destaca-se pelo caráter abrangente, pois incorpora tanto os direitos universais de todas as crianças e adolescentes brasileiros quanto a proteção especial a que fazem jus aqueles que foram ameaçados ou violados em seus direitos. (AQUINO, 2004, p. 328) Portanto, promove a articulação entre os diferentes atores e políticas setoriais para a proteção de crianças e adolescentes, reconfigurando o aspecto da integralidade desta rede de proteção. Esta rede de proteção abrange muitos atendimentos, diferenciados pelo nível de proteção a que pertencem e ao grau de vulnerabilidade, de violação de direitos de cada criança. Envolve a articulação entre
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