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Mapeando as estratégias, heterocompositivas

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Mapeando as estratégias heterocompositivas*
A heterocomposição é um modo de composição de conflitos no qual existe a figura de um terceiro imparcial que tem autoridade para impor uma solução para as partes em conflitos. Assim, enquanto na autocomposição mediada o terceiro limita-se a orientar as partes e não tem o poder de suprimir a autonomia dos envolvidos no conflito, na heterocomposição existe um terceiro que toma decisões que podem ser impostas às partes.
Se, por exemplo, Capitu e Bentinho não chegassem a um acordo sobre a divisão dos bens que pertenciam a ambos, eles poderiam convidar um amigo comum e solicitar a ele que fizesse a divisão, comprometendo-se a aceitar as escolhas feitas pelo amigo. Como o amigo não foi chamado simplesmente para opinar, nem apenas para mediar, mas para tomar uma decisão imponível às partes, não se trata de autocomposição mediada, mas de heterocomposição.
Arbitragem
No exemplo acima descrito, o amigo convidado a tomar uma decisão atuaria como árbitro, ou seja, como terceiro imparcial cuja autoridade para decidir o litígio deriva da própria escolha das partes. Não caberia falar, portanto, de uma arbitragem imposta, pois a escolha da via arbitral sempre precisa ser fruto de uma decisão autônoma das partes envolvidas no conflito.
A autoridade do árbitro, portanto, não deriva de uma autoridade superior às partes, mas da própria autonomia das pessoas envolvidas no conflito: se elas poderiam resolver o litígio por meio de uma autocomposição, também podem elas escolher uma autoridade para dar fim ao litígio. Por não depender de uma autoridade superior às partes, a arbitragem é a única forma de heterocomposição existente no direito internacional, pois não há nenhuma autoridade internacional que seja hierarquicamente superior à dos Estados. Portanto, se o Brasil tiver um conflito com a Argentina e não for possível chegar a um composição consensual, não há como recorrer a uma autoridade superior, restando aos envolvidos apenas a autotutela� ou a arbitragem.
Os Estados nacionais em conflito poderiam, portanto, nomear um outro Estado como árbitro, atribuindo a ele a autoridade para resolver a questão, de forma que a solução que ele der ao caso, mediante um laudo arbitral, obrigará às partes conflitantes. Percebe-se, pois, que a arbitragem é heterocomposição, pois, se há autonomia no tocante à escolha dos árbitros, a decisão do árbitro é válida independentemente da vontade das partes — e seria inútil se assim não o fosse. Portanto, embora a via arbitral seja escolhida autonomamente as suas decisões são impostas de forma heterônoma.
Mesmo os chamados tribunais internacionais, como o de Haia (ou da Haia), não passa de uma corte permanente de arbitragem. Se algum Estado resolver demandar o Brasil frente ao Tribunal de Haia, a primeira coisa que essa Corte fará será perguntar ao Brasil se ele confere ao Tribunal autoridade para decidir o caso. Se o Brasil disser que não (tecnicamente diríamos que o Brasil recusaria a jurisdição da Corte), o processo será simplesmente encerrado. Se o Brasil disser que sim, então ele conferirá autoridade à Corte para agir como tribunal arbitral.
Contudo, a opção pela arbitragem pode ser feita antes mesmo do afloramento do conflito. No campo internacional, por exemplo, há vários países que firmaram um tratado comprometendo-se a aceitar a autoridade do Tribunal de Haia, sempre que fossem demandados para resolver litígios internacionais. No direito interno brasileiro, observa-se atualmente um crescimento constante no número de contratos que possuem uma cláusula arbitral, ou seja, uma disposição que determina que os conflitos resultantes do contrato serão resolvidos por meio de arbitragem e não pelo recurso a um juiz do Estado. Com isso, a opção pela via arbitral preexiste ao conflito, sendo que esse tipo de escolha vincula as partes à arbitragem.
Além disso, a pessoa do árbitro nem sempre precisa ser escolhida de comum acordo pelas partes, pois a maioria das cláusulas arbitrais atribui a autoridade para resolver o conflito não a um indivíduo, mas a uma determinada Câmara de Arbitragem. Cada Câmara de Arbitragem tem suas regras próprias e um corpo específico de árbitros, de tal modo que, a partir da assinatura do contrato, as partes ficam vinculadas às regras da respectiva Câmara de Arbitragem, inclusive as que dispõem sobre a escolha dos árbitros.
Também é possível aos cidadãos brasileiros optar pela arbitragem após o surgimento do conflito, o que é feito por meio de um contrato por meio do qual se constitui uma pessoa como árbitro para dar fim a um certo litígio. Por meio desse compromisso, além de nomear o árbitro, deve-se estabelecer os limites do seu poder e definir os critérios que ele deverá utilizar, ou determinar que serão seguidas as regras de uma Câmara Arbitral determinada.
Assim, a arbitragem posterior ao conflito somente é viável quando as partes conflitantes são capazes de eleger uma pessoa ou instituição que ambas considerem idônea — o que nem sempre é fácil, devido às divergências valorativas que pode haver entre as pessoas em conflito. Por conta dessa dificuldade, a arbitragem mostra-se uma saída muito conveniente para o tratamento de questões fundamentalmente técnicas/científicas, pois a escolha do árbitro dependerá de qualificações profissionais, mais que de seus valores ideológicos. 
Todavia, em casos muito ligados a juízos de valor, a arbitragem somente se mostraria razoável quando as partes comungassem a mesma ideologia: que árbitro seria possível para resolver uma questão de fundo ético, como é o normal das questões familiares e em outros conflitos multidimensionais? Em casos desse tipo, quando há um conflito de valores, a opção pela arbitragem não parece ser a mais indicada, pois, mesmo que a lei permita a arbitragem para resolver litígios de natureza patrimonial, o conflito subjacente pode transcender em muito a questão patrimonial que aflorou no litígio.
Além disso, o reconhecimento dos limites da arbitragem fez com que a lei brasileira limitasse a sua aplicação aos direitos disponíveis, especialmente os patrimoniais, vedando a sua utilização em conflitos que envolvem direitos indisponíveis, como a vida, a liberdade, vários direitos ligados à família, entre outros. Nesses casos, como o direito é considerado indisponível (a pessoa não pode abdicar dele nem negociá-lo, ainda que o deseje), o Estado reserva a si a possibilidade de resolver os conflitos a eles relativos, por via jurisdicional. Assim, a arbitragem fica praticamente restrita às questões patrimoniais — as quais não são poucas em número, relevância ou complexidade. 
* Extraído do texto: Cartografia dos métodos de composição de conflitos� de Alexandre Araújo Costa
� Autotutela que, no direito internacional, é feita por meio da imposição de restrições unilaterais, tais como embargos ou imposição de barreiras tarifárias, ou pela guerra.
� Texto originalmente publicado em Azevedo, André Gomma de (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. 1 ed. Brasília: Editora Grupos de Pesquisa, 2003, v. 3, p. 161-201, livro cujo texto integral está disponível em � HYPERLINK "http://www.unb.br/fd/gt/links/artigos.htm" ��http://www.unb.br/fd/gt/links/artigos.htm�.
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