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A orientação transformadora

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A mediação centrada no conflito�
 A orientação transformadora*
Para Warat, a diferença primordial entre conciliação e mediação está no tipo de conflito a ser enfrentado, sendo que essa distinção tem reflexos diretos no papel a ser desempenhado pelos mediadores e conciliadores. Outros autores essas duas categorias como tipos distintos de mediação e, como fazem Bush, Folger, dividem a mediação em transformadora (transformative mediation) e resolutiva de problemas (problem solving mediation)�. Porém, prefiro a distinção proposta por Warat, tanto por considerá-la mais elegante (as escolha das terminologias é sempre influenciada por nosso senso estético) como por tratar devidamente um conceito já está consolidado na experiência jurídica brasileira: a conciliação. Como a conciliação é ligada normalmente ao trabalho dos juizados especiais e dos juízes, cuja função primordial (devida ou indevidamente) é estimular o acordo, creio que essa distinção conceitual é a mais compatível com o uso normal da palavra.
De acordo com Warat, a mediação relaciona-se a conflitos com uma forte dimensão emocional e que envolvem um agir eticamente comprometido, enquanto a conciliação aborda conflitos com dimensão afetiva anêmica ou inexistente e envolve um agir estratégico-indiferente. Com isso, a função da mediação é de intervir basicamente no aspecto emocional, buscando transformar uma relação conflituosa em uma relação saudável, auxiliando as partes a compreender o conflito de forma mais aprofundada (o que implica compreender os seus próprios desejos e interesses), para que, com isso seja possível converter um comprometimento negativo em um comprometimento positivo ou aumentar o nível de cooperação entre as partes.
Nessa medida, o objetivo da mediação não seria o acordo, mas a transformação do conflito. Essa visão parte do pressuposto de que o conflito não é fruto direto de situações objetivas, mas é fruto do modo como as pessoas interpretam uma situação e reagem a ela (uma mesma situação pode gerar conflito para certas pessoas e não para outras), de modo que é possível alterar o próprio conflito a partir da modificação do modo como as partes envolvidas o percebem. Não se trataria, pois, de uma simples negociação de interesses, mas de uma compreensão dos interesses e sentimentos, com a finalidade de transformar as relações que atingiram um grau de desequilíbrio tal que a autocomposição direta já não era mais um instrumento eficaz. Nas palavras do próprio Warat, a mediação é um trabalho de reconstrução simbólica do conflito, que é capaz de promover uma transformação no conflito por meio de uma (re)interpretação que, conferindo novas significações à relação conflituosa, recrie a possibilidade de uma convivência harmônica das diferenças. �
Essa idéia também está presente na concepção de Winslade e Monk, que, extrapolando elementos psicológicos da terapia narrativa (narrative therapy), desenvolveram o que chamaram de mediação narrativa (narrative mediation), uma perspectiva que acentua a dimensão lingüística dos conflitos e nega a pressuposição tradicional de que “what people want (which gets them into conflict) stems from the expression of their inner needs or interests. Rather it starts from the idea that people construct conflict from narrative descriptions of events”�. Por isso, as vertentes ligadas à orientação transformadora trabalham com as dimensões simbólicas do conflito, mais que com harmonização dos desejos derivados dessa percepção simbólica da experiência pessoal.
Nesse sentido, a função do mediador é estimular as partes a reconstruir laços emocionais rompidos (ou construir novos enlaces) e, com isso, fazer com que elas possam construir uma relação de convivência harmônica. Para usar a linguagem poética que marca as concepções� de Warat, a mediação tem como objetivo reintroduzir o amor no conflito, pois o mediador precisa contribuir para que as partes erotizem o conflito, inscrevendo o amor entre as pulsões destrutivas e, com isso, recolocando o conflito no terreno das pulsões de vida�. 
Essa afirmação evidencia um outro pressuposto fundamental da visão dominante nas perspectivas centradas no conflito, que é a idéia de que as tensões não são um problema a ser erradicado, mas componentes intrínsecos das relações pessoas. As pessoas são diferentes (têm diferentes desejos, interesses, sentimentos, etc.) e as relações humanas são o ambiente em que essas diferenças se produzem como realizações da autonomia das pessoas, gerando uma imensa riqueza em sua diversidade, embora gerando também tensões no entrechoque dessa mesma diversidade. Por conta disso, Warat considera o conflito como uma confrontação construtiva, pois ele entende a vida como um devir conflitivo que tem de ser adequadamente gerenciado�.
Nesse contexto, o conflito mostra-se como “uma das principais forças positivas na construção das relações sociais e na realização da autonomia individual”, pois “à indiferença de força puramente negativa, autodestrutiva da indiferença, o conflito brinda com um incentivo para a interação e termina erigindo-se numa possibilidade para criar, com o outro [e não contra o outro], a diferença”�. Por isso, é normalmente um equívoco falar em resolução de conflitos emocionais, pois o que se pode fazer nesses casos é transformar o conflito, harmonizando e não anulando as tensões, motivo pelo qual Warat chama sua própria concepção de orientação transformadora, contrapondo-a à orientação acordista�.
* Extraído do texto: Cartografia dos métodos de composição de conflitos� de Alexandre Araújo Costa
� Marinés Suares identifica dois modelos que atuam nesse mesmo sentido, o transformativo de Bush e Folger e o circular-narrativo de Sara Cobb. Porém, creio que as diferenças existentes entre eles os caracterizam como variantes de uma concentração no conflito e não como modelos que mereçam ser tratados distintamente. [Suares, Mediación, pp. 59 e ss.],
� Vide Azevedo, Perspectivas metodológicas do processo de mediação.
� Warat, O ofício do mediador, p. 76.
� Winslade e Monk, Narrative mediation, p. XI.
� Concepções essas tão incompreendidas por aqueles que tentam transformar o direito em técnica racionalmente aplicável ou que compartilham a idéia de que um estatuto epistemológico adequado somente pode ser conquistado por um saber que seja purificado do desejo e do amor.
� Warat, Ecologia, Psicanálise e Mediação, p. 9. 
� Warat, O ofício do mediador, p. 82.
� Warat, Ecologia, Psicanálise e Mediação, p. 16.
� Convém ressaltar que a orientação acordista foi definida no final do ponto anterior.
� Texto originalmente publicado em Azevedo, André Gomma de (org.). Estudos em Arbitragem, Mediação e Negociação. 1 ed. Brasília: Editora Grupos de Pesquisa, 2003, v. 3, p. 161-201, livro cujo texto integral está disponível em � HYPERLINK "http://www.unb.br/fd/gt/links/artigos.htm" ��http://www.unb.br/fd/gt/links/artigos.htm�.
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