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O ENSINO SUPERIOR E O CENÁRIO DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL: UMA ANÁLISE CRÍTICA. HIGHER EDUCATION AND BUSINESS ADMINISTRATION COURSE SCENERY IN BRAZIL: A CRITICAL ANALYSIS Cláudio Romualdo* Resumo O objetivo desse artigo é explicitar resumidamente a história do Ensino Superior e sua implantação no Brasil, para em seguida demonstrar a origem do curso de Administração, também no Brasil. Esses cenários servirão para uma análise crítica sobre a formação do Administrador. Nesse sentido, buscou-se analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração e a proposição de uma formação voltada para uma perspectiva antropológica de gestão empresarial. Palavras-chave: Ensino Superior. Administração. Diretrizes Curriculares Nacionais. Perspectiva Antropológica. Formação. Abstract The aim of this paper is to explain briefly the history of higher education and its implementation in Brazil, to a following demonstration of the origin of the Business Administration course, also in Brazil. Based on these sceneries, a critical analysis of the educational process of the business administrator will be possible. In this regard, the National Curriculum Guidelines for the business administration course was analyzed and it was proposed an anthropological education for the business management and administration courses. Keywords: Higher Education. Business Administration. National Curriculum Guidelines. Anthropological Perspective. Education. Introdução O presente artigo tem a pretensão de levantar o cenário do Ensino Superior, demonstrando suas raízes históricas e a sua implantação no Brasil. A partir de então, faz-se um recorte do cenário e conduz-se a reflexão na direção da oferta do Ensino Superior através do curso de graduação em Administração. No primeiro momento, denominado “O Ensino Superior no Brasil”, apresenta-se um breve resgate histórico referente ao surgimento das Instituições de Ensino Superior * Diretor Geral da Faculdade de Tecnologia, Ciências e Educação – FATECE – Pirassununga. Avaliador Institucional do MEC-INEP. romualdo@didaciebe.com.br. Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 106 (Universidades) na Europa, berço de seu nascimento, para em seguida, demonstrar como e para que finalidade as Instituições de Ensino Superior foram criadas no Brasil nos diversos momentos de sua história. Apresentam-se dados da expansão do Ensino Superior no Brasil confrontando-os com a dicotomia entre o público e o privado. Ressalta-se que a dicotomia entre o oferecimento do Ensino Superior por Instituições Públicas e pela Iniciativa Privada é uma linha transversal que referencia o presente trabalho. No segundo momento, citado como “A História do Curso de Administração”, apresenta-se o núcleo do surgimento da Administração enquanto formação universitária, principalmente nos Estados Unidos e o nível de influência na criação das Escolas de Administração no Brasil. Em seguida reflete-se sobre o processo de massificação do curso de Administração e suas consequências para a formação do egresso e para as organizações e empresas na busca por profissionais hábeis e competentes nos aspectos técnicos e humanos. No terceiro momento, intitulado como “A Formação do Administrador”, a proposição de se analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração de 2005 oferece subsídios para a compreensão do paradoxo entre a proposta das DCN e a real situação da formação dos Administradores no interior das Instituições do Ensino Superior. Na tentativa de buscar um novo caminho à formação do administrador, o referente artigo propõe uma reflexão sobre a perspectiva antropológica da gestão empresarial contrapondo-se a histórica influência das bases teóricas norte-americanas. 1 O Ensino Superior no Brasil O Ensino Superior é tratado como processo da produção da complexa Instituição de Ensino Superior, cuja sigla, atualmente, se denomina IES e é composta por Faculdades, Institutos, Centros Universitários e Universidades, na esfera pública e privada. Para se compreender melhor o Ensino Superior como processo da produção das IES é necessário resgatar a história dessas Instituições no cenário brasileiro. O lócus originário do Ensino Superior são as escolas antigas dos gregos, romanos, estóicos e outros. A Baixa Idade Média, compreendida entre os séculos XI e XIV é a linha do tempo que marca o início das suas atividades na Europa. Esse período foi marcado pela forte crise do modelo feudal e de tantas outras crises sociais, políticas Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 107 e econômicas, assim essas crises influenciaram muito a trajetória da constituição das Instituições de Ensino Superior. Porém, há um fator marcante que dá um direcionamento explícito ao percurso das Instituições de Ensino que é servir aos interesses dos burgueses diante das atividades comerciais e econômicas que começavam a se desenvolver. As mais antigas Instituições de Ensino Superior na Europa, denominadas como Universidades por Dirceu Benincá são: Entre as mais antigas universidades da Europa, estão: Bolonha (Itália, 1088); Oxford (Inglaterra, 1096); Paris (França, 1170); Moderna (Itália, 1175); Cambridge (Inglaterra, 1209); Salamanca (Espanha, 1218); Montpellier (França, 1220); Pádua (Itália, 1222); Nápoles (Itália, 1224); Toulouse (França, 1229); Siena, (Itália, 1240), Múrcia (Espanha, 1272); Coimbra (Portugal, 1290); Complutense de Madrid (Espanha, 1203); Praga (República Checa, 1348); e Viena (Áustria, 1365). (BENINCÁ, 2011, p. 32). Nas Américas, a partir dos períodos de colonizações surgiram as Universidades do Peru, em Lima denominada Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em 1551; a Universidad Nacional Autónoma do México, na Cidade do México em 1551; a Universidad Nacional de Córdoba, na Argentina, em 1613; Harvard, em Boston, Estados Unidos, em 1636; Yale, Estados Unidos, em 1701; e Princeton, Nova Jersey, Estados Unidos, em 1746. No momento histórico, aproximadamente até 1808, os portugueses não permitiram a criação de nenhuma universidade brasileira, apesar dos esforços dos jesuítas. Estima-se que mais de 2.500 brasileiros foram diplomados na Europa. Segundo Benincá (2011, p. 32), “a coroa portuguesa impediu de forma sistemática o surgimento de universidades durante o período colonial. Sua política visava submeter às elites nativas ao monopólio educacional advindo de Coimbra.” Por conseguinte, no Brasil, a história da implantação das Escolas de Ensino Superior está ligada a vinda da corte portuguesa, principalmente com a permanência na colônia do rei D. João VI e pode-se afirmar que a partir desse momento se instituiu o Ensino Superior no Brasil. Luckesi (1998, p. 34) aponta que “nascem as aulas régias, os cursos, as academias, em resposta às necessidades militares da Colônia, consequência da instalação da Corte no Rio de Janeiro.” As Escolas de Ensino Superior ou Faculdades nascem com a marca exclusivamente profissionalizante, ligadas às áreas da Medicina, da Engenharia e do Direito. A Faculdade de Medicina na Bahia em 1808 é o resultado da evolução de Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 108 cursos de anatomia, cirurgia e medicina; as Faculdades de Direito de São Paulo e Recife, em 1854, resultam, também, da evolução dos cursos de Direito; em 1874 foram criadas a Escola Militar e a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, dando assim a separação entre os cursos civis e os militares. Por volta de 1900, em Ouro Preto,Minas Gerais, é criada a Escola de Engenharia. Somente em 1930 dá-se o início à transformação ou “arrumação”, do Ensino Superior no Brasil como denomina Cipriano Luckesi (1998, p. 34): “O ajuntamento de três ou mais Faculdades podia legalmente chamar-se de Universidade.” É nesse contexto que se fundam as Universidades de Minas Gerais em 1933 e a de São Paulo em 1934. Em 1935, com Anísio Teixeira, inicia-se um pensamento forte de se constituir uma universidade brasileira, não mais como agrupamento de faculdades, mas como um centro de debates livres de ideias, mas tal pensamento e discussão foram logo combatidos pela chegada da ditadura, com a implantação do Estado novo em 1937. Até 1960 continua-se com a denominação de Universidade como agrupamento de Faculdades, apesar de coexistir as ideias de Anísio Teixeira e, em seguida, foram reerguidas pelo seu discípulo Darcy Ribeiro com a ajuda das bases intelectuais do país da referida época. Assim funda-se a Universidade de Brasília, como esperança de uma Universidade Brasileira, nascida a partir da reflexão nacional. Entretanto, mais uma vez a incipiente Universidade foi preterida pelo Golpe de 1964. As concepções de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro de construção da Universidade Brasileira, como centro de pesquisa e de debates livres, nascida para responder aos problemas nacionais passam a ser paradigmas em constante construção, mas nunca inteiramente construídos, mesmo após as conquistas políticas de democracia. Para Darcy Ribeiro, as Universidades aqui no Brasil absorvem, aplicam e difundem o saber humano fruto da atividade intelectual dos grandes centros técnico-científicos das nações desenvolvidas. É com a Lei da Reforma Universitária, Lei 5.540-68, que se intensifica no cenário do Ensino Superior a prevalência do ensino superior privado, pois segundo Luckesi: A Lei 5.540-68 da Reforma Universitária diz com referência ao ensino Superior: Art. 1º - O ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a formação de profissionais de nível universitário. Art. 2º - O ensino superior indissociável da pesquisa será ministrado em Universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 109 instituições de direito público ou privado. O que percebemos, na quase totalidade do ensino superior brasileiro é a paulatina inversão de valores: o terceiro objetivo se transformou, na prática, em preocupação primordial; o principal e primeiro objetivo da Lei, reforçado no Art. 2º, está desaparecendo das preocupações reais dos nossos ambientes universitários. O que se constata é um ensino sempre mais mercantilizado, de nível cada vez mais baixo, mesmo nas grandes Universidades públicas. (LUCKESI, 2005, p. 29). A mobilização estudantil em 1968 consegue do governo a criação do GT – Grupo de Trabalho, pelo Decreto nº 62.937, cujo objetivo era estudar, em caráter de urgência, as medidas que o governo deveria tomar para a resolução da crise universitária. Entre as questões levantadas pelo relatório do GT se encontra o fato de que a universidade brasileira ainda permanece organizada sob a base das faculdades tradicionais e se revela inadequada para atender às necessidades do processo de desenvolvimento, que se intensificou na década de 1950. E como constata Fávero1 (2006, p. 33) “A respeito da expansão das Instituições de Ensino Superior, ressalta-se que ela ocorre por simples multiplicação de unidades, em vez de desdobramentos orgânicos”. E, continuando com a constatação de Fávero “A Universidade se expandiu entretanto em seu cerne, permanece a mesma estrutura anacrônica a entravar o processo de desenvolvimento e os germes da inovação”. Outro momento muito relevante do Ensino Superior no Brasil, diz respeito aos oito anos de mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso, pois foram nesses anos que a expansão do Ensino Superior, principalmente o Ensino Superior privado, chegou a números tão elevados, nunca vistos na história. Fala-se dos anos de 1995- 2002. Como Cunha2 apresenta: A proposta de governo do candidato FHC para seu primeiro mandato (Cardoso, 1994) foi elaborado por uma equipe coordenada pelo economista Paulo Renato de Souza, ex-secretário da Educação do Estado de São Paulo, ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas, naquele momento, técnico do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Vitorioso o candidato e empossado FHC na Presidência da República, Paulo Renato de Souza foi nomeado ministro da Educação, cargo que ocupou de 1995 a 2002, vale dizer, durante os dois mandatos do presidente. (CUNHA, 2003, p. 38). A Expansão do Ensino Superior nesse período histórico reflete a agenda neoliberal das agências financiadoras que estabeleciam metas a serem alcançadas pelo 1 FÁVERO, Maria de Lourdes Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. EDUCAR. Curitiba, n. 28, p. 17-28, 2006, Editora UFPR. 2 CUNHA, Luiz Antonio. O Ensino Superior no Octênio FHC. Educação e Sociedade. Campinas, v. 24, n. 82, p. 37-61, abr. 2003. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 110 Brasil, como o Banco Mundial (BM), a Conferência Mundial sobre a Educação Superior (UNESCO/Paris/5-9/10/1998), o FMI, a FAO e a OMS. Por conseguinte, a expansão do Ensino Superior se deu pelo setor privado, onde no ano 1996 se tem 23% de Instituições de Ensino Superior públicas contra 77% de Instituições de Ensino Superior privadas. Pode-se constatar a evolução do número de IES no Brasil através do gráfico a seguir: Fonte: MEC/INEP www.inep.gov.br O Ensino Superior continuou a sua expansão em larga escala também no Governo Lula, constatando-se, claramente, a continuidade da “avalanche neoliberal e os modelos universitários de ocasião, como menciona Sguissardi: Serão os ventos e a avalanche neoliberais na economia, na reforma do Estado e na concepção do conhecimento e do ensino superior como bem privado, quase mercadoria, serviço educacional regulamentável no âmbito da Organização Mundial do Comércio, que irão condicionar nos últimos anos a nova configuração da universidade em nosso país e no exterior, também sob o ponto de vista dos modelos universitários. A drástica redução do financiamento público, a criação de fundações privadas no interior das IES públicas, entre outras formas de retirada do Estado da manutenção do setor, e a contenção na sua expansão, assim como o desenfreado processo de expansão da universidade privada, em especial a com fins lucrativos; o aumento da diferenciação institucional e a adoção de modelos gerenciais ou empresariais de administração universitária são apenas algumas decorrências das profundas mudanças na economia pós-fordista e na organização do Estado pós-moderno ou pós-Estado do Bem-Estar. (SGUISSARDI, 2009, p. 302). 2314 922 245211 2069 710 0 500 1000 1500 2000 2500 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Total Públicas Privadas Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 111 Pode-se constatar que no Período do Governo Lula, a expansão do Ensino Superior se deu pelo relevante número de IES privadas, como está demonstrado no gráfico acima citado, onde em 2009 há 89,4% de IES privadas contra 10,6% de IES públicas. Assim, um crescimento de 191,4% das IES privadas e 16,1% das IES públicas. O governo Lulaapregoou durante toda a campanha eleitoral a expansão das universidades federais, porém finalizou os seus mandatos tendo como parceira a iniciativa privada. Ela foi responsável pelo crescimento do ensino superior no período de 2003 a 2009. Dos seis milhões de jovens matriculados em IES, 75% estão em unidades pagas, isto é IES privadas. Um dado que deve ser mencionado que contribuiu para a expansão do Ensino Superior no governo Lula foi a criação do PROUNI – Programa Universidade para Todos, em 2005, tendo como mentor o Ministro da Educação Fernando Haddad, que compunha o governo e a pasta da educação na época. O PROUNI consiste em distribuição de bolsas, integrais e parciais, em IES privadas em troca de incentivos fiscais. Atualmente são oferecidas 748 mil bolsas. Entretanto, a meta de se ter 30% de jovens entre 18 e 24 anos nos cursos de graduação, fixada no Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2001, não se cumpriu no governo Lula. Hoje a taxa é inferior a 15%. Outro programa do Governo Lula que contribuiu para a expansão do Ensino Superior foi o REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais lançado em 2007. Segundo dados do Ministério da Educação – MEC, houve um acréscimo de 60% no número de vagas entre 2003 a 2009. Em 2010, o Programa REUNI aplicou R$ 22 bilhões. A Educação a distância também contribuiu para a expansão do Ensino Superior. Dados do Censo do Ensino Superior apontou que no período de 2002 a 2008, o número de estudantes matriculados em cursos superiores nessa modalidade cresceu 18 vezes, na sua maioria em IES privadas. 2 A História do Curso de Administração O início da escolarização em Administração no interior das Universidades ocorre nos Estados Unidos ou na França. Na França é a École dês Hautes Études Comerciales (HEC) e nos Estados Unidos é a Warton School, ou seja, ambas as Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 112 Instituição de Ensino Superior reivindicam a iniciação das escolas de administração ou negócios, aproximadamente no final do século XIX. Porém, foram nos Estados Unidos que as Escolas de Administração se instalaram nas Universidades, pois a resistência das seculares Universidades Europeias em relação à Educação em Administração só diminuiu após o final da Segunda Guerra Mundial. Primeiramente, nos Estados Unidos, as Business Schools originam-se através dos desdobramentos dos Departamentos de Economia e foram instaladas na Graduate School, equiparando-se como cursos de pós-graduação (mestrado profissional). E após, se expandiu como curso de graduação de quatro anos e mais dois anos de pós-graduação em regime de tempo integral. Em seguida, passou-se a oferecer doutorados em Administração, Doctor of Business Administration (DBA), em algumas Universidades, ou Doctor of Commercial Sciences (DCS), apenas em Harvard. Posteriormente, esses títulos foram abolidos e para o doutorado em Administração acabou adotando-se o tradicional Philosophy Doctor (Ph. D), como ocorria em muitas outras áreas. Mas, rapidamente, as Universidades de maior prestígio acabaram encerrando seus cursos de graduação e fazendo da administração apenas objeto de graduate school. Todavia, as universidades de menor prestígio e produção científica, bem como o Junior e Community Colleges, até hoje oferecem curso de administração em nível de graduação. (BERTERO, 2006, p. 2). Acredita-se que a resistência das conceituadas Universidades europeias e também por algumas Universidades norte-americanas, se dê pelo fato da Administração não ser uma ciência, como conceito básico de “ciência que trata de desenvolvimento de conhecimento sistemático por meio de pesquisa”, como comenta Mintzberg (2006, p. 21). Não se pode ainda considerá-la ciência aplicada e sim afirmar que Administração aplica ciência, como Economia, Psicologia, Ciências Sociais, Ciências Políticas, Ciências Humanas e outras. Há uma aproximação da Administração com a Arte, baseada em insight, visão, intuição. Segundo Mintzberg (2006, p. 21), “Peter Drucker escreveu em 1954 que os dias do gerente intuitivo estão contados. Meio século depois, porém, ainda estamos contanto”. Isso quer dizer que a Administração é uma prática que se faz dialeticamente na teoria e no aprender fazendo. Por conseguinte, Mintzberg (2006, p. 21) afirma que “a Administração eficiente, portanto, acontece quando arte, habilidade e ciência se encontram”. Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 113 Com os Estados Unidos se impondo como potência mundial, o ensino de Administração se expande, já no século XX. Possivelmente esse é um motivo relevante para que os Estados Unidos se consolidem como berço da Administração e não a Europa. Esse cenário se comprova com dados onde pelo menos dois terços da produção científica são de autores norte-americanos e são colocados em livrarias muito próximos a títulos de auto-ajuda, como estratégia de marketing. Muitas dessas obras já foram traduzidas para diversas línguas, transcendendo a cultura ocidental, chegando a Ásia: China, Índia, Paquistão, Japão, Coréia, Taiwan e outros. A origem do ensino de administração no Brasil deu-se com a criação do DASP – Departamento de Administração do serviço Público, em 1938, no período do governo de Getúlio Vargas que estabeleceu padrões de eficiência no serviço público federal e assim criou canais mais democráticos ao recrutamento de pessoas para a administração pública. Essa data é coincidente com o término da Segunda Guerra Mundial e o Brasil também visualizava otimismo frente ao futuro. Ideologicamente pensava-se que o mundo seria resolvido e transformado através do desenvolvimento econômico que, por conseguinte, viria o desenvolvimento social e político. Comenta (BERTERO, 2006, p. 4) “que os vencedores da guerra constroem um quadro institucional internacional, centrado na ONU e nos diversos organismos e agências que a integram, como o Banco Mundial, FMI, UNESCO, FAO, OMS, OIT, que teria como missão organizar a paz entre as nações e promover o desenvolvimento e o enriquecimento”. Na continuidade o governo da época autorizou a constituição da FGV – Fundação Getúlio Vargas com as atribuições de estudo das organizações, da racionalização do trabalho e a preparação de profissionais em nível superior. A referida fundação foi criada em 1944 através do Decreto 6.933 e em 1948 alguns representantes visitaram Instituições de Ensino Superior nos Estados Unidos para conhecer o funcionamento de cursos de Administração, tendo em vista que o Brasil não possuía nenhuma experiência na organização e funcionamento de tal curso superior. Segundo, Bertero: Curiosamente, o Brasil é dos primeiros países, além dos Estados Unidos, a escolarizar a administração, criando relativamente cedo escolas, cursos, departamentos e faculdades de administração. O movimento pioneiro começa em São Paulo, para a administração de negócios, e no Rio de Janeiro, para a administração pública. (BERTERO, 2006, p. 4). Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 114 A aproximação da Fundação Getúlio Vargas com escolas e professores americanos favoreceu a criação em 1951 da EBAP – Escola Brasileira de Administração Pública com apoio da ONU e UNESCO. A cooperação técnica estabelecida pelos Estados Unidos fica evidente em Martins: [...] o ensino da administração no Brasil, desde o seu início, estabeleceu fortes vínculos com o sistema de ensino americano, inclusive com a utilização de bibliografia, modelos curriculares e mesmo com a participação de professores americanos como docentes nos primeiros cursos aqui realizados. (MARTINS 1989, p. 663).Constata-se que o objetivo da FGV era a formação de profissionais para atender o setor produtivo e a cidade de São Paulo foi escolhida como lócus de fomento desse trabalho por ser considerada o centro das atividades econômicas e produtivas do Brasil e assim foi criada em 1954 a Escola de Administração de Empresas de São Paulo – EAESP. No Início das atividades a EAESP fez convênio com a USAID – United Stades Agency for International Development, agência governamental voltada para o desenvolvimento internacional onde garantia a permanência de docentes americanos junto a EAESP e intercâmbio de professores brasileiros para cursarem pós-graduação nos Estados Unidos. Essa atividade conjunta permaneceu até 1965. Nesse percurso histórico da criação de Administração no Brasil é preciso mencionar a criação da USP, em 1934 e a FEA – Faculdade de Economia e Administração em 1946. Ressalta-se que a criação do curso de Administração pela USP estava ligada a área de economia, tendo a administração um lugar serviente. Segundo Bertero a criação: [...] do que viria a ser o futuro Departamento de Administração da Unidade da USP, hoje conhecida como Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, deveu muito a dois professores que tinham raízes na Escola Politécnica da mesma universidade, Ruy Aguiar da Silva Leme e Sergio Batista Zacarelli. As raízes politécnicas poderiam sugerir uma grande propensão a que o novo departamento fosse marcado pelo conteúdo da engenharia de produção. Isso não ocorreu. O projeto da USP foi abrangente em termos de conteúdo em sua época e não muito diverso do da Eaesp, pois Ruy Leme estudou cuidadosamente o desenvolvimento da área em instituições norte-americanas. Dessa forma, as duas escolas paulistas acabaram por abeberar-se na mesma fonte norte-americana. (BERTERO, 2006, p. 8). Essas instituições FGV, EBAP, EAESP e a FEA-USP tiveram um papel de vanguarda na formação de profissionais de boa qualidade, na perspectiva norte- Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 115 americana e no seu entendimento do conceito de qualidade. Entretanto, já havia questionamento referente à formação do administrador já nos Estados Unidos, Canadá, França, e em outros países, como afirma Jean-François Chanlat em seu livro “O indivíduo na Organização: dimensões esquecidas”: (Vinte e cinco anos após o famoso relatório da Fundação Ford que reivindicava uma real formação acadêmica e profissional em que as ciências do comportamento ocupassem seu justo lugar (Peterson, 1959); Gordon e Hotel, 1959), o ensino e a formação do administrador são novamente contestados. Seja nos Estados Unidos (Herzberg, 1980; Barman e Lévi, 1984; Porter e mckibbin, 1988), no Canadá (Chanlat, 1984; Chanlat e Dufour, 1985; Association dês Manufacturiers Canadiens, 1986; Devlin, 1986) na França (Galambaud, 1988; Delwasse, 1988) ou em outros países (Le Monde Campus, 1988), não se hesita em denunciar em graus diversos o elevado grau de especialização, a rigidez, a aintiintelectualismo, o etnocentrismo, o quantitativismo, o economismo, a incultura, a ausência de consciência histórica, a inaptidão para comunicar ou interagir nos programas e no comportamento dos estudantes. (CHANLAT, 2009, p. 24). Porém a quantidade de bacharéis formados era tímida diante da demanda do sistema econômico da época, apesar do surgimento de diversos cursos de administração em outras regiões do Brasil. A LDB – Leis, Diretrizes e Bases de 1961 configura-se como o primeiro passo para a garantia da privatização que se seguiria no Ensino Superior nas próximas décadas. Os anos da Ditadura Militar proporcionaram o aprofundamento do caráter essencialmente privado do Ensino Superior e de sua acelerada expansão, impondo uma falsa ideia de democratização do ensino e refém da sua própria inserção num plano internacional, manobrado pelos Estados Unidos. Como comenta Minto: A Ditadura Militar semeou o terreno do ensino privado, facilitando sua expansão e fazendo desde um período muito importante para o setor. Não porque antes o ensino superior privado fosse insignificante em termos quantitativos – ao contrário -, mas porque foi com o golpe que se iniciou um novo período na história educacional brasileira em que a contra-reforma da universidade viria a selar de vez a intenção de nossas elites em eliminar o caráter crítico da universidade, da produção autônoma do conhecimento, enfim da já parca função pública da universidade, consolidando para esse ensino um modelo pautado, geralmente, nos moldes das antigas escolas superiores. (MINTO 2006, p. 114). A Reforma Universitária de 1968, denominada lei n. 5.540, garante que o Ensino Superior fosse oferecido por Instituições privadas e a formação e currículo contemplam a ideia de maior aproximação entre Instituição de Ensino Superior e setor produtivo, com características reducionistas como: ensino de caráter utilitarista, redução do tempo Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 116 de formação, tendência de formação técnica a partir dos modelos norte americanos e outras. O cenário que se apresenta cria a base para a massificação do curso de Administração no Brasil, por motivos até hoje presentes em sua expansão e no fato do curso de Administração ser o primeiro no ranking de números de matrículas. Os dados do Censo do Ensino Superior de 2009 demonstram que o curso de Administração possui 874 mil matrículas, no território brasileiro, conforme gráfico: Fonte: Inep (www. inep. gov.br) Matrículas em Cursos de Graduação Presenciais Brasil - 2009 (em mil) Os motivos que facilitam a expansão do curso de Administração estão ligados a natureza do curso: um curso que exige pouco investimento às mantenedoras das IES privadas, a presença de estruturas físicas mais simples e um corpo docente com a marcante presença de especialistas em detrimento dos professores mestres e doutores, até porque não há um número relevante de pesquisadores na área de Administração. A posição de Bertero sobre as causas da abertura de tantas vagas em Administração no Brasil corrobora o caminho percorrido até aqui: A questão que a seguir se coloca é saber por que se abriram tantas vagas para essa profissão. A razão não é necessariamente um elogio a nossos educadores e gestores de universidades, centros universitários e faculdades de administração. Trata-se de um curso de fácil massificação. Exige poucos investimentos em ativo fixo, só recentemente laboratórios de informática passaram a ser vistos como necessários, e pode ser lecionados em meio período, o que permite sua expansão por meio de cursos noturnos. O encanto ou atratividade da profissão para muitos jovens, não só de classe alta e média alta, mas 133 145 163 205 205 235 287 419 651 874 Ciências Biológicas Letras Educação Física Ciências Contábeis Comunicação Social Enfermagem Pedagogia Engenharia Direito Administração Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 117 de classe média média e média baixa, assegurou por muitos anos uma demanda não só constante, mas crescente. A maioria das vagas é oferecida pelas Instituições de Ensino Superior (IES) privadas com os objetivos empresariais em que serviços educacionais são tratados primordialmente como negócios. (BERTERO, 2006, p. 21) A realidade da expansão dos cursos de Administração só se alterou conduzindo à redução no preenchimento de vagas no final do ano 2000 e atualmente com a expansão de cursos superiores na modalidade de EAD, muitas vagas em cursospresenciais estão ociosas. A massificação histórica do curso de Administração no Brasil faz com que egressos em grande quantidade se dirijam ao mercado de trabalho com formação generalista, reducionista e de pouca profundidade em áreas importantes do conhecimento que são exigidas pelas empresas de diversos setores. Fala-se de conhecimentos técnicos e sociais que deveriam ser construídos através de disciplinas de formação básica, profissional e de conteúdos quantitativos e tecnológicos, assim como formação complementar de cultura geral que deveriam fornecer bases científicas mais consistentes. Continua Bertero em sua análise crítica à formação dos profissionais de Administração: O resultado dessa massificação, do ponto de vista dos bacharéis que se formam, é que seus futuros profissionais têm pouco a ver como o que em outros países se entende por uma carreira de administrador. A grande maioria jamais ocupará um posto de gestor, mesmo que de primeira linha ou de supervisão simplesmente, porque lhes falta tanto o capital intelectual como o social para adentrar e ter uma carreira plena de gestor. Ao fim e ao cabo, a expansão dos cursos de graduação entre nós acabou por transformar o que deveria ser um curso destinado à formação de um grupo profissional novo, engajado em processo de transformação de organizações e, por meio delas, da própria realidade nacional, em um curso de “educação geral”. Um bacharelismo pejorativo em uma nova versão e com outra roupagem. (BERTERO, 2006, p. 23). À luz de uma reflexão mais profunda os cursos de Administração, atualmente, respondem muito bem à agenda neoliberal proposta ao Brasil no que se refere ao Ensino Superior. Essa agenda valoriza, necessariamente, os aspectos quantitativos do Ensino Superior. E ao encenar os aspectos qualitativos é oportuno indagar-se de que qualidade se refere, sem a pretensão a uma definição, porém provocar a indagação sobre o lugar preciso da qualidade nas recentes políticas de educação superior, em especial no Brasil. Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 118 3 A Formação do Administrador O curso de Administração teve diversos Pareceres e Resoluções do Conselho Nacional de Educação com o objetivo de dar o caminho à formação do futuro profissional, como o Parecer CNE/CES nº 146, de 3 de abril de 2002 que aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Dança, Design, Direito, Hotelaria, Música, Secretariado Executivo, Teatro e Turismo. O Parecer CNE/CES nº 134, de 4 de junho de 2003 que aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Administração, Bacharelado. A Resolução CNE/CES nº 1, de 2 de fevereiro de 2004 que Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Administração, Bacharelado, e dá outras providências. O Parecer CNE/CES nº 110, de 11 de março de 2004 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos superiores em Administração Hoteleira. O Parecer CNE/CES nº 188, aprovado em 7 de julho de 2004 que é uma retificação do Parecer CNE/CES110/2004, referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos superiores em Administração Hoteleira. O Parecer CNE/CES nº 23, aprovado em 3 de fevereiro de 2005 que é uma Retificação da Resolução CNE/CES nº 1/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de Graduação em Administração. A Resolução CNE/CES n° 4, de 13 de julho de 2005 que Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Administração, Bacharelado, e dá outras providências. E por fim o Parecer CNE/CES nº 223, de 20 de setembro de 2006 que consulta sobre a implantação das novas diretrizes curriculares, formulada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. A proposição de se analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração de 2005, como último documento instituído pelo Conselho Nacional de Educação para o referido curso oferece subsídios para a compreensão do paradoxo entre as DCN e a realidade atual da formação dos Administradores. A análise se restringe ao Projeto Pedagógico do Curso e em seu interior o perfil desejado do egresso e a formação profissional que revelem às determinadas habilidades e competências. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Administração o perfil desejado do formando e posteriormente egresso é: Art. 3º O Curso de Graduação em Administração deve ensejar, como perfil desejado do formando, capacitação e aptidão para compreender Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 119 as questões científicas, técnicas, sociais e econômicas da produção e de seu gerenciamento, observados níveis graduais do processo de tomada de decisão, bem como para desenvolver gerenciamento qualitativo e adequado, revelando a assimilação de novas informações e apresentando flexibilidade intelectual e adaptabilidade contextualizada no trato de situações diversas, presentes ou emergentes, nos vários segmentos no campo de atuação do administrador. (MEC – CNE – 2005, Art. 3º). Do ponto de vista conceitual, o perfil desejado aponta e revela um profissional pleno, completo para o enfrentamento do complexo mundo do trabalho, das relações, das empresas e das mudanças cada vez mais instantâneas no cenário nacional e mundial. Porém, de fato, o que ocorre no interior dos diversos cursos de Administração não chega perto do ideário das DCN, revelando uma grande lacuna na formação dos profissionais em Administração. Os motivos são evidentes pela falta de pesquisa no interior dos cursos; pela falta de professores pesquisadores, caracterizando ausência de cientificidade na relação ensino-aprendizagem. Como também, a quantidade expressiva de professores pragmáticos e enrijecidos em um pragmatismo baseado no senso comum e em experiências medíocres de mercado de trabalho, muitas vezes mascaradas pelo novo modismo de consultoria. Evidencia-se que boa parte desses professores se autodenominam consultores de empresas, após incipiente experiência de mercado. A titulação de boa parte dos professores é de especialista, em percentuais bem elevados nas diversas IES espalhadas pelo Brasil, ou seja, possuem a Pós-Graduação Lato Sensu, regulamentada pela Resolução nº 01 de junho de 2007 como Especialização e ou MBA (Master Business Administration), caracterizado também pela mesma Resolução como Lato Sensu. O problema que se levanta é que o professor especialista está longe de compreender qual é a importância da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, exigência essa que realmente garante a formação do perfil desejado ao egresso de qualquer curso superior. Outro fator que contribui à lacuna na formação do perfil desejado e idealizado é o distanciamento do curso com a realidade local, regional, nacional e mundial. Os projetos de extensão e de atividades que ocorrem no interior dos cursos de Administração visando essa aproximação são superficiais em termos interdisciplinares, são assistencialistas, são míopes quanto a compreensão das necessidades da sociedade, do mercado de trabalho e das empresas. E, atualmente, as ações tidas como extensão universitária são direcionadas para um duvidoso comprometimento com a responsabilidade social. Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 120 E, por fim, mais um fator que contribui à lacuna na formação dos administradores é a falsa ideia de que estão preparados para a mundialização3. Atualmente, um percentual relevante de ingressantes aos cursos de Administração é oriundo de classes sociais menos favorecidas, carregandoem suas histórias de vidas uma formação básica já comprometida em diversas áreas do conhecimento, necessitando inclusive da sujeição aos programas de nivelamento, criados pelas Instituições de Ensino Superior e presentes nos instrumentos de avaliação do MEC. Poucos chegam às IES dominando um segundo idioma e no tocante a esse quesito acredita-se que boa parte do corpo docente também não domina um segundo idioma. A formação profissional proposta nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Administração que estipula as competências e habilidades almejadas se caracteriza: Art. 4º O Curso de Graduação em Administração deve possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades: I - reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão; II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profissional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais; III - refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento; IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais; V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional; VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável; VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações; e VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, 3 Processo histórico, com incidência política, econômica, cultural, tecnológica, etc., acelerado na segunda metade do século XX, que representa a consciência de que os fenômenos se apresentam inter- relacionados, independentemente das fronteiras territoriais, das diferenças étnicas ou linguísticas, etc. (www.infopedia.pt) Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 121 organizacionais, estratégicos e operacionais. (BRASIL, MEC – CNE, 2005, Art. 4º). O ideário das habilidades e competências está distante do complexo mundo do trabalho. Há várias décadas, a maioria dos egressos dos cursos de Administração não exerce a função de administradores ou gestores e sim trabalham em diversas funções dentro das empresas privadas e estatais como: vendedores, assistentes administrativos, assistentes financeiros, de gestão de pessoas como também gerências. E uma boa parcela se aventura pela onda do empreendedorismo amador e até da consultoria. As competências e habilidades propostas à formação profissional do administrador somente teriam êxito em sua concretização histórica se realmente os Projetos Pedagógicos dos cursos alinhassem a arte, ciência e um profundo entendimento do homem (sujeito) e da sociedade. E em sequência se abandonassem os modelos norte- americanos de gestão, como também reduzissem a exposição da demasiada literatura norte-americana, construída sob uma ideologia ultrapassada e descontextualizada em relação a nossa identidade brasileira ainda em construção como dizia Darcy Ribeiro. A formação de administradores no Brasil pode se estabelecer sob propostas ou modelos de gestão baseados em traços culturais genuínos, desde que assuma uma perspectiva antropológica de gestão e defina que “práticas de gestão são práticas sociais enraizadas no tempo-espaço, ou seja, uma sociedade, numa cultura e uma história.” (CHANLAT, 2010, p. 4). Essa antropologia da ação humana no contexto empresarial está fundamentada nos seguintes princípios: 1. Toda pessoa ou todo grupo é um ator social; 2. Toda pessoa ou todo grupo será um ator social na proporção da sua mobilização; 3. Todo indivíduo e todo grupo têm uma identidade; 4. Todo indivíduo e todo grupo possuem uma cultura que forma um universo de significado graças à utilização da linguagem; 5. Todo indivíduo ou grupo possui uma vida afetiva e um imaginário; 6. Todo indivíduo ou grupo se forma por meio de seu relacionamento com os outros; 7. Todo indivíduo ou grupo registra sua ação no espaço-tempo; 8. Toda ação humana sempre é materializada, ou seja, ela coloca o corpo à prova; 9. Toda ação humana sempre suscita um questionamento ético. (CHANLAT, 2010, p. 5). Atualmente, a superação da perspectiva neoliberal da educação faz-se necessária para que o Brasil se desenvolva de forma sistêmica e o curso de Administração como o curso superior com o maior número de matrículas tenha uma inserção transformadora, inovadora e nacional nos interiores das organizações, empresas, enfim, da sociedade. Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 122 Considerações Finais É inevitável que o tema abordado não tenha se concluído exatidão, devido à extensão do assunto e da transversalidade de contextos históricos, dados e conceitos ideológicos. Entretanto, a pretensão do artigo foi de apresentar um recorte do cenário do Ensino Superior no Brasil, com as nuances de suas origens históricas até a atualidade, para conduzir a reflexão da importância desse segmento de ensino no desenvolvimento do país em todas as suas dimensões, sociais, econômicas, políticas e culturais. E, dentro dessa análise reflexiva, demonstrar como o cenário atual do Ensino Superior está corrompido por uma mercantilização desenfreada, sem pressupostos éticos, sociais e humanitários. A intenção de aprofundamento exclusivo no cenário do curso de Administração foi propositalmente ensaiada, pois é o curso de maior número de matrículas no país e o mesmo tem intensa responsabilidade para com o mercado de trabalho e o desenvolvimento da sociedade, apesar da reflexão realizada apontar para um olhar mais cuidadoso e clínico em relação a expansão da oferta do curso de Administração no Brasil. Referências BERTERO, Carlos Osmar. Ensino e pesquisa em Administração. São Paulo: Thomson Learning, 2006. BENINCÁ, Dirceu. Universidade e suas fronteiras. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2011. CHANLAT, Jean-François. Gestão Empresarial: uma perspectiva antropológica. São Paulo: Cengage Learning, 2010. ______. O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. 3. ed. São Paulo: Atlas: 2009. V. 3. CUNHA, Luiz Antonio. O Ensino Superior no octênio FHC. Educação e Sociedade. Campinas, v. 24, n. 82, p. 37-61, abr. 2003. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. FÁVERO, Maria de Lourdes Albuquerque. A universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968. EDUCAR. Curitiba, n. 28, p. 17-28, 2006, Editora UFPR. LUCKESI, Cipriano Carlos. Fazer universidade: uma proposta metodológica. São Paulo: Cortez, 2005. BRASIL. BRASÍLIA, DF. Diretrizes Curriculares Nacionais de Administração. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação, 2005. MARTINS, Carlos Benedito. Surgimento e expansão dos cursos de Administração no Brasil. São Paulo: Ciência e Cultura, 1989 p.663. Empreendedorismo, Gestão e Negócios Empreendedorismo, Gestão e Negócios, v. 1, n. 1, fev. 2012, p. 105-123 123 MINTO, Lalo Watanabe. As Reformas do Ensino Superior no Brasil. O público e o privado em questão. Campinas: Autores Associados, 2006. MINTZBERG, Henry. MBA, Não Obrigado: uma visão crítica sobre a gestão e o desenvolvimento de gerentes. Porto Alegre: Bookman, 2006. SGUISSARDI, Valdemar. Universidade brasileira no século XXI: desafios do presente. 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