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Aula 07 (25-08) - Texto Complementar FELDMAN

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' ./ 
••. - • 1 .• " 
PA s1·A l-f 1 
~MF. Cj (Jt,~i o . 
os· Judeus no. Imaginário Medieval: 
Diabolizacão .. de.uma Minoria 
. .) 
Sergio· Alberto Feldman (Mestre) 
Curso de História - Universidade Tuiuti do Paraná 
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Tuiuti: 
Ciência e Cultura 
nüm-:ro 11/cu!ub•c.. c;q 
~d~•n.1 82 
... . 
I~esumo 
Este artigo ·enfoca o papel dos judeus na Idade ?\fedia e sua imagem social. 1\ historiogra fia marxista apon ta a 
função sócio-económica dos judeus, como o centro da quesrão e nega a [mportánc ia da religião. t\ His tória Nova 
apont~ a importância do "im;iginái;io" 9ue, µparece na História, tal corrio 9- P.rec<;>n~ei to am!judaico;(ami ,..?~rni-tj~rr:i.~)/; .·· .. 
as sup~rsçiÇõ.es. e o:s· rnitós'. 'Ó ·;i}Jg~':tenta 'foier. uma refléxio 's~b.re a i~p~rt:incla dis~ p~:oceder u~~ sÜHes~ ~ntre · ..... 
as duas posições. · · 
Palavras-Chave: judeus, anti-semitismo, Diabo. 
Abstract 
Th is :micle <leais with the role of the jews and their social image in thc l\Uddlc Ages. Thc i\[nrxist historiography 
points to the economic function of th.e jews as the central problem nnd denies the importance of religion. Thc 
New History points to thc importance of the "imagery" which appcnrs in His tory, as for instance the prcjuclicc 
:-igainst the jews (antisernitism), the superstitions, and rnyths. This article trics to rd lect upon the importance of 
rcaching a synthesis of the two positions. 
Kcy Words: jcws, antisemitism, Dcvil. 
. ·. ; .. . ' 
.. : .. ' 
. ·.' 
--· ·-·-· . - · ----------------·-----·------
Introdução 
1\ himiriogra fia judaica tradicional oferece-nos uma lei-
tu r:-t d:1 questão judaica no período medieval, leitura na 
qu:-tl as linhas mcstrns são o ódio que a sociedade medi-
e\·al cristã dcvot:-t va aos judeus e a capacidade da etnia 
cm resis tir ils pressões do meio circundan te, que tentava 
ou com·ertc-la ou destruí-la. O maior historiador judeu 
do século XlX, 1-l.::inri::L Gr.1c:2 (1817-1891 ), nasceu e 
\'i\·eu na Alemanha. Coletou vasta documentação e uti-
lizou as metodologias cienóficas em voga na época, com 
influências de Ranke entre outros. Na sua perspectiva 
i1umi11isra, enfatizou o fenómeno do sofrimento judai-
i:o e acc:1tuo1.1 as aspirações nacionais da etnia e sua de-
vv;fo ;\ Toó 1• 
Em sua obra, cuja influência ·se fará sentir em alguns 
aspecto5 elo mo•·imento nacional judaico, é visível a in-
flu0nc!:l do .liuminismo Judaico2 (Haskala) e do projeto 
<lc em:incipaçfo <los judeus. Suas reservas em relação 
ao miscicismo (a Cabala ou ao Hassidismo ) são mani-
fesrns. Grn<.!tZ porém não deu importância adequada 
aos fa:or~ s e;;conômicos e sociais. Sua erudição e sua 
ma5-1ific°á obn marcaram a historiografia judaica, mas 
a disr:inciaram de temáticas e enfoques mais críticos. 
O historiador j1.1deu Simon Dubnow (1860-1941 ), 
que nasceu e \'ivcu n maior parte de sua vida na Europa 
Oricnral, abord:i, cm sun obrn, os problemas e a reali-
dade do j1.1cbísrno europeu oriental. Em oposição a 
Gr:iecz, gue viveu na Alemanha do século XIX e que 
cn fatiziiva a cultura, Dubnow procurou ncentuar os fa-
tores socinis, cm oposição aos intelectuais. Seu método 
histórico in troduziu uma concepção sociológica n:-t his-
tória dos judeus da Diáspora. Sua ênfase na cloucrina 
do Autonomismo se opunha ao Sionismo e preconizn-
va a autonomia nacional e cultural para os judeus nos 
países em que \'i\'iam. A realidade do judaísmo polonês 
(mesmo na Rússia Czarista) era centrnd:i na vida comu-
nitária ha\'ia séculos. A Diáspora judaica tinha sido um 
longo período de vida autônoma e comunitárin. No 
que tange ao anti-semitismo, era visto por estes autores 
sob uma óptica tradicional: as di ferenças nacionais, cul-
turais e religiosas geraram o ódio da maioria cristã (ou 
muçulmana no mundo islâmico). Os aspectos sociais e 
económicos eram pouco importantes na historiografia 
de até então. Em oposição a esta óptica, temos a obra 
de Karl I\Ian:: A Q 11e.rtào ]11daica, na qual o autor salien-
tou a função sócio-econômica do judeu na história e 
demonstrou a existência de um judeu nparcnte e de um 
judeu real'.. 'Não 11a111os bmfar o mistério do judeu e111 ma reli-
gião, 111a1, ao co11trán'o, bmca11101 o mislén'o da religião 110 judeu 
real." (1969, p. 55) Segundo Marx, não se deve fazer a 
leitura da história judaica pela religião; sua leitura deve 
ser feita peb função sócio- económica do judeu. Seria o 
"judeu real", no dizer de 1\farx e da historiografia mar-
xista que surge inspirada por sua teorias. Diz [lfarx: "O 
)11daís11Jo não se le111 coll!crmdoapesnr (grifo nosso) da hiitón'n, 
111a1 por i11ter111édio desta." (1969, p. 59) Em outro trecho 
enfatiza o caráter laico do prec.onceito, relacionan-
do-o à fu nção s?cio-econômica ·dos judeus na his-
tória, a qunl constitu iria a origem dos con fl itos en tre 
o judaísmo e a sociedade cr istã. f ris:i a \'estimcnta 
1 r.J;,;., ou PENTATEUCO Os cinco primeiros IMOS da Bíblia. trM1c1ona1meme a111ouido1 .~ RevelilÇÍIO D1v:nc1 feit~ c1 lvlo:se1. no Monte S1na1. 
$,' -:r<::zc1dos pe:o Jv.:.:<1i:rr.o e usada> como base de toda a reh91ilo Judaica. 
2 IL!.:! . !~N:SMO JUD.~KO ou HASY.AIÁ. MoYlm('nto parrt il Oblen~ão dil 1n1egré1~ÍIO (' ()11<:1•01 (l\'11 pelos JUdC\J~. ('lJIO(>eu1 no; \~(I J l'I', XVIII (' XIX 
ln::.t<·:lo po1 1 nf1u~nc 1 i.I · co; 1de,11s 1lum1ni;tm. 
Tuiuti: 
Ciência e Cultura 
número 11/outubro qq 
pagina 83 
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1 
1 
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íu1uti: 
Ciénc ia e Cultura 
ri t;:nero 1 ! /outubro 99 
pa~·n• 64 
religiosa, daqu ilo que define ser um conílito social e 
1;conómico. Diz: '/i co11/radiçiio entre o Estado e 11111(1 
deter111i11ada religião, o j11dais1110 por exe111plo, damos 11111a 
e.\prenào h1!111a11a,fazendo ·dela a co11tradição entre o Esta· 
do e e/e111entos laicos deter111i11ados ." (1969, p. 30) i\fao: e a 
historiografia marxista não dão importância às reli-
giões, vendo·as como um meio, uma maneira de 
s;i.n ti fi;:a:- o Est;do e o dóminio de uma classe so· 
bre outrn(s). Nosso propósito é. comparar e assoei· 
ar neste artigo o judeu real da historiografia marxista 
com o judeu imaginário de uma nova historiografia. 
Não podemos deixar de frisar gue algumas inter-
pretações da história judaica e do preconceito anti-
semita não se encaixam em nenhum dos modelos 
acima citados. Uma destas seria a obra de Léon 
Poliakov, autor da "História do Antisemitismo", em 
c1uatro volumes. O autor se propõe utilizar "explica-
ções extraídas da psicologia coletiva e, mais especial111mte; da 
psicologia religioJa ... " baseadas no parentesco entre o 
judaísmo e suas religiões filhas. (1979, p. XJI) 
A Igreja e os Judeus no 
Período Medieval 
A Igreja Católica tinha um<l posição ambivalente diante 
da minoria judaica. No seu papel de sucessora do Im-
pério Romano, pelo menos na Europa Ocidental, de-
fendia a tolerância e a proteção da minoria. judaica, dentro 
de certos parâmetros. Contudo a sua visão dos judeus 
como concorrentes, como um grupo que mesmo co-
nhecendo a Revelação se negava a aceitar a verdadeira 
fé, coloc<lva-a em frnnco antagonismo com os mes-
mos. Como conciliar tolerância com antagonismo? 
Os Pais(Pntriarcas) <la Igreja e teólogos gue nnalisa-
ram a c1uc~tào judaic:1 fris<lrnm :ispcctos tiuc reúnem a 
toler:'tncia, a sL1bmissão e a situação d(.• inferioridade cb 
minoria judaica no mundo cristão. Seria uma espécie ele: 
síntese dos aspectos contraditórios da posição eclesiá:-:-
tic<l em relação à minoria judaica. 
N<l obra "Cidade de Deus", Agostinho determi-
º" gue os jud eus haviam feito sua pane na difusão da 
palavra de Deus. Poré m sua recusa obstinada em acei-
tar a Revelação ele Cristo determi nou gue sofressem 
restrições guc foram legisbdas nos códigos imperi-
ais. Nos códigos de leis de Teodósio e, mais tarde, 
de Justiniano, há leis que excluemos judeus de todas 
as fu nções polí ticas e militares , proíbem a posse de 
escravos cristãos e o casamento inte rconfessional. 
Agostinho entende a dispersão dos judeus entre os 
povos como um dos sinais, uma das marcas de seu 
erro. Sua dispersão e sua degradação entre os povos, 
somadas à sua tolerância seriam uma forma de de-
monstrar a verdade de Cristo. 'Vem, por co11.seg11i11tc, 
mostro11 à Igreja e111 u11s inimigos, OJ j11de11s, a graça de s11a 
misen·córdi'a, porqm, como diz o Apó1to/01 w r pecado ojerm 
àj í!aíÕes a opüt11111idade íietejj(ín'a p,1ra je ja/Mreiii. E ;ião 
oJ 111ato11, qner dizer, ue/eJ 11ào destmiu o j11daíswo, embora 
11e11cidos e s11bj11gados pelos roma11os de 111odo q11e, esqnecidos da 
lei de Deus, não p11dmet11 oferecer-nos testem1111bo do q11e 
tratamos. "(Agostinho, 1975) Agostinho e seus segu i-
dores acreditavam que no rvlilênio ocorreria o arre-
pendimento e conversão dos judeus. Por isso estes, 
deveriam ser m~ri tidos e tolerados, pois de sun conver-
~iío dependia a redenção d::i humanidade. 
O P"Pª Gregório i\fagno (590-604) determinou em 
suas epístolas os termos clesta tolcr:lncia: m<lntcr os seus 
direitos legítimos, não destruindo suas sin<lgogas nem 
convcrtendo·OS ~ forçn. Por outro l;ido, não podinm 
con \'C:rti.: r n~o·ju d i.:u s , nem ca:-;;ir c(Jm niio-jud L:LlS , o cL1· 
par cargos públicos, possuir escravos cristãos, legar 
heranças, nem construir novas sinagogas. (Berezin, 1974, 
p. 59, 60) A postura dos papas manteve-se semelhante 
à de Gregório na Alta Idade Médi~. O papa Calíxto II. 
(c. 1120) publicou a legislação sobre os judeus conhe-
cida como Simt ]11daeis No11 na _gual reafirmava os 
direitos e as resrrições/ obrigaçqes dos judeus, frisan-
do a proibição de convertê-los à força ou de destruí-
los fisicamente. 
"Decretamos q11e nenhum m'stào pode war de violência 
para fúrçti-/01 a Je batizar enquanto perma11ecere111 i11deujo101 
de j::-._e-lo e Je rm11are111 (. .. )A.demair, um o j11/ga111enfo da 
c111/oridade da regido, 11e11/)1(111 criJtào pode avwl11rar-u a 
ferir J!lr.' ~~t·: :te, c11 matar, ou ro11bar u11 dinheiro, 011 alterar 
os bom cosl11mo dos quais deste modo eles desjmla111 110 lu-
gar"'" q:1e l'Íf.'em." (Richrds, 1993, p. 100) 
:\ postura do clero nem sempre se manteve de 
maneira co~r<!!lCt: cm todas as dioceses da cristandade 
ocidcnr:tl. Dependendo de como era o poder papal, e 
as rebções entre o Papa e o Imperador, havia maior ou 
menor r_cspeito pcbs normas determinadas nas bufas e 
nas kgislaçõcs papa.is relativas aos judeus. Talvez um 
cios exemplos de coerência com as posições papais, seja 
a atitude de Agobardo (778-840), bispo de Lyon. A sua 
polt:mica com o Imperador Luís, o Piedoso, constitui 
um rnso de desacordo entre o poder clerical e o poder 
temporal, na questão de como agir com a minoria ju-
daica. O crescimento das liberdades e da influência dos 
judeus de Lyon sobre os cristãos preocupou Agobardo. 
Apelando para o Imperador, pediu-lhe que colocasse 
em prática as decisões dos concílios e dos papas. Ro-
gou em especi:ll que o monarca autorizasse a conversão 
dos escravos dos judeus, tanto os que lhes pertenciam 
quanto os gue eles traficavam. /\o se recusar, o Impera-
dor iniciou um longo conflito. Agobardo redigiu cinco 
epístolas antijudaicas. Pelas suas palavras, o status dos 
judeus nesse período era excepcional. Viviam mistura-
dos com n população, recebiam os não-judeus em suas 
mesas farcas, tinham servos cristãos e conseguiam con-
verter cristãos a sua fé. De acordo a Agobardo: "as 
coiras chegamm a 11111 po11/o e111 que os cristãos ig11orm1/u acham 
que os j11dem pregam melhor que os 11om1padrer 11( • .) "alg1111s 
m'stãos c!;egam a Jesty'ar o Shabat com os j11deur e a tio/ar o ra11/o 
descamo do domingo. À'Íllitas 11111/heres vi11em como doméJticar 011 
como Jrabalhadoras a soldo do1 j11de11s,' há alg11111as qm eles dem·-
am de seu dc11er ... 11 (Poliakov, 1979, p. 27) Agobardo ainda 
acusa os judeus de serem protegidos do Imperador e 
de terem dele recebido privilégios incompatíveis com 
seu status jurídico. " ... gabam-se de ter recebido de vós, co11trari-
a111e11te à lei, o direito de erigir novas sinagogas ... 11 (Poliakov, 
1979, p. ?7) Agobardo se mantém no plano da polê-
mica religiosa e, apesar de seus ataques virulentos, a sua 
crítica aguçada às superstições judaicas, nunca tenta rela-
cionar os judeus com o Diabo. Quer salvar as almas de 
suas ovelhas e não exorcizar o Diabo, porventura pre-
sente nos judeus. Ele tenta manter a prática das leis im-
periais e papais relativas aos judeus. 
Um exemplo diferente, aonde um clérigo protege 
judeus, ocorre alguns séculos depois em Speyer (Espira) 
na Renania, no Sacro Império. Há um documento do 
século Xl, pelo gual Rogério ( Rudiger), bispo da cida-
de de Speyer, oferece as melhores condições nos judeus 
para que viessem habitar a sua cidade. Oferece um bair-
ro separado, protegido, direitos de cunhagem, lugar no 
porto (fluvial), autorização de receber outros judeus gue 
viessem comerciar na cidade, cemitério, direito de man-
ter abatedouro de animais n mocln judaicn (k:lshrut), 
perrniss~o pnrn ter am:1s -dc-leitc e cmp rcgndos crisrnos 
Tuiuti: 
Ciência e Cultura 
número 11/ouwbto 99 
página 85 
I· 
Tuiuti: 
Ciência e Cultura 
nümero 1 l /ovtuoro q9 
p.;g1n.1 3b 
. 
.. .. 
cm su:i."casas e negócios. ( Berezin, 1974, p. 78) Para que 
tudo isso? O bispo de Speyer está interessado em de-
senvolver sua cidade, em seu papel de senhor feudal 
que deseja desenvolver o comércio e os negócios. Ha-
veria uma contradição entre as posições de Agobardo e 
. de Rudiger? Estas diferentes atitudes mostram que en-
tre o período de Ag?bardo e de Rudiger, ocorreram 
transformações econômicas e sociais'marcances na Eu-
ropa ocidental. :tvfudaria a lgreja ·a sua atitude, confor-
me seus interesses? Seria, tal como define a historiografia 
mar.;ista, uma guestii.o sócio-econômica vestida de rou- . 
pagem religiosa? É preciso fazer uma análise mais am-
?la do tema e da documentação. A Igreja, mesmo nestes 
casos, mantém certa coerência na sua postura com os 
judeus. Ainda gue tolerados, por serem úteis, sendo às 
vezes agraciados com privilégios e direitos são, não 
obstante, cuidadosamente isolados da sociedade cristã. 
B:i.irros separados, muros altos, proibição de circular 
no bairro cristão durante a Semana Santa, matadouros 
separados, proibição de contatos mais íncimos, tais como 
relações de amizade qu_ çonvivênci.a, podem ser manei-
ras de protegei: os' in"teressé~ dos senhores na atividade . 
·econômica dos judeus aó mesmo· tempo, de mantê-los 
isolados para não contagiar com suas. idéias a popula-
ção cristã. Proteger os judeus para manter os negócios e 
isolá-los para evitar que possam ser influência nociva 
pnra os fiéis cristãos: não há contradição. 
A Função Econômica dos Judeus 
na Europa Medieval 
O estabelecimen to judaico em lsrael, no mundo antigo, 
foi dificultado pelo crescimento demográfico e pelas 
.. 
condições precárias dn região, com recursos naturais 
escassos, e gue não possibilitavam a sobrevivência de 
uma grnndc população. Somando-se a esse fator geo-
gráfico e demográfico as expulsões e perseguições do 
período romano, em especial no Império, teremos um 
caso unico de uma emin gue se dispersou pelo mundo 
aforn criando a Diásporn (Di~pcrsõ.o) Judaica ou Galut. 
Os judeus criaram comunidades autônomas no Im-
pério Romano e nos reinos que existiram na Pérsin e na 
Mesopotâmia. Em todas as regiões, obtinham das au-
toridades permissão parn manter um governo próprio 
baseado na L~i Judaica, em especial no Talmud\ Este 
código legal, propiciava uma certa homogeneidade na 
vida judaica em lugares tão diferentes como a Espanha 
ou a Babilônia. Essas sociedades mantinham valores de 
vida, regras de comportamento e leis sociais que dife-
renciavamos judeus do res to da população, fosse esta 
cristã ou muçulmana. No Baixo Império, parcelas nu-
merosas dn população judaica trabalhavam no campo, 
fosse na agricu.ltur<., fosse na crinção de gado ovino ou 
capri..no. · , . . 
. ... ' - . ·. ' . '·• . . . . 1, • . • J ' ·~ ' . ~ .. ' • •' ••• 
· Contudo os judeus viri'~m ·a ser pi:ogressivamdúe 
retirados do trabalho agrícola e pastoril. Um dos moti-
vos foram as guerras e invasões, e o clima de instabili-
dade do final do Império Romano e do início das 
monarquias bá~baras. O mesmo processo gue culrrtl-
nou na concentração de propriedades, criou o colomto 
e culminou séculos mais tarde no sistema feudal, causou 
o progressivo afastamento dos judeus do trabalho agrí-
cola. No caso judaico, havia um agravante adicional, 
que aprofundou a questão: o sistema feudal era basea-
do num complexo e formal processo de juramentos 
3 TALMUD: coletànea de leis orais 1udaíca1 1nspirada1 no Penrateuco ou na Bíblia Heb1a1ca 
\ .·• ._ .. _'. · ·'.. 
' ·'· ' 
: ·. 
. . 
de vass:ilagern e servidão, gue criavam laços e promes-
sas de prestação de sen·iços entre superiores e subordi-
nados na hicrnrqllia social. Todos es~es juramentos 
deYeriam ser feitos numa igre)a e através de formulas 
s:icrarnencadas pela liturgia católica, com repetição dos 
nomes dos componentes da Santíssima Trindade. Ne-
nhum )udeu poderia fazer esses )urarnentos. Por conse-
qüência, nenhum judeu poderia ser ·nem senhor feudal, · 
nem servo. A sociedade feudal define os estamentos 
sociais corno sendo compostos por três ordens: oratom, 
bel/a tom e lt1boratoru. . 'Vm rezando para ajaitar a! força! do 
mal e trn \.ªos fm,oru dit111oi para o ho111em: os dérigo1 011 ora tores. 
Outros l11ta11a'o pam proteger a 1ociedade mstã do1 i11jiéú e do1 
pagàol: Ol,gffcrrárw 011 bel/aforei. 011tro1 ainda prod11zi11do para 
o Jmtmto de todo1: OJ trabalhadorei 011 laboratoru ... "(Franco 
Jr., 1983, p. 36) Os judeus não podiam pertencer ao 
clero, 1ÜD prn.:li:an ser senhores feudais, nem servos/ 
vilões por não poderem fazer juramentos de vassalagem 
ou servid:io. Por isso os judeus deixam as suas terras, 
ora Yendcndo-as , ora perdendo-as por confisco feito 
pelos p~vos bárbaros invasores. 
Ao contrário <la maioria da população fazem o per-
curso c:irnpo - cidade. Passam a se dedicar ao comér-
cio e ao nrccsanato. Sendo neutros no conflito Islão x 
Crim.ndac!c, podem circular pelos dois lados do Medi-
terrâneo. Com vantagens adicionais por possuírem co-
munidades n:ts duas margens, com leis comuns (Ialmud) 
e com língua comum (hebraico ou aramaico). São fa-
mosos os merc:iclores rodanitas (ou radanitas), descri-
tos pelos :iutores árabes, que já na Alta Idade Média· 
percorriam a Rota da Seda até a China, muitos séculos 
antes de l\farco Polo (Khordadbek, in Pírenne, 1965, p. 
17) . O comércio passa a ser uma profissão tipicamente 
jud;tica. No dizer de Henri Pircnne, nesse período ocorre 
a confusão que determina gue judeu e 111ercator sejam 
sinônimos. (Pirenne, 1965, p. 17) Os judeus se tomam 
um po,·o-cbsse. 
A historiografia marxista vê os judeus cumprindo 
urna função sócio- econômica que, diferentemente do 
resto da sociedade, trabalha com a circulação de mer-
cadorias e com a economia monetária, foto estranho a 
essa sociedade tradicional. Na visão de Abraham Leon, 
historia.dor judeu marxista, "01)11dew co11stit11e1JJ 11t1 história, 
antes de mais nada, 11111 gmpo social que tem 11111afu11ç?to eco11ô111i-
ca detem1i11ada. Eles são u111a claue, 011melhor11111 poi·o-dam". 
(Abraham, 1981 , p. 21) 
Na Baixa l daçle Média, a partir do ano 1000, 
esta função sócio-econômica criará choques com a 
burguesia nascente, gue ambiciona alijar os judeus 
de sua função de in termediários e ocupar o seu co-
mércio. }\s guildas da cidade medieval farão cam-
panhas d em breve obterão a expulsão dos judeus 
do comércio e do arn::sanato. Sem dúvida, esse pro-
cesso lento e gradual se acelerará com as Cruzadas. 
Os judeus da Ingla terra, França e Alemanha serão 
massacrados em vários momentos (na França e na 
Alemanha nos sangrentos massacres ocorridos na 
Primeira Cruzad a; os judeus ingleses serão dizima-
dos na Terceira Cruzada). O que movia as massas a 
realizar estes massacres? 
Na visão dos historiadores ·marxistas, as razões 
sócio-econômicas estariam por trás das motivações 
da massa que oferecia aos judeus a alternativa ou a 
morte ou a cruz. Seria um problema sócio-económi-
co disfarçado de religioso. É evidente que a burgue-
sia estava satisfe ita com a eliminação dos concorrentes, 
e que os nob re s endividados nas cruzada~ gueriam 
eliminar os prcstamistas junco com as dividas. Mas 
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no que será que as pessoas acreditavam? O que sen-
tiam? Qual seria a motivação destas massas ao ex-
terminar os judeus ou ao forçá-los à conversão 
contrariando as ordens dos Papas, que pregavam a 
tolerância? Nos anos seguintes os judeus são expul-
sos do comércio, e só lhes resta a opção de dedica-
rem-se à usura. O empréstimo de dinheiro a juros 
era uma atividade proibida pela Bíblia e condenada 
pelas crenças medievais segundo as quais as lei~ de 
Deus e as leis naturais formavam um só conjunto. 
Dessa maneira os judeus burlavam uma vez mais as 
leis de Deus, zombavam da sociedade cristã e eons-
pirnvam para destruí-la. D iante do contexto social 
e econômico da época, os jL~deus, embora perigo-
sos, eram necessários para a expansão da econo-
rni:\, dos negócios e da sociedade. A usura judaica 
serve por um a dois séculos até que os banqueiros 
florentinos a substituem, e acabam lentamente ti-
rando os judeus dos negócios .bancários. Surge uma 
ciasse bancária cristã, que mantém uma postura de 
me cenato das artes, e aos poucos dignifica a fun-
ção. A usura judaica era considerada anti-natural e 
parce de uma conspiração contra o mundo cristão; 
já os negócios bancários são dignos e respeitados. 
Acordos políticos com reis, papas e imperadores 
logo farão de banqueiros, como os Medieis, 
Fuggers e outros, cidadãos honrados e de enorme 
influência na vida européia. Na seqüência, os ju-
deus serão expulsos de vários países e acabarão 
indo para estados ou regiões periféricos, onde suas 
funções são necessárias. A tese sócio-econômica 
analisa de maneira sutil a questão, mas minimiza o 
mundo espiritual, as representações sociais e o ima-
ginário medieval. 
A Violência e a Diabolização da 
Minoria Judaica 
Não contestando a tese sócio-econômica, parece-nos 
que ela se ocupa de um judeu real que não existe na 
mentalidade medieval. A análise se estreita quando dela 
retiramos as crenças, a visão de mundo e o imaginário 
individual e cole tivo. O judeu real é um ser sem defini-
ção clara. Antes mesmo de ser comerciante e concor-
rente dos burgueses cristãos, o judeu já era declarado 
deicida, pária, inferior, perigoso e nocivo. Sua conver-
são traria o Milênio, o retomo de Cristo e o tempo da 
Redenção. Sua teimosia retardava e complicava as mu-
danças e o promissor futuro. 
O ano 1000 passou e nada ocorreu. As Cruzadas 
fracassaram após quase dois séculos de luta. O apareci-
mento de heresias, como os valdenses, cátaros e 
albigenses, acentuou a sensação da Igreja e da popula-
ção de que uma luta sem quartel estava em processo 
agudo de definição. A Igreja Medieval, em luta com o 
Sacro Império, sente-se ameaçad~ de vários lados. A 
pressão do clero sobre os hereges acaba sendo estendi-
da sobre os judeus. O papa Inocêncio III, o mesmo 
que convocou a Cruzada contra os albigenses (1208) e 
abriu caminho para a Inquisição Medieval, também de-
cretou inúmeras leis contra os judeus. A Inquisição não 
podia atingi-los já que não eram cristãos heréticos. 
Mas a quesràb judaica e a heresia eram facetasde 
Lima mesma luta, a lu ta entre o bem e o mal, entre Deus 
e o D iabo. No concílio de Latrão, convocado por 
Inocêncio lll em 1215, determinou-se que os judeus 
portassem a marca infamante, para serem reconhecidos 
e separados dos cristãos. Inocêncio III decretou o uso 
de roupas que diferenciassem os judeus e os mou ros: 
"ive decree that mch jeu1s anrl .l'araceiJJ oj botb 1exe1 i11 el'C()' 
l 
' . 
Chn'stim1 prcri11c~ a11d ai ai/ timu Ihall be 111arked o.ff i11 the ~yes 
~f thc p11blic from o:her peoplu thro11gh lhe. character oJ their 
drm". (Marcus, 1938, p. 137, 138)4 A associação dos ju-
deus com a heresia e com o Demônio passa a ser uma 
constante. Em termos de cultura popular, a criação de 
mitos antijudaicos se propaga; O . mais famoso e de 
maior duração é o mito do crime ritual. Seria o assassi-
nato de um cristão para obter sangue, gue seria utiliza-
do na produção de pães ázimos para a Páscoa Judaica 
(Pessach). Este mito se perpetuou por cerca de mil anos. 
O primeiro caso conhecido é o de Guilherme de 
Norv.·ich, div1.1lgado antes da primeira Cruzada no sé-
culo Xl . (Berczin, 1974, p. 116f' Ocorreu a propagação 
das acusações J e crimes rituais por toda a Europa. 
Da Europa fe udal, este mito se propagará à Euro-
pa Oriental , entre os séculos XV e XVI, mantendo a 
crença no cri me rirual por guase um milênio. Outros 
mitos surgem no período medieval: os judeus são liga-
dos :io demónio e :;•.lerem acabar com a Cristandade. 
i\füos çlo cm-cnenamento dos poços surgem na França 
no inicio do século XJV, pelos guais os judeus e os le-
prosos est:\\':<m unidos. Num século de crise econômi-
ca, quecb d e mográfica e choques sociais entre 
cam?•)ncses e senhores, burguesia e proletariado urba-
no, ;is comoç ões s3.o muitas vezes associadas ao Diabo. 
A pc:rda de poder da Igreja e o surgimento de monar- · 
quias nacionais se encaham neste contexto. O Demô-
nio entra no cotidiano através dos sermões, das 
" 
pregações e da luta diária entre monges e hereges. Asso-
ciar os judeus ao diabo é um fato rotineiro, na realidade 
medieval. Num clima tão tenso, ocorre a Peste Negra 
em 1348-1351. A desconfiança e o ódio estão muito 
exacerbados. i\'iesmo que também morram, os judeus 
são declarados culpados da peste, e são massacrados, 
com grande mortandade. A bruxaria e o satanismo são 
associados a eles. O Shabat (Sábado judaico, dia de des-
canso) é confundido com o Sabá das bruxas. (Berezin, 
197 4, p. 116~ 118)(> 
A relação entre os mitos e a usura judaica é imedia-
tamente constatada. O empréstimo de dinheiro a juros 
seria uma parte da tramóia do Diabo e dos judeus, para 
acabar com a sociedade cristã. Nada mudará nesta ima-
gem dos judeus g1.1ando a função de empréstimo de 
dinheiro passa dos judeus aos banqueiros cristãos. A 
demonização da minoria judaica se sedimentara. A Igreja 
acelera a sua campanha para converter os judeus e com-
bater o Diabo. A crescente onda de heresias exacerba o 
conflito. Uma verdadeira guerra é declarada. Franciscanos 
e dominicanos se dedicam à missão de converter os 
judeus e de combater os hereges e as bruxas. Os deba-
tes medievais entre judeus conversos (assessorados por 
clérigos) e rabinos judeus se sucedem por toda a Baixa 
Idade Média. Os mais famosos são as disputas de Paris 
(1240), de Barcelona (1263) e de Tortosa (1413/141 4) . 
Nestas, o objetivo era sempre condenar o Judaísmo, 
acelerar o processo de conversão ao Cristianismo e de-
~ !Nós oecretM-:101 que ;uceus e sarracenos de ambos os sexos em cada uma das provinc1a; cnst~s e em qu~ lquer época devem ser marcados aos 
olhos do pút;l:co oe outros povos através das caracterlstrcas oe suas roupils. Tr3duç<io S:mpllírcaCic'I] O texto 1nglés toi u3C:uz1do C:o ongrnill em 
lat:m 
5 A ult1mi1 acusc1ç~o de c: :rne rrtual é o caio Be111s ocomdo nc1 Rússril Czarista na virada oo sé(ulo XIX f)c'lti\ o XX Este e·1emo ror recrat3do na hteréltur3 
e no c1nem,1. no r11mc -o nomem de Kiev· 
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7..~t>r:> 1 l/ouworo qq 
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monsrrar a intima relação entre a heresia e o judaísmo. 
(1\laccobr, 1996) Ao final do debate de Paris, decretou 
se que o Talmud era repleto de blasfêmias contra Jesus, 
e uma pilha de exemplares de ta/11111di111 foi queimada 
cm frente à catedral de Notre Dame. 
Da queima de -livros, passar~se-á . à queima de seres 
humanos, sob a acusaÇão de heresia judaizante, na 
lnguisição Ibérica. O preconceito antijudaico se transfe-
re, após a expulsão da Península Ibérica, aos descen-
dentes dos conversos dos séculos XIV e J.,..'V. Os cristãos 
novos (descendentes dos judeus convertidos ao cristia-
nismo) serão acusados de heresia judaizante nos séculos 
seguimes, na Pcninsula Ibérica e nas colónias ibéricas no 
Novo l\lundo, inclusive no Brasil. O preconceito se alas-
m1 peb Europa Oriental, em especial na Polônia e na 
Rússia Czarista. 
1 
No século XIX, ele se transforma e aparece sob a 
forma da pseudociência do Racismo. O Nazismo se 
uti1.i?.~ri, tanto do Racismo do século XIX, quanto das 
id~ias do anti-semitismo medieval. Muitos dos mitos 
anti-semitas medievais reaparecem, com formas dife-
rentes e num contexto diferente. O mito do 
envenamento dos poços é descrito no inicio do "Pro-
tocolos dos Sábios de Sião". A queima dos exemplares 
do Talm11d curiosamente é imitada no século XX, quan-
do Hitler mandou queimar todos os livros gue tivessem 
autores judeus ou fossem simpáticos à causa judaica. A 
relação entre o nazismo e o anti-semitismo medieval 
alemão mereceria um estudo mais aprofundado, do que 
o ensaio de Pierre Sorlin. (Sorlin, 1974) A resistência 
dos mitos e <lo preconceito mostra o quanto estes fica-
ram inseridos na cultura e no imaginário populnr. O 
judeu deicida, ou o Judas traidor gue ern (e é ... ) m:ilha-
.. 1 .. .. =. 
-·--- .. ---·---·--~--- -·-
. 1 
.1 bastante enraizada. O fenómeno do preconceito 
antijudaico (antisemitismo) nos parece por demais com-
plexo para ficar. reduzido a uma leitura sócio-econômi-
ca. Consideramos simplista explicar a crença popular 
através do materialismo, considerando que tudo é ma-
nipulação da classe dominante, ou efeito d:i função só-
cio econômica dos judeus. A Igreja já determinara o 
papel. dos judeus no inicio da Idade Média: sua conver-
. são faria o retorno do Cristo e sua teimosia cm não se 
converter era uma obra do demônio. A sua função só-
. cio econômica só acentua o conflito religioso, já exis-
tente desde as origens do Cristianismo. A mentalidade 
popular conhece muito mais o judeu imaginário do gue 
o judeu real. Basta ver, corno já afirmamos, gue após a 
expulsão dos judeus da Espanha e de Portugal, segue se 
buscando judaísmo entre os descendentes dos cristãos 
novos Gudeus convertidos). Ainda gue não haja " judeus", 
é p reciso criá-los. Assim como isso serve aos interesses 
do E stado e da classe dominante, essa crença é parte da 
cultura e do imaginário popular. A crença de que os 
judeus são sempre comerciantes habilidosos, gue são 
sovinas e pouco generosos se origina na sua função de 
usurários e comerciantes (medieval ou moderna). Quan-
do já não se concentram nestes negócios, seguem nas 
crenças populares associados a estas características. O 
judeu imaginário sobrevive ao judeu real. 
Conclusões 
Ao levantar o problema histociogr:ífico do .Preconceito 
antijud aico na Id:idc l'vlédia propomos uma lei tura nova 
gue tente uni r a análise sócio econômica do papel jud:ii-
co na economia medie\·nl, com a imagem dos judeus 
na sociedade medic\'nl. /\creditamos que o judeu real 
,1 ~ :\!"~" ,.. l rnn r 11rn~ l r·in 1 r~ 111ir i<>nor:1 n rnntcx to 
sócio c1 
a ele, o 
de man 
o Dia!: 
demoni 
Devil a. 
and its 
uma oi 
sob o ir 
----··----··- ··--- ------------------ ----------
sócio culrural e religioso de seu tempo. É preciso juntar 
a ele, o judt:u imaginário de Joshua Trachten.berg, gue 
de mnncira pioneira mostro~ a relnção dos judeus com 
o Diabo e a man eira como :l sociedade medieval 
dcmonizou o judeu. Trachtenberg na obra int:irulada ''The 
Devi] :ind the Jews: .the medieval concepcion of the jew 
and its rclacion to modem antisemicism'', oferece-nos 
urna obra pioneira, escrita no irúcio da década de 40 
sob o impacto do nazismo. A sua leitura do imaginário 
·, 
é repleta de fundnmcntaçiio, e o livro esrá fartamente 
documentado e ilusttado. Não se pode de maneira 
simplista reduzir o judeu a um povo classe. O verdadei· 
ro judeu, tal como ele era visto pela sociedade medieval 
cristã, seria um judeu composto simulraneamente pelo 
judeu real e pelo judeu imaginário. É obvio gue ainda 
assim seria um judeu·incompleto pois seria apenas urna 
imagem parcial e distorcida do judeu. A imagem gue a 
sociedade cristã tinha do judeu. 
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pJgiN ~ I 
··· '•·:•;.,. 
-1 ' ' ... 
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