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(Ribeiro e Pinto, 2011) Entrando na Nau dos loucos - Breve revisão da história da loucura e seus desdobramentos

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ENTRANDO NA “NAU DOS LOUCOS”: BREVE REVISÃO DA HISTÓRIA 
DA LOUCURA E SEUS DESDOBRAMENTOS
Bruno Alvarenga Ribeiro
Psicólogo com MBA em Liderança e Gestão de Pessoas 
Docente dos Cursos de Serviço Social e Engenharia Ambiental do UNIFOR­MG 
e­mail: br.alvarenga@yahoo.com.br
Viviane Aparecida Pinto
Graduada em Pedagogia, Normal Superior e Serviço Social pelo UNIFOR­MG
 e­mail: vivianess13@hotmail.com
RESUMO
Este breve ensaio teórico tem como objetivo percorrer o caminho trilhado por Foucault, ao estudar a 
loucura  ao   longo  da  história  da  modernidade.  Ao  trilhar   este   caminho,   ele  pretende  evidenciar  os 
sentidos atribuídos à loucura até que esta fosse aprisionada pelo saber médico e transformada em doença 
mental.  Mas, sobretudo, este ensaio pretende demonstrar como os sentidos atribuídos à   loucura não 
desapareceram quando o louco foi “promovido” à categoria de doente mental.
Palavras­chave: Loucura. Doença mental. Psiquiatria.
ENTERING IN THE “NAU DOS LOUCOS”: A BRIEF REVIEW OF THE
HISTORY OF MADNESS AND IT CONSEQUENCES
ABSTRACT
This brief theoretical essay aims to follow the path trodden by Foucault to study madness throughout the 
history  of  modernity.  By walking   the  path  mentioned,   this  article   intends   to  address   the  meanings 
attributed to the madness. It also intends to reflect on the process by which madness was transformed 
into  mental   illness.  But   the  main   aim  of   this  paper   is   to   demonstrate   that  no   significant   changes 
happened in the way of treating the mentally ill, when the madness has been kidnapped by psychiatry.
Keywords: Madness. Mental illness. Psychiatry.
1 INTRODUÇÃO
Em pleno   século  XXI,   ainda  é   possível   identificar  no   imaginário   coletivo  os   sentidos  que, 
outrora, foram atribuídos à loucura. O louco promovido à categoria de doente mental pela psiquiatria, 
ainda   se  vê  às  voltas   com o  enclausuramento.  É   fato  que  o  doente  mental   não  mais   se   encontra 
aprisionado entre os muros dos manicômios, todavia, existem muitas ideologias que, de uma forma ou 
de outra, ainda rondam a doença mental e enclausuram­na nas teias de um discurso formado tanto por 
elementos da racionalidade científica quanto por elementos do senso comum. 
Nenhum profissional que trabalhe no contexto da saúde mental pode ignorar que existem muitos 
grilhões ideológicos que precisam ser quebrados para que se possa falar de desinstitucionalização do 
doente mental. A desinstitucionalização só acontecerá quando os dispositivos que aprisionam a doença 
mental  forem ressignificados,  de modo a permitir  que o discurso do doente assuma o seu lugar de 
direito.
Para que isso possa acontecer, é necessário desvendar os diversos sentidos atribuídos à loucura, 
ao longo da história da civilização moderna. De acordo com Foucault, é na modernidade que a loucura 
vai ser aprisionada no interior dos grandes asilos e do discurso filosófico racional. Foucault é o autor 
que mais se dedicou ao estudo das significações atribuídas à  loucura ao longo da modernidade,  e a 
modernidade foi eleita como uma perspectiva dos estudos sobre a loucura e seus sentidos, porque é 
neste  período histórico  que  vão ser  construídas  aquelas  práticas  sociais  que criaram a  base  para  o 
nascimento da psiquiatria.
Falar da loucura e de seus sentidos sem fazer referência à  obra de Foucault  é o mesmo que 
querer  desvendar  as  propriedades  nutricionais  do ovo estudando apenas  a  clara.  Um estudo que se 
limitasse à análise da clara se mostraria periférico e ineficaz.
Com a loucura, não é diferente. Qualquer estudo que deseje tratar das significações históricas da 
loucura,  a  partir  apenas  da  história  da  psiquiatria,   se   revelaria  periférico  e   ineficaz,  pois  a  prática 
psiquiátrica é herdeira de práticas sociais anteriores ao seu nascimento como campo do saber médico. Se 
a psiquiatria é herdeira de práticas sociais anteriores ao seu nascimento, ela acaba por herdar também os 
sentidos atribuídos a estas práticas.
Condicionada por esses sentidos, a psiquiatria vai repetir na essência – não necessariamente na 
aparência   –   todos  os   rituais   instituídos   como   formas  de   se   relacionar   com  a   realidade   “estranha” 
revelada pela loucura.  E o próprio termo loucura, propositadamente utilizado por Foucault, é prenhe de 
significações e sua elevação à  categoria de doença mental não foi suficiente para romper com estas 
significações   e   desfazer   o   fardo   que   elas   representam   sobre   os   ombros   daquele   que,   depois   de 
reconhecido como doente, ganhou o direito a tratamento, mas perdeu o direito à liberdade. 
Então, este breve ensaio teórico tem como objetivo percorrer o caminho trilhado por Foucault, 
ao   estudar   a   loucura   ao   longo  da  história   da  modernidade.  Ao   trilhar   este   caminho,   ele   pretende 
evidenciar   os   sentidos   atribuídos   à   loucura   até   que   esta   fosse   aprisionada   pelo   saber   médico   e 
transformada em doença mental.  Mas, sobretudo, este ensaio pretende demonstrar como os sentidos 
atribuídos à loucura não desapareceram quando o louco foi “promovido” à categoria de doente mental.
2 METODOLOGIA
Para a construção deste artigo, que pretende lançar luz sobre as sombras que envolvem a história 
da loucura, foi utilizado o método da revisão bibliográfica. Como as luzes que se pretende lançar sobre 
estas sombras contam com a valiosa contribuição de Michel Foucault, inevitavelmente, sua obra teve 
que ser consultada. 
Esta consulta se deteve,  principalmente,  sobre a obra em que Foucault  realiza um extenso e 
profundo estudo sobre as significações atribuídas à loucura ao longo do período que vai desde o fim da 
Idade Média até o nascimento da Psiquiatria, no final do século XVIII  e início do século XIX. Trata­se 
de sua tese de doutoramento publicada com o título: “A história  da loucura na idade clássica”. O livro 
consultado, publicação da obra de doutoramento de Foucault, foi editado em São Paulo, no ano de 2005, 
pela Editora Perspectiva.
Mas, com o objetivo deste artigo é apresentar uma breve reflexão sobre a história da loucura e de 
seus desdobramentos, é bom ressaltar que ele não pretende mergulhar na densa obra de Foucault e dela 
extrair todas as contribuições, que possivelmente, pode oferecer para discussão do tema, mas apenas 
aquelas que venham reforçar a argumentação apresentada ao longo do ensaio.
Como é  extremamente profundo a obra de Foucault  sobre a loucura,  para facilitar  o diálogo 
como o autor, outros autores que com ele já dialogaram foram consultados. Estes autores conseguem 
apresentar Foucault de forma didática e bastante compreensível, evidenciando , assim, aqueles aspectos 
mais importantes de sua obra. Dito isso, fica evidente que a revisão bibliográfica foi um método que se 
mostrou eficaz para se alcançar os objetivos pretendidos com este trabalho.
3 ENTRANDO NA “NAU DOS LOUCOS”: A LOUCURA NA IDADE MÉDIA E 
RENASCIMENTO
O conceito de loucura sofreu inúmeras mudanças ao longo da história. No intuito de desvendar o 
percurso feito pela loucura durante os tempos, desde a Idade Média até os dias atuais, pode­se iniciar tal 
exposição com as palavras do autor do livro “O que é loucura”, Frayse­Pereira:
Ao   final   da   Idade  Média,   o   homem   europeu   estabelece   relação   com   alguma   coisa   que 
confusamente  designa  Loucura,  Demência,  Desrazão.  Mas   essa   relação  é   experienciada   em 
estado livre, isto é, a loucura circula, faz parte da vida cotidiana e é uma experiência possível 
para cada um, antes exaltada do que dominada. (FRAYSE­PEREIRA, 1984, p. 49). 
Ao iniciar a Idade Média, até o final das Cruzadas, o que se abate sobrea Europa é a lepra. 
Banidos das cidades, os leprosos encontram­se envolvidos por um círculo sagrado. Personagens 
sacros  e  temidos, eles expressam a cólera e a bondade de Deus.  A lepra,  que é  sofrimento, 
purifica e castiga o pecador. A segregação ritual do leproso abre­lhe as portas da salvação. Isto 
é, sua exclusão compreende outra forma de comunhão. (FRAYSE–PEREIRA, 1984, p. 50).
Chega o final  das  Cruzadas  e   também da  lepra.  Dois   foram os  fatores  que  determinaram a 
erradicação desta doença: o primeiro deles é a segregação. Com a segregação dos leprosos no interior 
dos grandes leprosários, evitou­se o contágio. O segundo fator foi a ruptura com o Oriente. Com o fim 
das cruzadas, o Ocidente rompe seu contato com os focos de contaminação no Oriente, desta forma, a 
disseminação da lepra caiu vertiginosamente. 
No entanto,  as   significações  associadas  aos   leprosos  permaneceram.  O espaço deixado pelo 
leproso é ocupado pelos pobres, vagabundos e também pelos “loucos”. Simbolicamente, esta prática 
social  significa exclusão e reintegração espiritual.  Tanto a pobreza quanto a  loucura são entendidos 
como desígnios de Deus e aqueles que aceitassem estes desígnios estariam, na verdade, assumindo o seu 
fardo e, em troca, receberiam a tão almejada purificação espiritual. Neste momento histórico, pobreza e 
loucura são entendidos como uma espécie de purgatório terreno. 
Embora num momento posterior ao fim das cruzadas, o louco, junto com outros excluídos, tenha 
ocupado o lugar dos leprosos, durante toda a Idade Média, foi a lepra que assombrou o imaginário 
coletivo. Com a erradicação da lepra surge a possibilidade de nascimento de um novo mal, que, aos 
poucos, irá ocupar o seu lugar no interior das representações coletivas.
Foucault   explica   que   na   Idade   Média   a   lepra   domina   o   imaginário   coletivo   quanto   às 
representações da morte e da punição divina. Quando essa doença finalmente desaparece, em 
função do isolamento dos doentes e da ausência de contato com focos da doença no Oriente, 
após  o  fim das Cruzadas,  sobram centenas  de leprosários,   lugares  de exclusão e isolamento 
social. O imaginário coletivo elege, então, outra figura de   punição   e   exclusão:   a   doença 
venérea.    Esta,   apesar  de  ocupar,   por  um curto   espaço  de   tempo,  o  mesmo  lugar   social   e 
institucional do leproso, não pôde assumir o seu lugar como representação da punição divina, 
porque desde o início era vista como doença médica, apesar das ressonâncias religiosas e moral 
que   suscitava.   Assim,   do   século   XIV   ao  XVII   o   leprosário   terá   que   esperar   uma   “nova 
representação do mal” capaz de ocupá­lo. É, portanto, essa representação de um poder maléfico, 
ou  melhor,   esse   signo   da   Queda   do  Homem,   permanentemente   presente   no   horizonte   da 
experiência   humana, onde Foucault identifica essa estrutura que será  ocupada por conteúdos 
imaginários diversos, sucessivamente. (GAMA, 2008, p. 21).
Com o Renascimento, o hábito passa ser o de embarcar os loucos em navios. Surge a chamada 
“Nau dos Loucos”, barco estranho que flutua sobre vários rios. 
Mas de todas essas naves romanescas ou satíricas, a Narrenschiff é a única que teve existência 
real, pois eles existiram, esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para outra. 
Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçam­nos de seus 
muros; deixava­se que corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos 
de mercadores e peregrinos. (FOUCAULT, 2005, p. 9).
Sobre a “Nau do Loucos”, que, para Foucault, encerra um sentido simbólico e, ao mesmo tempo, 
descreve uma prática social real, Passos e Barboza relatam que:
as   cidades   querendo   se   ver   livres   de   seus   loucos,   embarcavam­nos,   fazendo­os   percorrer 
principalmente os rios do norte e leste europeus, e, em cada localidade que aportavam, eram 
reembarcados.  Focault   lê  nesse gesto,  que   impige ao  louco uma condição de prisioneiro da 
passagem – isto é, de passageiro eterno, sem destino e de origem ignorada –, uma metáfora do 
modo ambíguo e prenhe de significações como a loucura é percebida na Renascença. (PASSOS; 
BARBOZA, 2009, p. 48).
Tentando   sintetizar   as   significações   atribuídas  à   loucura  no  Renascimento,  mais   adiante   as 
autoras acrescentam:
No Renascimento, o mundo está povoado pelo Diabo, por seres imaginários tenebrosos. Nessa 
barca louca, o louco parte para um destino incerto. Simbolicamente ele parte para o outro mundo 
(“todo  embarque  é  potencialmente  o último”),   e  é  do outro  mundo que  chega  o   louco  que 
desembarca na cidade. (PASSOS; BARBOZA, 2009, p. 48).
No entanto, fazendo referência à obra de Foucault, Passos e Barboza advertem:
Isto não significa que os loucos fossem corridos das cidades de modo sistemático. Existiram, 
durante toda a Idade Média e a Renascença,  casas de detenção para os insanos, as quais não 
tinham qualquer  objetivo  de   tratamento   e   só   aceitavam  os   loucos  da  própria   cidade.  Eram 
principalmente   os   estrangeiros   escorraçados.   Foucault   ressalta   essa   prática   porque   parece 
corresponder ou metaforizar certas significações sobre a loucura dominantes na época. Assim, 
predomina   uma   visão   da   loucura  muito   próxima   da  morte,   do   inumano,   do   sobrenatural. 
(PASSOS; BARBOZA, 2009, p. 48).
Então, por toda a Europa, circulavam os navios abarrotados de pessoas indesejadas, e, entre elas, 
estavam os loucos. Portanto, embarcados em navios, os loucos navegavam sem destino. 
                                          Com efeito, embarcar os loucos é assegurar­se de que partirão para longe e serão prisioneiros de 
sua própria partida. É uma purificação e uma passagem para a incerteza da sorte. A água e a 
navegação asseguram essa posição altamente simbólica da loucura: encerrado no navio de onde 
não escapa, o louco é entregue à correnteza infinita do rio, à fluidez instável e misteriosa do mar. 
É o prisioneiro da mais livre das rotas. (FRAYSE–PEREIRA, 1984, p. 51).
Se,  por  um  lado,  durante  a  Renascença,  a   loucura   significou  uma  experiência   sobrenatural, 
desígnio de Deus e, por vezes, chegou a significar algo inumano, símbolo do anúncio da morte, por 
outro lado, foi muitas vezes comparada à  sabedoria.  Por trás da genialidade de grandes pensadores, 
como Erasmo de Roterdã (1466­1536) e Montaigne (1533­1592), pesava a dúvida da loucura. Não se 
sabia se a genialidade destes e de outros  autores era  algo próximo à loucura ou se eles eram realmente 
sábios. Frayse­Pereira se refere a este momento da seguinte maneira:
[....] até o final do século XVI não havia fundamento para a certeza de não estar sonhando, de 
não ser louco. Sabedoria e loucura estavam muito próximas. E a grande via de expressão dessa 
proximidade era a linguagem das artes: a pintura, a literatura, sobretudo o teatro que, no final do 
século, vai desenvolver a sua verdade, isto é, a de ser ilusão: “algo que a loucura é, em sentido 
estrito”. (FRAYSE­PEREIRA, 1984, p. 59).
Portanto,   até   que   o   racionalismo   moderno   lance   seus   tentáculos   sobre   a   loucura,   esta 
permanecerá muito próxima da sabedoria. 
4 ATRACANDO A “NAU DOS LOUCOS”: DA “GRANDE INTERNAÇÃO” AO 
NASCIMENTO DA PSIQUIATRIA
Com o início do século XVII, não mais são utilizados os barcos. A loucura se depara com o 
hospital,   ou   seja,   na   Europa,   surgem   as   chamadas   casas   de   internamento,   locais   para   onde   são 
destinados  os  “alienados”.  No mais,  a   loucura  é   aprisionada pelo  discurso   filosófico,   saber  que  se 
estruturou no interior de uma nascente sociedade burguesa. 
Nessa época, todavia, a exclusão não se deu apenas ao nívelde uma experiência filosófica. Cria­
se um conjunto de instituições, através do qual a dominação e o silenciamento da loucura se efetivam. 
Adiante, será demonstrada a função social destas instituições. Por ora, é interessante debruçar sobre a 
relação da loucura com a filosofia moderna, relação que se dá pela via da exclusão, do não ser. Desta 
forma, será  possível captar o sentido atribuído à   loucura na Idade Clássica,  momento que, segundo 
Foucault, acontece “A Grande Internação” 
A Grande Internação é o período que compreende o século XVII até o final do século XVIII, 
momento  em que houve uma vertiginosa  expansão das casas de internação.  O período da “Grande 
Internação” se encerra com o nascimento da Psiquiatria (final do século XVIII e início do século XIX), 
o que não quer dizer que as internações deixaram de acontecer, mas apenas que elas passaram a adquirir 
um status científico conferido pela incipiente psiquiatria. Após o fim do período da Grande Internação, 
inicia­se o período da clínica psiquiátrica. Foucault trata desta clínica de uma forma mais detida em seu 
livro “O Nascimento da Clínica. Neste momento,
[...] a loucura se vê privada do direito a alguma relação com a verdade. Sendo o “sujeito que 
duvida” ponto de partida do conhecimento verdadeiro (como é rigorosamente demonstrado pelo 
filósofo), a loucura jamais poderá atingi­lo, pois o ato de duvidar implica o pensamento e aquele 
que pensa e, por princípio, anula essa possibilidade. (FRAYSE­PEREIRA, 1984, p. 61).
Com o pensamento moderno, a loucura é equiparada a não­razão. Como a verdade só poderia ser 
conhecida,   segundo   o   cartesianismo,   mediante   o   exercício   da   razão,   o   louco   se   vê   privado   da 
possibilidade de apreendê­la. 
Na idade moderna, mais especificamente no século XVI, a loucura irá ser confiscada por uma 
razão dominadora. Baseada na máxima “Penso logo existo”, de Descartes, a humanidade passa a 
entender e ver a loucura “em relação” à sanidade e, ao louco, como alguém desprovido de razão 
e, portanto, distante da verdade. O racionalismo moderno irá separar a sabedoria da loucura. Se 
for sábio, não pode ser louco. Se for louco, não pode ser sábio. (HEIDRICH, 2007, p. 25­26). 
Segundo Passos e Barboza (2007, p. 49),  a separação da loucura e sabedoria serviu à  visão 
crítico­moral e ao projeto de saneamento das cidades. Essa visão fez desaparecer as significações da 
loucura que, no Renascimento, era pensada como uma experiência ao mesmo tempo mística e trágica. 
Como consequência a loucura é inscrita na lógica da desordem. Se é desordem deve ser contida ou 
reprimida.  
Em 1656, por meio de um decreto, é fundado, em Paris, o Hospital Geral.   A fundação desta 
instituição é, segundo Foulcaut (1984), um marco para o século. O Hospital Geral reúne sob uma única 
administração vários estabelecimentos que não têm como objetivo o tratamento do louco, mas sim o 
recolhimento dos pobres da cidade, pois estes representavam um grande incômodo para o planejamento 
urbano.   Ou seja, o Hospital Geral não possui caráter médico, mas sim um caráter de albergamento. A 
designação “hospital” foi utilizada como sinônimo de hospedaria. 
O Hospital  Geral  era uma forma do Estado exercer  controle  sobre a população.  Sendo uma 
medida assistencial, cuidava daqueles que a sociedade não queria ou, simplesmente, não podia. Como 
instância jurídica decidia, julgava e executava. Era administrado pelo rei, em conjunto com os poderes 
da polícia e da justiça. Como diz Frayse­Pereira (1984, p. 63), “é uma estrutura da ordem monárquica e 
burguesa (acatada pela Igreja) junto ao mundo da miséria e que se alastra por toda a Europa”. A partir 
do  ano  de  1676,  na  França,   todas   as   cidades  possuíam,  pelo  menos,  um departamento  do  que   se 
convencionou   chamar   de   Hospital   Geral,   instituição  foi   criada   com   o   objetivo   de   suprimir   a 
mendicância e a ociosidade, vistas como fontes das desordens.  Na verdade, as casas de internamento 
também serviam como casas de trabalho forçado. O internamento, além de ser uma prática de exclusão 
social, servia como medida de estímulo à economia. 
   No século XVII, a economia européia atravessa períodos de crise que geram queda dos salários e 
desemprego. Nesse contexto, o sentido do internamento oscila. Nos períodos de crise, quando a 
mendicância aumenta vertiginosamente, prendem­se os ociosos e a vida social é protegida contra 
possíveis revoltas. Busca­se controlar a tensão social. Mas fora dos tempos de crise, quando há 
emprego e altos salários, as casas de internamento oferecem mão­de­obra barata.  (FRAYSE­
PEREIRA, 1984, p. 65). 
Gama   (2008,   p.   24)   diz   que   “as   oscilações   do   capitalismo  marcam  uma  maior   ou  menor 
quantidade de pessoas internadas”. “Constituíam­se, os internos, de indivíduos com problemas diversos, 
mas unidos pela exclusão social e econômica.” (GAMA, 2008, p. 25). “Portanto, os loucos passam a ser 
internados no século XVII, independente de qualquer concepção de tratamento ou cura.  Eles fazem 
parte de uma parcela discernível da sociedade, aqueles que não trabalhavam ou perturbavam a ordem 
pública.” (GAMA, 2008, p. 25).
Diante de tantos significados que orbitam em torno da prática do internamento ao longo da Idade 
Clássica, é bom questionar: o que é o internamento? Na concepção de Foucault, o internamento (2005, 
p.55) é um “amálgama abusivo de elementos heterogêneos”, ou seja, é uma prática social que dá origem 
a  uma população misturada  e  confusa,  definida  pelos  valores  morais  da  razão que   tentava  negar  a 
miséria e a ociosidade. 
Estranha superfície, a que comporta as medidas de internamento. Doentes venéreos, devassos, 
dissipadores,   homossexuais,   blasfemadores,   alquimistas,   libertinos:   toda   uma   população 
matizada se vê repentinamente, na segunda metade do século XVII, rejeitada para além de uma 
linha de divisão, e reclusa em asilos que se tornarão, em um ou dois séculos, os campos fechados 
da loucura.  (FOUCAULT, 2005, p. 102).
Durante a era clássica, após surgir o internamento, os loucos tiveram a mesma sorte de todos os 
“imorais”. Na segunda metade do século XVIII, começam a surgir protestos contra essa situação, feitos 
pelos próprios internos (prisioneiros políticos que aumentaram de número devido à revolução burguesa) 
que   não   estavam   satisfeitos   com   o   fato   de   serem   confundidos   com   os   loucos.  Assim,   a   loucura 
representava o papel de uma injustiça no interior das casas de força, uma injustiça contra os outros. 
Com   o   tempo,   o   internamento   mostra­se   como   um   erro   econômico   e   um   financiamento 
arriscado.
Contudo, ao mesmo tempo em que o internamento sofre essa crítica política que questiona sua 
função  de   repressão,  crises  econômicas  chegam a  abalar  a   sua  própria  existência.   Isto  é,  o 
internamento  acaba   revelando­se  uma medida   incapaz  de  agir   sobre  os  preços  e   resolver  o 
desemprego.   Do   ponto   de   vista   econômico,   sua   eficácia   é   posta   em   questão.   (FRAYSE­
PEREIRA, 1984, p. 77).
Dessa   forma,   recoloca­se   a  população   internada  no  circuito  da  produção,  oferecem­se  mais 
braços para a indústria que emergia, bem como se reformulam as medidas de assistência. 
Há aí toda uma reabilitação moral do Pobre, que designa, mais profundamente, uma reintegração 
econômica e social de sua personagem. Na economia mercantilista,  não sendo nem produtor 
nem consumidor, o Pobre não tinha lugar: ocioso, vagabundo, desempregado, sua esfera era a do 
internamento, medida com a qual era exilado e como que abstraído da sociedade. (FOUCAULT, 
2005, p. 405).
Se, na Idade Média, a loucura foi “santificada”, no século XVII, ela foi apreendidano interior de 
um tecido moral. Já no século XVIII, a loucura tornou­se parte da economia, de modo que os loucos e 
os pobres   tornaram­se  importantes  para a   riqueza  e   retornaram à  comunidade da qual  haviam sido 
excluídos pelo internamento. No entanto, o retorno do louco à comunidade é marcado por um novo 
confinamento: o confinamento familiar. 
O louco visto como um perigo foi confinado à família. Cada família mantinha em casa o seu 
louco, enquanto aquele que nada possuía restava vagar pelo campo ou cidade, sobrevivendo da caridade 
ou da realização de pequenos  trabalhos.  Então,  como medida  de proteção para maior  segurança da 
sociedade, articulou­se a mesma ação utilizada contra os animais daninhos. Decretou­se uma sanção 
penal que incidia sobre aquelas famílias que deixassem seus loucos vagarem livremente pela cidade, 
perturbando a ordem.
Obviamente   que   o   confinamento   do   louco   no   interior   da   família   não   demorou   a   ser 
reconsiderado e, aos poucos, a idéia da criação de casas reservadas apenas para os insensatos foi se 
configurando. Isso aconteceu porque a sociedade burguesa sentiu­se obrigada a proteger do louco os 
interesses do homem privado.  
No fim do século XVIII, acreditava­se na loucura como um erro que se enraizava na imaginação 
e que, quanto mais o louco fosse corporalmente coagido, mais a sua imaginação seria afetada. Isto é, 
quanto menos ficasse livre, mais louco se tornaria o louco. Persistem, portanto, duas visões sobre o 
internamento. Numa primeira visão, ele era concebido como uma medida assistencial, um dever para 
com aqueles que não podiam prover a si mesmos, e como uma medida de segurança contra os perigos 
da loucura. 
Numa segunda visão, o internamento era entendido como um meio de organização da liberdade. 
Sendo um meio de organização da tão sonhada liberdade, que restituiria ao louco a sua sanidade, este 
ganha novo sentido e passa a ser visto como tratamento. Estão lançadas as bases para o surgimento do 
modelo de tratamento asilar, proposto pela Psiquiatria de Pinel no século XIX. E é graças aos espaços 
das casas de internamento que a medicina pôde se apropriar da loucura como objeto de conhecimento. 
Dito de outra forma, os asilos se transformaram no laboratório da incipiente psiquiatria e o louco numa 
cobaia de um saber que exerce sobre a loucura o seu poder.
É neste momento (século XIX) que o internamento passa a ter valor terapêutico e a loucura é 
elevada à categoria de doença mental. Com a elevação da loucura à categoria de doença mental, forja­se 
uma relação entre asilo e doença.
Ligados ao surgimento do asilo figuram os nomes de S. Tuke, na Inglaterra, e de Ph. Pinel, na 
França. Tuke não era médico, mas membro de uma associação protestante (Quacre). Pinel não 
era psiquiatra.  Os asilos montados por ambos distinguem­se sob vários aspectos importantes, 
sobretudo no que diz respeito aos valores religiosos, presentes em um e ausentes no outro. No 
entanto, é possível aproximá­los esquematicamente, apenas para destacar o sentido e algumas 
implicações gerais do mundo asilar. Mas, antes de mais nada, é preciso saber que Pinel, Tuke e 
seus   contemporâneos,   ao   contrário   do   que   se   costuma   dizer   quando   se   faz   a   história   da 
Psiquiatria, não romperam com as práticas do internamento. (FRAYSE­PEREIRA, 1984, p. 83).
Passos e Barboza (2009), tomando como base a obra de Focault e de outros autores que sobre 
essa obra refletiram, resumem em três grandes eixos as características do modelo de tratamento asilar 
adotado pela incipiente psiquiatria do século XIX:
Primeiro, a associação da noção de periculosidade social – que há  mais de um século vinha 
fundamentando a prática da exclusão social e confinamento do louco junto com todo tipo de 
desviante social, nos grandes hospitais gerais europeus do século XVII – ao conceito de doença 
mental. Decorre desta associação a perpetuação da ligação entre loucura e periculosidade social, 
bem como a superposição de punição e tratamento. Um segundo eixo, decorrente do primeiro, é 
a instauração da relação de tutela com o louco, com restrição de direitos e deveres. E o terceiro é 
a   disputa   com   a   Justiça   pelo   poder   de   sequestro   do   louco   como   alguém   mentalmente 
irresponsável,  portanto juridicamente inimputável. Nessa disputa, a instituição psiquiátrica irá 
consolidar­se como aquela que regulará, em consonância com o poder administrativo público, 
mas   com métodos­repressivos  próprios,   a  população  constituída por  esse   tipo  de   indivíduo, 
doente e perigoso. (PASSOS; BARBOZA, 2009, p. 50.).
Segundo Frayse Pereira (1984), a tarefa do asilo era homogenizar todas as diferenças, ou seja, 
reprimir os vícios, extinguir as irregularidades, denunciar aquilo que se opõe aos desejos impostos pela 
sociedade. Portanto, a única diferença possível no interior desta instituição é a distinção entre o normal e 
o patológico.   
Com   a   segregação   social,   o   asilo   reproduz   em   seu   interior   a   racionalidade   burguesa, 
transformando­se em um espaço de alienação, espaço onde o doente é julgado e condenado como num 
tribunal. 
[…] isso acabou produzindo no louco o remorso, o sentimento de sua própria culpa. E se, com o 
tempo, até os castigos morais acabarão por ser dispensados, é porque os juízes da loucura estão 
certos de que aquele sentimento está definitivamente inscrito no espírito do alienado. (FRAYSE­
PEREIRA, 1984, p. 87).
Então,  inicialmente,  o  médico  é   instituído  como  o   juiz  do   louco,   por   isso,   a   relação   entre 
paciente e profissional vai ser perpassada pelos dispositivos de dominação. Dessa forma, o médico é 
revestido de muitos poderes e passa a falar em nome do louco. Com isso a loucura é silenciada, pois o 
discurso científico assume o lugar do discurso do doente. É a razão se impondo sobre a desrazão, agora 
de outra forma. 
Só  posteriormente,  num momento pós­reforma psiquiátrica (década de 1960), que o discurso 
médico vai recuar ao seu lugar de direito e o doente será visto como o portador de uma fala, de uma 
linguagem que fala de si e das relações que estabelece com o mundo e, sobretudo, das relações que o 
mundo estabelece com ele, geralmente, relações marcadas pela exclusão, exclusão edificada em nome 
da ciência, ou melhor dizendo, exclusão edificada em nome da razão.
A partir de então, surge a figura do especialista,  figura proeminente,  dotada de muito poder, 
figura que se coloca entre o homem e a loucura, pois, sendo detentor de um discurso neutro e impessoal, 
de um discurso fundado na racionalidade dos fatos, o especialista está credenciado a ocupar este lugar. 
Seu discurso é instituído, ou seja, é um discurso que encontra legitimidade na vida social. É um discurso 
que pretende livrar o homem de seus medos e aflições,  mas acaba encerrando­o entre os muros da 
exclusão. 
E o que o discurso competente (científico/racional) faz é dizer ao doente aquilo que ele é: um 
histérico,   um   depressivo,   um   esquizofrênico,   cuja   linguagem   é   o   delírio,   a   visão   alucinada,   o 
comportamento obsceno e o mundo irreal e fantasmagórico dos devaneios.  Dessa forma, o discurso da 
Psiquiatria do século XX –  e porque não dizer de algumas modalidades de Psiquiatria do século XXI – 
repete   na   essência   o   discurso   da   Psiquiatria   do   século  XIX,   discurso   que,   em   nome   da   ciência 
enclausurou o doente. Mas, na contemporaneidade, tal discurso encontra­se blindado pelos métodos e 
técnicas da ciência e pelo marketing da indústria farmacêutica. Por isso, pode se dizer que:
o   discurso   psiquiátrico   como   discurso   do   especialista   sobre   a   loucura   não   é   uma   prática 
meramente médica [...] ela é umaintervenção política, mediadora da sutil violência repressiva 
que caracteriza as sociedades contemporâneas. A razão pela qual a loucura sofre um processo de 
exclusão, processo este que já tem início na simples percepção do indivíduo como “doente” ou 
como “desviante” (lembrando: a noção de “desvio” pressupõe um “dever ser” contrariado pelo 
desvio), não é médica, mas política. (FRAYSE­PEREIRA, 1984, p. 100).
           
De tudo que foi  dito é  possível  concluir  que,  diante  de uma sociedade incapaz  de aceitar  o 
“diferente”,  que   reprime  a  diversidade  humana,   a   loucura  é  uma ameaça  constante,  uma evasão  à 
realidade, uma força poderosa, que precisa ser silenciada pelo poder opressor burguês.
O que a história da loucura nos revela, pondo em questão toda a cultura ocidental moderna, é 
que o louco é excluído porque insiste no direito à singularidade e portanto, à interioridade. E, 
com efeito, se a loucura é nesse mundo patologia ou anormalidade é porque a coexistência de 
seres diferenciados se tornou uma impossibilidade. (FRAYSE­PEREIRA, 1984, p. 102).             
5 CONCLUSÃO
Embora todo o texto tenha focado a discussão sobre os sentidos atribuídos à loucura, desde a 
Idade Média até a contemporaneidade, seria interessante fazer menção a um tema que mantém relação 
com as reflexões desenvolvidas ao longo deste ensaio, mas que não ganhou nada mais que umas poucas 
linhas na introdução. 
O tema em questão é a desinstitucionalização do doente mental. Se, atualmente, fala­se tanto de 
desinstitucionalização,  é   porque   se   reconhece   que,   apesar   de   todas   as  mudanças   produzidas   pelos 
diversos movimentos reformistas que surgiram no seio da psiquiatria, ainda há muito que ser feito em 
termos de libertar a doença mental de seus grilhões ideológicos.
Talvez, seja pertinente indagar se a “Nau dos Loucos” atracou ou continua a flutuar pelos rios 
incertos das palavras, das ideologias. Palavras que amarram, prendem e limitam. Palavras que matam, 
que lançam na correnteza das incertezas o destino da luta pela desinstitucionalização do doente mental. 
Enquanto os profissionais da saúde não conhecerem a origem das práticas sociais e dos discursos 
que repetem, dificilmente, criarão condições propícias para que o doente assuma o leme da nau de sua 
vida. Não cabe ao Psiquiatra, ao Psicólogo, ao Enfermeiro, ao Assistente Social ou a qualquer outro 
profissional escolher o destino em que esta nave vai aportar. Podem, no máximo, garantir ao sofredor e 
à sua família que existe um porto seguro.
Atracar a nave não significa silenciar o sofrimento ou mesmo negá­lo. Atracar a nave é dar ao 
portador de sofrimento mental a oportunidade de construir, ao seu modo, o porto seguro em que deseja 
lançar sua âncora, seja ela a âncora do delírio, das perturbações do humor ou dos desajustamentos de 
conduta. Em última instância, atracar a nave é restituir ao portador de sofrimento mental a liberdade 
subtraída por séculos de uma história marcada pela exclusão. 
 
REFERÊNCIAS 
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FOUCAULT, M. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense­Universitária, 1977. 
GAMA, J. R. de A. Um estudo histórico e conceitual sobre a clínica da reforma psiquiátrica no 
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	Bruno Alvarenga Ribeiro
	Viviane Aparecida Pinto
	2 METODOLOGIA
	3 ENTRANDO NA “NAU DOS LOUCOS”: A LOUCURA NA IDADE MÉDIA E RENASCIMENTO

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