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Introdução a fisica quantica

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Introduc¸a˜o a` F´ısica Quaˆntica
Cap´ıtulo 1
Panorama histo´rico:
a era pre´-quaˆntica
1.1 Introduc¸a˜o
Ao final do se´culo XIX, o conhecimento de F´ısica podia ser dividido em cinco
grandes blocos: a Mecaˆnica Newtoniana, a O´ptica, a F´ısica Ondulato´ria,
a Termodinaˆmica e o Eletromagnetismo. Esse conhecimento de F´ısica teve
enorme impacto na vida das pessoas em geral, e por isso, no final desse se´culo,
havia um grande otimismo por parte da humanidade em raza˜o do enorme
sucesso alcanc¸ado pela F´ısica e os desenvolvimentos tecnolo´gicos decorrentes.
Vamos resumir alguns deles nessas cinco a´reas.
Devido a` Mecaˆnica Newtoniana e a` invenc¸a˜o do ca´lculo diferencial e integral
por Isaac Newton (1643-1727) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), a
astronomia havia feito enorme progresso. O planeta Netuno, como bem se
sabe, e´ um dos s´ımbolos do sucesso da teoria de Newton: ele teve sua ex-
isteˆncia prevista teoricamente antes de ser observado, pela primeira vez em
1846, pelo astroˆnomo alema˜o Gottfried Galle (1812-1910). Tambe´m movi-
mentos complexos de corpos r´ıgidos, como os girosco´pios, eram muito bem
explicados. Do ponto de vista da aplicac¸a˜o tecnolo´gica, podemos citar os
desenvolvimentos tanto da hidrodinaˆmica quanto da aerodinaˆmica a partir
do estudo detalhado dos l´ıquidos e gases, o que permitiu a construc¸a˜o de sub-
marinos e balo˜es. Em 1891, aconteceu o voˆo de Otto Lilienthal (1848-1896),
engenheiro alema˜o, usando uma espe´cie de asa delta.
O mesmo se pode dizer da O´ptica Geome´trica. A partir do estudo da relac¸a˜o
entre a luz e as imagens formadas, surgiu a ide´ia de fixar as imagens, o que
1
2 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
levou a` invenc¸a˜o da fotografia pelo franceˆs Louis Jacques Mande´ Daguerre
(1787-1851). A consequ¨eˆncia natural desse desenvolvimento foram as ima-
gens animadas, isto e´, o cinema, um grande salto tecnolo´gico. Na F´ısica
Ondulato´ria, conheciam-se bem os fenoˆmenos de difrac¸a˜o e interfereˆncia. A
luz era considerada como um fenoˆmeno ondulato´rio por todos os cientistas,
assim como o som. Sabia-se tambe´m da existeˆncia da radiac¸a˜o infravermelha
e ultravioleta, que na˜o eram vis´ıveis. O estudo das ondas exigiu tambe´m o
desenvolvimento de uma matema´tica bastante sofisticada. A invenc¸a˜o da fo-
tografia tem o seu ana´logo na a´rea do som – Thomas A. Edison (1847-1931)
inventou o que foi chamado de fono´grafo, um aparelho capaz de reproduzir
e gravar o som, como ja´ havia sido feito com a luz.
As primeiras ma´quinas te´rmicas surgiram ainda no se´culo XVIII, no in´ıcio
da Revoluc¸a˜o industrial, gerando grande interesse pela “forc¸a gerada pelo
calor”. O trabalho de Nicloas Le´onard Carnot (1796-1832) publicado em
1824 entitulado “Reflexo˜es sobre a forc¸a mo´vel do fogo . . . ” e´ ainda hoje
importante para a construc¸a˜o de ma´quinas te´rmicas. Ao final do se´culo XIX,
a Termodinaˆmica e as suas famosas leis ja´ eram bem conhecidas e testadas.
Do ponto de vista conceitual, a Mecaˆnica Estat´ıstica dava seus primeiros
passos: percebia-se a relac¸a˜o entre a energia cine´tica das part´ıculas num ga´s
e sua temperatura, e notava-se que essa relac¸a˜o era probabil´ıstica.
Apo´s o trabalho de James Clerk Maxwell (1831-1879), os fenoˆmenos ele´tricos
e magne´ticos foram unificados em apenas quatro equac¸o˜es que deram origem
ao eletromagnetismo. A O´ptica Geome´trica e´ completamente compat´ıvel com
a teoria corpuscular da luz. A teoria ondulato´ria da luz ja´ havia sido proposta
por Christian Huygens (1629-1695) num princ´ıpio sobre a propagac¸a˜o das on-
das luminosas formulada em termos de ondas longitudinais e na˜o perio´dicas,
inspiradas nas ondas sonoras. No entanto, apenas no se´culo XIX, depois dos
trabalhos Thomas Young (1773-1829), Etienne-Louis Malus (1755-1812) e
Augustin-Jean Fresnel (1788-1827), em especial, sobre a polarizac¸a˜o e inter-
fereˆncia da luz, foi constatado que a luz era de fato uma onda transversal,
derrubando por vez a teoria corpuscular de Newton. Apo´s o surgimento do
Eletromagnetismo, a O´ptica Geome´trica e´ deduzida das equac¸o˜es de Maxwell
e unifica-se, enta˜o, tambe´m com os fenoˆmenos ondulato´rios. Do ponto de
vista tecnolo´gico e do impacto na qualidade de vida do cidada˜o comum,
podemos citar a invenc¸a˜o da pilha ele´trica por Alessandro Volta (1745-1827),
a construc¸a˜o das primeiras usinas de gerac¸a˜o de energia ele´trica e a substi-
tuic¸a˜o da iluminac¸a˜o com lampio˜es a ga´s por laˆmpadas ele´tricas. A navegac¸a˜o
tambe´m e´ afetada com o surgimento dos grandes faro´is. E talvez o maior
avanc¸o tenha sido na a´rea de telecomunicac¸o˜es, com a invenc¸a˜o do tele´grafo
sem fio. Os continentes europeu e americano sa˜o unidos por cabos submari-
1.2 Sobre a constituic¸a˜o da mate´ria 3
nos que atravessam o oceano Atlaˆntico. Essas invenc¸o˜es culminaram com a
invenc¸a˜o do telefone, em 1876, por Graham Bell (1847-1922).
Mas o que se sabia na e´poca sobre a natureza do eletromagnetismo? O
quanto se sabia sobre a diferenc¸a entre a luz e outras ondas, e com que
profundidade se conhecia a mate´ria nessa e´poca? Vamos discutir um pouco
essas questo˜es, cujas respostas sera˜o, como veremos, um caminho natural
para a F´ısica Quaˆntica e a Relatividade.
1.2 Sobre a constituic¸a˜o da mate´ria
Ha´ 2.400 anos, o filo´sofo grego Anaxa´goras inventou a ide´ia de que a mate´ria e´
composta de sementes invis´ıveis e indivis´ıveis, as quais chamou spermata. Tal
conceito foi assimilado por Demo´crito, que foi quem chamou essas part´ıculas
indivis´ıveis de a´tomos. No se´culo XVII, Galileu, Descartes e Gassendi, assim
como Boyle, defendiam o ponto de vista particularista, ainda que qualitativo.
Daniel Bernoulli (1700-1782) foi o primeiro a calcular a pressa˜o em um ga´s
em func¸a˜o do impacto das suas part´ıculas sobre o recipiente. A hipo´tese
atoˆmica teve seu renascimento no meio cient´ıfico de modo mais abrangente
no se´culo XIX, quando os cientistas fizeram a classificac¸a˜o dos elementos na
forma de uma tabela – a tabela perio´dica. A ide´ia de explicar propriedades
complexas a partir de blocos elementares sobreviveu desde os gregos ate´ os
dias de hoje.
Muito antes que a existeˆncia dos a´tomos tivesse sido aceita pela comunidade
cient´ıfica, a raza˜o entre as massas dos a´tomos de elementos diferentes era
conhecida. A medida dessas razo˜es teve origem no trabalho de John Dal-
ton (1766-1844), no in´ıcio do se´culo XIX – as primeiras notas de Dalton
conhecidas datam de 1802-1804.
Dalton observou que as massas dos va´rios elementos qu´ımicos necessa´rios
para fabricar um determinado composto estavam sempre na mesma pro-
porc¸a˜o. Por exemplo, ele descobriu que, quando hidrogeˆnio era combinado
com oxigeˆnio para obter a´gua, 5,5 g de oxigeˆnio eram usados para cada grama
de hidrogeˆnio (observac¸a˜o importante: o valor 5,5 g e´ o valor das anotac¸o˜es
de Dalton; a proporc¸a˜o verdadeira, como sabemos hoje, e´ de 8 g de oxigeˆnio
por grama de hidrogeˆnio. Isso mostra como eram primitivos os aparelhos de
medida dos quais ele dispunha).
Talvez a contribuic¸a˜o mais importante de Dalton na˜o tenha sido suas medi-
das, que eram imprecisas, mas a interpretac¸a˜o que ele deu a elas em termos de
a´tomos. Ele imaginou que se a a´gua consistia de part´ıculas – na˜o se pensava
4 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
em mole´culas, como se faz hoje –, cada uma dessas part´ıculas deveria conter
um a´tomo de hidrogeˆnio e um a´tomo de oxigeˆnio. A receita para a proporc¸a˜o
5,5:1 seria enta˜o explicada da seguinte maneira: o a´tomo de oxigeˆnio pesa
5,5 vezes mais que o de hidrogeˆnio.
As massas atoˆmicas obtidas dessa forma por Dalton esta˜o na tabela 1. As
massas atoˆmicas de Dalton esta˜o todas erradas e na˜o apenas pelas limitac¸o˜es
em seus aparelhos de medida; ele na˜o conhecia a proporc¸a˜o correta de a´tomos
nas mole´culasque formavam os compostos qu´ımicos. Por exemplo, ele supoˆs
que a mole´cula de a´gua era feita por um a´tomo de hidrogeˆnio e um de
oxigeˆnio, embora saibamos hoje que a proporc¸a˜o correta e´ dada pela ja´
famosa fo´rmula H2O.
Como podemos, hoje, analisar os 5,5 g de oxigeˆnio obtidos por Dalton? Sig-
nifica que o a´tomo de oxigeˆnio e´ 5,5 vezes mais pesado que dois a´tomos de
hidrogeˆnio, e portanto, 11 vezes mais pesado que um a´tomo de hidrogeˆnio.
Considerando-se as limitac¸o˜es, o nu´mero 11 pode ser considerado significa-
tivamente pro´ximo de 16. A tabela 2 da´ as proporc¸o˜es usadas por Dalton e
esta˜o comparadas com as fo´rmulas como as conhecemos hoje.
O pro´ximo passo fundamental na direc¸a˜o da Teoria Atoˆmica foi dado por J.
L. Gay-Lussac (1778-1850). Ele percebeu que de forma semelhante ao que
acontece com os elementos, que se combinam em proporc¸o˜es bem definidas de
massas, os gases tambe´m se combinam em proporc¸o˜es bem definidas de vol-
ume (sob pressa˜o e temperatura constantes). Por exemplo, dois volumes de
hidrogeˆnio, combinados com um volume de oxigeˆnio, produzem dois volumes
de vapor d’a´gua. Um volume de nitrogeˆnio, combinado com treˆs volumes de
hidrogeˆnio, produzem, de novo, dois volumes de amoˆnia. A explicac¸a˜o desses
fatos foi dada por A. Avogadro (1776-1856), que deu um passo decisivo para
bases experimentalmente testa´veis da teoria atoˆmica, como veremos no que
segue.
Em 1811, Avogadro fez uma hipo´tese fundamental: “volumes iguais de qual-
Elemento Peso atoˆmico
Hidrogeˆnio 1 (por def.)
Nitrogeˆnio (“Azoto”) 4,2
Carbono 4,3
Oxigeˆnio 5,5
Enxofre 14,4
TABELA 1 - Valores dos pesos atoˆmicos conhecidos por Dalton em 1803.
1.2 Sobre a constituic¸a˜o da mate´ria 5
FIGURA 1 - Tabela de elementos qu´ımicos feita por Dalton. Alguns desses
elementos sa˜o na verdade compostos qu´ımicos. c©The Science Museum, Lon-
don.
quer ga´s, numa dada temperatura e pressa˜o, sempre conteˆm o mesmo nu´mero
de part´ıculas do ga´s”. A essas part´ıculas, Avogadro deu o nome de mole´culas.
Note que o fato de que dois litros de hidrogeˆnio sempre se combinam com um
litro de oxigeˆnio para formar a a´gua, sugere imediatamente que a “part´ıcula”
a´gua conte´m duas vezes mais hidrogeˆnio do que oxigeˆnio. Mas enta˜o, por
que duas porc¸o˜es iguais de hidrogeˆnio, combinadas com uma de oxigeˆnio,
produzem duas porc¸o˜es de a´gua e na˜o uma so´? Isto significa que o produto
final contera´ duas vezes mais oxigeˆnio e duas vezes mais hidrogeˆnio que os
volumes iniciais. Por queˆ? Avogadro logo percebeu que as mole´culas de
oxigeˆnio continham 2 a´tomos cada uma, e da mesma forma, as mole´culas de
hidrogeˆnio. Assim, e devido a esse brilhante racioc´ınio de Avogadro, temos
hoje as fo´rmulas de reac¸o˜es qu´ımicas
2 H2 + O2 → 2 H2O
N2 + 3 H2 → 2 NH3
6 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
Composto Fo´rmula de Dalton Fo´rmula verdadeira
A´gua HO H2O
Dio´xido de carbono CO2 CO2
Amoˆnia NH NH3
A´cido sulfu´rico SO2 H2SO4
TABELA 2 - Fo´rmulas qu´ımicas para va´rios compostos, como usadas por
Dalton e como sa˜o conhecidas hoje.
O nu´mero em frente ao s´ımbolo qu´ımico para cada mole´cula mostra quantas
mole´culas daquele composto qu´ımico participam da reac¸a˜o. Assim, de acordo
com Avogadro, esses nu´meros da˜o a proporc¸a˜o relativa dos volumes dos gases
que sa˜o necessa´rios para provocar a reac¸a˜o.
E a comunidade de f´ısicos, no fim do se´culo XIX, estava convencida da Teoria
Atoˆmica? Nem todos. E mesmo para aqueles que acreditavam na realidade
dos a´tomos, havia a grande incerteza da interpretac¸a˜o dos pesos atoˆmicos
– quando se diz que um certo elemento tem um dado peso atoˆmico, esse
peso se refere ao peso de todos os a´tomos do elemento ou representa ape-
nas o peso me´dio desses a´tomos? Um trabalho decisivo para responder essa
questa˜o aconteceu em 1886, quando William Crookes (1832-1919), estudando
descargas de gases, foi levado a supor que os pesos atoˆmicos medidos pelos
qu´ımicos sa˜o me´dias dos pesos atoˆmicos de a´tomos diferentes do mesmo el-
emento. Sabemos hoje que isso e´ verdade e se deve a` existeˆncia de iso´topos.
Mais tarde, apo´s a descoberta da radioatividade – que veremos mais a` frente
–, descobriu-se que existem formas diferentes de certos elementos qu´ımicos,
que sa˜o ideˆnticos no que se refere ao seu comportamento qu´ımico, mas difer-
entes no que se refere ao seu decaimento radioativo.
1.2.1 A descoberta da radioatividade
Em 1895, W. C. Ro¨ntgen (1845-1923), em Wu¨rzburg, Alemanha, descobriu
que quando raios cato´dicos colidem com a parede de vidro do tubo que parte
do aparelho, surgiam “raios” misteriosos, altamente penetrantes – que Ro¨nt-
gen batizou de raios X, por serem misteriosos –, e tambe´m que esses raios
causavam uma impressa˜o detecta´vel em placas fotogra´ficas e provocavam a
fluoresceˆncia de va´rios materiais. Sabemos agora que os raios X sa˜o fo´tons
de comprimento de onda muito pequeno (milhares de vezes menor do que
o da luz vis´ıvel) que sa˜o emitidos quando ele´trons dos n´ıveis mais altos da
camada atoˆmica voltam para o´rbitas mais internas para substituir os ele´trons
1.2 Sobre a constituic¸a˜o da mate´ria 7
FIGURA 2 - W. Crookes, cartoon de Spy na Vanity Fair, 1903 (superior).
Tubo de Cruz de Malta original – um bem conhecido tubo de raios cato´dicos
desenvolvido por Crookes – (inferior, tubo a` esquerda) e um duplo radioˆmetro
original (inferior, tubo a` direita). c©The Science Museum
8 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
que foram “expulsos” pela colisa˜o com os raios cato´dicos. A descoberta dos
raios X foi a primeira descoberta de uma forma de radiac¸a˜o, e deixou os
f´ısicos alertas para a questa˜o: seria essa a u´nica forma de radiac¸a˜o?
Na˜o era. Em 1896, A. H. Becquerel (1852-1908) explorava, na Ecole Poly-
technique, a possibilidade de que o sol poderia provocar a emissa˜o de raios
X pelos cristais. O me´todo por ele utilizado era o seguinte: colocavam-se
va´rios cristais perto de placas fotogra´ficas envoltas em papel escuro, tendo
uma tela composta de fios de cobre entre os dois.
O que Becquerel esperava ver? Se os raios de sol causassem a emissa˜o de raios
X pelos cristais, estes penetrariam o papel escuro no qual a placa fotogra´fica
estava envolta, mas na˜o penetrariam os fios de cobre da tela e ele poderia
ver a fotografia da tela na placa fotogra´fica. Temos agora uma ilustrac¸a˜o
interessante da ajuda do acaso no progresso da cieˆncia: no dia em que a
experieˆncia deveria ser feita, na˜o havia sol! Enta˜o, Becquerel colocou a tela
na gaveta e deixou o cristal descoberto sobre a mesa. Quando voltou, alguns
dias depois, para retomar a placa fotogra´fica, havia nela a impressa˜o perfeita
da tela de cobre! A u´nica conclusa˜o poss´ıvel era enta˜o que a radiac¸a˜o emitida
pelo cristal (que era um cristal de uraˆnio) na˜o foi provocada pelo sol, mas
deveria ser uma propriedade do pro´prio cristal. Para confirmar essa hipo´tese,
ele repetiu a experieˆncia colocando o cristal e a placa fotogra´fica dentro de
uma caixa blindada e obteve o mesmo resultado.
Em 1898, Marie (1867-1934) e Pierre Curie (1859-1906) descobrem outros
elementos que produzem os mesmos raios cato´dicos, por exemplo, o ra´dio.
Observaram que a produc¸a˜o de radiac¸a˜o desse elemento era muito mais efi-
ciente que a do uraˆnio, e por isso, o fenoˆmeno foi batizado de radioatividade.
Afinal, o que e´ enta˜o a radioatividade? E´ a radiac¸a˜o produzida por diver-
sos elementos. Quantos tipos existem? Apo´s a descoberta do fenoˆmeno, a
pesquisa em torno do mesmo foi intensa. Rutherford, que mais tarde viria
a descobrir os detalhes do a´tomo como conhecemos hoje, enta˜o no Canada´,
identificou dois tipos de raio, os quais ele batizou de α e β. O raio β tinha
alto poder de penetrac¸a˜o, e o raio α, em contrapartida, pequeno poder de
penetrac¸a˜o. Hoje, sabemos queos raios β sa˜o ele´trons, e os raios α sa˜o
nu´cleos de He. Na verdade, logo em seguida Becquerel descobriu que os raios
β, ao serem defletidos em campos ele´tricos, mostravam ter carga negativa
e tinham uma velocidade muito maior do que a dos raios cato´dicos – hoje
sabemos porque: os raios β sa˜o ele´trons que saem de dentro do nu´cleo, e
portanto com muito mais energia. Rutherford, por outro lado, mostra que
a relac¸a˜o carga-massa do raio α era parecida com a do hidrogeˆnio e que sua
carga era duas vezes maior do que a do hidrogeˆnio. Descobriu, portanto, o
1.2 Sobre a constituic¸a˜o da mate´ria 9
primeiro nu´cleo mais pesado que o hidrogeˆnio – o he´lio. Mas vamos deixar a
descoberta dos a´tomos para mais adiante.
1.2.2 Ana´lise quantitativa da radioatividade
O decaimento radioativo e´ um processo aleato´rio. Qualquer part´ıcula den-
tro de um a´tomo tem uma certa probabilidade de decair espontaneamente
por unidade de tempo1. A probabilidade de decaimento e´ independente da
vida pre´via da part´ıcula. Se N(t) e´ o nu´mero de part´ıculas numa amostra
como func¸a˜o do tempo, enta˜o, a taxa de decaimento e´ proporcional a N .
Matematicamente, temos a seguinte equac¸a˜o:
−
dN(t)
dt
= λN. (1.1)
1Note que aqui, pela primeira vez, aparece de forma natural um ingrediente que mais
tarde vai se mostrar fundamental na elaborac¸a˜o de uma Teoria Quaˆntica: o cara´ter prob-
abil´ıstico da descric¸a˜o da natureza, em geral.
FIGURA 3 - Marie, Pierre e sua filha Ire`ne. c©The Science Museum
10 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
A constante de proporcionalidade tem dimensa˜o de inverso de tempo. Re-
solvendo a equac¸a˜o acima, temos
N(t) = N0 e
−λt, (1.2)
onde N0 e´ o nu´mero inicial de part´ıculas. O nu´mero de part´ıculas de um dado
elemento decai exponencialmente numa taxa que depende daquele particular
elemento. Define-se, em geral, a vida me´dia de um elemento como
τ =
1
λ
. (1.3)
Se tivermos uma amostra com muitas part´ıculas, 1/ e delas (cerca de 37,8%)
na˜o tera˜o deca´ıdo apo´s um tempo τ . Em F´ısica Nuclear costuma-se trabalhar
com o conceito de vida me´dia, que e´ o tempo depois do qual a amostra se
reduziu a` metade. Podemos relacionar essas duas quantidades assim
e−t1/2/τ =
1
2
⇒ t1/2 = τ ln 2. (1.4)
Decaimento α
Foram classificadas como sendo produtos do decaimento que na˜o tinham
poder de penetrac¸a˜o na mate´ria – as part´ıculas α sa˜o nu´cleos e interagem
fortemente com a mate´ria, enta˜o sa˜o rapidamente absorvidos. A raza˜o pela
qual a part´ıcula α escapa do nu´cleo com muito maior frequ¨eˆncia do que outros
nu´cleos – ate´ menores, como o deute´rio, por exemplo – e´ sua excepcional
energia de ligac¸a˜o (Eα ≈ 28 MeV, ou 7 MeV por nucleon), que pode ser
comparada com o deˆuteron, Ed ≈ 2 MeV. A maneira microsco´pica de explicar
esse decaimento e´ atrave´s da Teoria Quaˆntica, que veremos mais adiante. O
fenoˆmeno e´ conhecido como tunelamento.
O decaimento α decresce o nu´mero atoˆmico de massa A por 4 unidades.
Portanto, os produtos de uma cadeia de decaimentos α va˜o ter produtos
cujas massas atoˆmicas diferem por 4 unidades. Existem 4 se´ries radioativas:
1a se´rie Composta pelos nu´cleos cujo nu´mero atoˆmico e´ divis´ıvel
por 4 e que, ao deca´ırem, perdem uma part´ıcula α e
ficam na mesma se´rie.
2a se´rie Nu´cleos com nu´mero atoˆmico dado por A = 4n + 1.
3a se´rie Nu´cleos com nu´mero atoˆmico dado por A = 4n + 2.
4a se´rie Nu´cleos com nu´mero atoˆmico dado por A = 4n + 3.
1.2 Sobre a constituic¸a˜o da mate´ria 11
Vida me´dia do Produto
Se´rie nu´cleo ma˜e (anos) 1o decaimento final
To´rio 232 1, 40× 1010 232Th → 228Ra + α 208Pb
Neptu´nio 237 2, 14× 106 237Np→ 233Pa + α 209Bi
Uraˆnio 238 4, 17× 109 238U→ 234Th + α 206Pb
Uraˆnio 235 7, 04× 108 235U→ 231Th + α 207Pb
TABELA 3 - As quatro se´ries radioativas
Na tabela 3, sa˜o exemplificadas cada uma dessas se´ries. Note que o Neptu´nio
ja´ na˜o pode mais ser encontrado na natureza, uma vez que a vida o Universo
e´ cerca de 1010 anos! Pode, pore´m, ser fabricado em laborato´rio.
Alguns nu´cleos podem se desintegrar de dois modos diferentes. Por exemplo,
o bismuto (21283 Bi) desintegra-se 66,3% emitindo radiac¸a˜o β e 33,7% emitindo
part´ıculas α. A cadeia de desintegrac¸a˜o ramifica-se assim
84Po
212 α //
82Pb
208
83Bi
212
66,3%
β
99ttttttttt
33,7%
α
%%J
JJ
JJ
JJ
JJ
81Ti
208
β
//
82Pb
208
Exemplo 1.1 : Um dos iso´topos do ra´dio tem uma meia-vida de 5
horas. Calcule sua vida me´dia.
λ =
ln 2
T1/2
=
0, 693
5× 3.600 s
= 3, 85 × 10−5 seg−1
Exemplo 1.2 : O produto do decaimento do 238U e´ 234Th. O processo
de decaimento e´
238U→ 234Th + α.
Calcule a energia cine´tica com a qual a part´ıcula sai.
A part´ıcula α sai do nu´cleo atoˆmico e portanto a energia cine´tica que
adquire prove´m da diferenc¸a de massas de repouso dos dois nu´cleos
inicial e final.
Q = (MU −MTh −mα)c
2
12 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
Olhando as massas desses nu´cleos numa tabela, teremos
Q = (221.697, 68 − 217.965, 99 − 3.727, 41) MeV = 4, 28 MeV
Essa, pore´m, na˜o e´ a energia cine´tica da part´ıcula α. Por queˆ? Por
causa da conservac¸a˜o de momento. O nu´cleo inicial tem momento
nulo. Isto quer dizer que o estado final tambe´m tem que ter momento
nulo, e portanto, existe um recuo do Th que custa energia, embora
seja praticamente impercept´ıvel dada a sua massa. Q e´ portanto a
energia cine´tica total do sistema, isto e´,
Q =
p2
2MTh
+
p2
2mα
,
onde p e´ o momento da part´ıcula α e que e´ igual ao do a´tomo de Th.
Dessa forma, colocando em evideˆncia a massa da part´ıcula α, temos
Q =
p2
2mα
(
1 +
mα
MTh
)
=
p2
2mα
(
1 +
4
A− 4
)
,
ou,
p2
2mα
=
Q(A− 4)
A
.
No problema em questa˜o, temos
p2
2mα
=
4, 28 . 234
238
≈ 4, 21 MeV.
Reac¸o˜es nucleares
Como escrevemos, em geral, uma equac¸a˜o que envolve nu´cleos atoˆmicos? A
equac¸a˜o deve ser balanceada no sentido que a soma dos ı´ndices inferiores
(nu´meros atoˆmicos) deve ser a mesma nos dois lados da equac¸a˜o; a soma dos
ı´ndices superiores (nu´meros de massa) tambe´m deve ser a mesma nos dois
lados da equac¸a˜o. Enta˜o, a equac¸a˜o de desintegrac¸a˜o radioativa prima´ria do
ra´dio e´
226
88 Ra→
222
86 Rn +
4
2He.
Muitos processos nucleares podem ser indicados por uma notac¸a˜o condensada
em que uma part´ıcula leve, usada como proje´til, e uma part´ıcula leve, produto
da reac¸a˜o, sa˜o representadas por s´ımbolos do nu´cleo inicial, usado como alvo,
e o nu´cleo final, produto da reac¸a˜o. Os s´ımbolos n, p, d, α, e− e γ sa˜o usados
para representar neˆutrons, pro´tons, deˆuterons (21H), part´ıculas alfa, ele´trons
1.2 Sobre a constituic¸a˜o da mate´ria 13
e raios gama (fo´tons), respectivamente. A seguir, temos exemplos de notac¸a˜o
longa e sua correspondente notac¸a˜o condensada para va´rias reac¸o˜es:
14
7 N +
1
1H→
11
6 C +
4
2He
14N(p, α)11C
55
25Mn +
2
1H→
55
26Fe + 2
1
0n
55Mn(d, 2n)55Fe
O neˆutron lento e´ um agente muito eficiente na produc¸a˜o de reac¸o˜es nucleares,
devido ao fato de na˜o sofrer repulsa˜o coulombiana e, portanto, na˜o repelido
pelos nu´cleos. O pro´ton, por ter carga, precisa ter uma energia cine´tica inicial
suficiente para vencer a barreira coulombiana.
Consideremos o nu´cleo 126 C. Seu nu´mero atoˆmico e´ 6 e, portanto, conte´m 6
pro´tons e 6 neˆutrons. Esse nu´cleo, como a maior parte dos nu´cleos leves (ate´
o ca´lcio, aproximadamente), tem o mesmo nu´mero de pro´tons e neˆutrons.
Ja´ nu´cleos mais pesados, como, por exemplo, o 20782 Pb, conteˆm mais neˆutrons
do que pro´tons (125 e 82, respectivamente). Esse fato, explica a estabilidade
dos nu´cleos atoˆmicos. Se fossem feitos apenas de pro´tons positivamente car-
regados, seria imposs´ıvelmanteˆ-los esta´veis (teorema de Earnshaw). Como
a forc¸a entre pro´tons e neˆutrons e´ de outra natureza – a forc¸a nuclear, atra-
tiva, contrariamente a` coulombiana – e´ poss´ıvel contrabalanc¸ar a repulsa˜o
coulombiana e estabilizar os nu´cleos.
Enta˜o, por que na˜o podemos ter nu´cleos “gigantes”, isto e´, de tamanhos
macrosco´picos? A raza˜o disto e´ que a forc¸a nuclear, embora mais intensa
que a coulombiana, e´ de curto alcance (∼ 1 fm = 10−15 cm). Portanto, um
novo pro´ton, acrescentado num dado nu´cleo esta´vel, vai sofrer a repulsa˜o
de todos os pro´tons, pore´m a atrac¸a˜o de apenas alguns neˆutrons. Dessa
forma, existe um limite a partir do qual a repulsa˜o coulombiana sobrepuja
a atrac¸a˜o nuclear. E´ tambe´m por isso que os nu´cleos mais pesados possuem
mais neˆutrons.
Exemplo 1.3 : O cobalto 60Co e´ frequ¨entemente usado como uma
fonte de radiac¸a˜o na Medicina. Sua meia-vida e´ de 5,25 anos. Quanto
tempo, apo´s o in´ıcio do uso de uma nova amostra, levara´ para a sua
atividade decrescer para cerca de 1/8 do seu valor inicial?
Em cada meia vida, metade do restante da amostra sofre decaimento.
Como 1
2
1
2
1
2
= 1
8
, treˆs meias-vidas, ou 15,75 anos sa˜o necessa´rios para
que a amostra decaia a 1/8 do seu valor inicial.
Exemplo 1.4 : A meia-vida do ra´dio e´ 1620 anos. Quantos a´tomos
de ra´dio decaem em 1 s em uma amostra de 1 g? (O peso atoˆmico do
ra´dio e´ 226 kg/kmol)
14 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
Nu´mero de pro´tons (Z)
N
u´
m
er
o
d
e
n
eˆu
tr
on
s
(N
)
6050403020100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
FIGURA 4 - Curva do nu´mero de neˆutrons em func¸a˜o do nu´mero de pro´tons
em nu´cleos esta´veis. Apenas os iso´topos mais abundantes foram considera-
dos.
Uma amostra de 1 g conte´m 1/226 mol a´tomos, ou seja,
N =
1
226
mol × 6, 02 × 1023
a´tomos
mol
= 2, 66 × 1021 a´tomos.
A constante de decaimento e´
λ =
0, 693
T 1/2
=
0, 693
(1620 anos)(3, 16 × 107 s/anos)
= 1, 35 × 10−11 s−1.
Enta˜o, de ∆N/∆t = λN , temos que
∆N = (1, 35×10−11 s−1)(2, 66×1021 a´tomos)(1 s) = 3, 6×1010 a´tomos
e´ o nu´mero de desintegrac¸o˜es por segundo em um grama de ra´dio.
Exemplo 1.5 : A idade das rochas: O uraˆnio 238 (23892 U) e´ radioativo
e decai emitindo as seguintes part´ıculas em sucessa˜o, antes de atin-
gir uma forma esta´vel: α, β, β, α, α, α, α, α, β, β, α, β, β e α. Qual o
nu´cleo final esta´vel?
O nu´cleo inicial emitiu 8 part´ıculas α e 6 β. Cada vez que uma
part´ıcula alfa e´ emitida, o nu´mero atoˆmico Z decresce de 2 e a massa
atoˆmica de 4. A part´ıcula beta carrega consigo uma carga negativa –
1.3 O que e´ eletricidade? 15
neste caso, a carga do nu´cleo aumenta de uma unidade. Enta˜o, temos
Zfinal = 92 + 6− 8× 2 = 82,
Afinal = 238 − 8× 4 = 206.
O nu´cleo final esta´vel e´ o 20682 Pb.
Podemos usar o resultado obtido acima para estimar a idade aproxi-
mada das rochas: o fato emp´ırico relevante para isto e´ que as rochas
mais antigas que conteˆm uraˆnio na Terra, conte´m uma mistura de
aproximadamente metade de 238U e metade de 206Pb. Ora, sabemos
que o 206Pb e´ o produto final da desintegrac¸a˜o do 238U. Sabendo,
ainda, que a meia-vida do uraˆnio 238 e´ aproximadamente 4, 5 × 109
anos, notamos que, aparentemente, metade do uraˆnio desintegrou-se
durante a existeˆncia da rocha. Portanto, a rocha deve ter sido formada
ha´ cerca de 4,5 bilho˜es de anos.
1.3 O que e´ eletricidade?
A observac¸a˜o de que existe atrac¸a˜o entre substaˆncias diferentes, quando estas
sa˜o atritadas, conduziu, naturalmente, a` ide´ia de que a eletricidade na˜o e´ uma
propriedade intr´ınseca das substaˆncias, mas, ao inve´s disso, algum tipo de
fluido, que e´ produzido ou transferido quando as substaˆncias sa˜o atritadas,
e que se espalha afetando objetos pro´ximos. Essa imagem foi reforc¸ada pela
descoberta por S. Gray (1667-1736) da conduc¸a˜o ele´trica. Em 1729, ele
anunciou que a “virtude ele´trica” (“electrical virtue”) de um tubo de vidro
atritado poderia ser transmitida a outros corpos, seja por contato direto ou
por um fio que conectasse os corpos, de forma a “fornecer ao outro corpo a
mesma propriedade de atrair ou repelir corpos leves como o tubo de vidro”.
Fica claro, enta˜o, que o que quer que a eletricidade fosse, ela podia ser
separada do corpo que a produziu. O problema ficou mais complicado apo´s
a descoberta de que corpos eletrizados poderiam atrair ou repelir outros
corpos eletrizados, levantando a questa˜o de haver dois tipos diferentes de
eletricidade.
Em 1733, o cientista franceˆs, C. F. de F. Dufay (1698-1738), observou que
pedac¸os de metal, que tivessem estado em contato com um tubo de vidro
eletrizado, sofreriam repulsa˜o, mas atrairiam pedac¸os de metal que tivessem
estado em contato com um pedac¸o de resina eletrizada. Concluiu, enta˜o, que
“existem dois tipos de eletricidade, muito diferentes uma da outra”. Chamou
uma delas de eletricidade v´ıtrea e a outra de resinosa. Mais tarde, esses dois
tipos de eletricidade foram considerados como dois tipos de fluidos ele´tricos,
16 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
FIGURA 5 - Franklin e seu filho realizando a famosa experieˆncia com pipa.
um v´ıtreo e um resinoso. Essa ide´ia de dois fluidos e´ consistente com todos
os experimentos feitos no se´culo XVIII, mas foi logo desafiada pela teoria de
W. Watson (1715-1787) e, enta˜o, por Benjamim Franklin (1706-1790).
Franklin fez experimentos com basto˜es de vidro e logo conclui que a eletri-
cidade consiste de um u´nico tipo de fluido. Fez a hipo´tese de que a mate´ria
conte´m eletricidade “como uma esponja”. Quando um tubo de vidro e´ atri-
tado com um pedac¸o de tecido de seda, uma parte da eletricidade da seda e´
transferida para o vidro, deixando uma deficieˆncia no tecido de seda. Essa
deficieˆncia de eletricidade seria o que, previamente, era considerado como
um outro tipo de eletricidade. Ele se referia a` deficieˆncia de eletricidade
como eletricidade negativa, e ao seu excesso como eletricidade positiva. A
quantidade de eletricidade possu´ıda por um corpo era chamada de carga.
Essa terminologia perdura ate´ hoje, embora os conceitos tenham mudado
bastante. Franklin tambe´m fez a hipo´tese fundamental de que a carga se
conserva. Ele achava que a eletricidade nunca e´ criada ou destru´ıda. Ela
apenas pode ser transferida.
1.3 O que e´ eletricidade? 17
FIGURA 6 - Tubo de raios cato´dicos usado por Ro¨ntgen.
1.3.1 Descargas ele´tricas e raios cato´dicos
Como ja´ discutimos relativamente sobre a radioatividade, existia um tipo de
radiac¸a˜o chamada de raios cato´dicos: ela e´ emitida por superf´ıcies meta´licas
quando uma voltagem era aplicada entre o ca´todo e o aˆnodo.
Havia duas correntes de pensamento acerca da natureza dos raios cato´dicos:
uma delas acreditava que se tratava de part´ıculas; a outra acreditava que
fossem um fenoˆmeno ondulato´rio que dependia do meio. A interfereˆncia
ondulato´ria era apoiada pela observac¸a˜o de que os raios cato´dicos podiam
atravessar folhas de metal sem serem defletidos. O conflito sobre a dualidade
onda-part´ıcula, como veremos, vai reaparecer 30 anos mais tarde, em outro
contexto!
Em 1885, J. H. Geissler (1815-1879) inventou uma bomba que permitia ex-
trair o ar de um tubo de vidro ate´ uma pressa˜o da ordem de 10−4 vez a
pressa˜o atmosfe´rica. Essa bomba foi usada entre 1858 e 1859 numa se´rie de
experimentos para estudar a conduc¸a˜o de eletricidade em gases a presso˜es
muito baixas. Esses experimentos foram feitos por J. Plu¨cker (1801-1868).
No seu arranjo experimental, duas placas de metal dentro de um tubo de ga´s
eram conectadas atrave´s de fios a uma fonte de alta tensa˜o. No entanto, esse
“va´cuo” na˜o era perfeito, e os cientistas foram levados a hipo´teses erroˆneas
sobre a natureza dos raios cato´dicos, comomais tarde se aprendeu tratar-se
de efeitos do ga´s residual dentro do tubo.
E´ nesse ponto que J. J. Thomson entra na histo´ria. O ingrediente funda-
mental que lhe permitiu a descoberta da natureza dos raios cato´dicos – os
18 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
FIGURA 7 - Tubo de raios cato´dicos usado por Thomson na determinac¸a˜o
da raza˜o carga-massa do ele´tron. c©The Science Museum, London.
ele´trons – foi o desenvolvimento de bombas a va´cuo 10 vezes mais eficientes
do que as anteriores (ptubo ∼ 10
−5 Pa).
1.3.2 A descoberta do ele´tron
Uma outra te´cnica desenvolvida nesse tempo e que se mostrou fundamental
para o sucesso da experieˆncia de Thomson foi a te´cnica necessa´ria para ob-
servar a deflexa˜o dos raios cato´dicos num campo ele´trico. Foi isso que levou,
finalmente, a` interpretac¸a˜o dor raios cato´dicos como part´ıculas carregadas
negativamente, os ele´trons.
O aparelho desenvolvido por Thomson e´ chamado hoje de espectroˆmetro de
massa. Ele usou esse aparelho para medir a raza˜o carga-massa do ele´tron.
A experieˆncia era feita da seguinte maneira (ver figura 7): uma corrente de
part´ıculas emitidas pelo ca´todo (C) atravessavam um colimador (A e B) e se
dirigiam a uma regia˜o onde havia um capacitor de placas paralelas (D e E) de
comprimento L, separadas por uma distaˆncia d. Uma voltagem conhecida V
era aplicada entre as placas, criando, assim, entre as placas, o campo ele´trico
| ~E| =
V
d
. (1.5)
O va´cuo dentro do tubo, como comentamos, era suficientemente bom para
1.3 O que e´ eletricidade? 19
que efeitos secunda´rios, devidos a coliso˜es com mole´culas de ar, pudessem ser
desprezados.
A acelerac¸a˜o do ele´tron na direc¸a˜o y e´ dada por
a =
F
m
=
qE
m
=
qV
md
, (1.6)
onde, na u´ltima expressa˜o, apenas a raza˜o q/m e´ desconhecida. O tempo
que o ele´tron leva para atravessar as placas e´
tp =
L
vx
, (1.7)
onde vx e´ a velocidade inicial do ele´tron, que permanece inalterada dentro
do campo ele´trico perpendicular a ela. A componente y da velocidade, vy,
no entanto, se altera e e´ dada por
vy = atp =
qV L
mdvx
⇒
q
m
=
dvyvx
V L
. (1.8)
Note que, se Thomson conseguisse medir vx e vy, teria determinado a relac¸a˜o
carga-massa.
Na˜o e´ imediato medir as velocidades vx e vy dos ele´trons, pelo menos na˜o di-
retamente. Thomson pensou num me´todo para determina´-las indiretamente.
Colocou um campo magne´tico constante perpendicular ao campo ele´trico e
ajustou sua intensidade de forma que na˜o houvesse deflexa˜o. Enta˜o,
qE = qvxB ⇒ vx =
E
B
=
V
dB
, (1.9)
o que determina vx em termos de quantidades conhecidas. A expressa˜o para
a relac¸a˜o carga-massa pode, enta˜o, ser reescrita como
q
m
=
d( vy
vx
)vx
2
V L
=
V tan θ
dLB2
, (1.10)
onde θ e´ o aˆngulo de deflexa˜o na auseˆncia de campo magne´tico. Thomson
determinou q/m. O valor encontrado por ele foi
q
m
≈ 1011 C/kg.
Essa raza˜o foi obtida para va´rios ca´todos compostos de materiais diferentes,
mostrando que todo material possu´ıa esse tipo de eletricidade em si.
20 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
Outra fonte de surpresa e´ que o nu´mero obtido para q/m e´ muito maior (treˆs
ordens de grandeza) do que os valores conhecidos para a´tomos ionizados. Isso
poderia estar acontecendo por duas razo˜es: ou a massa do ele´tron e´ muito
menor do que a dos ı´ons conhecidos, ou sua carga e´ muito maior, ou ambas as
coisas! A capacidade que os ele´trons teˆm para penetrar nos materiais levou
Thomson a concluir que a sua massa deveria ser muito menor do que os dos
ı´ons conhecidos.
Exemplo 1.6 : O campo ele´trico no espectroˆmetro de Thomson era
de 104 V/m e o aˆngulo de deflexa˜o dos ele´trons θ = 0, 10 rad apo´s
atravessar uma distaˆncia de 0,05 m na auseˆncia de campos. Calcule
a velocidade do ele´tron.
B =
√
E tan θ
L(q/m)
=
√
104 .0, 1
0, 05 .1, 76 × 1011
= 3, 4× 10−4 T
v =
E
B
=
104
3, 4 × 10−4
= 2, 9 × 107 m/s!
Note que, no exemplo acima, usamos q/m = 1, 76 × 1011 C/kg, 1,76 vez a
raza˜o encontrada por Thomson. Esse e´ o valor conhecido hoje, com me´todos
mais modernos.
1.3.3 Consequ¨eˆncias da descoberta do ele´tron
Apesar de ter medido apenas a raza˜o carga-massa, Thomson conjeturou que
“os ele´trons sa˜o constituintes fundamentais da mate´ria”. As observac¸o˜es
que o levaram a essa conclusa˜o foram as seguintes: havia uma universal-
idade na raza˜o q/m medida (o valor na˜o dependia das circunstaˆncias nas
quais eram feitas as medidas). Por exemplo, o material do ca´todo na˜o tinha
influeˆncia nessa raza˜o, embora com certeza afete vx. Variar as condic¸o˜es
externas tambe´m na˜o alterava os resultados.
Mas, se os ele´trons – part´ıculas negativamente carregadas – sa˜o constituintes
de toda mate´ria, e sabendo que a mate´ria e´ neutra, isso nos leva a concluir
que deve haver carga positiva tambe´m, como parte essencial da mate´ria.
∴
A estrutura do a´tomo comec¸a assim a ser descoberta. As descobertas que
se seguiram foram a do pro´ton e a do neˆutron. Com isso, temos todos
1.3 O que e´ eletricidade? 21
os ingredientes para compreender o a´tomo. Todas essas descobertas e a
compreensa˜o delas foram acontecendo mais ou menos ao mesmo tempo a
partir do in´ıcio do se´culo XX. A compreensa˜o completa da estrutura da
mate´ria so´ veio com o desenvolvimento completo da Mecaˆnica Quaˆntica.
Vamos a ela enta˜o? Bem-vindos ao se´culo XX.
22 1 Panorama histo´rico: a era pre´-quaˆntica
Cap´ıtulo 2
Fenoˆmenos que deram origem a`
mecaˆnica quaˆntica
No final do se´culo XIX, como discutido no cap´ıtulo anterior, havia um enorme
otimismo com relac¸a˜o a` F´ısica, devido aos desenvolvimentos tecnolo´gicos
provenientes da mesma. Havia, no entanto, treˆs questo˜es ainda na˜o resolvi-
das, embora alguns cientistas acreditassem que resolveˆ-las seria uma mera
questa˜o de acertar detalhes. Lord Kelvin era um desses cientistas, por ex-
emplo.
A primeira questa˜o relacionava-se a compreender a propagac¸a˜o da luz. A
propagac¸a˜o do som e de outras ondas conhecidas se da´ atrave´s de um meio
material. No entanto era dif´ıcil explicar como o calor do Sol podia chegar a`
Terra, atravessando um espac¸o vazio. A hipo´tese vigente era que esse espac¸o
era preenchido por um meio, ainda na˜o detectado, a que se dava o nome de
e´ter. A transmissa˜o de calor e´ feita por ondas eletromagne´ticas.
Como vimos no cap´ıtulo passado, acerca da experieˆncia de Thomson, era
poss´ıvel produzir excelente va´cuo em laborato´rio. Mas era igualmente poss´ı-
vel fazer a luz atravessar o va´cuo dentro desse tubo. Os cientistas acreditavam
que ali, na porc¸a˜o evacuada do tubo, ainda restava o e´ter, por onde a luz se
propagava.
Esse “pequeno” problema na˜o era apenas um detalhe. Sua soluc¸a˜o viria
revolucionar as noc¸o˜es vigentes de espac¸o e tempo, pois daria origem a` rela-
tividade e a` questa˜o de unificar a Mecaˆnica e a Eletrodinaˆmica.
O segundo “detalhe” referia-se a` descric¸a˜o teo´rica da radiac¸a˜o emitida por
corpos aquecidos, em particular, o radiador “ideal”, chamado de corpo negro.
A soluc¸a˜o desse problema deu origem a` F´ısica Quaˆntica. E o terceiro referia-
23
24 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
se ao calor espec´ıfico dos so´lidos a baixas temperaturas. A teoria cine´tica
preveˆ uma constante. No entanto, a natureza mostra outra coisa. A temper-
aturas baixas o calor espec´ıfico dos so´lidos vai a zero!
Faz-se necessa´rio, neste ponto, um esclarecimento sobre dois conceitos muito
importantes, devido a acontecimentos histo´ricos anteriores, que estavam bas-
tante arraigados ao dia-a-dia das pessoas na e´poca. O primeiro deles, o
Determinismo. Como afirmado por Laplace, em 1814, “todos os eventos,
mesmo aqueles que por serem muito pequenos parecemdesconectados das
leis da natureza, sa˜o na verdade uma sequ¨eˆncia ta˜o necessa´ria como as rev-
oluc¸o˜es do sol. Devemos olhar o esta´gio presente do universo como efeito
de seu esta´gio anterior e como causa daquele que seguira´.” Suas palavras
expressavam o fato de que o movimento de todos os corpos do universo eram
pre´-determinados, isto e´, eram regidos por leis determin´ısticas. Na e´poca
a´urea da Mecaˆnica Newtoniana, a concepc¸a˜o mecanicista levava a crer na
possibilidade de que todos os fenoˆmenos naturais (f´ısicos ou na˜o) podiam
ser previstos pelo esquema determin´ıstico da Mecaˆnica Newtoniana. O outro
conceito e´ o de Causalidade. Na Antiguidade, a palavra causa possu´ıa um
significado bem mais geral do que hoje. Referindo-se a Aristo´teles, por exem-
plo, a “Escola´stica” falava de quatro formas de “causa”: “causa formalis”,
que hoje em dia chamar´ıamos de conteu´do formal de uma coisa; a “causa
material”, a mate´ria da qual a coisa e´ feita; a “causa final”, que e´ o objetivo
de uma coisa; e “causa efficiens”, que e´ o significado mais parecido com o
que temos hoje.
Feita essa breve digressa˜o, voltemos, enta˜o, aos eventos que levaram ao surg-
imento da F´ısica Quaˆntica.
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro
2.1.1 Definic¸a˜o de um corpo negro
As primeiras pistas sobre a natureza da radiac¸a˜o vieram do estudo da ra-
diac¸a˜o te´rmica emitida por corpos opacos. Quando a radiac¸a˜o incide sobre
um corpo opaco, parte dela e´ refletida e o restante e´ absorvido. Corpos que
sa˜o coloridos refletem a maior parte da radiac¸a˜o vis´ıvel, ao passo que cor-
pos escuros absorvem a maior parte dessa radiac¸a˜o. O processo de absorc¸a˜o
ocorre da seguinte maneira: a radiac¸a˜o absorvida aumenta a energia cine´tica
dos a´tomos constituintes do corpo, os quais oscilam em torno de suas posic¸o˜es
de equil´ıbrio. Lembrando que a energia cine´tica me´dia dos a´tomos determina
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro 25
a temperatura me´dia do corpo, absorver radiac¸a˜o aumenta a temperatura do
corpo. Entretanto, os a´tomos conteˆm ele´trons que sa˜o oscilados por essa
radiac¸a˜o. Consequ¨entemente, como previsto pela teoria eletromagne´tica, os
a´tomos emitem radiac¸a˜o eletromagne´tica, o que reduz a energia cine´tica das
oscilac¸o˜es e tende a reduzir a temperatura. Quando a taxa de absorc¸a˜o for
igua a` taxa de emissa˜o, a temperatura fica constante e dizemos que o corpo
esta´ em equil´ıbrio te´rmico com o seu ambiente. Portanto, um bom absorvedor
e´ tambe´m um bom emissor de radiac¸a˜o.
A radiac¸a˜o eletromagne´tica emitida nestas circunstaˆncias e´ chamada radiac¸a˜o
te´rmica. A temperaturas usuais, a radiac¸a˜o te´rmica emitida por um corpo
na˜o e´ vis´ıvel e a maior parte da radiac¸a˜o esta´ concentrada em comprimentos
de onda muito maiores do que aqueles correspondentes a` luz vis´ıvel. Quando
o corpo e´ aquecido, a quantidade de radiac¸a˜o te´rmica aumenta e a ener-
gia emitida, em sua maior parte, sera´ em comprimentos de onda cada vez
menores. Em torno de 600-700◦C, ha´ energia suficiente no espectro vis´ıvel,
tal que o corpo brilha.
Um dos pioneiros a estudar o problema da emissa˜o te´rmica foi o f´ısico alema˜o
Gustav R. Kirchhoff (1824-1887), que se interessava pela emissa˜o te´rmica do
Sol e de outros corpos quentes. Kirchhoff descobriu que:
o poder de absorc¸a˜o e o poder de emissa˜o dos corpos sa˜o direta-
mente proporcionais.
Kirchhoff enta˜o imaginou um corpo ideal e que absorvesse 100% da radiac¸a˜o
incidente. Esse corpo, para ter tal poder de absorc¸a˜o, deveria ser negro. Mas
pela proporcionalidade deveria tambe´m emitir 100%. Assim, introduziu a
definic¸a˜o de Corpo Negro, como todo corpo capaz de absorver toda radiac¸a˜o
nele incidente para cada frequ¨eˆncia, bem como emitir toda radiac¸a˜o te´rmica
que produz.
2.1.2 Primeiras experieˆncias
Como conseguir um corpo negro na pra´tica? Foi o pro´prio Kirchhoff que
sugeriu que, para estudar a emissa˜o te´rmica de um corpo negro ideal, poderia-
se usar uma cavidade com um pequeno orif´ıcio, por onde a radiac¸a˜o externa
entrasse, e, depois, ficasse “presa”, pois era pouco prova´vel que a radiac¸a˜o
escapasse pelo pequeno orif´ıcio sem ter sofrido absorc¸a˜o (ver Fig. 8).
Outro fato experimental importante, descoberto por ele, em 1859, foi o
seguinte: a emissa˜o da radiac¸a˜o e´ a mesma para va´rios corpos em equil´ıbrio
26 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
FIGURA 8 - Cavidade com orif´ıcio para estudo da emissa˜o te´rmica.
te´rmico, independentemente do material constituinte, da massa, do volume,
forma etc; depende apenas da temperatura do corpo.
Em 1865, John Tyndall (1820-1893) fez experimentos com fios de platina
aquecidos e descobriu que a emissa˜o a 1200◦C era 11,7 vezes maior do que
a emissa˜o a 525◦C. Josef Stefan (1835-1893), analisando apenas este exper-
imento e os u´nicos dois dados, percebeu que essa relac¸a˜o era a mesma que
a quarta poteˆncia da raza˜o entre as duas temperaturas (em Kelvin), isto e´,
1200◦C = 1473 K e 525◦C = 798 K, enta˜o,
(
1473
798
)4
= 11, 7, a mesma proporc¸a˜o
por ele observada relativa a` emissa˜o. Com base apenas nesse experimento e
por achar a coincideˆncia extremamente significativa, concluiu que a emissa˜o
de qualquer corpo e´ proporcional a T 4.
Em 1884, Ludwig Boltzmann (1844-1906), aluno de Stefan, usando argumen-
tos termodinaˆmicos, demonstrou que a radiaˆncia, ou poder emissivo de um
corpo, definida como a poteˆncia irradiada por unidade de a´rea, e´ dada pela
equac¸a˜o
R = εσT 4, (Lei de Stefan-Boltzmann) (2.1)
onde σ = 5, 67 × 10−8 W/m2K4, e ε e´ uma caracter´ıstica de cada corpo,
chamada emissividade. Para um radiador ideal (corpo negro), ε = 1, mas
para outras superf´ıcies de objetos comuns, a emissividade e´ sempre menor
do que a unidade e quase sempre uma func¸a˜o da temperatura.
Exemplo 2.1 : Estime a poteˆncia irradiada, a` temperatura ambiente,
por um objeto cuja superf´ıcie e´ 1 m2.
Pela definic¸a˜o de radiaˆncia, temos que a poteˆncia irradiada e´
P = R ·A = σT 4A,
onde A e´ a´rea do objeto e consideramos a emissividade igual a 1. Logo,
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro 27
temos
P = 5, 67 × 10−8 W/m2K4(297 K)4 1 m2 = 441W.
A pro´xima descoberta importante foi a determinac¸a˜o experimental de como
o tipo de radiac¸a˜o se altera com a temperatura. A radiac¸a˜o te´rmica pode ser
separada em faixas de frequ¨eˆncias (ou comprimentos de onda). Assim, foi
obtida a chamada curva espectral , isto e´, um gra´fico relacionando a intensi-
dade da radiac¸a˜o com o comprimento de onda da mesma para temperaturas
fixas.
Em 1894, o f´ısico alema˜o Wilhelm Wien (1864-1928) fez uma demonstrac¸a˜o
teo´rica extremamente elegante, na qual prova que, se soubermos a forma
da curva espectral da radiac¸a˜o te´rmica a uma dada temperatura, podemos
encontrar as curvas para qualquer outra temperatura. Segundo Wien, e´
verificado empiricamente tambe´m que,
1. o ma´ximo do gra´fico depende da temperatura da cavidade;
2. as curvas obtidas teˆm sempre a mesma forma, independentemente do
material que constitui a cavidade.
0
10
20
30
40
50
60
70
0.0 1.0 2.0 3.0 4.0 5.0
d
R
/
d
λ
(W
/
cm
2
·
µ
m
)
λ (µm)
1600 K
1800 K
2000 K
2200 K
FIGURA 9 - Curvas espectrais para a radiac¸a˜o de uma cavidade a diferentes
temperaturas. Note que a` medida que a temperatura aumenta, o compri-
mento de onda correspondente ao ma´ximo da radiaˆncia se desloca para os
valores menores.
28 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
Verificou-se que
λmaxT = 2898 µm·K. (Lei do deslocamento de Wien) (2.2)
A Lei de Stefan-Boltzmann nos mostra que a quantidade de radiac¸a˜o emitida
por um corpo aumenta muito rapidamente a` medida que a temperatura se
eleva. Verifica-se tambe´m que o tipo de radiac¸a˜o se altera: a temperaturasate´ a`s proximidades de 1000 K, a maior parte das radiac¸o˜es emitidas sa˜o in-
vis´ıveis; quando a temperatura atinge cerca de 2000 K, a radiac¸a˜o ja´ e´ vis´ıvel,
e a tonalidade da emissa˜o e´ avermelhada; perto dos 3000 K (temperatura de
um filamento incandescente), a cor e´ amarelada; a 5500 K (temperatura da
superf´ıcie do Sol), o corpo emite luz com tonalidade do branco intenso; e
acima de 104 K (temperatura de algumas estrelas muito quentes), a cor do
corpo emissor torna-se azulada.
Exemplo 2.2 : Fazendo-se a luz do Sol passar por um prisma e
medindo a intensidade da energia para diversas frequ¨eˆncias, obtemos
uma curva espectral. O pico da curva corresponde a` frequ¨eˆncia de
5, 6× 1014 Hz. Qual deve ser a temperatura da superf´ıcie do Sol?
Usando a expressa˜o (2.2), temos que
λmaxT = 2898 µm·K
T =
2898 µm·K
λmax
=
νmax
c
2898 µm·K
T = 5.500 K.
Exemplo 2.3 : A taxa na qual a energia que vem do Sol atinge
uma unidade de a´rea na superf´ıcie da Terra e´ chamada de constante
solar e vale S = 1350 W/m2. Sabendo-se que a distaˆncia Terra-Sol e´
D = 1, 50×1011 m e que o raio do Sol e´ RS = 6, 96×10
8 m, determine
a temperatura na superf´ıcie do Sol.
A poteˆncia total produzida pelo Sol, ou luminosidade solar LS, e´ cal-
culada a partir da constante solar e da distaˆncia Terra-Sol:
LS = 4piD
2S = 3, 83 × 1026 W.
Se fizermos a hipo´tese muito simples de que o Sol e´ um radiador
te´rmico ideal, enta˜o podemos usar a lei de Stefan-Boltzmann para
calcular a temperatura na superf´ıcie do Sol. A poteˆncia total por
unidade de a´rea, R, irradiada pelo Sol e´ a luminosidade dividida pela
a´rea da superf´ıcie do Sol:
R =
LS
4piR2S
= S
(
D
RS
)2
= 6, 27 × 107 W/m2.
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro 29
Por fim, usando a Lei de Stefan-Boltzmann, obtemos
T =
(
R
σ
)1/4
≈ 5800 K.
Como essa energia e´ irradiada a partir da superf´ıcie do Sol, a tem-
peratura estimada acima e´ a temperatura da superf´ıcie do Sol – a
temperatura no seu interior e´ muito maior.
A radiac¸a˜o que atinge a Terra vem de aproximadamente um intervalo de
500 km da superf´ıcie solar. Nessa regia˜o, a temperatura varia de 4300 K a
6600 K. A figura 10 mostra o espectro solar medido sobre a estratosfera e
ao n´ıvel do mar. Nela, podemos ver que o espectro solar se assemelha muito
ao espectro de um corpo negro a 5900 K. A radiac¸a˜o que atinge a superf´ıcie
da Terra na˜o tem um espectro liso devido a` absorc¸a˜o na atmosfera terrestre,
especialmente por mole´culas de a´gua – a a´gua e´ especialmente eficaz na
absorc¸a˜o da radiac¸a˜o solar exceto na regia˜o do vis´ıvel. O espectro solar tem
um ma´ximo de poteˆncia irradiada para um comprimento de onda em torno
de 500 nm, que fica na regia˜o do vis´ıvel. Isto significa, na verdade, que os
nossos olhos se adaptaram a esse comprimento de onda no curso de nossa
evoluc¸a˜o, para obter a ma´xima eficieˆncia de visa˜o diurna.
2.1.3 Descric¸a˜o cla´ssica
Vamos considerar uma cavidade com um pequeno orif´ıcio como aquela imag-
ina por Kirchoff. Quando a radiac¸a˜o atinge um equil´ıbrio te´rmico, enta˜o
o campo eletromagne´tico dentro da cavidade na˜o varia e a radiaˆncia por
unidade de frequ¨eˆncia, dR/dν, independe da direc¸a˜o dos raios de luz. O
campo de radiac¸a˜o torna-se isotro´pico e independente da forma da cavidade
ou do material das paredes. Se isto na˜o fosse verdade, poder´ıamos violar a se-
gunda da lei da termodinaˆmica! Imagine que introduzimos um pequeno disco
na cavidade, a` mesma temperatura que as paredes da cavidade. Este disco
aqueceria se o plano do disco fosse colocado perpendicularmente a` direc¸a˜o
na qual dR/dν for maior.
Tambe´m podemos concluir, baseados apenas na segunda lei da Termodinaˆmica,
que o campo de radiac¸a˜o e´ independente das coordenadas espaciais. Se na˜o
fosse esse o caso, pequenos objetos colocados em pontos diferentes da cavi-
dade se termalizariam a temperaturas diferentes. Novamente, isto contradiz
a segunda lei da Termodinaˆmica.
Suponhamos, enta˜o, um corpo negro mergulhado numa fonte a` temperatura
T . Como e´ o processo de absorc¸a˜o e emissa˜o da radiac¸a˜o pela mate´ria das
30 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
FIGURA 10 - Espectro solar – Fonte: Cieˆncia Hoje.
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro 31
paredes da cavidade? Vamos supor que os a´tomos que constituem o mate-
rial sejam osciladores harmoˆnicos carregados. A radiac¸a˜o eletromagne´tica
estaciona´ria esta´ em equil´ıbrio com esses osciladores que, uma vez atingidos
por uma onda eletromagne´tica, va˜o receber energia da mesma e oscilar na
mesma frequ¨eˆncia. O processo de emissa˜o ocorre de forma semelhante. Sabe-
mos que toda carga acelerada irradia e, portanto, essa energia sera´ devolvida
ao campo.
Vamos, enta˜o, calcular a poteˆncia irradiada a uma dada frequ¨eˆncia pelo corpo
negro. Dentro do contexto de nosso modelo, essa poteˆncia deve ser propor-
cional ao nu´mero de ondas ou osciladores com essa frequ¨eˆncia. Como as
dimenso˜es da cavidade sa˜o muito maiores do que os comprimentos de onda
envolvidos, as frequ¨eˆncias harmoˆnicas no seu interior esta˜o muito pro´ximas
e podemos supor que haja um cont´ınuo de frequ¨eˆncias. O nu´mero de ondas
poss´ıveis num intervalo de frequ¨eˆncia ν e ν + dν e´ proporcional ao volume
de uma camada esfe´rica 4piν2dν. Teremos, portanto, que o nu´mero de os-
ciladores com uma frequ¨eˆncia entre ν e ν + dν e´
n(ν)dν ∼ ν2dν . (2.3)
Pelo princ´ıpio de equipartic¸a˜o, por sua vez, a energia me´dia de cada onda e´
kBT – kB e´ constante de Boltzmann e T a temperatura absoluta – e, portanto,
independente da frequ¨eˆncia (depende apenas da amplitude da onda, asim
como a energia de um oscilador harmoˆnico
1 ). Assim, a radiaˆncia a uma certa frequ¨eˆncia e´ proporcional ao produto do
nu´mero de ondas vezes a energia de cada onda, isto e´,
dR
dν
dν ∝ kBTν
2dν . (2.4)
Em termos de comprimento de onda, temos
dR
dλ
dλ ∝
kBT
λ4
dλ , (2.5)
onde usamos que λν = c.
1Considere um oscilador harmoˆnico cla´ssico. Sua coordenada sera´ dada por x(t) =
A cos(ωt + δ) e, por conseguinte, seu momento, por p(t) = mx˙(t) = −mωA sin(ωt + δ). A
energia sera´, enta˜o
E =
p2
2m
+
1
2
kx2 =
1
2
mω2A2 sin2(ωt + δ) +
1
2
kA2 cos2(ωt + δ) .
Mas ω =
√
k/m, e portanto E = A2. Este resultado tambe´m e´ va´lido para energia das
ondas eletromagne´ticas cla´ssicas.
32 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
Esse espectro, descrito em termos de frequ¨eˆncias por dR/dν ou em termos de
comprimentos de onda por dR/dλ, corresponde a` lei de Rayleigh-Jeans, e con-
corda perfeitamente com toda a teoria do eletromagnetismo e termodinaˆmica,
tendo sido deduzida usando apenas argumentos muito gerais de ambas. Aqui
aparece a “pequena dificuldade” mencionada por ilustres f´ısicos no final do
se´culo XIX: quando λ → 0, a radiaˆncia (e portanto a energia do corpo ne-
gro) diverge, vai para o infinito. Esta e´ a famosa “cata´strofe do ultravioleta”.
Experimentalmente, a energia e´ finita, e portanto, chegamos a um absurdo.
A F´ısica e´ uma cieˆncia emp´ırica por definic¸a˜o e, enta˜o, chega-se a um ponto
onde uma das duas (ou talvez ambas!) teorias mais consagradas ate´ enta˜o
tem de ser profundamente alterada.
2.1.4 Planck e a quantizac¸a˜o da energia
Max Planck (1858-1947), em 1900, descobriu matematicamente como evitar
essa cata´strofe. Ao contra´rio de Einstein, Plack era um f´ısico muito con-
servador (ate´ para a e´poca!) e buscou, de um ponto de vista puramente
formal, quais seriam as modificac¸o˜es necessa´rias a` teoria vigente para con-
seguir acordo com a experieˆncia.
Vimos que, classicamente, para uma dada frequ¨eˆncia ν, a energia das ondas
estaciona´rias (ou dos osciladores) variava de modo cont´ınuo e dependia ape-
nas da intensidade da onda (ou da amplitudedos osciladores). Planck notou
imediatamente que era necessa´rio encontrar um mecanismo para reduzir a
contribuic¸a˜o de frequ¨eˆncias elevadas (comprimentos de onda pequenos) e,
assim, evitar a “cata´strofe do ultravioleta”. A proposta de Planck, enta˜o, foi
que a energia de osciladores no mundo microsco´pico tinha que ser propor-
cional a` frequ¨eˆncia,
� = hν , (2.6)
onde h e´ uma constante, o que faria diminuir o peso das grandes frequ¨eˆncias
pelo seguinte motivo. Um dos argumentos que usamos para deduzir a ex-
pressa˜o (2.5) foi que cada frequ¨eˆncia deveria contribuir com uma energia
me´dia kBT . Vamos mergulhar um pouco mais profundamente neste resul-
tado. Como ele e´ obtido?
Da termodinaˆmica, temos que a probabilidade de encontrar algum sistema
com energia �, estando este u´ltimo em equil´ıbrio com um ambiente a` tem-
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro 33
peratura T e´2
P (�) =
e−�/kBT∫
e−�/kBT d�
=
e−�/kBT
kBT
. (2.7)
A deduc¸a˜o da Equac¸a˜o de Boltzmann pode ser encontrada em qualquer bom
livro de Termodinaˆmica3 e seu conteu´do f´ısico e´ o seguinte: energias de con-
figurac¸o˜es do sistema de muitas part´ıculas que sa˜o pequenas comparadas com
kBT sa˜o favorecidas e aquelas muito maiores do que kBT sa˜o suprimidas, pois
a energia me´dia dessa distribuic¸a˜o e´ kBT ,
〈�〉 =
∫
∞
0
� e−�/kBT d�
kBT
= kBT , (2.8)
que foi precisamente o resultado usado na deduc¸a˜o da radiaˆncia por unidade
de frequ¨eˆncia.
Planck notou tambe´m, imediatamente, que se a energia me´dia for medida por
uma integral (i.e., energias cont´ınuas) nada seria modificado. Para suprimir
as frequ¨eˆncias altas, ele supoˆs, enta˜o, que, para uma dada frequ¨eˆncia, a
variac¸a˜o da energia seria feita em saltos diretamente proporcionais a` frequ¨eˆncia,
� = nhν , n ∈ N, (2.9)
onde h e´ a famosa constante de Planck, obtida pelo ajuste de sua expressa˜o
final aos dados experimentais (h = 6, 63× 10−34 J · s).
Quais as consequ¨eˆncias dessa hipo´tese para o valor me´dio da energia? O peso
estat´ıstico relativo a uma configurac¸a˜o de osciladores seria proporcional a
P (�) ∼ e−nhν/kBT , (2.10)
suprimindo assim, automaticamente, as frequ¨eˆncias altas.
O racioc´ınio seguido por Planck foi, enta˜o, o seguinte: no caso cla´ssico deve-
mos considerar uma infinidade de osciladores excitados. No modelo de Planck
ha´ cada vez menos osciladores excitados a considerar a` medida que cresce
a frequ¨eˆncia. Isto faz diminuir a energia me´dia dos osciladores e elimina a
divergeˆncia, como veremos.
2A deduc¸a˜o da Lei de Boltzmann encontra-se no Ap. A, e a deduc¸a˜o cla´ssica rigorosa
no Ap. B.
3Por exemplo: Herbert B. Callen, Termodynamics and an introduction to thermostatis-
tics, New York:John Willey, 1985
34 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
Discussa˜o sobre as consequ¨eˆncias desse resultado
1. Note que para deduzir a expressa˜o (B.20) apenas usamos resultados
completamente gerais do eletromagnetismo e da termodinaˆmica: a
equac¸a˜o de onda, consequ¨eˆncia direta das equac¸o˜es de Maxwell, e a
considerac¸a˜o geral de que a energia me´dia emitida ou irradiada e´ kBT ,
resultado geral da termodinaˆmica. Esse fato faz que qualquer dis-
crepaˆncia entre a observac¸a˜o e a teoria se torne grave e na˜o seja um
mero detalhe de modelos espec´ıficos, ate´ porque, como vimos na sec¸a˜o
anterior, os resultados experimentais tambe´m apontam na direc¸a˜o de
um fenoˆmeno universal, independente de aspectos espec´ıficos do mate-
rial, forma do corpo etc.
2. Sobre a discrepaˆncia conhecida como “cata´strofe do ultravioleta” (veja
a figura 11) note que, a partir de comprimentos de onda da ordem do
vis´ıvel, a diferenc¸a entre os dados experimentais e a predic¸a˜o teo´rica
aumenta radicalmente. Ale´m disso, a teoria preveˆ uma energia total
(a´rea sob a curva ou integral de dR/dλ sobre todo o espectro) infinita!
Sabemos que isto na˜o e´ verdade, e, portanto, existe algo errado no
modelo que fizemos, que e´ completamente geral e compat´ıvel com F´ısica
Cla´ssica. O queˆ?
Ajustes emp´ıricos a` forma das curvas experimentais mostram que estas,
para comprimentos de onda pequenos, se comportam da seguinte forma:
dR
dλ
=
a e−b/λT
λ5
, (Fo´rmula emp´ırica de Wien) (2.11)
em que a e b sa˜o constantes.
A figura 11 mostra uma comparac¸a˜o entre os dados experimentais obtidos e
a fo´rmula cla´ssica de Rayleigh-Jeans e a equac¸a˜o emp´ırica de Wien. Vemos
que na regia˜o de comprimentos de onda pequenos – menores que o vis´ıvel –, a
fo´rmula de Wien ajusta-se perfeitamente aos dados, enquanto a de Rayleigh-
Jeans diverge radicalmente da experieˆncia, levando inclusive a` previsa˜o de
uma quantidade infinita de energia dentro da cavidade, obtida por integrac¸a˜o
em λ (a´rea sob o gra´fico). Esta e´ a chamada cata´strofe do ultravioleta.
No entanto, podemos observar no quadro menor que, para comprimentos
de onda maiores, a fo´rmula de Rayleigh-Jeans se ajusta melhor aos dados
experimentais do que a equac¸a˜o de Wien.
A situac¸a˜o antes de Planck, enta˜o, era a seguinte: a F´ısica cla´ssica da´ uma
excelente descric¸a˜o da radiac¸a˜o para grandes comprimentos de onda; existia
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro 35
λ (µm)
T = 2000K
d
R
/d
λ
(W
/c
m
2
µ
m
)
108.06.04.02.00
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
FIGURA 11 - Comparac¸a˜o entre os dados experimentais (pontos) e os ajustes
feitos pela fo´rmula emp´ırica de Wien (linha cheia) e a de Rayleigh-Jeans
(linha pontilhada). O quadro em destaque mostra uma ampliac¸a˜o da curva
no limite de grandes comprimentos de onda, onde notamos a validade da
fo´rmula de Rayleigh-Jeans.
36 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
uma fo´rmula emp´ırica (sem respaldo teo´rico) para os comprimentos de onda
pequenos; mas na˜o havia uma descric¸a˜o completa da curva – por falta de
F´ısica.
O ca´lculo de Planck
Vamos reproduzir o ca´lculo de Planck. Para isso, alteramos a hipo´tese de
Boltzmann, supondo, enta˜o, que a func¸a˜o de distribuic¸a˜o para os osciladores
seja discreta
pn = C e
−�n/kBT = C e−nhc/λkBT , (2.12)
com n inteiro na˜o negativo. A energia me´dia e´
〈�〉 =
∞∑
n=0
pn �n
∞∑
n=0
pn
=
∞∑
n=0
(nhc/λ) e−nhc/λkBT
∞∑
n=0
e−nhc/λkBT
. (2.13)
Fac¸amos a seguinte transformac¸a˜o de varia´veis
x ≡
hc
λkBT
e y ≡ e−x .
Enta˜o, o denominador da expressa˜o acima pode ser facilmente calculado:
∞∑
n=0
e−nhc/λkBT =
∞∑
n=0
e−nx = 1 + y + y2 + · · · =
1
1− y
. (2.14)
Para calcular o numerador, note que
d
dx
e−nx = −n e−nx,
e assim, o numerador pode ser escrito como
∞∑
n=0
(nhc
λ
)
e−nhc/λkBT = −
hc
λ
d
dx
∞∑
n=0
e−nx = −
hc
λ
d
dx
(
1
1− e−x
)
=
hc
λ
[
e−x(
1− e−x
)2
]
.
(2.15)
Combinando os resultados obtidos para o numerador e denominador, obtemos
finalmente
〈�〉 =
(hc
λ
) 1
ehc/λkBT −1
. (2.16)
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro 37
Enta˜o, a poteˆncia irradiada por a´rea e comprimento de onda pode ser obtida
pela fo´rmula de Rayleigh-Jeans (vide Eq. (B.20) do Ap. B), introduzindo a
expressa˜o nova de Planck para a energia me´dia:
dR
dλ
=
2pihc2
λ5(ehc/λkBT −1)
. (2.17)
Esta e´ a fo´rmula descoberta por Planck. Ela conte´m o resultado cla´ssico
no limite de grandes comprimentos de onda. Nesse limite (hc/λ � kBT ),
podemos expandir a exponencial da forma
ehc/λkBT ≈ 1 +
hc
λkBT
,
e obtemos, da fo´rmula de Planck,
dR
dλ
=
2pic
λ4
kBT,
que e´ simplesmente a fo´rmula de Rayleigh-Jeans.
Ja´ para pequenos comprimentos de onda, a exponencial domina o denomi-
nador, e podemos fazer a aproximac¸a˜o
ehc/λkBT −1 ≈ ehc/λkBT ,
com o que obteremos
dR
dλ
=
2pihc2
λ5
e−hc/λkBT . (2.18)
Se compararmos com a expressa˜oemp´ırica obtida por Wien, obtemos um
valor para a constante h, que ficou conhecida como constante de Planck:
b =
hc
k
⇒ h = 6, 63× 10−34 J·s = 4, 14× 10−15 eV·s. (2.19)
Em termos de frequ¨eˆncia, a fo´rmula de Planck se escreve como
dR
dν
= −
dR
dλ
dλ
dν
. (2.20)
(O sinal negativo e´ apenas para que a integrac¸a˜o seja feita de 0 a ∞, como
para dR/dλ.)
Lembrando que λ = c/ν, temos
dR
dν
=
2pihc2
(c/ν)5(ehν/kBT −1)
c
ν2
=
2pi
c2
hν3
ehν/kBT −1
.
(2.21)
38 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
A fo´rmula obtida por Planck, portanto, interpola com sucesso entre a dis-
tribuic¸a˜o de Rayleigh-Jeans – que funciona para comprimentos de onda grandes
– e a expressa˜o emp´ırica de Wien – adequada para comprimentos de onda
pequenos.
Podemos tambe´m, a partir das equac¸o˜es (2.17) e (2.21), obter as leis de
Stefan-Boltzmann (Eq. (2.1)) e do deslocamento de Wien (Eq. (2.2)), como
segue. Primeiramente, integrando (2.21), temos a radiaˆncia total dada por
R =
∫
∞
0
dR
dν
dν =
2pih
c2
∫
∞
0
ν3
ehν/kBT −1
dν.
Fazendo a substituic¸a˜o x = hν/kBT , e usando o resultado conhecido para a
integral ∫
∞
0
x3
ex−1
dx =
pi4
15
,
temos
R =
2pik4T 4
h3c2
∫
∞
0
x3
ex−1
dx =
2pi5k4T 4
15h3c2
≡ σT 4,
onde σ = (2pi5k4)/(15h3c2) = 5, 67× 10−8 W/m2K4.
Para encontrar o ma´ximo da curva de radiac¸a˜o, devemos derivar (2.17) em
relac¸a˜o a λ e igualar a zero. Fazendo isso, encontramos
2pihc2
λ5(ehc/λkBT −1)
(
−
5
λ
+
hc
λ2kBT
ehc/λkBT
ehc/λkBT −1
)
= 0.
Temos duas soluc¸o˜es triviais correspondendo a λ = 0,∞. A soluc¸a˜o na˜o triv-
ial corresponde ao termo entre pareˆnteses igual a zero. Fazendo novamente
a substituic¸a˜o x = hc/λkBT , encontramos
x
ex
ex−1
= 5 ou (5− x) ex = 5,
que e´ uma equac¸a˜o transcendental. A soluc¸a˜o nume´rica para essa equac¸a˜o e´
x0 = 4, 965. Da´ı encontramos que
λma´xT =
hc
x0k
= 2898 µm·K .
Chamamos a atenc¸a˜o neste ponto que o ma´ximo da curva dR/dλ corresponde
a uma frequ¨eˆncia (ou comprimento de onda) diferente daquele correspon-
dente ao ma´ximo da curva dR/dν. Isso se deve ao fato de λ e ν na˜o serem
diretamente proporcionais (veja exerc´ıcio 2.5).
2.1 Radiac¸a˜o de um corpo negro 39
Como consequ¨eˆncia importante desse desenvolvimento, lembremos que a ex-
pressa˜o extremamente precisa obtida por Planck foi deduzida a partir de
uma hipo´tese que na˜o cabe dentro da teoria cla´ssica, isto e´, uma relac¸a˜o
entre energia e frequ¨eˆncia.
Exemplo 2.4 : Calcule a proporc¸a˜o de energia emitida por um corpo
negro a T = 2.000K em duas faixas de largura 100A˚, uma centrada
em 5.000A˚ (vis´ıvel) e a outra em 50.000A˚.
Sejam λ1 = 5.000A˚, λ2 = 50.000A˚ e ∆λ = 50A˚. Enta˜o, queremos
calcular
W =
∆Eλ2
∆Eλ1
=
1
V
∫ λ2+∆λ
λ2−∆λ
∣∣∣∣dEdλ
∣∣∣∣dλ
/
1
V
∫ λ1+∆λ
λ1−∆λ
∣∣∣∣dEdλ
∣∣∣∣ dλ
'
dE
dλ
∣∣∣∣
λ=λ2
/
dE
dλ
∣∣∣∣
λ=λ1
Como dR/dλ e´ proporcional a dE/dλ a menos de constantes, temos
que
W =
dR/dλ|λ=λ2
dR/dλ|λ=λ1
=
λ51(e
hc/λ1kBT −1)
λ52(e
hc/λ2kBT −1)
= 5.66 .
2.1.5 Radiac¸a˜o de corpo negro co´smica
Recentemente, a radiac¸a˜o de corpo negro ganhou importaˆncia especial. No
final dos anos 1940, George Gamow (seguido por R. Alpher e H. Bethe) inves-
tigou algumas consequ¨eˆncias do modelo “Big-Bang” da criac¸a˜o do Universo.
Uma dessas consequ¨eˆncias foi que a radiac¸a˜o remanescente da intensa ra-
diac¸a˜o inicial deveria estar presente ate´ hoje na forma de radiac¸a˜o de corpo
negro. Ca´lculos prevendo tal campo de radiac¸a˜o numa temperatura de 25 K
se mostraram inadequados. Ate´ 1964, na˜o havia sido feita nenhuma tentativa
para medir essa radiac¸a˜o. Enta˜o, A. A. Penzia e R. W. Wilson descobriram
um ru´ıdo te´rmico forte usando um detector ra´dio-astronoˆmico, e a partir da´ı
cresceu o interesse nessas medidas.
Um grupo liderado por R. H. Dicke efetuou essas medidas e percebeu ime-
diatamente o significado do ru´ıdo te´rmico: corresponde a` radiac¸a˜o de corpo
negro proveniente de uma temperatura de 2, 65± 0, 09 K. Essas medidas na˜o
teˆm nada de simples, devido a outros sinais que se superpo˜em a este. Em
1945, Dicke teve a ide´ia de construir um receptor de ra´dio que oscilava entre
o ce´u e um banho de he´lio l´ıquido 100 vezes por segundo. O sinal do recep-
tor e´ assim filtrado – apenas sinais que variem com a frequ¨eˆncia de 100 Hz
40 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
Luz
ultravioleta
placa de
metal
FIGURA 12 - Eletrosco´pio de folhas sendo carregado via interac¸a˜o com a
luz.
sa˜o medidos. Eles representam a diferenc¸a entre a radiac¸a˜o proveniente do
espac¸o e do he´lio l´ıquido. A componente atmosfe´rica da radiac¸a˜o pode ser
separada variando a posic¸a˜o do aparelho de medida.
A verificac¸a˜o experimental da radiac¸a˜o a` temperatura prevista pelos ca´lculos
de Dicke e colaboradores e´ hoje um dos argumento mais fortes a favor da
teoria do Big-Bang.
2.2 Efeito fotoele´trico
Ao final do se´culo XIX ja´ se conhecia o fenoˆmeno de que alguns eletrosco´pios
podiam ser descarregados quando iluminados por luz, especialmente luz ul-
travioleta. No entanto, na˜o havia explicac¸a˜o cla´ssica para o fenoˆmeno, de-
nominado efeito fotoele´trico – da mesma forma, um eletrosco´pio poderia ser
carregado quanto iluminado por luz ultravioleta (veja Fig. 12).
Quando Heinrich Hertz (1857-1894) conseguiu gerar e captar ondas eletro-
magne´ticas previstas por Maxwell, ele percebeu que o aparecimento de fa´ıscas
no transmissor aumentava a sensibilidade do detector. Hertz verificou que
uma descarga entre dois eletrodos ocorre mais facilmente quando se faz incidir
2.2 Efeito fotoele´trico 41
– +
V
Correntee
−
fo´tons
FIGURA 13 - Circuito esquema´tico do efeito fotoele´trico.
sobre um deles luz ultravioleta. Ironicamente, o efeito fotoele´trico por ele de-
scoberto e considerado como uma “observac¸a˜o de menor importaˆncia” levou
a uma reformulac¸a˜o completa no conhecimento das ondas eletromagne´ticas,
demonstradas no mesmo experimento.
O que e´, afinal, o efeito fotoele´trico? E´ o fato de que energia eletromagne´tica,
seja na forma de raios X, luz ultravioleta ou luz comum incidindo sobre
metais, provoca a ejec¸a˜o de ele´trons de suas superf´ıcies.
Como a teoria cla´ssica explica esse fenoˆmeno? Ela sugere que a luz inci-
dente chega na forma de uma onda eletromagne´tica. Se usarmos um feixe
uniforme, sua energia estara´ contida em toda frente de onda (como ocorre
com uma onda mecaˆnica na a´gua, por exemplo). Quanto mais intensa a
luz, maior a amplitude dos campos ~E e ~B em qualquer ponto da frente de
onda, e maior sera´ a energia que a onda deposita no metal por segundo.
Esses campos exercem forc¸as sobre os ele´trons do metal e, eventualmente,
conseguem arranca´-los da superf´ıcie. Vamos estimar, dentro desse contexto
cla´ssico, quanto tempo seria necessa´rio para a liberac¸a˜o de um ele´tron.
Para concretizar as ide´ias, consideremos uma radiac¸a˜o com intensidade de 1
mW/m2, que incida num metal para o qual a energia necessa´ria para libertar
o ele´tron das forc¸as que o prendem ao material (func¸a˜o trabalho, φ) seja 4 eV.
Supondo uma distribuic¸a˜o cont´ınua e uniforme de radiac¸a˜o, vamos estimar
o tempo necessa´rio para que o ele´tron absorva a energia necessa´ria (4 eV) e
escape.
O diaˆmetro do a´tomo e´ da ordem de 0,3 nm. A energia por unidade de
tempo, P , que incide num u´nico a´tomo e´
P = Id2 = (10−3 J s−1 m2) · (3× 10−10 m)2 ×
(
1 eV
1, 6× 10−19 J
)
= 6× 10−4 eV/s.
42 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
Enta˜o, o tempo necessa´rio para absorver 4 eV sera´
∆t =
4 eV
P
=
4 eV
6× 10−4 eV/s
= 7× 103 s,
aproximadamente duas horas!No entanto, os experimentos feitos ate´ hoje
foram incapazes de detectar qualquer atraso entre a incideˆncia da luz e a
ejec¸a˜o do ele´tron!
O pro´ximo f´ısico a investigar de forma mais sistema´tica o fenoˆmeno foi Phillip
Lenard (1862-1947), que trabalhara com Hertz. Lenard montou uma ex-
perieˆncia esquematizada na Fig. 13: a luz arrancava cargas ele´tricas de uma
placa emissora, e estas eram aceleradas por uma diferenc¸a de potencial e
coletadas por outra placa. Um amper´ımetro registrava a chegada das cargas,
medindo uma corrente ele´trica. As concluso˜es de Lenard foram as seguintes:
1. O efeito fotoele´trico so´ ocorre a partir de uma determinada frequ¨eˆncia
νmin. Aumentar a intensidade da luz na˜o altera esse fato.
2. A partir do momento em que o fenoˆmeno comec¸a a acontecer, a quan-
tidade de cargas emitidas pela placa meta´lica e´ proporcional a` intensi-
dade da luz incidente.
3. Para outras frequ¨eˆncias abaixo do valor νmin, o efeito na˜o ocorre, qual-
quer que seja a intensidade da luz incidente.
Note que quando o potencial e´ gradualmente diminu´ıdo, o mesmo ocorre com
a corrente. A partir do gra´fico observado, podemos concluir que ele´trons
chegam a` placa coletora mesmo se a diferenc¸a de potencial for nula, o que
significa que ganharam energia mais do que suficiente para se libertarem do
metal. O restante e´ transformado em energia cine´tica. Por isso, mesmo
na auseˆncia de uma diferenc¸a de potencial, a corrente medida na˜o e´ nula.
Evidentemente, se o sinal da diferenc¸a de potencial for invertido, surgira´
uma forc¸a oposta a` velocidade dos ele´trons, levando a um decre´scimo da
corrente ainda maior. A uma dada diferenc¸a de potencial nessas condic¸o˜es,
V0 – chamado de potencial de retardo e que depende de cada material – a
corrente fotoele´trica cessa.
A existeˆncia de um potencial mı´nimo, V0, independente da intensidade da
luz incidente, tambe´m era embarac¸osa, uma vez que, classicamente, isso na˜o
deveria ocorrer.
Infelizmente, os dados de Lenard na˜o eram suficientemente precisos para
medir a forma funcional do potencial V0 como func¸a˜o da frequ¨eˆncia. Como,
enta˜o, interpretar esses resultados?
2.2 Efeito fotoele´trico 43
Para frear um ele´tron com energia cine´tica
K =
1
2
mev
2 (2.22)
e´ preciso usar um potencial de freamento V0, tal que
K = eV0. (2.23)
Enta˜o, o potencial de freamento V0 deve estar associado a ele´trons com
direc¸a˜o de movimento perpendicular ao ca´todo e com energia cine´tica ma´xima
Kma´x =
1
2
m2v
2
ma´x
= eV0. (2.24)
Por conservac¸a˜o de energia, essa energia cine´tica ma´xima deve corresponder
a` energia fornecida pela luz, descontada a func¸a˜o trabalho φ. Temos, enta˜o,
1
2
mev
2
ma´x
= eV0 = E − φ. (2.25)
De acordo com a teoria cla´ssica, E e´ proporcional a` intensidade da onda
e, portanto, esperar´ıamos que, a` medida que a intensidade aumentasse, E
aumentasse simultaneamente e, por consequ¨eˆncia, V0. Na˜o e´ o que se observa.
Num trabalho publicado em 1905, Albert Einstein (1879-1955) propoˆs uma
teoria do efeito fotoele´trico baseada no trabalho anterior de Planck – a ra-
diac¸a˜o eletromagne´tica de frequ¨eˆncia ν consiste de quanta de energia
E = hν. (2.26)
Essa hipo´tese explicaria imediatamente o fato de que na˜o se observava atraso
na emissa˜o dos fotoele´trons. Um quantum de luz (o fo´ton) transfere toda sua
energia a um u´nico ele´tron. Com essa hipo´tese, a Eq. (2.25) fica
1
2
mev
2
ma´x
= eV0 = hν − φ. (2.27)
Esta e´ a equac¸a˜o de Einstein sobre o efeito fotoele´trico. Note que essa equac¸a˜o
permite uma verificac¸a˜o independente daquela proveniente da radiac¸a˜o de
corpo negro para o valor de h, uma vez que a inclinac¸a˜o do gra´fico (linear)
V0 × ν e´ simplesmente h/e.
Em 1915, Robert Andrews Millikan (1868-1953) comprovou a equac¸a˜o de
Einstein, medindo V0 como func¸a˜o da frequ¨eˆncia de corte (Fig. 14). Note
44 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
0
0.5
1
1.5
2
2.5
3
40 50 60 70 80 90 100 110 120
E
n
er
gi
a
ci
n
e´t
ic
a
m
a´x
im
a
(e
V
)
frequ¨eˆncia, ν (×1013 Hz)
Equac¸a˜o da reta:
Kma´x = −1, 81 + 4, 12× 10
−15ν♦
♦
♦
♦
♦
♦
FIGURA 14 - Dados do efeito fotoele´trico para o so´dio, obtidos por Millikan
em 1916 (R. A. Millikan, “A direct photoelectric determination of Planck’s
‘h’ ”, Phys. Rev. 7, 355 (1916))
que a equac¸a˜o do efeito fotoele´trico na˜o e´ uma demonstrac¸a˜o da existeˆncia
de fo´tons, apenas e´ compat´ıvel com essa ide´ia.
Em 1913, Einstein foi proposto como membro titular a` Academia Prussiana
de F´ısica. Ele tinha, enta˜o, 34 anos. A proposta terminava da seguinte
forma:
“Pode-se afirmar que na˜o ha´ praticamente nenhum dos grandes
problemas f´ısicos ao qual Einstein na˜o tenha dado alguma nota´vel
contribuic¸a˜o. Que ele, a`s vezes, tenha errado o alvo em suas es-
peculac¸o˜es, como por exemplo, em sua hipo´tese dos quanta de
luz, na˜o pode realmente ser tomado como uma acusac¸a˜o muito
se´ria contra ele, pois na˜o e´ poss´ıvel introduzir ide´ias verdadeira-
mente novas, mesmo nas circunstaˆncias mais exatas, sem correr
alguns riscos de vez em quando.”
Em 1921, apo´s a comprovac¸a˜o de sua teoria sobre o efeito fotoele´trico, atrave´s
dos experimentos de Millikan, Einstein recebeu o preˆmio Nobel de f´ısica4
4Nota: A resisteˆncia dos f´ısicos em aceitar a ide´ia de que a luz era composta por fo´tons
tinha sua raza˜o de ser. Os fenoˆmenos t´ıpicos da f´ısica ondulato´ria (interfereˆncia, difrac¸a˜o
etc) eram bem conhecidos e a ide´ia de associar a luz com part´ıculas poderia na˜o sobreviver
a ter que explicar esses fenoˆmenos tambe´m.
2.2 Efeito fotoele´trico 45
(principalmente por essa teoria).
Exemplo 2.5 : Na Fig. 14 esta˜o os dados obtidos por Millikan para
o so´dio. Obtenha, a partir deles, o valor da constante de Planck em
unidades de J·s.
Da fo´rmula de Einstein, temos
Kma´x = hν − φ.
Usando a informac¸a˜o dada no gra´fico, temos diretamente que
h = 4, 12 × 10−15 eV · s,
ou seja,
h
e
= 4, 12 × 10−15 V · s.
Sabendo que e = 1, 6 × 10−19 C, obtemos para a constante de Planck
h = 6, 59 × 10−34 J · s.
O valor hoje conhecido para h e´
h = 6, 6262 × 10−34 J · s.
Podemos tambe´m ler diretamente a func¸a˜o trabalho do so´dio. Ela vale
φ = 1, 81 eV.
Exemplo 2.6 : Fo´tons de comprimento de onda 220 nm incidem
sobre um alvo meta´lico e liberam ele´trons com energias cine´ticas na
faixa de 0 a 6, 1×10−19 J. Determine a frequ¨eˆncia mı´nima para a qual
ele´trons ainda sa˜o emitidos.
Os ele´trons que saem com maior energia sa˜o aqueles que se encontram
na superf´ıcie do metal e cuja energia necessa´ria para serem liberados
e´ igual a` func¸a˜o trabalho do material. Logo, podemos encontrar a
func¸a˜o trabalho atrave´s da equac¸a˜o
φ = hν −Kma´x =
hc
λ
−Kma´x = 2, 93 × 10
−19 J.
A frequ¨eˆncia mı´nima e´ dada pela energia mı´nima que o fo´ton deve ter
para conseguir arrancar um ele´tron do metal e que e´, portanto, igual
a` func¸a˜o trabalho. Assim
νmin =
φ
h
= 4, 4× 1014 Hz.
46 2 Fenoˆmenos que deram origem a` mecaˆnica quaˆntica
PSfrag replacements
A´rea da imagem Invo´lucro meta´lico ou ceraˆmico
Pinos de conexa˜o
Fios de ouro
Contatos
Amplificador
Registrador serial
FIGURA 15 - Desenho de um CCD.
Sobre uma das aplicac¸o˜es do efeito fotoele´trico – detec-
tores CCD
A sigla CCD quer dizer “dispositivo de carga acoplada” (do ingleˆs Charge-
Coupled Device). O detector CCD e´ um aparelho extremamente sens´ıvel
para a detecc¸a˜o da luz. E´ um chip quadrado, formado por uma matriz de
sensores fotoele´tricos, feitos de material semicondutor, distribu´ıdos em linhas
e colunas.
Cada um dos pontos da matriz na Fig. 15 e´ denominado pixel. Assim, cada
sensor do CCD dara´ origem

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