Buscar

A Filosofia A Partir De Seus Problemas - Mario Ariel González Porta - Parte 2

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 27 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 27 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 27 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

D i r e ç ã o : Pe. Fidel Garcia Rodríguez, SJ
E d i ç ã o : Marcos Marcionilo
P r e p a r a ç ã o : Gisele Molinari
D i a g r a m a ç ã o : Telma dos Santos Custódio
R e v i s ã o : Carlos Alberto Bárbaro 
Joseli Nunes Brito 
Maurício Balthazar Leal
Edições Loyola
Rua 1822, nQ 347 - Ipiranga 
04216-000 São Paulo, SP
Caixa Postal 42.335 - 04218-970 - São Paulo, SP 
(§) (11) 6914-1922 
(D (11) 6163-4275
Home page e vendas: www.loyola.com.br 
Editorial: loyola@loyola.com.br 
Vendas: vendas@loyola.com.br
Todos os direitos reservados. Nenhuma parle desta obra pode 
ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou 
quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia 
e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de 
dados sem permissão escrita da Editora.
ISBN: 978-85-15-02579-4
3- edição: fevereiro de 2007
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2002
Capítulo 4
O texto
4.1. Como se lê um texto filosófico?
Existem duas perspectivas possíveis sobre um texto — 
leitura e produção —, sendo que uma percorre o movimento 
inverso da outra. A produção de um texto tem como ponto 
de partida uma estrutura lógica que tenta se realizar numa 
forma literária. Produzir um texto é proporcionar uma for­
mulação literária adequada a uma certa estrutura lógica; ler 
um texto é efetuar o movimento inverso, ou seja, partir de 
uma certa estrutura literária e tentar chegar a uma estrutura 
lógica1. Os manuais de metodologia filosófica concentram-se 
na primeira perspectiva. Um manual de aprendizagem e en­
sino da filosofia deve se concentrar na segunda ( Ia, 4, 4.3.1).
Há uma interação — embora esta não signifique identi­
dade ou implicação necessária — entre como se lê e como 
se produz um texto. Bons hábitos de leitura se refletem em 
uma produção satisfatória de texto, assim como vícios de
1. Mais adiante teremos que corrigir esta noção de “texto" à luz da 
proposta de uma distinção entre texto e escrita ( I a, 6, 6.1).
I 51
produção são quase sempre também de leitura. Dois deles 
são extremamente comuns: o “periodismo filosófico” e o 
“literaturicismo”.
1. Um texto filosófico não é uma narração na qual se 
contam coisas, porém não é nada fácil perceber que não o 
seja. Podemos ler a “dedução transcendental” como um pas­
seio pelo bosque no qual, em vez de árvores, se descrevem 
“estruturas transcendentais". O que está errado aqui é a “an­
tecipação hermenêutica”, a própria categorização do que esta­
mos lendo. Um texto filosófico não contém “notícias”, pois 
sua finalidade não é transmitir “informações”2. Conseqüente­
mente, a sua leitura tampouco pode consistir em informar-se 
ou a respeito do texto ou daquilo que ele diz, nem em infor- 
mar-se com o autor, nem em informar-se sobre o autor (o autor 
fala de..., diz que...). Ao texto lido como "fonte de informa­
ções” devemos opor o texto como “objeto de análise”.
2. Ler ou produzir um texto filosófico é algo essencial­
mente diferente de ler ou produzir um texto literário. Assim 
como muitas leituras não passam de uma apreensão pura­
m ente literária do texto, muitos textos “filosóficos” não 
são outra coisa que meras peças literárias. Eventualmente, 
eles são textos “bem escritos”, "oportunos”, ou o que se 
queira, mas não efetuam uma verdadeira contribuição no 
âmbito da pesquisa ou do aprofundamento conceituai. A 
formulação literária não é em filosofia a finalidade, mas 
apenas uma ferramenta de comunicação. Elegância de esti­
lo é desejável, porém não é essencial, sendo aquilo que, 
caso necessário, deve ser sacrificado. A elegância de estilo, 
não poucas vezes, se constitui em inimiga do rigor e da
2. E por isso que pode haver revistas filosóficas melhores ou piores, mas 
não “sensacionalistas”.
52 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
precisão. Fragilidades, saltos, carências e lacunas podem ser 
mascarados literariamente.
Nível literário e nível lingüístico do texto não são a mes­
ma coisa. E provável que não exista pensamento sem lingua­
gem e que aquilo que temos chamado de estrutura “lógica” 
esteja essencialmente vinculado à estrutura lingüística. De 
qualquer forma, isso é diferente de dizer que a expressão 
literária é prioridade para o pensamento filosófico (e, muito 
menos, que a filosofia seja um gênero literário). E óbvio que 
um mesmo pensamento pode encontrar formulações literá­
rias diversas igualmente adequadas, assim como ordem de 
exposição e estilo, que são opções pessoais. Deveria ser óbvio, 
também, que um pensamento pode ser acabado, sutilmente 
elaborado e, não obstante, não lograr uma formulação literária 
satisfatória. Simples notas são capazes de conter idéias filo­
sóficas decisivas.
4.2. A compreensão do texto
Ainda que seja possível diferenciar, em princípio, entre 
os modos de abordagem do estudo da filosofia e do texto 
filosófico, existe entre ambos um vínculo estreito. A idéia 
condutora será aqui, novamente, a de problema.
O objetivo da leitura do texto filosófico deve ser, pri­
mordialmente, “entender”3. Isto não é óbvio, já que, de fato, 
há outros objetivos possíveis, como “informar-se”; “tomar 
conhecimento” ou “assumir posição” em relação ao escrito. 
O importante é que qualquer outro objetivo pressupõe com­
preender o texto, o que, como conseqüência, sempre é a
3. Uso os termos “entender” e “compreender” como sinônimos.
O texto | 53
finalidade básica, parte analítica do próprio conceito de “lei­
tura de um texto filosófico”. No entanto,
1. O que é “entender” um texto?
2. O que é o "entendido”?
3. Por que às vezes não entendo e que devo fazer quan­
do isso acontece?
4. Quais são os critérios para saber se entendo ou não 
do modo correto?
4.2.1. O que é "entender” um texto?
O termo “entender” possui um sentido subjetivo e um 
objetivo: no primeiro, ele é um sentimento de saber do que se 
trata, de não ter dúvidas; no segundo, uma habilidade intersub- 
jetivãmente acessível e controlável, que pode assumir diferen­
tes formas em função de sua complexidade intelectual:
a) Entender é “compreensão literal”, é ser capaz de 
repetir o texto.
b) Entender é “parafrasear”, ou seja, ser capaz de efe­
tuar a reprodução não-literal do texto, substituindo 
alguns termos dele por sinônimos e equivalentes. Isto 
é o que usualmente se chama de “dizer com minhas 
próprias palavras”. No fundo, continuamos diante de 
uma repetição, na qual apenas foram introduzidas, 
de modo aleatório, algumas mudanças puramente 
literárias.
c) Entender é assimilação das regras que possibilitam a 
reprodução de estilo. Tanto na repetição textual como 
na paráfrase, não se produz nada novo. Existe, contu­
do, um terceiro sentido do entender objetivo que con­
serva essa característica de um modo “refinadamente 
perverso”. O leitor não pretende, neste caso, tão-só
54 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
reproduzir o texto enquanto peça literária, mas elabo­
rar um novo discurso que atinja o próprio conteúdo. 
A pretensa novidade, no entanto, é um engano ou 
uma ilusão. Muitos textos que, presumivelmente, es­
tão destinados a falar de um autor, na realidade, falam 
“como” ele. Seu resultado efetivo não é entender o 
texto, mas imitá-lo. Do mesmo modo que diferencia­
mos entre “tem a” e “problema”, temos de diferenciar 
também entre “problema” e "estilo”. O objetivo da 
análise filosófica não é falar “como”, mas falar “de” 
Heidegger ou “de” Hegel, entendendo o que eles di­
zem como resposta a seus respectivos problemas. Tam­
bém Heidegger ou Hegel têm um problema; também 
Ser e tempo ou A ciência da lógica são resposta. E 
simplesmente uma desculpa preguiçosa dizer que a 
doutrina de um autor não admite nenhuma outra 
formulação literária que aquela que ele efetivamente 
emprega. Se fosse assim, então só se poderia falar 
"como” Heidegger ou “como” Hegel, em alemão, que 
não é o que de fato se faz.d) O verdadeiro entender em sentido objetivo jamais se 
limita a reproduzir a literalidade do texto, senão que 
supõe uma independência em relação a ela, situando- 
se, por tal motivo, além de toda mera repetição, pa­
ráfrase e imitação. Entender é “traduzir”; ter enten­
dido um texto é ser capaz de poder oferecer uma 
“tradução” dele. No entanto, não é qualquer tradução 
que constitui um entender. Para que o seja, ela deve 
representar um ganho em relação ao original; deve ser 
mais explícita e, inclusive, se possível, mais clara e até 
mais precisa, que aquele. Justamente porque na tra­
dução se explicita o texto, todo texto tem, em prin­
cípio, infinitas traduções, não existindo uma que seja
O TEXTO | 5 5
definitiva. Finalmente, é minha capacidade de tradu­
zir o texto o que me permite “explicá-lo” a outros, ou 
seja, fazê-lo compreensível para Maria e João.
Se entender é traduzir, uma verdadeira tradução é capaz 
de “tornar comensurável”, dito de outro modo, de recodificar 
um texto escrito em uma linguagem para outra ou, eventual­
mente, para uma terceira linguagem comum a ambas, de 
forma tal a possibilitar a tematização de similitudes, identi­
dades, diferenças etc. Traduzir implica a possibilidade de 
retraduzir. Isto não quer dizer que exista algo assim como 
uma linguagem última, mas apenas afirmar que sempre são 
formuláveis linguagens comuns. Os mesmos problemas rea­
parecem de um lado e do outro do Rubicão, ainda que ves­
tidos em trajes diferentes. Fazer filosofia é poder mostrar as 
continuidades e identidades entre Frege e Husserl, não menos 
que entre Wittgenstein e Heidegger. No mundo das especia­
lizações é essencial não perder de vista que a filosofia foi e 
segue sendo uma. A razão desse fato é que a reflexão radical 
não pode ser "monádica” (compare-se I a, 3, 3.3.2 e 3.3.4).
“O entendido” é o sentido do texto. Tal sentido nada 
tem a ver com intenções subjetivas do autor, senão que 
constitui uma unidade objetiva4. O autor ingressa no texto 
unicamente como “fator de finitude” que delimita a parte 
do universo da significação presente nele. Da perspectiva de 
um acesso finito a esse universo, o elemento da facticidade 
nunca pode ser desconhecido, porquanto é a partir dele que 
é possível fixar a significação “realizada”5. Entretanto, enten­
4. Peço ao leitor que não confunda a distinção entre o entender e o 
entendido com a distinção entre um sentido objetivo e um subjetivo do “enten­
der’’. O entendido é sempre objetivo, o entender o é só às vezes. O conceito 
de “objetivo” presente em um caso e em outro não é exatamente o mesmo.
5. A historicidade é um modo básico de facticidade e está essencialmen­
te ligada à finitude ( I a, 5, 5.1 e 5.2).
56 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
der não é explicar (nem histórica nem psicologicamente) o 
texto: é explicitar o seu sentido; não o porquê, mas o que 
é dito.
O sentido do texto nunca está oculto ou para além do 
texto, mas presente nele, ainda que nem sempre de um modo 
explícito. O que o autor “queria dizer”, ele o disse.
4.2.2. Por que às vezes não entendo, 
e o que devo fazer quando isso acontece?
O não-entender é sempre superável; não há um não- 
entender que seja "de princípio” e remeta a uma espécie de 
incompetência “crônica”. Este fato, certamente, possui um 
aspecto encorajador: devemos confiar sempre em nossa ca­
pacidade de vencer as eventuais dificuldades de leitura. Ora, 
não se trata de promover no leitor uma espécie de “heroís­
mo intelectual” que não desiste diante do adverso. Trata-se 
de algo diferente. O não-entender sempre é superável devi­
do a que ele sempre tem um porquê: quando não se enten­
de, não se entende por alguma razão.
Em geral, o que se faz quando não se entende é simples­
m ente voltar a ler. Este procedimento é, sem dúvida, reco­
mendável quando a dificuldade surgiu de uma mera falta de 
atenção. Não obstante, em outras situações extremamente 
comuns ele é cego. A atitude certa é sempre determinar 
com toda a precisão possível o que não entendo e, em segun­
do lugar, o porquê não entendo.
Uma importante causa do não-entender não diz respeito 
à filosofia, mas à falta de conhecimentos adequados da pró­
pria língua. Não é esse não-entender que nos interessa agora. 
O não-entender de natureza propriamente filosófica é, em 
geral, a conseqüência de que algo não está explicitado no
O T E X T O | 57
texto, ainda quando constitua sua premissa, ou, em termos 
mais genéricos, de que, em realidade, não possuímos os 
pressupostos necessários. Em tal caso é recomendável sus­
pender de modo provisório a leitura do texto até possuir 
uma formação adequada. Ninguém ousaria tentar entender 
um tratado matemático sobre cálculo sem conhecer as re­
gras elementares da aritmética. Porém, algo assim é o que 
muitas vezes se pretende em filosofia. E pura perda de tem ­
po insistir na leitura de textos para a compreensão dos quais 
ainda não se possui os pressupostos necessários. Se, mesmo 
assim, por um motivo contingente qualquer, não podemos 
deixar de procurar entender um texto específico, então não 
há outro caminho que reunir, de alguma forma, o conheci­
mento prévio imprescindível. i r
Toda compreensão é sempre “autocompreensão”. O es­
forço pelo entender tem uma boa dose de luta contra o 
egocentrismo, contra o tácito impor ao autor aquilo que, 
desde sempre, nos pareceu razoável. O que impede a com­
preensão são, não poucas vezes, nossas próprias crenças, 
tão óbvias para nós, que não temos consciência delas como 
meras opções. Estas podem ser de ordens muito diversas: 
ou referir-se a nossa forma mais geral de ver o mundo e a 
existência (sendo extrem am ente pontuais) ou referir-se 
àquilo que, com a maior certeza, acreditamos haver enten­
dido do texto em questão. Já que não só o texto, mas 
tam bém nós temos pressupostos, o movimento de explici­
tação deve atuar em dois sentidos: o explicitar o texto é 
sempre correlato de uma explicitação de nossos próprios 
pressupostos6.
6. Se considerarmos retrospectivamente o exposto em Ia, 4, 4.2, ficará 
evidente que estamos diante de duas manifestações diversas do mesmo fenôme­
no básico: a significação nunca é "em si”, senão que remete a um "horizonte".
58 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
Seria um otimismo digno de um Pangloss pedagógico 
acreditar que o não-entender é um tropeço casual. Na rea­
lidade, ele é um momento inerente ao estudo filosófico, não 
havendo forma de evitá-lo de princípio. A única tarefa razoá­
vel de uma didática e metodologia é dizer o que fazer diante 
dele. Entretanto , se o não-entender não é to talm ente 
eliminável, tampouco seria desejável que o fosse, dado que 
ele cumpre duas funções positivas:
a) Nem sempre ele é sinal de uma limitação intelec­
tual, mas muitas vezes de perspicácia, constituindo 
um eficaz antídoto contra toda ingenuidade. Há for­
mas de não-entender que são mais profundas que 
todo entender, assim como há formas de “entender” 
que são apenas sintomas de superficialidade.
b) O não-entender é uma fonte inesgotável de proble­
mas e, por tal razão, parte essencial da própria filo­
sofia, e não apenas de seu estudo. A única atitude 
filosoficamente possível diante de certas colocações 
confusas, vagas ou absurdas é não entendê-las. Nem 
tudo em um texto filosófico é compreensível. Além 
das dificuldades subjetivas de compreensão, como as 
consideradas até agora, existem outras que são de 
natureza “objetiva”, que estão realmente “no tex to” 
e não meramente "em nós”. Ainda que à primeira 
vista pareça paradoxal, há um não-entender “corre­
to ”. Um bom índice dele é que não sejamos os pri­
meiros a perceber a dificuldade.
4.2.3. Como sei se entendi "corretamente"?
Quando não entendo, percebo que não entendo. Contu­
do, quando creio ter entendido, ainda resta a dúvida de se
O T EXT O | 59
estou entendendobem ou mal, correta ou incorretamente. 
Como saber quando o que eu entendo é efetivamente aquilo 
que o texto diz?
E uma praxe acadêmica sumamente comum o falar de 
“minha leitura”, como se fosse possível que várias pessoas 
que lêem o mesmo texto entendessem coisas diferentes e, 
não obstante, igualmente válidas. Isto não existe: se tivermos 
duas “leituras”, uma é correta e a outra não7. O que pode 
acontecer (e de fato muitas vezes acontece) é que, em um 
processo de compreensão coletivo, diferentes leitores cola­
borem com a visão de aspectos diferentes. Porém, se há 
contradição propriamente dita, um tem razão e o outro não.
Ora, diante de duas leituras contraditórias, como saber 
qual é a verdadeira? São possíveis critérios para diferenciar 
leituras corretas e incorretas? Certamente sim, e, mais ain­
da, é mais fácil estabelecê-los do que o principiante imagine. 
Uma boa leitura de texto:
a. toma em conta as regras gramaticais e jamais contra­
diz a sua literalidade;
b. esgota os recursos de compreensão oferecidos pelo 
texto;
c. concede-lhe a maior unidade possível (sem deixar 
arbitrariamente passagens de lado);
d. não lhe atribui contradições, considerando as que 
julgue encontrar (até explícita prova do contrário), 
produtos de erros de compreensão;
e. o apreende como intrinsecamente “fluido” (mesmo 
quando, de fato, alguns textos apresentam desconti- 
nuidades, estas só podem ser estabelecidas como 
fracasso de toda tentativa de conexão; a princípio, 
sempre há um vínculo entre cada frase, parágrafo ou 
capítulo com o seguinte e com o anterior);
7. Esta idéia será precisada mais adiante.
60 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
f. é “antecipatória”, ou seja, vai sendo confirmada pelo 
desenvolvimento do texto e é capaz de "prever” o seu 
próximo movimento (se ele é inesperado, ainda que 
não propriamente contraditório com nossa expectati­
va, não estamos de posse do “fio condutor” do texto);
g. dá conta do todo pela parte e da parte pelo todo 
(princípio do círculo hermenêutico).
Os expostos até agora são, apenas, critérios secundários. 
O critério realmente decisivo é que toda boa leitura é “óbvia”, 
ainda que nem por isso seja trivial. Trivial é o que todo mundo 
vê com apenas olhar; óbvio, aquilo que podemos olhar sem 
ver, mas que nem podemos deixar de ver uma vez que nos é 
indicado o modo como devemos olhar. Nossa reação usual, 
em tais casos, é um: “Mas é isso! Como não o vi antes!” Uma 
leitura duvidosa é aquela que, pelo contrário, permanece não 
imperativa depois de indicada; ela não se impõe espontanea­
mente a partir do texto e, apesar de todo esclarecimento, 
nunca deixa de merecer “reparos”. Dificilmente uma boa lei­
tura é “original” ou “inédita”. Ela não vê algo diferente das 
demais, senão que vê o mesmo em forma definida. Por dizê- 
lo de algum modo, ela centra adequadamente o “foco”, fazen­
do de linhas confusas uma figura definida. Em tal sentido, 
podemos comparar a tarefa de leitura com a visão no micros­
cópio: o que se vê é sempre “o mesmo”, mas há um ponto de 
fixação da lente que nos permite ver com nitidez.
O conceito de “focalização” é um conceito-chave para 
entender tanto o que seja a filosofia como o que seja o 
trabalho filosófico. E por isso que ele também constitui um 
princípio básico para guiar o seu ensino e estudo. A maioria 
dos “saberes” filosóficos são aprendidos sem ser corretamen­
te “focalizados”, levando consigo uma margem de desajuste 
“crônica”. Problema comum em filosofia é o saber muito, de 
modo impreciso. O estudo filosófico, porém, não deve orien­
O T E X T O | 61
tar-se a saber muitas coisas, senão a possuir conceitos claros 
e sólidos, a “situar adequadamente o foco”. Que a essência 
do corpo, segundo Descartes, é a extensão, todo mundo 
“sabe”; que isso possibilita a aplicação da geometria à física 
e, mais ainda, conduz à formulação de uma física estrita­
m ente geométrica é passado por alto.
Um recurso básico para focalizar adequadamente é aten­
der à contraposição fundamental que orienta o texto. E uma 
idéia comum em certas semânticas contemporâneas que o 
sentido de um term o não pode ser estabelecido de modo 
isolado, pois remete a um sistema de oposições. Muitas 
perguntas hermeneuticamente improcedentes, mesmo quando 
legítimas em sentido lógico-abstrato, surgem deste desajuste. 
A determinação de uma tese só pode ser estabelecida em 
relação ao sistema de alternativas no qual o autor de fato 
trabalha (seu particular “universo do discurso”) e não com 
respeito à totalidade do logicamente possível.
4.3. A análise do texto
O entender não é uma “intuição” e sim o produto de 
um esforço que passa pelo não-entender. Para entender um 
texto precisamos “analisá-lo”; o entender é o resultado, a 
análise o meio. Já oferecemos certos critérios para avaliar o 
resultado. Ainda não dispomos, porém, de nenhuma indica­
ção de como chegar a ele. Os professores pedem a seus 
alunos que “analisem” textos; lamentavelmente, nem sem­
pre dão indicações muito concretas sobre em que consiste 
esta tarefa. Via de regra, se supõe sem mais que se aprende 
a analisar observando como outros analisam. Isto não é de 
todo falso. Mas não poderíamos oferecer uma orientação 
mais explícita ou, por que não, algumas diretivas básicas do
62 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
que de fato se faz quando se analisa um texto exitosamente? 
Para cumprir tal tarefa temos de retomar algumas idéias já 
expostas ( I a, 4, 4.2.1) e situá-las em um novo contexto: a 
análise do texto pode ser disciplinada metodicamente como 
um processo de sucessivas traduções.
4.3.1. Retradução semântico-gramatical: 
explicitação exaustiva dos recursos puramente lingüísticos
A atenção à estrutura gramatical do texto certamente 
não é suficiente, mas é absolutamente necessária para sua 
adequada leitura. Nenhuma interpretação pode contradizê- 
la ( I a, 4, 4.2.3). Da desatenção à estrutura gramatical deri­
vam erros triviais e facilmente evitáveis. A primeira tarefa é 
conduzir o texto a sua forma gramatical mais simples, redu- 
zindo-o a uma sucessão de frases sujeito-verbo-predicado. 
Isto implica a “desconstrução literária”8 do texto, tarefa para 
a qual, em princípio, basta o domínio do idioma. Alguns 
procedimentos simples no sentido da tarefa indicada são:
a) identificar termos da própria língua que não me são 
conhecidos, cujo sentido não me é totalmente pre­
sente ou cujo uso, em casos específicos, não corres­
ponde ao habitual;
b) identificar pronomes, em particular os relativos e de­
monstrativos, e explicitar sua referência efetuando 
em continuação a substituição sistemática dos pri­
meiros pelos segundos;
c) eliminar em geral as orações subordinadas substituin­
do-as por principais;
d) eliminar conectivos;
8. Ainda que não-lingüística ( I a, 4, 4.1).
O t e x t o | 63
e) eliminar conjunções dentro de frases;
f) identificar advérbios e construções adverbiais.
O resultado do aplicar os procedimentos indicados não 
será mais um mero “repetir”, mas uma primeira “tradução” 
que, com certeza, possui uma extensão muito maior que o 
original. O texto obtido é correto do ponto de vista grama­
tical, embora, talvez, literariamente insuportável. Na medida 
em que já não se trata de uma mera reprodução, surgem 
agora dificuldades hermenêuticas objetivas; por exemplo, 
aquilo a que um pronome relativo se refere pode ser grama­
ticalmente ambíguo, exigindo-se em tal caso observar crité­
rios semânticos etc.
Excurso
Quando estabelecemos a finalidade do presente livro, de­
claramos não nos haver proposto a escrever um manual de 
“metodologia científica” para filósofos. A partir do exposto no 
tópico anterior surge, porém, a possibilidade de algumas con­
siderações sobre um tema usual em tais manuais: a redação de 
textos técnicos e, como caso particularmente angustiante parao aluno de pós-graduação, de seu objeto de desejo: a tese.
Conforme já foi dito ( I a, 4, 4.1), há uma interação entre 
como se lê e como se produz um texto. Contudo, não existe 
aqui identidade ou implicação necessária: é possível “ler bem ”
e, não obstante, escrever mal. Por tal motivo, não é demais 
chamar a atenção para o fato de que as técnicas de leitura 
propostas valem também, com as devidas reformulações, para 
a escrita: o texto não é agora lido, senão produzido, median­
te tais técnicas9.
9. Não há técnica de leitura de textos filosóficos nem metodologia de 
produção de textos que possam sanar o desconhecimento da gramática.
64 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
O maior problema dos escritos escolares e acadêmicos 
em filosofia não é filosófico, mas gramatical, concentrando- 
se em boa medida no uso inadequado das regras de constru­
ção e pontuação. Corrigir tais insuficiências supõe, claro está, 
conhecer e aplicar a gramática da língua. Daí, três conselhos:
a. Aprenda gramática!
b. Produza seu escrito respeitando de modo rigoroso as 
regras gramaticais! Tenha claro que escrita filosófica 
não é literatura e que se apartar das regras gramati­
cais é uma liberalidade reservada aos romancistas e 
poetas, não aos filósofos.
c. Corrija seu escrito! Considere o que você costuma 
chamar de “texto pronto” m eram ente um rascunho 
ou uma primeira versão. Leia e releia seu escrito 
com distância temporal e como se fosse o texto de 
uma outra pessoa.
4.3.2. Retradução técnica: substituição de definições
O segundo passo no processo de análise do texto será 
identificar os “termos técnicos” e substituí-los pelas respec­
tivas definições. A filosofia, como a física ou a medicina, 
tem um vocabulário próprio no qual as palavras possuem 
significados específicos. Contudo, ao passo que as disciplinas 
m encionadas usam expressões criadas para tal fim e 
“incomuns” na linguagem cotidiana, os termos filosóficos, 
via de regra, são comumente empregados nesta. E por tal 
motivo que, enquanto no caso de um informe médico temos 
consciência de que não entendemos porque desconhecemos 
a terminologia, isso não acontece com os textos filosóficos. 
Nossa familiaridade com os termos empregados neles pro­
duz a ilusão de que sabemos do que se está falando. Nem
O T EXT O | 65
desconfiamos que uma palavra de uso corriqueiro pode ter 
em filosofia um outro sentido. O termo “liberdade”, por 
exemplo, está associado na linguagem comum a um “poder”: 
ter a liberdade de fazer algo significa poder fazê-lo. Do mesmo 
modo, “necessidade” está vinculada ao “ser necessário que”: 
a algo que precisa ser feito. Estes usos predominantes ten­
dem a passar despercebidos ao leitor iniciante, que os pro­
jeta irreflexivamente no texto que pretende ler. Porém, 
quando em filosofia se fala de “liberdade” ou de “necessida­
de”, entende-se outra coisa. Suspeitemos sempre, em conse­
qüência, de que em um texto filosófico as palavras não estão 
usadas naquele sentido que nos é comum, e estejamos aten­
tos a nossa “associação privilegiada”. Em geral, mais do que 
usar os termos em um outro sentido que o usual, a filosofia 
os emprega de modo mais preciso ou conceitualmente ela­
borado. O prestar atenção ao fato de que os termos da 
linguagem comum muitas vezes têm sentidos múltiplos, vagos 
e imprecisos é um fator decisivo para entender ou não en­
tender um texto.
A capacidade de identificar termos técnicos supõe muito 
mais que uma habilidade lingüística, não sendo possível redu- 
zi-la a um conjunto de regras que nos imunizem a todo erro 
possível. Porém, só o fato de superar a ingenuidade já cons­
titui um avanço decisivo. Um critério que pode ser útil (mas 
que está longe de ser infalível) é o atentar àqueles termos que 
se repetem no texto e que já temos observado com freqüên­
cia em escritos filosóficos.
Uma vez que suspeitamos de que um certo termo é um 
termo técnico, vejamos os indícios que o próprio texto ofe­
rece para o seu esclarecimento e, eventualmente, verifique­
mos se não há em outras passagens do próprio texto defini­
ções (implícitas ou explícitas). O índice temático do livro 
pode ser de grande ajuda. Se nossa busca se frustra, pode­
66 j A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
mos continuar nossa indagação fora do texto, servindo-nos 
para isso de bons dicionários específicos da disciplina.
Imaginemos agora que sabemos que um certo termo é 
filosófico, e que um dicionário nos informou sobre seu sen­
tido. Ainda assim resta saber qual é seu sentido para esse 
autor em particular. Se, por exemplo, sabemos que “subs­
tância” é um termo filosófico e o aprendemos no contexto 
do estudo da filosofia de Aristóteles, é possível, não obstan­
te, que em um outro filósofo tenha um sentido diferente. 
Isso não acontece por mero capricho: as alterações termino­
lógicas denunciam, em geral, mudanças na forma com que 
pensamos o mundo.
Uma vez identificados os termos técnicos e de posse de 
definições adequadas, vamos retraduzir o texto analisado 
substituindo nele os termos técnicos por seu sentido espe­
cífico. Obviamente a nova versão será ainda mais extensa 
que a anterior, mas será também mais explícita.
Ao focalizar a terminologia, passamos da análise sintáti- 
co-gramatical para a semântica. No entanto, ainda não in­
gressamos no conteúdo do texto propriamente dito. Este 
será nosso próximo passo.
4.3.3. Taxonomia semântica: 
tipologia dos conteúdos presentes no texto
Sabemos que há três momentos primordiais do estudo 
filosófico: problema, tese e argumento ( I a, 2, 2.2 ss.). Mas 
estes também são os três momentos primordiais que devem 
orientar a leitura de textos filosóficos. Porém, nem todos os 
tipos de conteúdo presentes em tais textos podem ser redu­
zidos a uma dessas três categorias. Em conseqüência, é ne­
cessário completá-las com outras. A lista que vamos oferecer
O TEXT O | 67
talvez não seja completa, mas isso só pode ser provado na 
medida em que se afirme a utilidade para a análise de intro­
duzir uma nova categoria. São elas:
a) tese (hipótese);
b) argumento;
c) conseqüência;
d) objeção — contra-argumento;
e) respostas à objeção e ao contra-argumento;
f) exemplo;
g) definição (explícita ou implícita);
h) aplicação a caso ou casos particulares;
i) explicitação de supostos10.
Contudo, dando por concedido que a lista oferecida 
anteriormente é completa, a idéia básica que desejo propor 
é que, embora não seja necessário que em todo texto se 
encontrem presentes cada um dos elementos indicados, toda 
passagem de um texto pode ser classificada em uma e só 
uma das categorias citadas.
Do categorizar um texto com base em critérios semân­
ticos não resulta uma nova retradução, mas um texto “subli­
nhado” de modo heterogêneo na forma da taxonomia se­
mântica descrita.
A tipologia dos conteúdos cumpre quatro funções:
a. Quando entendemos um texto, a identificação dos 
tipos de conteúdo se efetua “automaticamente”. O 
texto é compreensível porque, entre outras coisas,
10. Pode chamar a atenção algumas ausências ilustres, já que, se o “exem­
plo” aparece entre as categorias citadas, por que não a metáfora? A metáfora 
é um recurso de linguagem e não um tipo de conteúdo; em realidade todo tipo 
de conteúdo pode ter expressão literal ou metafórica. Em princípio é óbvio 
que, se entender é traduzir, temos que desmontar a metáfora para chegar à 
literalidade. Porém, aqui se encontra um problema complexo, pois poderia 
acontecer que a literalidade absoluta fosse propriamente “tarefa” (Aufgabe).
68 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
percebemos o exemplo como exemplo, a tese como 
tese etc. A não-compreensão de um texto, pelo con­
trário, pode depender de uma errônea categorização 
implícita.
b. Até agora o texto se apresentava como um bloco 
uniforme; a partir de agora, começam a delinear-se 
nele momentos diferenciadose, sobre tal base, cer­
tas passagens se deslocam ao primeiro plano, estabe­
lecendo-se uma hierarquia entre elas.
c. Um entender que aponte a uma tradução explicita- 
dora tem de ser seletivo, fixando diferenças de im­
portância.
d. Finalmente, é por meio da categorização semântica 
que se dá a primeira aproximação ao conteúdo do 
texto com base em critérios que exercem um con­
trole metódico, evitando assim que o próximo passo 
seja um salto no vazio.
4.3.4. Retradução lógica
Tendo fixado o tipo de conteúdo de cada momento do 
texto e estabelecido uma hierarquização entre eles, estamos 
em condições de efetuar um decisivo avanço no processo 
de compreendê-lo mediante sucessivas retraduções. Deno­
minamos retradução lógica o procedimento pelo qual trans­
formamos o texto em uma seqüência estritam ente lógica, 
começando (caso possível) com o problema, fixando a tese 
principal e eventuais subordinadas, desenvolvendo a sua es­
tru tura de relações com os seus argumentos, contra-argu- 
m entos e conseqüências. Característico dessa nova retradu­
ção é que:
O T E X T O | 69
a. O texto é liberado de tudo o que lhe era logicamen­
te inessencial, purificando-se dos elementos literá­
rios e recursos psicológicos que ainda subsistiam nele. 
Sem estes, ele sem dúvida seria ininteligível; porém, 
uma vez alcançada a sua compreensibilidade primá­
ria, podemos prescindir daquilo que eram apenas 
meios auxiliares.
b. Com o desaparecimento de tais recursos, altera-se 
de forma radical a aparência e, em particular, a or­
dem do texto. Do ponto de vista literário, ele perde 
sua fluidez; do ponto de vista lógico, contudo, torna- 
se “ordenado”.
c. Pela primeira vez obtemos uma versão do texto mais 
breve que o original, podendo nos centrar naquilo 
que é prioritário do ponto de vista filosófico. Justa­
mente por tal motivo, saltos argumentativos e/ou 
temáticos são agora identificados com facilidade. A 
simplificação do texto pode às vezes eliminar pará­
grafos inteiros; outras, tão-só “colocá-los entre pa­
rênteses”. Assim, “colocamos entre parênteses” os 
exemplos e outras derivações da linha principal, que 
ocupam comumente boa parte do texto, e os usamos 
apenas quando chega seu momento como exemplo 
ou como derivação, conforme o caso. Cumprido seu 
papel, voltamos a passá-los para um segundo plano.
Para traduzir logicamente o texto é imprescindível a 
identificação prévia do problema e da tese principal. Eles 
constituem uma unidade da qual dependem todos os mo­
mentos restantes. Se são fixados corretamente, estes have­
rão de configurar-se em uma totalidade única. Os cuidados 
que devemos levar em conta (e que já foram apontados por 
outros motivos e em outros momentos) são:
70 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
a. o problema nem sempre está presente de modo ex­
plícito no texto ( Ia, 5, 5.1 e 5.3);
b. nem toda proposição afirmada no texto é uma tese 
( I a, 2, 2.4);
c. nem toda tese é tese principal;
d. a tese principal só pode ser fixada em relação ao 
problema ( I a, 2, 2.4);
e. o argumento é sempre argumento de uma tese; o 
contra-argumento, contra-argumento de um argumen­
to; o exemplo, exemplo de uma tese, de um argu­
m ento ou de um contra-argumento etc.
4.3.5. Modalização veritativa da tradução alcançada
Neste novo passo não vamos obter como resultado uma 
nova tradução, e sim uma “modalização veritativa” da tra­
dução anterior. Vejamos por quê. Todo aluno novato quer 
começar por discutir a verdade da tese do texto, por “dar 
sua opinião”, a qual, entretanto, só é legítima depois do 
entender o texto, nunca antes. Se ela for precipitada não só 
será ingênua, como se tornará um obstáculo para a correta 
compreensão. Há um certo momento, contudo, em que a 
“tomada de posição” passa a ser um valioso recurso no pro­
cesso do entender. Esta segunda tomada de posição, claro 
está, só em aparência assemelha-se à anterior: se aquela era 
essencialmente espontânea, esta é dirigida. De modo algum 
se trata de abrir espaço agora para o jogo da “minha opi­
nião”, mas sim de um posicionar-se “m etódico” (em um 
sentido de “m etódico” tal qual a dúvida cartesiana o é) com 
uma finalidade não propriamente filosófica, mas pedagógica.
Se, do ponto de vista lógico, o sentido de uma propo­
sição é independente de seu valor de verdade, do ponto de
O T E X T O | 7 1
vista psicológico nem sempre é assim. Só entendo realmente 
quando tomo consciência que o entendido pretende ser 
verdadeiro e isso acontece, por regra geral1!, quando percebo 
que se opõe a uma de minhas crenças ( I a, 4, 4.2.2). O 
movimento do entender só é possível se, ao mesmo tempo, 
é acompanhado de um movimento de explicitação de mi­
nhas crenças. Se essas permanecem sem ser tematizadas, 
atuam como larvas que “apodrecem” a compreensão. Toda 
compreensão está ameaçada por uma certa “esquizofrenia”. 
O leitor não vincula, mas mantém o que ele crê e o que o 
filósofo afirma em compartimentos estanques. Ele “com­
preende” que, segundo Kant, a física supõe princípios a priori. 
Não obstante essa compreensão, ele não situa a tese crítica 
em relação a sua crença (que se mantém incólume) de que 
a física é uma ciência “empírica” e que, como tal, se baseia 
unicamente na “percepção”. Só quando deixamos por um 
instante Kant de lado e “obrigamos” o nosso leitor a tomar 
consciência do que ele crê, é que ele percebe que propria­
mente não havia entendido o ponto de vista crítico sobre a 
questão. Entendê-lo não implica abandonar a própria crença 
e sim tornar-se consciente de que ela é incompatível com a 
tese kantiana (e quiçá tão problemática quanto ela). E muito 
comum deformar para entender, fazer dizer ao autor algo 
que possa ser aceito por nós sem maiores conflitos. O apa­
recimento da questão da verdade “em concreto”, como re­
ferida às minhas crenças mais firmes, me “desperta” de minha 
“tolerância monadológica” (a qual, em realidade, não é fruto 
da benevolência, mas do egocentrismo). E aqui que deixo de 
ler o filósofo como um delirante e tomo consciência de que 
o que ele afirma contradiz algo que considero verdadeiro. E
11. Observe-se que o momento essencial não radica aqui no reconhecê- 
lo como verdadeiro ou falso, senão no reconhecê-lo como contradizendo uma 
de minhas crenças.
72 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
agora que o discordar já não é um obstáculo incômodo à 
compreensão, mas um momento dela.
Em princípio, a análise não tem como objetivo decidir se 
o que o texto diz é verdadeiro ou falso, mas explicitar seu 
sentido. No entanto, em um plano radicalmente diferente do 
considerado até agora, podemos dizer que, já que a verdade 
do texto depende da forma em que o lemos, discutir tal 
forma pode ser um poderoso instrumento para nos aprofun­
darmos na sua compreensão. O fato de que algumas afirma­
ções se tornem verdadeiras se entendidas em um certo sen­
tido e falsas se entendidas em outro pode ser decisivo para 
privilegiar um modo de compreensão em relação aos demais.
4.3.6. Entender e interpretar: 
para uma nova versão do texto
Com o exposto até agora finalizamos o que bem poderia 
ser chamado o nível “escolar” de leitura. A análise de texto 
por um principiante deve terminar aqui. Isto não significa, 
contudo, que tenhamos esgotado seus momentos possíveis. 
Podemos ainda avançar a um nível “crítico” enquanto dife­
renciamos o "entender” (ou "compreender”) ( I a, 4, 4.2, nota 
3) do “interpretar” um texto. Entender é explicitar o sen­
tido de um texto; interpretar é completar tal sentido em 
alguma direção.
E necessário ir além do texto para compreendê-lo, e isso 
em vários sentidos e de várias formas. E óbvio que toda boa 
leitura o respeita, pretendendo explicitar o seu sentido sem 
deformá-lo, sem lhe acrescentar nem subtrair nada. Uma boa 
leitura, no entanto, não é jamais um mero espelho do texto. 
Existem diferentesmaneiras de “estar no texto”. Há muitas 
coisas que “estão” nele ainda que não sejam propriamente
O T E X T O | 73
"ditas” (e, em conseqüência, não possam ser, em sentido lite­
ral, lidas). Elas só são acessíveis na medida em que, distan­
ciando-nos do texto, assumimos uma posição ativa diante dele.
E o desenvolvimento natural do próprio explicitar o texto 
o que obriga a assumir tal posição. Esta nova atitude “sus­
pende” sua mera leitura para possibilitar, assim, refletir so­
bre ele. A reflexão sobre o texto e a sua leitura não são 
sinônimos. A primeira supõe atividades que não são strictu 
sensu de leitura: deixamos de "ler” para passar a “dialogar” 
com ele. Este diálogo, justamente porque é diálogo com o 
texto, não o abandona, porém o transcende.
Já observamos, em um outro momento (Introdução, 
“Estrutura temática”), que nenhum filósofo é “fácil” e que 
a diferença entre eles está no modo em que não o são: 
existem aqueles que são difíceis de ler e aqueles que são 
difíceis depois de lidos. Pois bem, podemos agora acrescen­
tar que aqueles que são difíceis “depois”, são aqueles com os 
quais é difícil “dialogar”.
E no diálogo com o texto que aparece a necessidade de 
desenvolver e precisar suas idéias. Todo texto é incompleto e 
suscetível de ser precisado e desenvolvido. A interpretação 
não é uma violência que se faz com ele, mas parte de sua 
própria natureza. A aparência de arbitrariedade que ela possui 
é mera aparência. “Interpretação” só é possível a partir de 
uma significação “dada” e como complemento que esta exige.
Em um poema, a forma literária é essencial; se algo nele 
é mudado, perde-se “esse” poema. O texto filosófico, ao 
contrário de um poema (ou de uma obra de arte em geral), 
rem ete a algo fora de si (e não apenas a algo anterior, mas 
inclusive a algo posterior). Ele remete, obviamente, a suas 
referências explícitas e implícitas, a seus supostos lógicos e, 
além de tudo isso, a um horizonte de significação. Todo 
texto filosófico, ao mesmo tempo em que fixa uma totali­
74 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS
dade hermenêutica, abre perspectivas sobre um universo que 
ele mesmo não desenvolve.
Por tal motivo, ele é e permanece tão-só “fragmento”, 
pois sua explicitação jamais será finalizada. Há, portanto, uma 
indeterminação objetiva do sentido de um texto que tem a 
ver com a natureza do significado e com nossa finitude. O 
homem, como ser finito, produz (ou aspira a produzir) sen­
tido infinito. Assim como, dado um conjunto de axiomas, 
ninguém pode apreender, a partir de uma simples intuição, a 
série total de seus teoremas, do mesmo modo, dada uma 
unidade de sentido, ninguém consegue captar ao mesmo tem ­
po todas as unidades de sentido da qual essa pode fazer parte. 
A interpretação continua o trabalho da compreensão, conside­
rando não apenas as alternativas que o texto desenvolve, mas 
também aquelas que ele omite.
A exigência de uma leitura direta dos textos não pode 
levar ao exagero de desconhecer os comentadores clássicos, 
sob pena de voltar a redescobrir eternam ente as mesmas 
dificuldades hermenêuticas básicas. Quanto mais se conhece 
a bibliografia secundária de um autor, mais se percebe que 
o sentido é sempre aberto e que há várias formas de precisá- 
lo e/ou completá-lo. A opção por uma ou outra gera as 
polêmicas entre os intérpretes. Muitas vezes, no entanto, é
o próprio texto que não é concludente com respeito a certas 
questões. Limitar-se a indicar a impossibilidade de resolvê- 
las com base nos materiais dos quais se dispõe pode, em 
certas ocasiões, ser a única posição justa.
Os problemas objetivos de interpretação são uma verda­
deira ponte pela qual se passa, de um modo quase impercep­
tível, do comentário à reflexão autônoma. Em certas oca­
siões existe uma continuidade tal entre o escrito do filósofo 
e o de seu crítico, que a linha divisória entre texto e comen­
tário pode chegar a ser muito tênue. A Idade Média em seu
O T E X T O | 75
conjunto oferece um grandioso exemplo no sentido da pas­
sagem gradual do comentário ao trabalho sistemático-criati- 
vo. Nesse contexto, um autor como Suárez oferece uma si­
tuação extremamente interessante. Se grandes comentado­
res efetuaram contribuições decisivas para o avanço da filo­
sofia, grandes filósofos são, não poucas vezes, grandes co­
mentadores. Não é incomum, também, que um filósofo inter­
prete outro (Heidegger a Kant, Habermas a Heidegger)12, 
ou que um novo desenvolvimento se origine em uma inter­
pretação ou, inclusive, que uma polêmica surja a partir de 
uma interpretação (Arnauld-Malebranche).
Um texto compreendido nunca é apenas lido; ele é 
interlocucionado ativamente e, em certo sentido, até "produ­
zido”. O intérprete é sempre um co-autor. Seria irresponsa­
bilidade dizer a um aluno de primeiro ano que quando inter­
pretamos um texto na realidade o estamos “produzindo”13. 
Com certeza, o efeito imediato seria abrir as portas para qual­
quer arbitrariedade. Contudo, creio que isso é essencialmente 
certo e que quem refletir sobre a própria experiência nessas 
questões não se escandalizará com o que foi dito.
12. Como veremos, a razão deste fato não é outra que a interação entre 
"recepção” e “criação".
13. A "produção do texto”, no sentido em que a consideramos agora, 
supõe a reconstrução lógica e histórica, parte fundamental da qual é a recons­
trução do problema ( Ia, 5,5.3).
76 | A FILOSOFIA E SEUS PROBLEMAS

Outros materiais