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Revista Quadrimestral do UNIPÊ Centro Universitário de João Pessoa ASSEMBLÉIA GERAL DO IPÊ Clemilde Torres Pereira da Silva Flávio Colaço Chaves José Loureiro Lopes José Trigueiro do Vale Manuel Batista de Medeiros Marcos Augusto Trindade REITOR José Loureiro Lopes PRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO Vera Lúcia Azevedo de Medeiros PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO Maria do Céo Costa de Oliveira PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Reginaldo Moura Brasil EDITOR José Octávio de Arruda Mello SECRETÁRIO Marcelo Amaro da Silva EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E DIAGRAMÇÃO Ermira Limeira Ferreira ASSISTENTES DA SECRETARIA Lucinete Freire de Queiroz Marília Loureiro Lopes Kátia Vânia Vasconcelos Souto Maior Magna Coeli S. Cavalcante de Oliveira CONSELHO EDITORIAL José Loureiro Lopes - UNIPÊ/PB José Octávio de Arruda Mello - UEPB/UNIPÊ/PB Luiz Renato de Araújo Pontes - UFPB/PB Wolf Dietrich Heckendorff - UFPB/PB Maria do Céo Costa de Oliveira - UNIPÊ/PB Walmir Rufino da Silva - UNIPÊ/PB Geraldina Porto Witter - UMC José Sebastião Witter - UMC Flamarion Tavares - UNIPÊ/PB Elisa Médici Pizão Yoshida - PUCCAMP Teófilo Otoni Torronteghy - UFSanta Maria Tânia Martinez - UFESP Afonso Antonio - Universidade Campo do Rio Claro Dietmar Pfeiffer - Universidade de Münster/Alemanha Luiz Bueno da Silva - UNIPÊ/PB Steniel Ferreira Patrício - UFPB Haydée Fizsbein Wertzner - USP José Maria Barbosa Filho - UFPB Otávio M. L. de Mendonça - UFPB Antônio Sérgio Tavares de Mello - UNIPÊ/PB REDAÇÃO Marcelo Amaro da Silva Revista do UNIPÊ, Bloco B, 1º andar, Sala 208 BR 230 - Km 22 - Bairro Água Fria Cep.: 58053-000 / Caixa Postal: 318 João Pessoa - Paraíba - Brasil Email: revista@unipe.br Tiragem desta edição: 1.500 exemplares ISSN 1414-3194 __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ REVISTA DO Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do UNIPÊ REVISTA DO UNIPÊ, ANO XII, nº 2, 2008. João Pessoa. 109 p. Quadrimestral ISSN 1414-3194 CDU 34(05) BC/UNIPÊ 1- CIÊNCIAS JURÍDICAS I- TÍTULO SUMÁRIO 09 13 21 30 39 48 55 EDITORIAL TEMAS ESPECIAIS Dom José e o profetismo na Igreja da Paraíba Antônio Kemps ARTIGOS Água e Vida: Direitos fundamentais José Ferreira de Andrade Cássia Cristina Alves Cardoso Eunicélia de Fátima Carneiro da Silva Luana Thaína Albuquerque Barreto Patrícia Leite Tavares Estado moderno e intervenção no século XVIII Maria do Socorro de Lucena Gomes Repensando as práticas da psicologia jurídica na pós modernidade Giovanna Marafon Dávila Tereza de Galiza F. Pinheiro Educação fundamental e legislação pátria Jean Patrício da Silva A mística da inimputabilidade do adolescente Petrônio Bismarck Tenório Barros Hidnari Suellen de Andrade Paula Incidência de barreiras comerciais com fins ambientais Henry Iure de Paiva Silva 63 78 93 96 98 108 Controle social e realidade Deborah Carvalho Pereira de Melo A construção histórica da Constituição como paramount law Raphael Peixoto de Paula Marques RESENHAS Uma vida dedicada à magistratura Elza Regis de Oliveira Leitura–Literatura–Computador Geraldina Porto Witter São José de Piranhas – um estudo de poder local Martha Falcão de Carvalho e Morais Santana INFORMAÇÕES - Da Biblioteca Central à BIEN - Artes Plásticas e Artesanato - Imagens fotográficas motivaram exposição - Franciraldo e Sales lideraram livros - Concertos de fim de ano - DCE homenageia mulher - Fernanda em lançamento de Revista Normas para apresentação de trabalhos na Revista do UNIPÊ 4 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. 5Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. EDITORIAL Uma das características do Reitorado José Loureiro Lopes, à frente da Reitoria do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ tem consistido na ênfase atribuída ao segmento editorial da Instituição. Enquanto a criação da Coleção Água Fria assegurou títulos como Dom Adauto: subsídios biográficos, em dois tomos, do Cônego Francisco Lima, e Apologia do Amor – Sady e Ágaba, sob a organização de Amaury Vasconcelos, a manutenção da Coleção Autônoma significou monografias do nível de A Constituição da Casa Grande e da Senzala (O Direito Consuetudinário Brasileiro) de Paulo Lopo Saraiva. Na linha das publicações regulares, o Reitorado objetivou a atualização dos Catálogos de Pesquisa e Anais de Iniciação Científica, a cargo da Coordenadoria de Pesquisa, e esta Revista do UNIPÊ, carro chefe da instituição. Tal o que explica a publicação, ainda em 2008, deste número dois do Ano XII, desta Revista do UNIPÊ, consagrado a Ciências Jurídicas. Ele circula depois do terceiro número do ano, dedicado a Ciências Biológicas e da Saúde, em razão de evento verificado na área de Fisioterapia. Graças a colaboração do conselheiro fundador Flávio Colaço Chaves e equipe do Curso de Direito do UNIPÊ, este número da já consagrada revista repete o padrão habitual. Se os temas especiais, homenageando o Arcebispo Dom José Maria Pires, evidenciam sólida contribuição do padre Antônio Kemps, a seção de artigos justapõe análises teóricas e práticas no campo do Direito, com pesquisas a cargo de alunos do UNIPÊ, sob a orientação de professores deste. Essas produções realçam temas como intervencionismo do Estado moderno, legislação pedagógica, inimputabilidade do adolescente e barreiras comerciais. Já as resenhas, subscritas por cientistas sociais de altíssimo nível, ressaltam títulos de autores nacionais e paraibanos. Esta edição de Revista do UNIPÊ encerra-se com informações dedicadas a acontecimentos culturais da região e da Paraíba. Registrando auspiciosa atualização, Revista do UNIPÊ permanece fiel ao lema de sua criação, como publicação aberta a todos. Dr. José Octávio de Arruda Mello Editor de Revista do UNIPÊ TEMAS ESPECIAIS __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ 8 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. 9Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. DOM JOSÉ E O PROFETISMO NA IGREJA DA PARAÍBA(*) Antônio Kemps(*) Querido Dom José Maria Pires: Agradeço ao nosso atual Arcebispo Dom Aldo di Cillo Pagotto, esta oportunidade de lhe parabenizar solene e publicamente na celebração dos seus cinqüenta anos de Sagração Episcopal. Muitos outros, sem dúvida, podiam fazer isso, melhor do que eu. Mas dos seus quase 30 anos de vida paraibana participei mais de 25 e a maior parte deste tempo, mesmo bem perto da sua pessoa. Dom José foi um tipo de bispo todo especial, e isso até hoje. Agora, para tipificar este seu jeito de ser Arcebispo, queria trazer uma realidade bíblica, que, ao meu ver, nos explica muito bem esse tipo de atuação em nossa querida Arquidiocese de João Pessoa. A realidade bíblica, que eu quero trazer, é o profetismo hebraico, que geralmente é reconhecido como um fenômeno único. O conteúdo ético e religioso da profecia israelita não tem paralelo no mundo antigo. É muito significativo que o movimento profético, na história de Israel, aparece exatamente um pouco antes do estabelecimentoda monarquia, i.e., da mudança de governo que vai do sistema tribal, no tempo dos juizes, para o governo monárquico, onde o rei devia ser a representação de Javé na caminhada do povo. Assim fica muito claro que Deus-Javé quer a atuação dos seus profetas ao lado dos reis, dos quais, como nos registra a Bíblia, a grande maioria fez o que Javé reprovava. Esta presença dos profetas vai até depois da volta do exílio na Babilônia, para então, um pouco misteriosamente, desaparecer e ceder o lugar aos sábios da literatura sapiencial. Tudo isso nos é apresentado, tanto nos livros de Samuel e Reis, como nos textos dos profetas escritores, grandes e menores. E assim estamos chegando na atuação de Dom José na Paraíba. Dom José chegou em 1966, logo depois do golpe de 64, quando começou o Regime Militar, o período da ditadura, o novo governo militar no Brasil. Ao mesmo tempo a Igreja de sessenta estava passando, por um período de adaptação da nova teologia do Vaticano II. Os bispos voltaram de Roma com uma nova imagem de Igreja, que era agora “o Povo de Deus” e não mais “a pirâmide hierárquica de papa, bispos e povo”. É exatamente a simbiose, por assim dizer, desses dois elementos ‘o novo Regime da Ditadura Militar’ de um lado e ‘a nova Teologia do Vaticano II’ do outro lado, que fizeram com que vários dos nossos bispos, especialmente do Nordeste, viraram, com a graça de Deus, verdadeiros profetas como no tempo do profetismo em Israel. Na Bíblia, os profetas são pessoas que guiam o povo pela vontade revelada por Deus-Javé. Todos eram ativos na política e isso, muitas vezes, em oposição à monarquia, porque viram neste governo da monarquia uma instituição ímpia e contra Javé. Eles colocavam a integridade do javismo acima de qualquer consideração nacional ou patriótica. Dentro deste conjunto de coisas, é muito fácil imaginar as tensões e conflitos, que uma atitude como esta, envolvem. O uso do instrumental profético, de forma legitima, exige uma total independência do profeta diante do governo. Na Bíblia também, havia falsos profetas, _________________________ (*) Homilia proferida, na Catedral Metropolitana de João Pessoa, em julho de 2007, por ocasião dos cinqüenta anos da sagração episcopal de Dom José Maria Pires. que eram funcionários da corte, funcionários da ideologia reinante. Mas o Profeta verdadeiro tinha como um tripé de independência: a independência temática, a independência de objetivos e a independência econômica. Os temas do governo não são os temas do profeta, os objetivos do governo não são os objetivos do profeta, os recursos e subvenções não podem vir do governo. Não é necessário grande esforço hermenêutico para concluir que não poderia haver denúncia no nível praticado pelo profetismo, se os profetas fossem dependentes das subvenções do estado. Essa independência custou muito caro aos profetas. Como também custou caro a Dom José. Tudo começou com a opção pelos pobres do Vaticano II, que antes para a Igreja só era virtual, mas não na vida real. A Carta Pastoral: “Eu ouvi os clamores do meu Povo”, biblicamente o grito de Javé na escravidão do Egito, agora tornou-se o grito dos bispos do Regional Nordeste II, e era como o começo desta nova Igreja. É aí que começa a defesa dos pobres agricultores, que deviam ceder lugar pela cana de açúcar para a produção do álcool, o Projeto Pró-Álcool. Vieram Mucatu, Camucim, Alagamar e outras lutas. Uma vez tive que acompanhar Dom José numa visita à fazenda de Alagamar, da qual uma parte pertencia a minha paróquia de Itabaiana. Quando chegamos ao posto militar, que o governador biônico tinha mandado colocar na entrada da fazenda, tive que descer do carro e só Dom José podia entrar, conforme a ordem do governador. Foi depois dessa visita que um grupo de bispos foi tanger o gado do proprietário em defesa do roçado dos pobres. E assim surgiu um grande número de acontecimentos desse tipo na vida de Dom José. Naquele tempo todo contato de Igreja-Estado era problemático. O desfile militar no dia da independência, 07 de setembro, sempre foi um problema. Mesmo o título de cidadão paraibano com pré-censura do discurso do homenageado, que Dom José não aceitou, nunca foi entregue. Concluindo, de certa maneira, todas as solenidades destes dias, são um pouco como uma reparação, um tipo de retratação. Para isso tinha que chegar a 50 anos de bispo, porque são pouquíssimos os que chegam lá. Hoje a situação, tanto do Estado como da Igreja, é outra. Os profetas na Bíblia também desapareceram, mas não sem deixar o seu recado. Assim a mesma coisa acontece agora. Hoje a Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba o acolheu em sessão solene pela propositura do Deputado Estadual Rodrigo Soares. Na quarta-feira, 18 de julho de 2007, o Poder Judiciário, pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba com o Presidente desembargador Antônio de Pádua Lima Montenegro, lhe recebeu também em sessão solene. A sua Arquidiocese, com o atual Arcebispo Dom Aldo di Cillo Pagotto, também organizou todo um programa de solenidades para esta oportunidade dos 50 anos de Sagração Episcopal. Estamos muito felizes com sua pessoa e lhe queremos muito bem. No dia 22 de setembro na data de sua Sagração, depois de uma peregrinação de mais de trinta dias, percorrendo 750Km na França e na Espanha, na Catedral de Santiago de Compostela, estivemos juntos em oração e pensamento. Parabéns, Dom José! ARTIGOS __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________ 12 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. 13Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. ÁGUA E VIDA: DIREITOS FUNDAMENTAIS José Ferreira de Andrade (orientador) UNIPÊ Cássia Cristina Alves Cardoso/UNIPÊ Eunicélia de Fátima Carneiro da Silva/ UNIPÊ Luana Thaína Albuquerque Barreto/ UNIPÊ Patrícia Leite Tavares/ UNIPÊ RESUMO O objetivo deste artigo é analisar a inter-relação e os direitos fundamentais da água, de forma a identificar os problemas, a importância e conscientização da educação para que ela possa chegar a todos potável e de boa qualidade. Para tanto, discute-se a importância do manejo sustentável dos recursos hídricos e os danos causados à saúde por falta de controle da poluição ou contaminação das águas. Dentro desse contexto, é possível estabelecer alternativas para enfrentar a escassez e a exclusão social no tocante às águas. Palavras-chave: Recursos hídricos, saúde, controle de poluição. WATER AND LIFE: FUNDAMENTAL RIGHTS ABSTRACT This article aims at analysing the inter-relation and the fundamental rights of the water, in order to identify the problems, the importance and the environmental awareness of education so that everyone would be able to get drinkable and good quality water. This study also discusses the importance of the maintainable use of the water resources and the harms caused to the population’s health due to lack of pollution control or water contamination. In this context, it is possible to establish alternatives to tackle with the lack and social exclusion of the water. Key-words: Water resources, health, pollution control. 14 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Introdução Decorrente de estudos e análises desenvolvidas ao longo de um ano de pesquisas, o presente trabalho visa a avaliar a relação entre água e direitos fundamentais, com fulcro na dignidade da pessoa humana, que, em se tratando de princípios constitucionais, é a base de todos os direitos. Dentro dos fatores que podem contribuir para essa harmonização estão a educação e a conscientização, as quais são essenciais para uma efetiva conservação e preservação desse bem ambiental chamado água. Esse recurso natural se revela essencial ao desenvolvimento econômico,que é necessário para o desenvolvimento social, devendo ser usado de forma sustentável para que promova a inclusão social, respeito, cidadania e qualidade de vida. Não há mais tempo a perder. São muitas as cidades brasileiras com problemas relacionados com a qualidade ou a escassez de água. Nos países em desenvolvimento, assim também como em nações industrializadas, o desafio é lidar com os problemas advindos da poluição das águas, inclusive as subterrâneas (águas doces encontradas abaixo da superfície terrestre). Deve-se considerar também a poluição por descargas diretas de materiais, como, por exemplo, a chuva ácida e o escoamento de águas contaminadas por fertilizantes e agrotóxicos. Em vista das dimensões do problema, impõem-se políticas públicas de tratamento e saneamento básico, além de gestão ambiental para a recuperação de mananciais e proteção do meio ambiente como um todo, visto que a água é elemento determinante de promoção da vida. O aspecto da sustentabilidade vem da necessidade da manutenção de uma população crescente e do acelerado aumento no consumo de água. O uso racional da água é vital para o ser humano, uma vez que as reservas de água doce têm múltiplos usos e, além de mal distribuídas, estão em pequena proporção no globo terrestre. Na sociedade pós-moderna, as atividades globalizantes que influem no ciclo natural das águas, os impactos antrópicos e o consumo desenfreado, colocam em risco o equilíbrio ecológico do planeta. A Água: da antiguidade aos nossos dias A História humana, desde a antiguidade, é plena de exemplos da presença da água como fator determinante para a sobrevivência humana, com o estabelecimento das civilizações às margens de rios e mares. Observa-se a apreciação da água em diversas religiões e sua aplicação simbólica, mitológica e teológica no decorrer dos tempos. Outros usos destacáveis da água são no lazer, na navegação, nas atividades domésticas e como fonte de inspiração a diversos escritos. No segundo dia da criação Deus disse: “Que exista um firmamento no meio das águas para separar águas de águas!” Deus fez o firmamento para separar as águas que estão acima do firmamento, das águas que estão abaixo do firmamento. E assim se fez. (GÊNESIS, I, 6- 7, p. 14). No Egito, uma lenda antiga diz: “Num que é água parada e escura, é a fonte e o princípio do universo, e contém em si todos os elementos que virão a existir, e que o Egito, nascido da água, viverá da água” (ÉVANO, 1998, p. 7-8). 15Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. A teoria do Big Bang dispõe que antes da grande explosão não existia nada. Mas com o processo de resfriamento, “o vapor proveniente das rochas se condensou e começou uma chuva torrencial que durou séculos, resultando na formação dos mares e oceanos” ( SOUZA, 2006, p.21). Homero escreveu o poema do mar, a Odisséia, onde narra as aventuras de Ulisses, livro repleto de “minúcias das eras remotas em que os Aqueus se iniciavam na arriscada arte de navegar” (HOMERO, 2003, 9-10). Navegando pelo tempo, chegamos à soberba Roma, pelas mãos do poeta Virgílio. Já no século IV a.C., os romanos construíram importantes obras hidráulicas. Os aquedutos foram disseminados por todo o império. No seu auge, a água era distribuída em fontes públicas e casas de banho. “Sob o domínio romano as cidades do Norte da África contaram com o abastecimento de água para banhos e consumo. Os engenheiros romanos ainda construíram açudes para irrigar imensas propriedades rurais” (REID, 2004, p. 79). Na Idade Média, as casas de banhos foram sumindo da paisagem européia (caíram em desuso). A água tornou-se sagrada, fonte de crenças e mitos. Depois vieram as grandes navegações. O Brasil é um país privilegiado pela abundância de recursos hídricos, mas um país de dimensões continentais, onde a água é mal distribuída. Para ilustrar esse quadro, é importante observar as considerações de Freitas (2007, p.18): O Brasil, nos últimos anos, vem tomando consciência do problema. Afinal, um povo que possui os maiores rios do mundo tem dificuldade em imaginar que pode ficar sem água. Mas, apesar de termos cerca de 13,7% da água doce disponível no mundo, a verdade é que os problemas vêm se agravando. No Nordeste a falta de água é crônica. No Sudeste ela é abundante, porém de má qualidade. A invasão de áreas de mananciais hídricos pela população carente é um dos maiores problemas de São Paulo. Os dejetos industriais lançados no rio Paraíba do Sul tornam precária a água que abastece o Rio de Janeiro e outras cidades. Falta água para irrigar os arrozais do Rio Grande do Sul. E não é diferente no Rio Paraíba do Norte, onde se constatou a redução da quantidade e da qualidade de suas águas, que enfrenta a poluição causada por efluentes industriais, lixo, esgotos, e ainda o assoreamento devido à devastação da mata ciliar. Com toda essa carga de poluição ficam prejudicadas principalmente as comunidades de pescadores situadas às margens do rio, que se queixam de não ter mais do que viver, pois não podem mais pescar, já que os peixes estão desaparecendo. A norma jurídica e a realidade social A Constituição Federal de 1988 foi, segundo o professor José Afonso da Silva, a primeira Constituição brasileira a trazer no seu cômputo um capítulo específico dedicado ao meio ambiente, inserido no titulo da ordem social, dispondo em seu Art. 225: 16 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2007, p. 67) É evidente, após a interpretação de tal artigo, realizar a conciliação do desenvolvimento sustentável à preservação do meio ambiente e do equilíbrio ecológico ao desenvolvimento econômico. A água, um dos principais bens ambientais, se não o maior, é um dos fatores da sobrevivência da fauna e flora, sem ela não seria possível a evolução das espécies, a manutenção do planeta, enfim, a vida em todas as suas formas. Ter acesso a água significa respeito aos direitos e garantias fundamentais, não só à vida, mas também, à dignidade da pessoa humana. O sistema de legislação brasileiro em matéria ambiental é considerado um dos melhores do planeta por ser avançado e abranger os mais diversos tipos de questões cujo alvo seja o meio ambiente. Antes mesmo do advento da Carta Magna de 1988, o Código Civil brasileiro de 1916, edição 2002, em seus artigos 563 e 568 já abordava a problemática dos conflitos entre vizinhos pela água doce. Posteriormente tivemos o Código de Águas – instituído pelo Decreto Nº 24.643, 10.7.1933 – Foi o primeiro diploma legal a regular, de modo específico, o uso dos recursos hídricos. Interessante ressaltar que durante muito tempo e mesmo com o Código de Águas em vigor, a temática água sempre era mais enfocada sob a ótica privada do que pública. A Constituição Federal de 1988, passou a considerar como bens do Estado, as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes de obras da União, como dispõe o art. 26, I; lagos e rios internacionais ou que banhem mais de um Estado, passaram ao domínio da União, como aborda o Art.20, III. A Constituição acabou extinguindo as águas particulares ou de uso comum previstas pelo Código Civil (1916) e pelo Código de Águas. A lei Nº 9.433/97 estabelece os fundamentos da atual política nacional dos recursos hídricos. Já em seu primeiro dispositivo decreta ser a água um bem de domínio público, sujeitando seu uso à outorga; significando dizer que para se ter acesso à mesma faz-se necessário uma licença pré-concedida de órgão administrativo competente. Com o objetivo de ampliar o alcance sobre a matéria foi criada no ano 2000 a Agência Nacional de Águas-ANA, responsável pelo implemento de uma política nacional acerca dos recursos hídricos. A mesma é a entidade pública federal com a incumbência de conceder as outorgas no âmbito federal, possuindo também a prerrogativa de organizaro sistema nacional de informações sobre os recursos supracitados. Na esfera estadual, os estados tentam implementar legislações que retratem o tema. Contudo, o problema é complexo e de acordo com cada região, têm suas especificidades. Porém o que se observa com freqüência, mesmo em regiões castigadas pela seca, é uma cultura de desperdícios e de mau uso da água tratada, perdida em decorrência de vazamentos e desperdício no uso doméstico. As leis existentes conseguem trazer no seu cômputo os mais variados problemas que envolvam a água, porém, para terem plena eficácia necessitam de apoio da população com seriedade, ser mais consciente ao utilizar a água, saber, ou melhor, reconhecer a sua importância e evitar o desperdício. 17Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Desperdício e mau uso são problemas culturais. A educação ambiental não pode mais ser uma simples meta e sim uma realidade. Legislar é preciso, mas educar, conscientizar é fundamental. Aspectos da sustentabilidade Inicialmente faz-se mister analisar conceitos do que seria desenvolvimento sustentável, haja vista que o uso da água, como fonte de vida, deve ser feito de maneira consciente. Sustentável é a capacidade de se manter estável por um longo período. “O desenvolvimento sustentável está vinculado, em sua forma e seu conteúdo, a uma base ambiental e ao processo eficiente de aproveitamento dos recursos ecológicos. Ambiente e economia podem e devem, ser mutuamente reforçados para o verdadeiro desenvolvimento social”. (TELECURSO 2000, p.47). Segundo excerto retirado do Caderno de Debate Agenda 21 e Sustentabilidade (2004, p.7): Desenvolvimento sustentável trata de um novo modelo de civilização, construído coletivamente, para mudar o padrão de desenvolvimento, com adoção de princípios éticos, de forma que atenda às necessidades básicas atuais, sem prejuízo para as futuras gerações, estabelecendo um contínuo melhoramento da qualidade de vida das comunidades, criando e implementando soluções para combater a degradação ambiental e as desigualdades econômicas e sociais, em que as medidas são aplicadas em uma balança de três pratos-justiça social, proteção ambiental e eficiência econômica. Observa-se uma correlação entre a falta de água de boa qualidade e a pobreza. Muito se tem falado ultimamente em desenvolvimento sustentável, preservação do meio ambiente e como forma para alcançar esse objetivo, desenvolver valores e novas posturas com relação à educação e a conscientização do povo brasileiro. “Da dignidade da pessoa humana deriva também o direito de exercer atividade econômica com senso de responsabilidade” (JOÃO XXIII, 1963, p.8). As condições de acesso a esse bem água é um dos mais graves problemas mundiais, pois milhões de pessoas não contam com abastecimento de qualidade. Somam-se a isso a escassez e a contaminação das águas. Muitos rios distribuídos pelo país sofrem com a devastação da mata ciliar, poluição, escassez hídrica, assoreamento, erosão e esgotamento da capacidade produtiva do solo. Muitos agonizam a espera de um projeto sério de revitalização para não perder sua capacidade de oferecer água adequada ao consumo humano, à fauna e à flora. Nos últimos tempos, os seres humanos têm colocado cada vez mais em prática o princípio da autodestruição. Atitudes irresponsáveis têm produzido danos insanáveis ao ecossistema mundial, à água e principalmente à própria existência. Para exemplificar tais atitudes citamos a poluição direta dos mananciais pelos próprios pescadores, o desrespeito ao período de defeso, prejudicando a reprodução de várias espécies; 18 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. o uso indiscriminado de agrotóxicos contaminando os lençóis freáticos e leitos de rios, tornando cada vez mais obrigatório o uso sustentável dos recursos hídricos, entendido como sendo, o uso da água através de medidas que regulem, por exemplo, a atividade pesqueira, de modo a garantir o equilíbrio do ecossistema na preservação das espécies e a rentabilidade econômica. A conservação do meio ambiente, mesmo que a longo prazo, é a saída mais viável. Sendo necessário desenvolver projetos que estimulem uma reflexão sobre a importância do uso sustentável da água. Mudar as relações para que sejam mais solidárias e benevolentes e a uma consciência social em busca de uma cooperação entre os diferentes povos, culturas e religiões facilitando a conservação da sustentabilidade tão importante para a realização dos projetos humanos. Poluição das águas O conceito de poluição da água, segundo a Lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente - Lei 6.938/81, Art. 3º, III, é assim definido como “qualquer alteração de suas propriedades físicas, químicas ou biológicas, que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar das populações, causarem dano à flora e à fauna, ou comprometer o seu uso para fins sociais e econômicos”. As alterações de que trata o legislador tem no homem o principal causador desses danos. Em todo o mundo o adensamento populacional, causado pelo alto índice de crescimento demográfico, gera grandes fontes de poluentes, tanto pelos números de residências quanto pela diversificação dos fins econômicos. Os resíduos industriais, dejetos humanos, esgotos domésticos, são exemplos de grande potencial ofensivo aos recursos hídricos. Nesse sentido, o saneamento básico é um desafio que precisa ser enfrentado para evitar a propagação de doenças. As atividades industriais e de mineração são fontes de poluentes tóxicos das águas. A agricultura é fonte de poluentes orgânicos e inorgânicos através dos fertilizantes, pesticidas, herbicidas e restos de animais. A preocupação com as doenças virais propagadas pela água tem aumentado nas últimas décadas. Elas podem ser transmitidas pelo consumo da água, como a cólera; pela falta de hábitos de higiene, como a escabiose; contato direto com a água, cuja doença mais comum é a esquistossomose e as doenças transmitidas através de insetos que vivem em águas paradas como a dengue e a malária. Milhões de pessoas morrem todo ano em conseqüências de doenças veiculadas pela água e as crianças são as mais afetadas. Nas comunidades ribeirinhas, muitas crianças são acometidas por diarréias e outros sintomas característicos e seus pais muitas vezes sequer associam as doenças à água, por total falta de informação sanitarista. Considerações finais É cediço que a água implica em elemento natural imprescindível a todas as formas de vida. Plantas, animais e seres humanos fazem parte de um ciclo ecológico que necessita de sustentabilidade vital. 19Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. O homem vem se desenvolvendo e se reciclando cientificamente a cada dia, no entanto, esse crescimento tecnológico e a ganância por inovações industriais desenfreadas implicam num drástico desequilíbrio ambiental. Tal instabilidade, seria aquela relacionada à natureza e ao homem que, por coadunarem numa necessária relação sócio-vital, acabam não conseguindo manter equilíbrio frente à manutenção saudável do meio ambiente. O ser humano, uma vez não explorando a natureza e seus adjacentes de maneira adequada, destruirá gradativamente seu hábitat. Como também a natureza, não sendo tratada adequadamente, resultará em mudanças ecológicas no planeta Terra, tais como, a desertificação dos campos rurais, desordens climáticas, as secas e estiagens, a infertilidade dos solos agrícolas e a fúria das inundações prejudicando a paisagem humana. As facetas várias que se mostram na problemática hídrica, têm motivado governantes, estudiosos e cientistas tanto em âmbito nacional como internacional, pela preservação da água doce em todo o planeta. O uso racional de aqüíferos (grandes reservas de água doce subterrâneas) tem sido o foco de Comissões e Fóruns Mundiais da Água. A grande relevância desses encontros diz respeito à aflição que cerca a humanidade frente à provável escassez de água doce no século XXI. A urgência de alguns desafios serem superados, tais como: o atendimento das necessidades básicas da população, a garantia do abastecimentode alimentos, a proteção dos ecossistemas e mananciais, a administração de riscos, a valorização da água, a divisão e a eficiente administração dos recursos hídricos têm como conseqüência, basicamente, minimizar os conflitos que tendem a se agravar no decorrer deste século. Observa-se, demonstrada a importância fundamental, que a água doce implica na continuidade da vida nas suas mais variadas formas, seja na vida aquática com as algas e os peixes, seja na vida terrestre com os animais e o ser humano. É condição basilar que todo cidadão presente neste planeta não desperdice a água. Deve ser mais altruísta e pensar nas gerações futuras junto a um desenvolvimento sustentável, pois a vida sem água não existe. Referências BÍBLIA SAGRADA. Tradução de: Ivo Storniolo e Euclides Martins Balancin. São Paulo: Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus,1990. BRASIL. Constituição (1988). Vade Mecum. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. ÉVANO, Brigitte. Contos e lendas do Egito antigo. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. FREITAS, Vladimir Passos de. Águas: Aspectos jurídicos e ambientais. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2007. HOMERO. Odisséia. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Nova Cultural, 2002. JOÃO XXIII. Pacem in Terris. São Paulo: Paulinas, 1963. 20 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. PINTO, Antonio Luiz de Toledo, et al. Código civil comparado. São Paulo: Saraiva, 2002. REDE GLOBO. Telecurso 2000: geografia. São Paulo: Fundação Roberto Marinho: Globo, 2000, vol.2. REID, T.R. Roma Antiga. In: National Geografic Brasil. Edição especial 46 B. São Paulo: Abril, 2004. SOUZA, Luciana Cordeiro de. Águas e sua proteção. Curitiba: Juruá, 2006. SUSTENTABILIDADE. A agenda 21, o semi-árido e a luta contra a desertificação. Caderno de Debate Agenda 21. nº 06. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. Recebido: 01.04.2008 Avaliado: 22.06.2008 21Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. ESTADO MODERNO E INTERVENÇÃO NO SÉCULO XVIII Maria do Socorro de Lucena Gomes/ UNIPÊ RESUMO Este artigo aborda o conceito de Estado e a necessidade de compreender tal Instituição no sentido de ordenar e organizar a sociedade em prol do bem-comum. Alguns filósofos e ideólogos do contato social, foram verificados assim como os fatores de intervenção na era moderna, foram identificados, não a intervenção Econômica do Ente Estatal na sociedade moderna de uma forma geral, dando uma ênfase à influência do Liberalismo Econômico situado século XVIII. Palavras-chave: Sociedade, economia, contrato social. MODERN STATE AND INTERVENTION OF THE 17th CENTURY ABSTRACT This article approaches the concept of State and the necessity to understand it in terms of commanding and organizing the society concerning the common good. Some philosophers and ideologists of the social contact, were verified and the intervention factors were identified, not the Economic intervention of the State Being in the modern society of a general form, giving which emphasized the influence of the Economic Liberalism if the 17th century. Key-words: Society, economy, social contract. 22 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Introdução Quando pensamos o ser humano e a sua convivência cotidiana, paralelamente evidenciamos a idéia de sociedade, haja vista este encontrar-se inserido na proposta da boa vizinhança, buscando a solidariedade orgânica diante do social, situação esta onde percebemos a importância do Estado, como uma “organização vigilante, ou conjunto de instituições diferenciadas e coordenadas de governo que promulgam e aplicam a lei, mantendo a ordem através das forças armadas no sentido de defesa e ataque” (RUMMEY; MAYER, 1972, p.47). Favorecendo de certa forma, a convivência entre os próprios componentes do meio social. Para Hobbes (1990, p. 399) o ser humano ao reunir-se numa multidão de indivíduos, pactuando objetivos comuns ao seu meio, “constrói um corpo político, elaborado pela ação humana que se denomina Estado”. Segundo Rousseau (1980, p. 42) “os indivíduos reunidos e que vivem em pacto social em prol e criando a vontade geral, elaboram um corpo coletivo e moral igualmente denominado Estado”. A sociedade civil, portanto é o Estado propriamente dito, onde a nação vive sob o julgo de normas positivas (as leis), promulgadas e aplicadas por um poder soberano. O povo, na concepção moderna supracitada, trata-se desse poder os indivíduos, através de um Contrato, elaboram-se como nação e transferem a esta os direitos naturais que são comuns, transformando-os em direitos civis; assim o Estado, trata- se do poder hegemônico, que representa a soberania popular, que deverá atuar em prol da vontade geral, como corpo moral coletivo ou Instituição pública, poder político organizado no interior da sociedade civil. Até Maquiavel a facção político-estatal objetivava um poder supremo, que poderia consistir-se na busca da justiça plena, a suprema virtude, a liberdade, enfim o poder dos poderes, representado por Deus (Teocracia) na terra. Com a concepção maquiavélica de Estado, partindo do princípio de que o poder era um fim em si mesmo, despreza-se a finalidade ética e religiosa desta Instituição, onde a mesma passa, portanto a conservar ou expandir a sua força política sobre a nação, cujo interesse maior, naquela época, consistia-se em domínio amplo e pleno sobre a sociedade por parte das classes dominantes (realeza, burguesia e clero); contudo, nos dias atuais, trata-se de exercer sobre a população o papel de mediador e regulador (político-econômico e administrativo) entre o próprio homem e sua representação social, onde os valores religiosos, éticos, morais, tornam-se subordinados ao próprio representante do Estado ou facção que o represente. Segundo Dallari (1995, p. 43) é na obra de Maquiavel, que pela primeira vez, em “O Príncipe”, escrita em 1513, denomina-se Estado, com a designação “estar firme”, onde este significa, portanto situação permanente de convivência ligada à sociedade. É portanto, a partir do século XVI que o nome Estado é referenciado indicando uma sociedade política ou designação dada “[...] a todas as sociedades políticas que com autoridade superior, fixaram as regras de convivência de seus membros.” O Estado Moderno é relativamente recente no contexto histórico, data do começo do século XVII e apresenta todo um quadro de transformações sociais e político-econômicas, desencadeadas pela sociedade européia, criando portanto um novo mundo, que não deu mais acesso a hegemonia da sociedade feudal. Na visão dos historiadores Koppers, o Estado passa a ser um elemento universal na organização humana, tratando-se do “[...] princípio organizador e unificador em toda 23Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. organização social da humanidade, considerando-se por isso onipresente na sociedade de todos os tempos”. Evidenciamos o Absolutismo Monárquico do Velho Mundo, no século XVI, que na França desta época, apresenta o poder soberano dos Reis, gerando atitudes egocêntricas tais como àquelas expressadas verbalmente pelo Monarca Luiz XIV, “O Estado sou eu”, que denotam poder e centralização das decisões governamentais, nas mãos dos senhores soberanos e absolutos, cujos fins a serem atingidos, justificavam todos os meios a serem galgados pelo próprio poder. O Estado absolutista e a intervenção econômica na sociedade O Estado Absolutista resultou de um longo processo histórico, iniciado com a crise da sociedade feudal, a partir do século XIV, na Europa Ocidental. Os tradicionais estamentos aristocráticos (nobreza e clero) passaram a defrontar uma nova classe social ou seja a burguesia. Os burgueses, enriquecidos pelas atividades comerciais diversas, exercidas ao longo da história, buscaram estabelecer alianças políticas com os Monarcas e estas monarquias nacionais, aproveitaram-se destas disputas de classes para ampliarem o poder político. Vemos surgir portanto um novo tipo de Estado, apoiado pelo povo burguês da época e centralizador por excelência das decisões políticas, cuja força estendeu-se pelos vastosterritórios, antes controlados pelos senhores feudais. O Estado absolutista tem em Hobbes (1990, p. 91-92) seu grande questionador e indagador teórico, “o qual procurava as origens desta Instituição, sua razão de ser e sua finalidade; sendo o Ente Público, soberano a realização máxima de uma sociedade, qualificando-a de racional e civilizada”. O Estado, um poder acima da individualidade humana, “poderia conter o egoísmo, a ambição e a crueldade, vícios próprios do ser humano, incutindo no homem uma racionalidade, levando-o a viver um equilíbrio social”. O Absolutismo, não interessou-se em afastar a igreja e suas atividades políticas; utilizou-a contudo, para fins de beneficiar-se em sua atuação para com os súditos; princípios tais como a necessidade de prestar obediência aos reis, foram encontrados na teoria do direito divino dos reis, de autoria do bispo francês Jacques Bénigne Bossuet (1627-1704), cuja obra intitulou-se A política inspirada na Sagrada Escritura (1979). Na estrutura política absolutista, especificando o caso francês do século XVI, o rei ditava a lei, através de editos ordenações e sentenças; exercia a justiça através do chancelar (este presidia na ausência do rei, o Conselho das Partes), estabelecia a própria justiça com o Conselho das Partes e por fim governava e administrava o reino com os conselhos (Alto Conselho – Ministro de Estado, Conselho das Finanças, Conselhos dos Despachos e Conselho das Partes); destacando ainda a presença e participação dos Senhores Ministros do Rei, o Chanceler, o controlador geral das finanças, quatro secretários de Estado e por fim os comissários e intendentes fiéis ao Monarca. O Estado intervinha fortemente na vida econômica da nação e consistia-se no principal responsável pela construção de uma base manufatureira, necessitando para tal, de amplo quadro administrativo para dar conta de tamanha tarefa (CRETELLA JUNIOR, 2000, p.137). 24 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. O controle da economia impunha a esta entidade funções árduas e especializadas para a época, tais como o estabelecimento de normas rígidas sobre os métodos de fabricação, critérios para inspecionar a qualidade da matéria prima utilizada na produção, fixação de preços e produtos entre outros serviços. O Estado controlava bens e pessoas e desenvolveu, nesta fase histórica, um importante componente da sua estrutura – o Judiciário; valorizando o antigo direito romano, delineou com bem mais veemência o que seria público e privado, estabelecendo leis de conteúdo abstrato, dotadas de generalidades e acentuada formalidade, no objetivo de regulamentar as relações dos súditos para com o poder estatal. Na realidade o povo estava sempre bem longe do poder político, contudo, a partir do Absolutismo, a nação não poderia ser ignorada totalmente pelas políticas nacionais. Uma segunda teoria, ainda sob a análise de Dallari (2000, p. 45), passa a admitir que: A sociedade humana, mesmo apresentando este quadro absolutista do poder do Estado no século XVII até o início do século XVIII, existiu durante certo período, sem a presença do Estado para lhe organizar. Contudo, esta instituição foi constituída gradativamente pelas tribos e comunidades pré-históricas, no sentido de atender político-socialmente as necessidades dos grupos sociais, de acordo com a realidade local e temporal dos próprios grupos. Schimidt (1934, p. 45), conceitua o Estado como “uma instituição necessária que vai surgir quando nasce a idéia e a prática da soberania”. Pallieri (2000, p. 45), indica como data oficial da criação do Estado na realidade ocidental, “o momento em que foi assinada a paz de Westfália”. O liberalismo e a proposta da não intervenção estatal na economia Saindo da visão do Estado Absolutista, responsável de certa forma pelas medidas político-econômicas fundamentais ao desenvolvimento do acúmulo do capital no âmbito da fase moderna da História, nos deparamos com o surgimento do Estado Liberal. Este emerge com a Revolução Francesa (século XVIII) e vai predominar durante todo o século XIX, deixando bem nítida a divisão entre atividade econômica e atuação política do Estado; ou seja, ser liberal no século XVIII, significava a recusa plena do intervencionismo estatal na economia da sociedade, sob a crença de que esta poderia se conduzir muito melhor, se o poder estatal (no aspecto econômico) tivesse atuação cada vez mais restrita, delegando tal função à iniciativa privada; situação ideológica predominante nos tempos atuais. Como liberalista econômico predominante na época, vamos encontrar a forte influência de Smith (1978, p.42), o qual considerava em sua doutrina que o Estado tinha apenas três deveres a cumprir: 1. O dever de proteger a sociedade da violência e da invasão por outras sociedades; 2. O dever de proteger cada membro da sociedade da injustiça e da opressão, administrando a justiça social; 3. E por fim o dever de manter certas obras e instituições públicas, que não fossem do interesse de grupos privados, haja visto o lucro 25Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. não reembolsar as despesas a estes, e sim, ter o objetivo de apenas proporcionar a sociedade, sem o interesse do acúmulo do capital, o bem-estar e favorecer a população com: boa moradia, educação digna, saúde favorável, em decorrência de bons atendimentos e tratamentos médicos em postos e hospitais públicos, entre outros serviços básicos essenciais e contínuos necessários a vida cotidiana dos cidadãos. A teoria da Mão Invisível, evidenciada pelo próprio Smith (1978, p. 45) em sua obra intitulada The Nature and causes of the Wealth), busca justificar a implantação do Estado Liberalista ou Liberalismo Econômico no seio da própria sociedade do século XVIII, evidencia-nos “a possibilidade de um ordenamento perfeito e natural no que diz respeito ao funcionamento das atividades econômicas no cotidiano social daquela época”. Predominaria na mesma, uma lógica interna que embora confusa e desconexa, dispensava qualquer intervenção (estatal que fosse), no sentido de administrar tal setor. Na realidade, uma mercadoria só deveria ser produzida se existisse para a mesma um mercado consumidor e a compra e venda do produto regulasse a própria produção. Resultado, não caberia a Instituição Pública nenhuma, interferir no sistema de produção e sim e tão somente, primar eficazmente pela segurança dos indivíduos, desde que estes estivessem atentos ao cumprimentos das leis, sob a égide dos direitos inalienáveis do homem. Ao Estado caberia proteger a vida dos indivíduos e os bens públicos, àqueles pertencentes à sociedade, zelando também pela propriedade privada. Ao homem caberia viver um grande contrato social, onde as leis baseadas nos princípios universais supra-citados, norteariam as relações entre os cidadãos e o próprio Estado. O Estado Liberal tem no filósofo inglês Locke (1978, p. 63) um grande teórico e figura importante para a evidência e predominância deste durante o século XVIII e início do século XIX. Este preocupava-se com: o estabelecimento de um pacto social entre os agentes, que juntos habitassem determinado território ; haveria necessidade de se estabelecer sobre o aglomerado humano, uma organização política, baseada num acordo entre pessoas iguais e livres; os homens seriam livres e iguais na medida em que tinham propriedades a zelar. A noção de propriedade não estaria ligada somente aos bens materiais; ser proprietário, segundo o individualismo do século XVIII, significava o homem ser proprietário de si mesmo e de suas emoções, refletindo isso em seu mundo material. Eis a exigência da sociedade e do capitalismo originário da época, o indivíduo deveria apresentar-se como proprietário, na impossibilidade de ser possuidor de inúmeros bens materiais, pelo menos de suas capacidades físicas e mentais, no sentido de negociar com o seu patrão, em posição de igualdade. É neste âmbito que Locke (1978) evidencia a lei, como um artifício necessário para regulamentar a relação contraditória e desigual que florescia com o desenvolvimento do capitalismovigente naquele momento; pois predominava a disparidade entre as pessoas dotadas de bens materiais, diante daquelas que nada possuíam em termos de riquezas terrenas 26 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. e que levavam desvantagens nas relações sociais, por serem detentoras apenas da força de trabalho. O problema da desigualdade sócio-econômica na Europa do século XVIII, passa a ser motivo de discussão por parte de muitos estudiosos e filósofos da época. Edmundo Burke (1729-1797), citado por Tomazi (2000, p. 84) expoente do Liberalismo inglês, evidenciava que “a propriedade garantia a liberdade e ao mesmo tempo exigia a desigualdade; argumentando ainda que aos ricos não cabia ajudar aos pobres, uma vez que pobreza resultava de fracasso e ausência da própria graça divina”. O homem de negócios era louvado e ao pobre cabia colaborar com a preservação dos bens dos ricos, sob a ideologia de que estes lhes davam trabalho e não deveriam se revoltarem contra os patrões, para não criarem dificuldades para os mesmo e respectivamente para a própria sobrevivência, onde poderiam perder o próprio meio de subsistência, o emprego. O funcionamento do Estado Liberal, requeria, conforme alude Piettre (1984, p. 87), a existência dos homens éticos, morais e de acentuada honestidade no poder; teria como “pressuposto a igualdade de direitos e acima de tudo a competição equilibrada no âmbito econômico”. Como estas situações não eram alcançadas, dada a ambição, concorrência e busca desenfreada por mais riqueza, na sociedade do século XIX, principalmente devido a revolução na indústria, surge gradativamente a crise social pela liberdade, presente na classe proletária, mão de obra e força produtiva que sofre os reverses e descasos sociais nas cidades européias deste século. Com a industrialização, o surgimento de grandes empresas fabris, vai formar aglomerados urbanos, que repercutiram diretamente no social e político das comunidades; o Estado passa a ser cada vez mais solicitado e aumenta gradativamente o número de atribuições deste como instituição pública, passando a intervir mais e assiduamente nas vidas das comunidades, isto no objetivo de minimizar os conflitos e precariedades em que vivia o proletariado da época, mão de obra para as indústrias e fábricas que começavam a surgir no contexto econômico urbano. Resultado, necessitava-se atender aos interesses da coletividade, combatendo de certa forma as diferenças sociais gritantes evidenciadas pelo liberalismo e a ênfase dada ao capital e a iniciativa privada no âmbito do século XVIII, que excluía totalmente o estado de intervir no aspecto econômico da sociedade. A presença do Estado intervencionista na sociedade do século XIX Elenca-se, portanto no Estado Social e Intervencionista, a existência do “ente público”, como instituição política necessária a organização e normatização da própria sociedade em que o homem vive inserido; sociedade esta que tem por objetivo primordial não apenas dominar político-socialmente e economicamente o ser humano, mas proporcionar-lhe uma boa e saudável convivência no território, cujos direitos sociais (saúde, educação, moradia, entre outros) sejam proporcionalmente concedidos a todos. O crescimento das escolas socialistas e o aparecimento do Manifesto Comunista de Karl Marx em 1848, marca a presença da ideologia do Estado Social, “eclodindo novas concepções políticas, cuja vigência prática ocorrerá bem mais tarde, com a criação do Estado Soviético, no século XX” (MARX; ENGELS, 1971 p. 83). 27Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. A intervenção do Poder Público é uma constante no Estado Social, haja vista, como expõe Venâncio Filho (1998, p. 10), “o homem situado” ou o cidadão do século XIX, dadas as necessidades de representação diante do processo industrial impor “[...] o alargamento das atribuições do Estado, propondo o estatismo”, onde este, trata-se de ampla atuação do ente público em todas as áreas, de forma protecionista e puramente emergencial, principalmente diante do proletariado e que foge (ainda seguindo o mesmo autor) a uma definição mais fidedigna do termo utilizado – Estatismo; tal fenômeno, denota a intromissão do poder público de forma constante, junto ao social; situação esta gerada pelas transformações sócio- econômicas, onde a indústria, gerida pela iniciativa privada, na Revolução Industrial, basicamente vai utilizar-se do proletariado como força de trabalho e não vai investir no mesmo, no sentido de beneficiá-lo, no que diz respeito as necessidades essenciais ao cotidiano (moradia digna, educação e saúde satisfatória para o trabalhador e os seus, entre outros direitos básicos). Resultado, é no estatismo (predominante do séc. XX) quer nos deparamos com o intervencionismo estatal, cuja participação da instituição pública na vida social, política e econômica da nação, situação auxiliada pelo regime Constitucionalista, vai ampliar bastante a participação do povo politicamente no poder e junto ao processo administrativo das nações (principalmente na Europa deste século), trazendo consequentemente para a competência do Estado, a solução para os problemas comunitários, reivindicações feitas pelas populações sofridas, em face dos direitos sociais. Nas palavras de Laufenburger (1979, p. 3) o termo intervencionismo, denota expressões tais como: economia dirigida, controlada ou organizada, capitalismo regulamentado ou planificação; enfim, uma ação construtiva do Estado em prol do social e não somente em favor do capital. O “homem situado é senão condicionado pelo seu meio e pelas necessidades comuns, representante por excelência, da classe profissional que exerce e que vai evidenciar a luta sindicalista por melhoria de vida para o trabalhador”. Este homem, comum no seio da sociedade do século XIX e que tem em Karl Marx um grande teórico, nos remete sempre ao problema da luta de classes, decorrente das situações opostas ou antagônicas em que conviviam as classes sociais; ou seja as relações sociais estabelecidas na sociedade capitalista do século XIX e que alicerçavam o processo de dominação econômica, política, ideológica e cultural desta época, que eram exercidas pela classe dominante, proprietária dos meios de produção, para com o empregado, o trabalhador, que nesta relação sentiu-se obrigado a organizar-se como classe profissional para deter (através de uma pessoa jurídica – o sindicato) a exploração, o abuso do patrão sobre sua força de trabalho. Considerações finais É neste âmbito que evidencia-se a proposta socialista e o Estado intervém em todos os ângulos da sociedade, em defesa da coletividade, em prol do bem comum. Na realidade, a propriedade privada é abolida e o homem submetido físico e moralmente ao poder soberano do Estado. No Socialismo, fica evidenciada a luta social contra o mando e o poder estabelecidos pela classe dominante, detentora dos meios de produção. No âmbito cultural, através de manifestações artísticas, na literatura, no cinema; em tudo evidencia-se a luta de classes, que se manifesta de diversas formas e em todos os aspectos da vida da sociedade; no trabalho, no laser, no cotidiano rotineiro dos povos etc... 28 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Para Marx e Engels, o Estado é o produto das relações dos homens; relações estas de opressão, haja vista, ocuparem, os mesmos, posições desiguais em face dessas relações. Cabia portanto ao proletariado, tomar o poder e de posse deste e com o domínio sobre o Estado, a propriedade privada dos meios de produção seria gradativamente abolida e com ela seriam também abolidas as classes sociais (não existiriam nem ricos nem pobres, mas todos fariam parte de uma só classes social) e finalmente o próprio Estado seria abolido e teríamos uma nação de trabalhadores que se auto governariam em prol do bem social de todos. Resultado, a defesa dos interesses do proletariado e operariado da época (século XIX), implicava na negação dos interesses burgueses e na construção de uma sociedade sem classes e para isto, os operários deveriam se organizar e unificar suaslutas. No final do século XIX, o movimento operário adquire uma consciência crítica relativa a sociedade capitalista, ou seja, de que não podendo extinguir a propriedade privada, tornando-a coletiva, basicamente deveriam ser sujeitos das transformações sociais, empreendendo os Movimentos Sociais no seio da própria sociedade capitalista. É a partir dessa consciência de luta em prol do direito dos trabalhadores, que o movimento operário, organizado partidariamente e sindicalmente, avançou acentuadamente no século XIX e no início do século XX. Os Sindicatos e partidos dos operários, na Europa, entre estes o Partido Social-Democrata Alemão, o Partido Socialista Francês, o Trabalhista inglês e o Partido Operário Social-Democrata Russo, dominaram e tomaram seus espaços na sociedade capitalista, exercendo ameaça sobre o domínio pleno do econômico no social por parte da classes burguesa. Referências BOSSUET, Benigne. A política inspirada na sagrada escritura. Paris: Librarie de drort, 1979. 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Recebido: 01.04.2008 Avaliado: 10.07.2008 30 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. REPENSANDO AS PRÁTICAS DA PSICOLOGIA JURÍDICA NA PÓS MODERNIDADE Giovanna Marafon/UNIPÊ Dávila Teresa de Galiza F. Pinheiro/UNIPÊ RESUMO Este trabalho aborda o movimento de construção histórica da Psicologia Jurídica, apresentando as forças que interagiram nesse contexto, bem como os conceitos utilizados para se referir a tal área, seus espaços e possibilidades de atuação. Situa as articulações entre Psicologia e Direito, as demandas que motivaram essa aproximação e as práticas que se estabeleceram nesse campo. Retoma a perícia como principal atividade realizada em Psicologia Jurídica, porém não a única, afirmando a necessidade de se implementarem novas práticas psicológicas comprometidas com o bem-estar e as potencialidades do ser humano nas questões que se relacionam com o Direito. Nesse atravessamento, descortinam-se novos fazeres e a interferência de outros saberes, compondo um campo de trabalho transdisciplinar. Palavras-chave: Direito, perícia, transdisciplinaridade. RETHINKING THE PRACTICES OF JURIDICAL PSYCHOLOGY IN POST MODERNITY ABSTRACT This work is about the movement of the historic construction of Juridical Psychology, presenting the forces that have interacted in that context, as well as the terms used to refer to that are as, its spaces and possibilities for action. It establishes an articulation between Psychology and Law, the needs that motivated this approach and the practices that were established in that field. It incorporates the forensic evaluations as the main activity carried out in Legal Psychology, stating the need to implement new psychological practices committed to the welfare and potential of the human being in matters concerned to the Law. In that intersection, new actions and interference from other knowledge are shown, composing a field of transdisciplinary work. Key-words: Law, forensic evaluation, transdisciplinarity. 31Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Introdução A escrita deste texto está comprometida com o movimento histórico de constituição e afirmação da Psicologia Jurídica, considerada uma disciplina emergente e entendida como um ramo da Psicologia que se caracteriza por sua interface com o Direito. Para isso, algumas passagens pelas engrenagens históricas que instituíram a Psicologia como ciência serão necessárias para, enfim, percorrer a trilha da Psicologia Jurídica, bem como seus desvios, junto ao Direito até os dias atuais. A Psicologia e um pouco de História A Psicologia é considerada uma ciência recente quando comparada às demais. Além da forte influência da Filosofia e da Religião, posteriormente, também a Biologia contribuiu de maneira peculiar nesse contexto em que o mundo aspirava compreender o comportamento humano. Foi em 1879, com a criação do primeiro laboratório de Psicologia Experimental por Wundt, na Universidade de Leipzig, que teve início, oficialmente, a história da Psicologia enquanto ciência moderna. Os estudos nesse campo orientavam-se na investigação experimental dos processos psicológicos relacionados à análise do comportamento, ao desenvolvimento psicológico, à aprendizagem, percepção, memória, motivação, emoção, inteligência etc. Aqueles estudos eram realizados por intermédio de instrumentos laboratoriais de exame que, rapidamente, foram substituídos por simples testes. Conforme assevera Jacó-Vilela (2002, p. 16): Os testes indicam o prescindir dos instrumentos de que se achavam dotados os laboratórios (mecânicos, elétricos), transformando-se em ‘testes de lápis e papel’, cuja facilidade de aplicação – tanto em termos de local quanto em relação à quantidade possível de pessoas testadas ao mesmo tempo – faz com que se tornem a técnica privilegiada de produção dos saberes e práticas psicológicas. A partir de então, houve uma verdadeira aproximação da Psicologia ao Direito. Tal aproximação, na verdade, traduzia o interesse do Direito em descobrir como apreciar a qualidade dos testemunhos de indivíduos envolvidos em processos judiciais e essa foi uma questão direcionada à Psicologia, a qual procurou respondê-la através da aplicação de testes psicológicos. Que demandas aproximaram Psicologia e Direito? Diante desse panorama, no final do século XIX, desponta a primeira grande articulação da Psicologia com o Direito: a Psicologia do Testemunho. Esta tinha a finalidade de avaliar, por intermédio do estudo experimental dos processos psicológicos, a veracidade dos testemunhos, as falsas confissões, as simulações ou mesmo prever certos tipos de 32 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. comportamentos para que assim fosse possível uma eficaz atuação e aplicação da norma jurídica. Na clássica obra Manual de Psicologia Jurídica, de 1945, que marca a formulação da Psicologia Jurídica como disciplina e área de estudo, Emílio Mira Y López afirma que o testemunho dado por uma pessoa sobre um fato está sujeito a cinco fatores essenciais, quais sejam: o modo como aquela pessoa percebe determinado acontecimento, o modo como sua mente foi capaz de conservar o fato, a maneira de evocá-lo, o modo como quer expressá- lo, e, por fim, o modo como pode expressá-lo. Todos esses fatores foram estudados por influentes mecanismos advindos da Psicologia Experimental que, no começo, era aplicada de modo quase que exclusivo aos interrogatórios judiciais que abordassem casos delituosos, pois nesse período o estudo sobre a personalidade do indivíduo que praticava uma conduta delituosa, o delinqüente, estava em evidência. Mira Y López denominou esse estudo de Psicologia Anormal (termo esse não mais em uso), o qual era considerado um ramo da Psiquiatria. A Psicologia Anormal regeu a vida do Direito durante muito tempo e até hoje é possível encontrar resquícios dessa teoria, a qual entendia que havia uma patologia individual ou anormalidade em todo aquele que rompia com as regras sociais cometendo delitos. Tal teoria trouxe sérias conseqüências, uma vez que culpabilizava individualmente certa pessoa pela prática de um delito, acreditando que estao praticava pelo fato de possuir uma anomalia intrínseca. Descartavam-se, assim, quaisquer conexões e fatores externos que compusessem um contexto mais amplo, relevante para o entendimento da criminalidade e da relação das pessoas com o crime. Naquele período, o ideário positivista, inspirado nas Ciências Naturais, influenciou sobremaneira as Ciências Humanas e Sociais ao estabelecer a necessidade de aperfeiçoar os instrumentos de exame, como as perícias, as quais expandiram sua atuação aos mais diversos setores da Psicologia e também do Direito. Como bem pontuou Brito (2001, p. 120): A perícia psiquiátrica, inicialmente restrita à investigação da responsabilidade penal do adulto, estende-se, a partir do final do século XIX, a outras áreas do Direito, visando os dispositivos de correção a serem aplicados e a aferição de “verdades” que deveriam auxiliar os trâmites jurídicos, percurso recomendado aos primeiros psicólogos que se aproximaram do campo do Direito. É possível depreender de tudo isso que havia o anseio por técnicas cada vez mais apuradas que possibilitassem a obtenção de dados exatos, a fim de auxiliar os operadores do Direito, tendo em vista a fé depositada nos diagnósticos advindos da avaliação psicológica. Portanto, observa-se que, no princípio, a Psicologia era uma ciência totalmente identificada com a prática de psicodiagnósticos. Nessa primeira fase, a maioria dos psicólogos desempenhava suas funções como auxiliares dos psiquiatras, o que acontecia da seguinte forma: médicos psiquiatras eram os responsáveis pelas perícias e os psicólogos eram seus auxiliares, realizando apenas a testagem (aplicação de testes psicológicos). 33Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Psicologia Jurídica: de que se fala? Como ainda não havia o cargo de psicólogo jurídico junto ao Poder Judiciário, durante muito tempo, a prática da Psicologia restringiu-se à realização de perícias feitas por psicólogos autônomos, os quais atendiam incontáveis solicitações de pedidos de avaliação acerca de disputa de guarda de crianças, análise da cessação da periculosidade, interdições etc. No exercício de tais práticas, o termo mais usual para se definir essa área foi Psicologia aplicada ao Direito. Percebe-se aí uma relação de subordinação, na medida em que a Psicologia Jurídica apresentava-se como disciplina a serviço do Direito, uma disciplina meramente auxiliar. Não se quer dizer com isso, que a Psicologia Jurídica não possa responder às demandas do jurídico, muito pelo contrário, o que se objetiva esclarecer é que ela não se deve paralisar na relação com o saber jurídico, mas transcender as solicitações da seara jurídica, através de um constante diálogo que é ao mesmo tempo psicojurídico. Nesse sentido, assevera Trindade (2004, p. 27): A Psicologia Jurídica, na sua totalidade, não é apenas um instrumento à serviço do jurídico. Ela analisa as relações sociais, muitas das quais não chegam a serem selecionadas pelo legislador. Em outras palavras, não se jurisdicizam, isto é permanecem destituídas de incidência normativa e constituem a grande maioria de nossos comportamentos sociais. Assim, com o passar do tempo, a Psicologia Jurídica tem procurado se afastar das funções exclusivamente psicotécnicas, orientando-se cada vez mais para o bem-estar do homem e suas potencialidades, trazendo uma preocupação ética com o seu fazer. E, com o Direito, busca-se uma relação baseada na complementaridade e não na subordinação, criando, desse modo, um terreno propício para o diálogo transdisciplinar, não-subordinante. Logo, a Psicologia Jurídica vai muito além do estudo do comportamento humano no âmbito da Justiça, pois esse se configura em uma das manifestações da subjetividade, a qual conforme ensinamentos de Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 23) refere-se ao “mundo de idéias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais”. De acordo com o pensamento de Michel Foucault, em sua obra intitulada A verdade e as formas jurídicas (1974), França (2004, p. 76) traz o seguinte entendimento: Tanto as práticas jurídicas quanto as judiciárias são as mais importantes na determinação de subjetividades, pois por meio delas é possível estabelecer formas de relações entre os indivíduos. Tais práticas, submissas ao Estado, passam a interferir e a determinar as relações humanas e, conseqüentemente, determinam a subjetividade dos indivíduos. Por esse prisma, entende-se que a Psicologia Jurídica interfere nas relações entre os indivíduos como algo oriundo das próprias práticas jurídicas, as quais também são capazes de determinar a subjetividade dos sujeitos envolvidos. Por conseguinte, a Psicologia Jurídica vai se preocupar igualmente em enfocar “as determinações das práticas jurídicas sobre a 34 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. subjetividade, não mais enfocaria apenas o comportamento do indivíduo para explicá-lo de acordo com a necessidade jurídica” (FRANÇA, 2004, p. 77). Essa idéia ultrapassa a perspectiva que o Direito possui em relação à Psicologia Jurídica. Longe de apresentar um conceito formado e acabado acerca da Psicologia Jurídica, tarefa praticamente impossível, preferiu-se trazer à tona as forças que disputaram terreno na construção desse novo campo. Interessante se faz expor a constatação de Thomas Herbert (1972) citado por Arantes (2005, p. 18-19) acerca da própria Psicologia, que nos permite lançar questões também à Psicologia Jurídica: (...) colocar a uma ciência as questões ‘quem és tu?’, ‘por que estás aqui?’ e ‘quais suas intenções?’ pode parecer impertinência à qual ela tenderia a responder que ‘está aqui porque existe’ e quanto às suas intenções ‘ela não as tem’ mas apenas problemas a resolver’. No entanto, considera importante a distinção feita por Louis Althusser entre ciência desenvolvida e ciência em constituição. Na ciência desenvolvida o objeto e o método são homogêneos e se engendram reciprocamente, o que não acontece com as ciências em desenvolvimento, como a Psicologia. Isso mostra o quão difícil se faz tecer qualquer tipo de conceituação acabada em torno da Psicologia Jurídica, vez que surge de encontros históricos entre Psicologia e Direito. Nesse percurso não-linear, cabe interrogar os saberes e fazeres da Psicologia Jurídica, desnaturalizando verdades e abrindo passagem para novos fluxos e novas práticas. Psicologia Jurídica ou Psicologia Forense? É importante ressaltar, sucintamente, a discussão existente entre Psicologia Jurídica e Psicologia Judicial, Forense ou Legal. Embora alguns autores confundam referidas terminologias, essas são duas modalidades de atuação com diferenças marcantes. A Psicologia Judicial, Forense ou Legal que inicialmente se ligava à Psicologia Criminal e à Psicologia do Testemunho é aquela que aparece no intuito de facilitar a inserção ou aplicação dos processos psicológicos à prática de trabalho do jurista. O termo forense, conforme o Pequeno Dicionário Jurídico, quer dizer: “pertencente ao foro judicial ou que nele é usado; relativo a juízes e tribunais”, logo mostra-se como uma terminologia que restringe o campo de atuação da disciplina, uma vez que o profissional ligado a essa área atuaria exclusivamente na conjuntura do fórum, tendo, portanto, sua atividade limitada ao referido contexto. De outra banda, encontra-se a Psicologia Jurídica que trata da fundamentação psicológica e social do Direito e da Justiça. A palavra jurídica é bem mais abrangente, pois envolve além de procedimentos inerentes aos Tribunais, aqueles que são de interesse do jurídico, sem, contudo, serem frutos da atividade do jurista. Deste modo, a psicologia jurídica interessa-se por temas e atuações não apenas circunscritas aos Tribunais de Justiça, mas, também àquelas que envolvem as instituições jurídicas – Conselhos Tutelares, prisões, abrigos, unidades de internação, organizações não- governamentais, instituições de cumprimentode medidas socioeducativas para adolescentes 35Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. que cometeram atos infracionais, entre outras. E assim os temas que interessam à Psicologia Jurídica não se restringem ao âmbito forense. A perícia psicológica: novamente ou, ainda, uma prática a ser transposta? A prática da perícia, conforme mencionado anteriormente ganhou espaço em virtude da influência do ideário positivista predominante no século XIX, em que se almejava obter dados cada vez mais exatos no intuito de dar maior sustentabilidade e exatidão às decisões jurídicas. Desse modo, “a perícia estabeleceu o campo de atuação da Psicologia Jurídica na busca da verdade através da prova pericial” (SILVA, 2003, p. 7). Nesse período, o exame pericial era realizado visando principalmente averiguar as condições dos indivíduos acerca de sua sanidade mental, capacidade de discernimento e periculosidade. Conforme estudos de Rauter (1994), Altoé(2001) lembra-nos que os exames periciais quando feitos nas penitenciárias e hospitais psiquiátricos penais eram usados para instruir processos de livramento condicional, comutação de penas, indulto e, freqüentemente, para avaliar se um detento poderia sair da cadeia ou não, se ele poderia retornar ao chamado convívio social, se ele merecia uma progressão de regime etc. Destarte, o que se constata é que a grande maioria do conteúdo destes laudos advindos de exames criminológicos trazia uma densa carga de preconceito, além de estigmatizar a pessoa que ia para a prisão. Ademais, muitas vezes tais laudos nada tinham de teor científico, pois repetiam a mesma visão preconceituosa advinda da própria sociedade. Com o passar do tempo, a prática da perícia expandiu-se em múltiplos contornos. Ela não mais se fixava somente na elaboração de psicodiagnósticos de natureza criminal, tornava-se, sim, uma prática freqüente em diversos setores da Psicologia, tais como: escolar, clínico, industrial e, notadamente, jurídico. Na esfera jurídica, ainda são freqüentes as solicitações de psicodiagnósticos em torno de pedidos de interdição, incapacidade para os atos da vida civil, guarda de filhos, indenização, cessação de periculosidade, dentre outros. A perícia visa a assessorar os órgãos judiciários, dando subsídios através de conhecimentos técnico-científicos especializados, no intuito de levar, para os autos de um processo, informações, as quais muitas vezes escapam ao saber jurídico, servindo, dessa forma, para orientar a tomada de decisão por parte da autoridade judicante. Esta não está, entretanto, obrigada a seguir o laudo pericial, uma vez que o magistrado norteia-se pelo Princípio do Livre Convencimento Motivado, podendo, por conseguinte, criticar, acolher ou rejeitar o laudo, de acordo com seu convencimento. Válido ressaltar que o laudo consiste no resultado de uma perícia, em outras palavras, é a forma de materialização da perícia no processo, cujo objetivo é apresentar resultados conclusivos (diagnósticos) acerca da matéria posta em análise, servindo, de prova ou mesmo de consulta elucidativa sobre determinado ponto. De acordo com Cruz (2002, p. 272): No exercício da peritagem e na elaboração do laudo, cabe ao psicólogo organizar as informações decorrentes da avaliação psicológica realizada em linguagem cientificamente aceitável, pautando-se pela objetividade nas afirmações, argumentos e descrições dos dados coletados. Enquanto resposta a um quesito legal é da natureza do laudo subsidiar e contribuir à tomada de decisão judicial. 36 Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Todo esse cuidado na realização da perícia e na elaboração do laudo se faz necessário, tendo em vista a possibilidade de invalidação dos mesmos, em caso de comprometimento da qualidade e do teor dos instrumentos utilizados. Igualmente, é de fundamental importância uma leitura interdisciplinar, capaz de unir os conhecimentos produzidos pela ciência psicológica e jurídica, justamente visando à compreensão do diagnóstico produzido. Do ponto de vista legal (Código de Processo Civil), a perícia, notadamente a psicológica, constitui o único recurso previsto, passível de utilização pela Psicologia Jurídica, como forma de auxiliar a Justiça (CEZAR-FERREIRA, 2004, p. 118). Isso se explica em função de o Código de Processo Civil Brasileiro (2002) apresentar no seu Livro I: Capítulo V do Título IV, intitulado: Dos Auxiliares da Justiça, através dos arts. 139 e 145 a 147, o perito como auxiliar da Justiça, trazendo ainda os critérios referentes à habilitação e nomeação do mesmo; como também o Capítulo VI, do Título VIII, intitulado como Das Provas, indicar nos arts. 420 a 439, todo o procedimento para a realização da prova pericial. Cabe lembrar também que, com a revisão de 1984 e a entrada em vigor da Lei de Execuções Penais (LEP), os presos e internados para o cumprimento de suas sanções passaram a ter direito à assistência material e à saúde, bem como assistência jurídica, educacional e religiosa. Conforme aponta Kolker (2005), curiosamente, não há menção à assistência psicológica. Fala-se somente em classificação dos apenados, por meio da avaliação a ser feita por uma Comissão Técnica de Classificação (CTC), presidida pelo Diretor do estabelecimento prisional e composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um assistente social. Além de avaliar para orientar a individualização da execução penal, até 2003, coube à CTC também realizar exame criminológico com presos com direito a livramento condicional ou progressão de regime. Desde 2003, esta deixou de ser uma obrigação, permitindo tais profissionais desenvolverem trabalhos terapêuticos e de ressocialização com os apenados. A criação do cargo de psicólogo jurídico se deu somente a partir de 1990, quando os mesmos passaram a atuar como funcionários concursados, nas diversas Varas: Infância e Juventude, Família e Execução Penal, desempenhando atividades distintas daquelas exercidas pelos peritos autônomos. Assim, a atuação nessa nova área de saber pode se fazer por outros caminhos e possibilidades, que não somente a realização de perícias. Como bem demarcou França (2004, p. 75), a realização da perícia é uma das possibilidades de atuação da Psicologia Jurídica, mas não a única. Tudo isso encontra respaldo ao se reconhecer na perícia uma forma limitada e reduzida de produzir conhecimento a partir de um recorte parcial da realidade individual, a qual não vislumbra a totalidade humana, mas tão somente uma parte dela. E o que é pior, essa visão é tratada, por muitos, como a verdade absoluta sobre o indivíduo. Hoje, a própria Psicologia reconhece que teve suas práticas e seu olhar historicamente direcionados para a identificação das deficiências e patologias humanas. Exige-se, portanto, da Psicologia Jurídica uma postura mais crítica, repensando a prática da perícia, distante das antigas funções, puramente psicotécnicas e, assim, reafirmando o compromisso da Psicologia com a ética e o bem-estar do ser humano. 37Revista do UNIPÊ, 12 (2), 2008. Apostas finais: atuações psicojurídicas e a construção transdisciplinar do conhecimento Sendo assim, também têm sido possibilidades de atuação em Psicologia Jurídica: colaborar com o planejamento e a execução de políticas preventivas de combate à violência, à criminalidade e à exploração sexual infanto-juvenil; criar condições favoráveis ao cumprimento efetivo dos direitos humanos; investigar as implicações do jurídico sobre a subjetividade individual; realizar a mediação por intermédio de intervenções que contribuam para que, eticamente, as pessoas se responsabilizem por seus conflitos e procurem resolvê- los; além de acompanhar e oferecer a devida orientação para cada caso pertencente aos diversos setores da Justiça, tais como: separações, divórcios, processos de disputa de guarda, adoção, violência de gênero, tratamento de pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes etc. Apesar da resistência para se sintonizar saberes produzidos em diferentes loci numa esfera transdisciplinar, a aposta
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