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f! .(J.M.. Nu nJ.6, bd~ ot.L o&.'VelR..a..(Pt-i ,4 . A-vV1~;e,a- ~L:ÚJtoy/~ «;'0 cLt r~: ..z",k,e / 191 J' 1 o Ofíciode Etnólogo,ou comoTer "AnthropologicalBlues"* ROBERTO DA MATA This g/ory. the sweetest, the true.. or rather the only true glory. awaits you. encompassesyou already; you wÜ/ know al/ its bril/iance on that day 01 triumph and ioy on which. returning to your country. we/comed amid our delight. you will arrive in our walls. loaded with the niost pre. cious apoils. and bearers 01 happy tidings 01 our brothers scatteredin the uttermostconfines01 the Universe. Degérando.. Introdução Em EtnoIogia, como nos "ritos de passagem", existem três fases(ou pJanos) fundamentaisquandose trata de discorrersobre . Trablllho apresentadona Universidadede Brasfiia, junto ao Departa- mentode CiênciasSociais.no Simpósiosobre Trabalho-de-Oampo,ali realizado.Expressomeusagradecimentosaos Profs.RobertoCardosode Oliveirae KennethTaylor.quena épocaeram,rc;spectivamente,Chefe do Departamentode CiênciasSociais""Coordenadot'do Cursode..Mes- tradode AntropologiaSocial,pelo convite.Posterionnente,o textofoi publicadono MuseuNacionalcomoComunicaçãon.OI, Setembro,1974, em ediçãomimeografada.Desejoagradecera GilbertoVelho, Luiz de CastroFaria e AnthonySeegerpelassugestõese encorajamento,quando dapreparaçãodasduasversõesdestetrabalho... loseph-MarieDegérando.The Observation01SavagePeop/es(1800). traduzido.do francêspor F.C.T. Moore,Berkeleye Los Angeles:Uni- versityOf CalifomiaPress.1969. , .=.1 24 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA as etapasde uma pesquisa,vista pelo prisma do seu cotidiano.A primeira, é aquela caracterizadapelo uso e até abusoda cabeça, quando ainda não temosnenhum contatocom os sereshumanos que, vivendo em grupos, constituem-senos nossosobjetosde tra. balho. ~ a faseou plano que denominode teórico-intelectual,mar- cada pelo divórcio entre o futuro pesquisadore a tribo, a classe social,o mito, o grupo, a categoriacognitiva,o ritual, o bairro, o sistemade relaçõessociaise de parentesco,o modode produção,o sistemapolítico e todosos outros dominios,em sua lista infindá- vel, que certamentefazem parte daquilo que se busca ver, enca- rar, enxergar, perceber,estudar, classificar, interpretar, explicar, etc. .. Mas essedivórcio - e é bom que se diga isso claramente - nãodiz respeitosomenteà ignorânciado estudante.Ao contrá. rio, elefala precisamentede um excessode conhecimento,masde um conhecerqueé teórico,universale mediatizadonãopelocon- cretoe sobretudopelo específico,mas pelo abstratoe pelo não vivenciado.Peloslivros,ensaiose artigos:pelosoutros. Na faseteórico-intelectual,as aldeiassãodiagramas,os ma. trimônios,se resolvemem desenhosgeométricosperfeitamentesi. métricose'equilibrados,a patrolJ4lgeme a clientelapolíticaapa. recemem regrasordenadas,a'própriaespoliaçãopassaa seguir leis'~ os índiOssão de papel.Nunca ou muito raramentese pensaemcoisasespecíficas;quedizemrespeitoà minhaexperiên. cia, quandoo conhecimeJ;1toé permeabilizadopor cheiros,cores, doresé amores.Perdas,ansiedadese medos,todosessesintrusos que os livros, sob,.,tudoos famigerados"manuais"das Ciências Sociaisteimampor ignorar. " Umasegundafase,quevemdepoisdessaqueacabode apre- sentar,podeserdenominadade períodoprático.Ela diz respeito; essencialmente,_anossaantevésperade p~squisa.De fato,trata.se daquelasemanaque toooscuja pesquisaimplicouumamudança drásticaexperimentaram,quandoa nossapreocupaçãomudasubi- tamentedas teoriasmais universaispara os problemasmais banalmenteconcretos.A pergunta,então,nãoé maisseo grupoX temou nãolinhagenssegmentadas,à modadosNuer,Tallensiou Tiv, ou se a triboY temcorridasde torae metadescerimoniais, comoosKrahóouApinayé,masdeplanejara quantidadedearroz e remédiosquedevereilevarparao campocomigo. Observoque a oscilaçãodo pênduloda existênciaparatais questões- onde vou dormir, comer, viver - nãoé nadaagra. dável.Especialmentequandoo nossotreinamentotendea serex. cessivamenteverbale teórico,ou quandosomossocializadosnuma culturaquenosensinasistemll'\camenteo conformismo,essefilho A VERSÃo QUALJTA11VA 25 ( daautoridadecoma generalidade,a lei e a regra.No plonoprá- tico,portanto,já nãose tratadecitara experiência.dealgumhe- rói-civilizadorda disciplina,masdecolocaro problemafundamen- tal naAntropologia,qualseja:o daespecificidadee relatividadede sua própriaexperiência. . A fasefinal, a terceira,é a que.chamodepessoalou emten. cial. Aqui, não temosmais divisõesnítidasentreas etapasda nossaformaçãocientíficaou acadêmica,maspor umaespéciede prolongamentode tudoisso,umacertavisãodeconjuntoquecer- tamentedevecoroartodoo nossoesforçoe trabalho.Destemodo, enquantoo plano teórico-intelectualé medidopela competência acadêmicae o planopráticopelaperturbaçãodeumarealidadeque vai se tornandocadavez mais imediata,o planoexistencialda pesquisaem Etnologiafala maisdas liçõesque devoextrairdó meuprópriocaso.~ por causadissoqueeu a considerocomo.es- sencialmenteglobalizadorae integradora:ela devesintetizara bio- grafiacoma teoria,e a práticadomundocoma doofício. Nestaetapaou,antes,nestadimensãodapesquisa,eunãome encontromaisdialogandocomíndiosdepapel,ou com diagramas simétricos,mascompessol!S.Encontro-menumaaldeiaconcreta:- calorentae distantede tudoqueconheci.Acb.o-mefazendo'facea lamparmase doença.Vejo-mediantede gente.decarne8 osso. Genteboae antipática,gentellabidae estúpida,gentefeiae boníta. Estou,assim,submerSonUD;1mundoquesesituava,e depoisdapes- quisavoltaa sesituar,entrea realidadee o livro. ~ vivenciandoestafasequemedouconta(e nãosemsusto) queestouentredoisfogos:a ~ha culturae umaoutra,o meu mundoe um outro.De fato,tendome preparadoe mecolocado comotradutorde um outrosistemaparaa miribapróprialingua. gem,eisquete~o queinici~ minhatarefà.E entãoverifico"inti. mamentesatisfeito,queo meuofício- voltadopara o'estudo,'dos homens- éanálogoà própriacaminhadadassociedadeshllmenas: semprena tênuelinhadivisóriaque'separaosRnimmsnadetemii. naçãodanaturezae os deusesque,dizemoscrentes,forjamo seu própriodestino. . . " ,,:), Neste trabalho,procuro desenvolverestaúltima dimensão;.da, pesquisaem Etnologia. Fase que, para mim e talvezpara outros,foi tãoimportante. . . ,. " i:,": I Durante anos, a AntropologiaSocial estevepreocupadaem estabelecercomprecisãocadavezmaiorsuasrotinasdepesquisa 26 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA ou. comoé tambémchamadoo exercíciodo ofíciona suaprática maisimediata,do trabalhode campo.Nos cursosde Antropologia os professoresmencionavamsemprea necessidadeabsolutada co- letade um bommaterial,istoé, dadosetnográficosque permitis. semum diálogomaisintensoe maisprofícuocomas teoriasc0- nhecidas,.poisdaí,certamente,nasceriamnovasteorias- segundo a velhae, porquenão diZer,batidadialéticado Prof. Robert Merton. Desseesforçonasceramalgunslivros- na Américae fora dela -- ensinandoa realizarmelhor'taisrotinas.Os dois maisfa. mosossãoo notórioNo'esandQueriesin An'hropoloB)'.produzido pelosinglesese, diga.sede passagem,britanicamente.produzido . comzelomissionário,coloniale vitoriano,e o nãomenosfamoso Guiode InvestigaçãodeDadosCul'urais,livro inspiradopeloHu. manRelationsAreaFiles,soba égidedosestudos"cross-culturais" do Prof. GeorgePeterMurdock. Sãosuaspeçasimpressionantes,comosãoimpressionantesas monografiasdosetnólogos,livrosqueatualizamde modocorreto e impecávelessasrotinasde "comocomeceifazendoum mapada aldeia,colhe~doduramenteas genealogiasdosnativos,assistindo aos ritos funerários,procurandodelimitaro tamanhode cada roça"e "termineidescobrindoum sistemade parentescodo tipo CnJw.Omaha,etc... ". Na realidade,livrosque ensinama fazer pesquisasãovelhosna nossadisciplina,e pode-semesmodizer- sem medode incorrer em exagero- que elesnasceramcom a sua ~dação, já' que foi Henry Morgan, ele próprio, o primeiro a des- cobrir.B.utilidade de tais rotinas, quandopreparouuma série de qUestionáriosde campoqueforam enviadosaos distantesmissioná- rios e.'agentesdiplomáticosnorte-americanospara escrevero seu supercláSsicoSys'ems01 Consanguini&yanil Alfinity 01the Humon Family. (1871)1. Tal tradição é obviamentenecessáriae não é meu propósitoaqui tentar denegri-Ia.Não sou D. Quixotee reco- nheço.muito bem os frutos que dela nascerame poderãoainda nascer..E mesmose estivessecontraela, o máximo qUe o bom sensome permitiria acrescentaré que essasrotinas são comoum mal, necessário. .! . Desejo, porém, neste trabalho. trazer à luz todo um "out~ lado" desta mesma tradição oficial e explicitamentereconhecida pelos antropólogos,qual seja: os aspectosque aparecemnas ane. dotas e nas reuniõesde antropologia,nos coquetéise nos momen- 1 Republicadoem 1970,AnthropologiçalPublications:OosterhoutN.B. :..:..:Holanda.Veja-se,em relaçãoao quefoi mencionadoacima,pp. viii e ix'do Prefácioe o Apêndice'àParteIlI, 'pp.'SlS e 55. A VERSÃO QUALITATIVA 27 ','o. tosmenosformais.Nascstóriasqueelaboramdemodotragicômico um mal-entendidoentreo pesquisadore o seumelhorinformante, de comofoi durochegaratéa aldeia,dasdiarréias,dasdificulda. desde conseguircomidae - muitomaisimportante- de como foi difícil comer naquela aldeia do Brasil Central. Esses são os chamadosaspectos"românticos" da disciplina, quando o pesquisadorse vê obrigadoa atuar como médico, cozi. nheiro, contador de histórias. mediadorentre Índios e funcioná- rios da FUNAI, viajante solitário e até palhaço, lançl;lndomão destesvários e insuspeitadospapéis para poder bem realizar as rotinas que infalivelmenteaprendeuna escolagraduada.~ curioso e significativo que tais aspectossejam cunbados de "anedóticos" e, como já disse, de "românticos", desdeque se está consciente - e nãoé precisoser filósofoparatanto- que a Antropologia Social é uma disciplina da comutaçãoe da mediação.E com isso quero simplesmentedizer que talvez mais do que qualquer outra matériadevotadaao estudo do Homem, a Antropologia é aquela onde necessariamentese estabeleceuma ponteentre dois universos (ou subuniversos)de significação,e tal ponteou mediaçãoé reali. zada com um mínimo de aparatoinstitucional ou de instrumen- tos de mediação.Vale dizer, de modo artesanale paciente,depen- dendo essencialmentede humores,temperamentos,fobias e todos os outros ingredientesdas pessoase do contatohumano. . . Se é possívele permitidouma interpretação,não há dúvida de que todoo anedotárioreferenteàs pesquisasde campoé um modomuitopoucoimaginativode depositarnum ladoobscurodo oficioos seuspontostalvezmaisimportantese maissignificativos. ~ umamaneirae - quemsabe?- um modomuitoenvergonhado denãoassumiro ladohumanoe fenomenológicodadisciplina,com um temorinfantilderevelaro quantovaidesubjetivonaspesqui. sasde campo,temoressequeé tantomaiorquantomaisvoltado estáo etnólogoparauma idealizaçãodo rigor nas disciplinass0- ciais.Numapalavra,é um mododenãoassumiro ofíciodeetnó- logo.integralmente,é o medodesentiro quea Dra. Jean Carter Lave denominou,com rara felicidade,numa cartado campo,o anthropologicalblues. r i I I I i \ 11 Por omhropologicalblues se quer cobrir e descobrir,de um ~ocJomaissistemático,osaspectosinterpretativosdoofíciodeetnÓo logo.Trata.sede incorporarno campomesmodasrotinasoficiais, já legitimadascomopartedo treinamentodo antropólogo,aqueles I . I 28 A BUSCA DA REALIDADE OBJE11VA .1 ~: aspectoSextraordinários,sempreprontosa emergiremtodoo rela. cionamentohumano.De fato,só setemAntropolop Social'qwm.. dosetemdealgummodoo exótico,e o exóticodependeint'ár,iavel- mentedadistânciasocial,e a distânciasocialtemcomocompOnen- tea marginalidade(relativaou absoluta),e amarginalidadeseali~ mentade um sentimentode segregaçãoe a segregaçãó'.unpUca estarsó e tudo desemboca- paracomutarrapidamenteessa-longa cadeia- na liminaridadee no estranhamento. De tal modoquevestira capadeetnólogoé aprendera'reali- zar umaduplatarefaquepodesergrosseiramente~ontidanasse- guintesfórmulas:(a) transformaro exóticono familiaro(ou (b) transformaro familiaremexótico.E, emambosos casOs,é'neces- sáriaa presençadosdoistermos(q~erepresentamdoisuniversoil designificação)e, maisbasicamente,'wiui vivênciadosdóiSdomí- niospor ummesmosujeitodispostoa situá-lose apanhá.lo~;Numa' certaperspectiva,essasduastransforl,Daçõesparecemse~' ~eper- to os momentoscríticosda históriada própriadisciplina-ASSiDié quea primeiratransformação- do exóti~emfamiliar-.-:.corres:. pondeaomovimentooriginaldaAntropoiogiaquandoos e~~logos conjugaramo seuesforçona buscadelibe~adadosenigm~~iaíS situadosem universosde significaçãosabidamenteincQ~~~ncji- dospelosmeiossociaiSdoseutempo.E foi assim.que~ redpZlu.:e transformou- paracitarapenasumcasoelássico-9 k.u.({arinS dosmelanésiosnum sistema.compreensívelde trocas,8UJnentadas por práticasrituais,políticas,jurídicas,econômicase . religiosas, descobertaque veio,entreoutras,permitira criação,por MareeI Mauss,da noçãobasilardefatosocialtotal,desenvolvida,logo,.apói as pesquisasde B. Malinowsk.i."2 .. .. : A segundatransformaçãoparece.corresponderao momento presente,quandoa disciplinasevoltaparaa nossaprópria.socieda- de,nummovimentosemelhantea um'auto-exorcismo,Poisjá não se tratamaiSde depositarno selvagemafricanoou melalÍésico'o mundodepráticasprimitivasquesedesejaobjetificare inventariar, masdedescobri-Iasemnós,nasnossasinstituições,na nossapráti- ca políticae religiosa.O problemaé, então,o de tirar.à 'capa'de membrodeumaclassee deum gruposocialespecüicoparapoder - como etnólogo- estranharalguma regra social familiar e as- sim descobrir(ou recolocar,como fazem as criançasquando per- ~' " I I 12 Permito-melembrar ao leitor que Malinowski publicou o se';;,Argc:in,- auts 01 the WesternPacijic em 1922e que a primeira ediçio (ranccsa..do Essai sur le Don 6 de 1925. . ; :::~. A VERSÃO QUALITATIVA 29 guntamOS"porquês")o exóticono queestápetrüicadodentrode nÓSpelareHicaçãoe pelosmecanismosde legitimação.a Essasduastransformaçõesfundamentaisdo ofíciodeetnólogo parecemguardarentresi umaestreitarelaçãodehomologia.'Como o desenrolarde uma sonata,.ondeum temaé apresentadoclara- menteno seuinício,desenvolvidorebuscadamenteno seucursoe, finalmente,retomadono seuepílogo.No casodas transformações antropológicas,os movimentossempreconduzema um encontro. Destemodo,a primeiratransformaçãolevaaoencontrodaquiloque a culturado pesquisadorrevesteinicialmenteno envelopedo bi- zarro,detalmaneiraquea viagemdoetnólogoé comoa viagemdo heróiclássico,partidaemtrêsmomentosdistintose interdependen. tes:a saídadesuasociedade,o encontrocomo outronosconfins do seumundosociale, finalmente,o "retornotriunfal" (como colocaDegérando)ao seuprópriogrupocomos seustroféus.De fato,o etnólogoé, na maíoriadoscasos,o últimoagenteda socie- dadecolonialjá queapósa rapinadosbens,daforçadetrabalhoe da terrasegueo pesquisadorparacompletaro inventáriocaniba- lístico:ele,portanto,buscaasregras,osvalores,asidéias- numa palavra,os imponderáveisda vidasocialquefoi colonizada. Na segundatransformação,a viagemé comoa do xamã:um movimentodrásticoonde,paradoxalmente,nãosesai do lugar.E, de fato,asviagensxamanisticassãoviagensverticais(paradentro. ou paracima) muitomaisdo quehorizontais,comoaeontecena viagemclássicados heróishoméricos.~E nãoé por outrarazão quetodosaquelesquerealizamtaisviagensparadentroe paracima sãoxamãs,curadores,profetas,santose loucos;ou seja,osquede algummodusedispuserama chegarno fundodopoçodesuapró- pria cultura.Comoconseqüência,a segundatransformaçãoconduz igualmentea um encontrocomo outroe ao estranhamento. As duastransformaçõesestão,pois,intimamenterelacionadas e ambassujeitasa wna sériederesíduos,nuncasendorealmente perfeitas.De fato,o .exóticonuncapodepassara serfamiliar;e o familiarnuncadeixadeserexótico. Mas, deixandoos paradoxospara os mais bem preparados, essastransformaçõesindicam,numcaso,umpontodechegada(de fato,quandoo etnólog~conseguesefamiliarizarcomUID8culturadiferenteda sua,eleadquirecompetêncianestacultura)e, no ou- 3 Estouusandoas noçõesde reificaçãoe de legitimaçiocomoBerger e Luckmannno seu A ConstruçãoSocial da Realidade(Petrópolis: Vozes,1973). 4 Foi PeterRiviêrede Oxrordquemme sugeriuestaidéiada viagem xamanística. : -~................--- 30 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA tro,Opontodepartida,já queo únicomododeestudarum ritual brasileiroé o de tomartal rito comoexótico.Issosignificaquea. apreensãono primeiroprocessoé realizadaprimordialmentepor umavia intelectual(a transformaçãodoexóticoemfamiliaré rea-. lizadafundamentalmentepor meiode apreensõescognitivas),ao passoque,no segundocaso,é necessárioum desligamentoemocio-. nal,já quea familiaridadedocostumenãofoi obtidavia intelecto, mlls via coerção.socializadorae, assim,veio do estômagoparaa c~a. Em ambososcasos,porém,a mediaçãoé realizadaporum corpode princípiosguias(as chamadasteoriasantropológicas)e conduzidanumlabirintode conflitosdramáticosqueservemcomo panode fundoparaas anedotasantropológicase paraacentuaro toqueromânticodanossadisciplina.Destemodo,seo meuinsight estácorreto,é no processode .transformaçãomesmoquedevemos cuidardebuscara definiçãocadavezmaisprecisadosanthropolo- gicalblues. Seria,então,possíveliniciar a demarcaçãoda áreabásicado anthropologicalbluescomoaquelado elementoqueseinsinuana práticaetnológica,masque nãoestavasendoesperado.Comoum blues,cuja melodiaganbaforçapelarepetiçãodassuasfrasesde modoa cadavezmaissetomarperceptível.Da mesmamaneiraque a tristezae a saudade(tambémblues)seinsinuamno processodo trabalhode campo,causàndosurpresaao etnólogo.g quandoele sepergunta,comofezClaudeLévi-Strauss,"queviemosfazeraqui? Com que esperança?Com quefim?" e, a partirdessemomento, pôdeouvir claramenteas intromissõesde um rotineiroestudode Chopin, ficar por ele obsecadoe se abrir à terríveldescoberta dequea viagemapenasdespertavasuaprópriasubjetividade:"Por umsingularparadoxo,diz Lévi-Strauss,emlugardemeabrira um novouniverso,minhavidaaventurosaantesmerestituíao antigo, enquantoaquelequeeupretenderasedissolviaentreosmeusdedos. Quantomaisos homense aspaisagensa cuja conquistaeu partira perdiam,ao possuí-los,a significaçãoqueeu delesesperava,mais essasimagensdecepcionantesaindaque presenteseramsubstituí- dasporoutras,postasemreservapormeupassadoeàsquaiseunão deranenhumvalorquandoaindapertenciamà realidadequeme rodeava."(TristesTrópicos,SãoPaulo:Anhembi,1956,402ss.). Seriapossíveldizerqueo elementoqueseinsinuanotrabalho decampoéo sentimentoe a emoção.Estesseriam,paraparafrasear Lévi-Strauss,oshóspedesnãoconvidadosdasituaçãoetnográfica.E tudoindicaquetal introsãodasubjetividadee dacargaafetivaque veJp.comela,dentrodarotinaintelectualizadadapesquisaantropo- lógica,é um dadosistemáticoda situação.Suamanifestaçãoassu- A VERSÃO QUALITATIVA 31 me váriasformas,indo da anedotainfamecontadapelo falecido Evaos.Pritchard,quandodissequeestudandoos Nuer pode-sefa- cilmenteadquirirsintomasde"Nuerosis"li,atéasreaçõesmaisvis- cerais,comoaquelasde Lévi-Strauss,Chagnone Maybury-Lewis6 quandosereferemà solidão,à faltadeprivacidadee à sujeiradosíndios. Tais relatosparecemsugerir,dentreos muitostemasqueela- boram,a fantásticasurpresado antropólogodiantede um verda- deiroassaltopelasemoções.Assimé que Chagnondescrevesua perplendadedianteda sujeiradosYanomanoe, por issomesmo, do terrívelsentimentode.penetraçãonum mundocaóticoe sem sentidode quefoi acometidonosseusprimeu'ostemposde traba- lho de campo.E Maybury-Lewisguardaparao últimoparágralo doseulivro a surpresadesesaberdealgummodoenvolvidoe ca- pazde envolverseuinformante.Assim,é no último instantedo seu relato que ficamos sabendo que Apowen - ao se despedir do antropólogo - tinha lágrimasnos olhos.g comose na escolagra. duadativessemnos ensinadotudo: espereum sistemamatrimonial prescritivo,um sistemapolítico segmentado,um sistemadualista, etc.,e jamais nos tivessemprevenidoque a situaçãoetnográficanão é realizadanum vazioe que tantolá, quantoaqui, se podeouvir os anthropologicalblues! Mas junto a essesmomentoscruciais (a chegadae o último dia), há- dentreasinúmerassituaçõesdestacáveis- um outro instantequeaomenosparamimseconfiguroucomocrítico:o mo. mentoda descobertaetnográfica.Quandoo etnólogoconseguedes- cobriro funcionamentodeumainstituição,compreendefinalmente aoperaçãodeumaregraantesobscura.No casodaminhapesquisa, nodiaemquedescobricomooperavaa regrada amizadeformali. zadaentreos Apinayé,escrevino meudiárioem 18 de setembro de 1970: "Entãoali estavao segredode umarelaçãosocialmui. to importante(a relaçãoentreamigosformais),dada por acaso,enquantodescobriaoutrascoisas.Ele mos- travade modoiniludívela fragilidadedo meutraba- lho e daminhacapacidadedeexercero meuofíciocor- $ CI. Bvans-P~ard, The Nuer, Oxford: at the ClarendonPress,)940:J3. 6 Pura Lévi-Strauss,vejao já citadoTristesTrópicos;paraChagnone Nfaybury-Lewisconfira,respectivamente,Yanomanu:The FlercePeople. NovaYork: Rolt,Rineharte Winston,1968,e The SavageandThe Inno- cenl,Boston:BeaconPress,1965. ,.. 32 A BUSCADA REALIDADE OBJE11VA retamente.Por outro lado, ela revelavaa contingência do ofício de etnóIogo,pois os dados,por assim dizer, caemdo céu comopingos de 'chuva.Cabe ao etnóIogo não só apará-los,como conduzi-Iosem enxurradapara o oceanodas teoriascorrentes.De modo muito nítido verifiquei que uma cultura e um informantesãocomo cartolasde mágico: tira-se alguma coisa (uma regra) que faz sentidonum dia; no outro, só conseguimosfi- tas coloridasde baixo valor. . . Do mesmo modo que estavapreocupado,pois havia mandadodois artigos erradospara publicaçãoe tinha que corrigi-los imediatamente,fiquei tambémeufórico. Mas minha euforia teria que ser guardadapara o meu diário, pois não havia ninguém na aldeia que comigo pudessecompartilhar de minha descoberta.Foi assim que escreviuma cartapara um amigoe visitei o encar- regadodo Posto no auge da euforia. Mas ele não es. tava absolutamenteinteressadono meu trabalho. E, mesmoseestivesse,não o entenderia.Num dia, à noite, quandoele perguntoupor que,afinal, estavaeu ali estu- dando índios, eu mesmoduvidei da minha resposta, pois procurava dar sentido prático a uma atividade que, ao menospara mim, tem muito de artesanato,de confusãoe é, assim, totalmentedesligadade uma rea- lidade instrumental. E foi assim que tive que guardar segredoda minha descoberta.E, à noite, depoisdo jantar na casado en- carregado,quandoretomeià.minha casa,lá sópude di. zer do meu feito a dois meninosApinayé que vieram para comer comigoalgumas bolachas.Foi com eles e com uma lua amarelaque subiu muito tarde naquela noitequeeu compartilheia minha solidãoe o segredoda minha minúsculavitória." Esta passagemme pareceinstrutiva porqueela revelaque, no momentomesmoque o intelectoavança- na ocasiãoda descober- ta - as emoçõesestãoigualmentepresentes,já que é precisocom- partilhar o gostoda vitória e legitimar com os outros uma desco- berta. Mas o etnólogo,nessemomentoestásó e, destemodo, terá que guardar para si próprio o que foi capazde desvendar. E aqui se coloca novamenteo paradoxoda situaçãoetnográ. fica: para descobriré precisorelacionar-see, no momentomesmo da descoberta,o etnólogoé remetidopara o seu mundo e, deste A VERSÃO QUALITATIVA 33 . modo,isola-senovamente.O opostoocorrecommuitaf~eqüência: .envolvidopor um chefepolíticoquedesejaseusfavorese suaopi- nião numa disputa,o etnólogotemquecalare isolar-se.Emocionado pelo pedidode apoioe temerosopor sua participaçãonum conflito, ele se vê obrigadoa chamara razãopara neutralizaros seussenti- mentose, assim,continuarde fora. Da minha experiência,guardo commuito cuidadoa lembrançade uma destassituaçõese de outra. muito mais emocionante,quandoum indiozinho que era um misto de secretário,guia e filho adotivo, ofereceu-meum colar. Trans- crevonovamenteum longo trecho do meu diário de 1970: {, "Pengi entrouna minha casacom uma cabacillhapresaa uma linha de tucum. Estavana minha mesaremoen- do dadose coisas.Olhei paraele como desdémdo~cano sadose explorados,pois que diariamentec a todoo mo- mentominha casase enchede índios com colarespara trocaspelasminhas missangas.Cada uma dessastrocas é um pesadelopara mim. Socializado numa cultura onde a troca sempre implica uma tentativa de tirar o melhorpartido do parceiro,eu sempretenhouma re- beldia contra o abuso das trocaspropostaspelos Api- nayé':um colar velho e mal feito por um punhadosem- pre crescentede ~as. Mas o meu ofício (emdes- ses logros,pois missangasnada valem para mim e, no entanto, aqui estou zelando pelas minhas pCqUlHUlS bolas coloridascomose fosseum guarda de um lmllco. Tenho ciúme delas,estouapegadoao seu valor..- (!ue eu mesmoestabeleci... Os índios chegam,ofen~ccmos colares,s~m que eles são mal feitos, mas sabemque eu vou trocar. E assim fazemosas trocas. São ('e7e- nas de colarespor milharesde missangas.Até 'Lu"das acabeme a notícia corra por todaa aldeia. E, então,fi. carei livre desseincômodopapel de comerciante.Te- rei os colarese o trabalho cristalizadode quasetodas as mulhf'resApinayé. E eles terãoH1issarl~!ls!Jara ou- tros colares. Pois bem, a chegadade Pengy era sinal de mais uma troca."Masele estendeua mãorapidamente:- Esseé para o teu ikrá (filho), para ele brincar. . . E, ato contínuo, saiu de casasem olhar para trás. O objeto estavanas minhas mãose a saída rápida do in- diozinho não me dava tempopara propor uma recom. pensa.Só pude pensar no gestocomo uma gentileza. "'0. 34 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA mas ainda duvidei de tantabondade.Pois ela não exis- te nestasociedadeonde os homenssão de mesmoV8- lor."7 Que o leitor não deixe de observaro meu último parágrafo. Duvidei de tanta bondadeporque tive que racionalizar imediata. menteaqueladádiva,casocontrárionão estariamais solitário.Mas será que o etnólogoestá realmentesozinho? Os manuais de pesquisasocial quasesemprecolocamo pro- . blemademodoa fazercrerqueé precisamenteesseo caso.Deste modo, é o pesquisadoraquele que devese orientar para o grupo estuaadoe tentaridentificar-secomele. Não se colocaa contrapar- tida destemesmoprocesso:a identificaçãodos nativoscom o siste. ma que o pesquisadorcarregacom ele, um sistemaformadoentre o etnólogoe aquelesnativosque conseguealiciar - pelasimpatia, amizade,dinheiro, presentese Deus sabemais comoI - para que lhe digam segredos,rompamcom lealdades,forneçam.lhelampejos novos sobre a cultura e a sociedadeem estudo. Afinal, tudo é fundado na alterilidadeem Antropologia:pois só existe antropólogoquando há um nativo transformadoem in- formante.E só há dadosquando há um processode empatiacor- rendode lado a lado.'É issoquepermiteao informantecontarmais um mito, elaborarcom novos dadosuma relaçãosocial e discutir os motivosde um líder político de sua aldeia.São justamenteesses nativos (transformadosem informantese em etnólogos)que sal- vam o pesquisadordo marasmodo dia-a.diada aldeia: do nascere pôr.do-sol,do gado, da mandioca,do milho e das fossassanitá- rias. Tudo isso pareceindicar que o etnólogonunca estásó. Real- mente,no meio de um sistemade regrasainda exóticoe que é seu objetivo tomar familiar, ele está relacionado- e mais do que nunca ligado- a sua própria cultura. E quandoo familiar come- ça a se desenharna sua consciência,quandoo trabalhotermina,o antropólogoretoma com aquelespedaçosde imagense de pessoas que conheceumelhor do que ninguém. Mas situadasfora do aI. cance imediatodo seu próprio mundo, elas apenasinstigame tra. zem à luz uma ligaçãonostálgica,aqueladosanthropologicalblues. ., Para um estudoda organizaçãosocialdestasociedade,veja-seRober. to Da MaUa,Um Mundo Dividido:A EstruturaSocial dos ApinaY'. Petr6DOIis:Vozes,1976. -. "1, :.: A VERSÃO QUALITATIVA 35 111 'Mas o que se pode deduzir de todas essasobservaçõese de to- t.das essasimpressõesque formam o processoque denominei ano .thropologicalblues? . Uma deduçãopossível,entre muitas outras, é a de que, em Antropologia,é-precisorecuperaresselado extraordináriodas rela- ções pesquisador/nativo.Se este é o lado menos rotineiro e o mais difícil de ser apanhadoda situaçãoantropológica,é certamen- te porqueele se constituino aspectomais humanoda nossarotina. É o que realmentepermiteescrevera boa etnografia.Porque sem ele, como colocaGeertz,manipulandohabilmenteum exemplodo filósofoinglêsRyle, não sedistingueum piscardeolhosde uma piso cadelamarota. E é isso, precisamente,que distingue a "descrição densa"- tipicamenteantropológica- da descriçãoinversa, fo- . tográficaou mecânica,do viajanteou do missionário.8Mas para distinguir o piscar mecânicoe fisiológicode uma piscadelasutil e comunicativa,é precisosentir a marginalidade,a solidiío e a sau- dade.É precisocruzar os caminhosda empatiae da humildade.. Essa descobertada AntropologiaSocial comomateriainterpre- tativa segue,por outro lado, uma tendênciada disciplina. Tendên- cia que modernamenteparecemarcar sua passagemde uma ciên- cia natural da sociedade,como queriam os empiricistasinglesese americanos,para uma ciência interpretativa,destinada antes de tudo a confrontarsubjetividadese delas tratar. De fato, nestepIa. no não seria exageroafirmar que a Antropologiaé um mecanismo dos mais importantes para deslocar nossa própria subjetividade. E o problema,como assumeLouis Dumont, entre outros, não pilre- ce propriamenteser o de estudaras castasda lndia para 'conhece- Ias integralmente,tarefa impossívele que exigiria muito mais do que o intelecto,mas - isso sim - permitir dialogarcom as for- mas hierárquicasque convivemconosco.É a admissão- roman- tismoe anthropologicalbluesaparte- de que o homemnão seen. xergasozinho.E que ele precisado outro como seu espelhoe seu guia. . .: ~ 'o;.--- " Cf. CliffordGeertz,The Interpretationof Cultures.NovaYorki.Basie Books, 1973.[A ser publicadobrevementepor Zahar EditQres.} . .~ ~~.
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