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CAPÍTULO 16 Tratamento Racional do Câncer “Todas as substâncias são venenosas, não existe nenhuma que não seja um veneno; a dose correta diferencia um veneno de um remédio.” Paracelsus (Auroleus Phillipus Theostratus Bombastus von Hohenheim), alquimista e médico, 1538 “Médicos são homens que prescrevem medicamentos dos quais eles sabem pouco para curar doenças das quais eles sabem menos em seres humanos de quem eles não sabem nada.” Voltaire (François-Marie Arounet), filósofo, 1760 Apesquisa descrita neste livro representa a revolução na nossa compreensão sobre a pato- gênese do câncer. Em 1975, praticamente não havia conhecimentos sobre as alterações moleculares dentro das células humanas que levam ao aparecimento de malignidades. Em uma geração posterior, temos esse conhecimento em abundância. Na verdade, pode-se dizer que certamente as informações disponíveis e os conceitos sobre as origens do câncer consti- tuem uma ciência com estrutura conceitual lógica e coerente. Apesar desses saltos extraordinários para a frente, um progresso relativamente pequeno foi feito na exploração desses conhecimentos sobre a etiologia (i. e., os mecanismos causadores da doença) para prevenir a doença e, igualmente importante, para tratá-la. A maioria dos tratamentos anticâncer em amplo uso atualmente foi desenvolvida antes de 1975, em um momento em que o desenvolvimento de terapêuticos ainda não era informado pelos meca- nismos genéticos e bioquímicos da patogênese do câncer. Isso explica a ampla frustração sentida pelos oncologistas moleculares de que o potencial da sua pesquisa para contribuir para novas terapias anticâncer não tinha sido compreendido. 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max725 726 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Essa frustração foi mais fortemente alimentada pela lentidão dos avanços no tratamento de tumores sólidos comuns. Por exemplo, em 1970, nos Estados Unidos, 7% dos pacien- tes diagnosticados com câncer de pulmão continuavam vivos cinco anos após o seu diag- nóstico inicial. Três décadas depois, esse número subiu para apenas 14%, uma melhora relativamente pequena. E mesmo esse grau de sucesso terapêutico pode ser ilusório, uma vez que técnicas modernas de diagnóstico muitas vezes detectam tumores muito antes no seu curso clínico, criando um espaço de tempo maior entre o diagnóstico inicial e a progressão para a doença em fase terminal. Os índices de morte por câncer de cólon começaram a cair, pela detecção precoce e remoção cirúrgica dos tumores que avançaram apenas pelos estágios iniciais da progressão do tumor (Figura 16.1A; veja também a Figura 11.8C). Entretanto, a mortalidade causada pelos tumores colorretais mais avan- çados mudou pouco nas décadas recentes – um certificado para as falhas da quimiotera- pia e da radiação em eliminar essas malignidades uma vez que elas tenham invadido e começado a fazer metástases. Sem dúvida, a atual abundante informação sobre os mecanismos moleculares e celulares da patogênese do câncer inspirará novos meios para tratar efetivamente a doença. Neste capítu- lo, exploraremos várias estratégias de terapias em desenvolvimento ou recentemente introdu- zidas na clínica. O objetivo não é investigar todo o âmbito de pesquisas em progresso nessas áreas. Isso seria inalcançável: uma compilação de 2003 de terapias anticâncer em desenvolvi- mento pré-clínico ou em testes clínicos listou mais de 1.300 projetos de pesquisa e de desen- volvimento que estavam sendo levadas adiante por várias companhias farmacêuticas grandes e firmas biotecnológicas menores. Os agentes terapêuticos em desenvolvimento incluem dro- gas de baixo peso molecular, proteínas, anticorpos monoclonais e estratégias de terapia gêni- ca, incluindo vetores virais. Em vez de sermos enciclopédicos, nos concentraremos em um pequeno número de tera- pias recentemente desenvolvidas que ilustrarão como as descobertas descritas nos capí- tulos anteriores inspiraram novas estratégias para tratar o câncer e como o diagnóstico molecular vai fazer, cada vez mais, parte do desenvolvimento e da introdução na clínica de novas terapias. Ao mesmo tempo, discutiremos como a biologia molecular está mudando as estratégias de prevenção de câncer. Assim, não examinaremos os maiores avanços que foram realizados no desenvolvimento de vacinas que protegem contra infecções com o vírus da hepatite B (HBV) e do papilomavírus humano (HPV); essas vacinas deveriam ser muito eficientes na redução da incidência de hepatomas e carcinomas cervicais, que são descontrolados em certas partes do mundo. (Se a história passada de saúde pública for um guia, a prevenção do câncer irá Figura 16.1 Estatísticas de mortalidade por câncer durante os três quartos de século passados: o estado das coisas As estatísticas compiladas nos Estados Unidos sobre os índices de morte ajustados por idade de vários tipos de câncer revelam duas tendências diferentes em longo prazo. (A) A mortalidade pelos principais matadores diminui significativamente desde 1930. Isso ocorreu devido a alterações nas práticas de estocagem de alimentos e possivelmente nos índices de infecção por Helicobacter pylori, no caso de câncer de estômago, e a triagem, nos casos de câncer cervical e colorretal. (B) Várias das principais origens de morte relacionadas ao câncer se mostraram resistentes à maioria das formas de terapia tradicional, especialmente quando esses tumores progridem para um estágio metastático altamente maligno. (A partir de A. Jemal, T. Murray, E. Ward et al., CA Câncer J. Clin. 55:10-30, 2005.) 60 55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 19 30 19 34 19 38 19 42 19 46 19 50 19 54 19 58 19 62 19 66 19 70 19 74 19 78 19 82 19 86 19 90 19 94 19 98 0 19 30 19 34 19 38 19 42 19 46 19 50 19 54 19 58 19 62 19 66 19 70 19 74 19 78 19 82 19 86 19 90 19 94 19 98 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 (A) (B) ín di ce d e m or te a ju st ad o po r i da de po r u m a po pu la çã o de 1 00 .0 00 estômago cólon e reto útero estômago ano da morte ín di ce d e m or te a ju st ad o po r i da de po r u m a po pu la çã o de 1 00 .0 00 colorretal mama próstata pulmão pâncreas ovário pulmão ano da morte 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max726 TENDÊNCIAS NA MORTALIDADE POR CÂNCER / 727 finalmente gerar reduções muito maiores na mortalidade relacionada à doença do que as terapias do tipo das discutidas neste capítulo.) O presente capítulo concentra-se em terapêuticos de moléculas pequenas e nos seus alvos intracelulares que foram identificados pela pesquisa das vias de sinalização dentro das células cancerosas. Todas essas estratégias trouxeram grandes esperanças, e, invariavelmente, o seu verdadeiro potencial ainda está para ser compreendido. As histórias envolvendo o desenvol- vimento de cada uma dessas drogas são interessantes e provocativas, pois elas ensinam lições importantes sobre os triunfos e ciladas no desenvolvimento de novos tratamentos anticâncer. Note que várias estratégias terapêuticas baseadas em anticorpos monoclonais já foram discu- tidas com alguns detalhes em capítulos anteriores, já que existem várias terapias focadas na prevenção ou bloqueio da angiogênese de tumores. Também note que os meios convencio- nais de tratar câncer, a maioria dos quais tem sido utilizada há décadas, não são discutidos aqui, pois o seu desenvolvimento não foi informado pelas descobertas mais recentes descritas neste livro. Quase todos os achados de pesquisa descritos neste livro serão submetidos ao teste do tempo e serão considerados acreditáveis e corretos (mesmo que possivelmente não tão interessantes) por uma geração desde agora. Entretanto, aqueles que amam a certeza e as verdades eternas acharão as histórias que seguem insatisfatórias por uma simples razão: o trabalho reportado está em grande fluxo e, assim, muito mais sensível ao tempo. Várias destas terapias parecerão estranhas e antiquadas uma década depois que este capítulodescoberta de drogas depende de modos mais empíricos de encontrar estruturas moleculares úteis. O maior desafio com relação ao desenvolvimento de drogas anticâncer é predizer as respostas clínicas (i. e., paciente) a partir da pesquisa pré-clínica conduzida na bancada do laboratório e em animais. Imagine, por exemplo, que a triagem em larga escala tenha gerado uma molécula de droga que inibe a atividade de uma proteína-alvo em células vivas, fazendo isso a concen- trações micromolares de 10 ou 100 (i. e., concentrações nessa faixa são necessárias para inibir 50% da atividade da proteína-alvo). O desenvolvimento adicional dessa droga em particular Figura 16.14 Tarceva e a inibição do domínio da cinase receptora de EGF Este modelo de espaço preenchido da fenda catalítica do domínio tirosina cinase (TK) do receptor EGF, obtido por cristalografia de raios X, mostra como a droga Tarceva (figura em bastão) se encaixa confortavelmente dentro da cavidade ligadora de ATP da fenda e, assim, inibe a sinalização pelo receptor. A complementaridade tridimensional entre droga e proteína-alvo é necessária para a ligação da droga, mas não é suficiente, uma vez que a ligação específica, amplamente alcançada pela formação de pontes de hidrogênio (não-mostradas), deve ocorrer entre a molécula de droga e os aminoácidos que revestem o bolsão de ligação da droga (veja, por exemplo, a Figura 16.10C). Uma molécula de água (no fundo, abaixo) que está ligada por hidrogênio à molécula de Tarceva também está mostrada. (Cortesia de C. Sambrook- Smith and A. Castelanho, OSI Pharmaceuticals Inc.; ver também J. Stamos, M.X. Sliwkowski and C. Eigenbrot, J. Biol. Chem. 277: 46265-46272, 2002.) lóbulo N-terminal cavidade ligadora de ATP lóbulo C-terminal Tarceva 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max744 se torna irreal, dada a quantidade massiva desse agente que precisaria ser liberada para dentro do organismo do paciente com o objetivo de obter um efeito terapêutico. As propriedades químicas dessas espécies moleculares podem ou não permitir a derivatização (a síntese de derivados modificados desse composto) que gera uma molécula com uma potência na faixa de concentração nanomolar. Os testes pré-clínicos que seguem envolvem medidas dos efeitos relativos das drogas sobre o seu alvo pretendido comparadas com seus efeitos não-específicos sobre outras proteínas si- milares na célula. O objetivo é determinar se a droga atua seletivamente inibindo a proteína- alvo em concentrações de droga que estão substancialmente abaixo (10 a 100 vezes) daquelas que afetam outras proteínas similares na célula (Figura 16.15). (Na verdade, dadas as 20 mil ou mais estruturas de proteínas distintas presentes nas células de mamíferos, essas medidas não evitam possíveis efeitos sobre proteínas não-relacionadas estruturalmente que poderiam, por casualidade, ser afetadas por um agente em desenvolvimento.) No caso dos inibidores de tirosina cinase, que são atualmente o foco de muitos desenvolvi- mentos de drogas, esforços na identificação de todas as cinases que poderiam ser afetadas por uma droga têm, até recentemente, envolvido ensaios com apenas uma pequena proporção de um amplo grupo de proteínas cinases sabidamente presentes nas células humanas. Como conseqüência, certos efeitos não-específicos provavelmente enganaram os desenvolvedores de drogas. Isso começou a mudar com o evento da triagem mais sistemática de uma porção muito mais ampla de cinases que poderiam ser afetadas por esses inibidores. Por exemplo, uma empresa de biotecnologia desenvolveu um ensaio (Figura 16.16) para medir as afinidades de ligação de uma droga-teste para 156 diferentes cinases que estão loca- lizadas em várias ramificações da árvore cinoma (veja a Figura 16.12). Observou-se que, de fato, dois inibidores de receptores EGF – que serão discutidos em maiores detalhes mais adiante –, Iressa e Tarceva, se ligam preferencialmente à tirosina cinase de EGF-R, ao passo que está confirmada a capacidade da estaurosporina, a qual se acredita inibir um amplo espectro de proteínas cinases de todos os tipos, de exibir uma ampla capacidade de ligação a cinases. (Foi observado que a afinidade de ligação de uma droga-teste para uma cinase, como medida nesse ensaio, prediz a capacidade dessa droga em inibir a atividade da cinase.) Como veremos a seguir, a descoberta de atividades não-específicas de uma droga, o que é possibilitado por triagens como essa, é atualmente útil de duas formas. (1) Ela pode explicar a toxicidade de uma droga – efeitos colaterais indesejados de uma droga sobre tecidos dife- rentes daqueles do tumor-alvo. (2) Ela pode revelar novas aplicações clínicas para a droga, uma vez que a droga pode vir a inibir uma enzima, como uma cinase, que é ativa em um tipo de tumor que não era alvo durante o desenvolvimento inicial da droga. 100 75 50 25 0 –25 0,001 0,01 0,1 1 10 100 % d e in ib iç ão d a at iv id ad e de c in as e μM de Gleevec c-Abl 0,1 μM Flt-4 > 10 μM c-Fms 4,6 μM KDR > 10 μM FGFR-1 > 10 μM c-Src > 10 μM Figura 16.15 Curvas de dose-resposta do Gleevec A capacidade de inibir a proteína- alvo sem afetar outras proteínas celulares relacionadas é crítica para o sucesso da terapia, tornando possível respostas terapêuticas sem os efeitos colaterais indesejados de toxicidade. Aqui vemos as respostas de um grupo de seis enzimas tirosina cinase (TK) à droga Gleevec (veja a Figura 16.10). Em todos os casos, a atividade da cinase das enzimas purificadas foi medida. Note que o gráfico foi construído usando o log da concentração de Gleevec na abscissa, enquanto a porcentagem de inibição da atividade catalítica está inserida linearmente na ordenada. Em uma concentração de cerca de 0,1 μM, por volta de 50% da atividade da enzima c-Abl foi inibida, enquanto uma inibição comparável da TK c-Fms apenas ocorreu a uma concentração tão alta quanto 4,6 μM. Sob essas condições, a TK c-Src foi duramente inibida. (Cortesia de E. Buchdunger, Novartis Pharmaceuticals.) SÍNTESE DE DROGAS POR QUÍMICA COMBINATORIAL / 745 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max745 746 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Figura 16.16 Efeitos dos inibidores de cinase sobre um amplo espectro de proteínas cinases As respostas individuais a vários inibidores de cinases de um arranjo de 156 tirosina e serina/treonina cinases distintas foram testadas pela medição das afinidades de ligação de cada inibidor com cada uma dessas cinases. Este teste depende do fato de que quase todos os inibidores de cinases se ligam aos sítios de ligação ao ATP das enzimas-alvo. (A) Um cDNA que codifica para o domínio cinase de uma proteína é clonado em vetor bacteriófago de maneira que algumas proteínas (verde) do capsídeo do fago (envelope) sejam sintetizadas como proteínas de fusão com a cinase (roxo). Um análogo de ATP que sabidamente se liga aos sítios de ligação a ATP de várias cinases (vermelho) é então imobilizado por uma ligação a microesferas (azul-claro). Isso permite que partículas de fagos se liguem via proteínas de fusão nos seus capsídeos ao análogo de ATP sobre as esferas. O ensaio então mede a capacidade de um componente do teste (p. ex., um candidato a inibidor de tirosina cinase, amarelo) para competir com o inibidor imobilizado (vermelho), bloqueando assim a associação do fago à esfera. A redução na ligação do fago às esferas, como revelado por várias partículas de fagos liberadas a partir das esferas (usando um ensaio de placa de fago ou uma reação em cadeia da polimerase para o DNA de fago) então indica a afinidade de ligação para o composto-teste com a cinase presente na proteína de fusão, como representado pela sua constante de dissociação, k d , isto é, a concentração na qual 50% do fago são dissociados das esferas. Nos painéis restantes, cada cinase que mostrou um K d menor do que 1μM está indicada por um círculo vermelho cujo diâmetro varia inversamente com o K d (constante de afinidade da ligação) e cuja posição está indicada pela localizaçãoda cinase sobre a árvore cinoma (veja a Figura 16.12). Os efeitos de dois inibidores do receptor EGF (EGF-R) que já foram licenciados para uso clínico, Iressa e Tarceva, são analisados nos painéis (B) e (C), respectivamente. Ambos, de modo tranqüilizador, mostram maior especificidade para o EGF-R do que para as outras 155 cinases testadas. Entretanto, Iressa também se liga a GAK (cinase associada à ciclina G; veja a Barra lateral 5.3) a uma concentração cerca de 10 vezes maior, enquanto Tarceva afeta GAK a uma concentração ainda mais baixa, apenas mais alta do que a necessária para inibir o próprio EGF-R. (D) Ao contrário, a estaurosporina, um reagente experimental amplamente utilizado conhecido por inibir várias cinases, é vista se ligando a um grande número dessas enzimas, algumas enquanto ele está presente em concentrações subnanomolares. (A, a partir de J.D. Griffin, Nat. Biotechnol. 23:308-309, 2005; B, C e D, cortesia de P.R. Zarrinkar and D.J. Lockhart, Ambit Biosciences; ver também M.A. Fabian, W.H. Biggs 3rd, D. K. Treiber et al., Nat. Biotechnol. 23:329-336, 2005.) TK RTK TKL CK CDK PKA PKA PKA CLK MAPK MAPK MAPK CAMK CAMK CAMK TK TK TKL TKL CK CK CDK CDK CLK CLK 100 nM 10 nM 1 nM EGF-R GAK EGF-R GAK (A) construção de um gene de fusão gene para cinase gene para proteína do envelope do fago cinase envelope do fago proteína amplificável contendo cinase fusionada a proteína do envelope do fago composto-teste ensaios de ligação de competição por sítios dependentes de ATP inibidor imobilizado microesfera medida da dissociação do fago a partir da esfera pelo composto-teste usando um ensaio biológico de partículas de fagos (ensaio de placa) ou a medida de DNA do fago por PCR calcular K d perfil gerado de especificidade para cinase (B) Iressa (C) (D) Tarceva RTK RTK estaurosporina K d : 10 μM 1 μM 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max746 16.6 Candidatos a drogas devem ser testados em modelos celulares como uma medida inicial da sua utilidade em organismos inteiros A capacidade demonstrada de uma droga para inibir uma proteína-alvo isolada em solução é normalmente seguida por testes de seus efeitos sobre células em cultura. Tome o caso de Gleevec, o composto (veja a Figura 16.10A) encontrado inicialmente por inibir a atividade de tirosina cinase da proteína de fusão isolada Bcr-Abl; sabia-se que essa proteína era respon- sável por dirigir a proliferação e sobrevivência das células cancerosas da leucemia mielogeno- sa crônica (CML). Tendo estabelecido seus efeitos sobre a proteína Bcr-Abl isolada (veja a Figura 16.15), os desenvolvedores de drogas puderam então prosseguir para o próximo pas- so, que envolveu o uso de células em cultura cuja proliferação ou sobrevivência in vitro de- pendia de ações contínuas dessa proteína de fusão. A Figura 16.17 mostra um exemplo de tal teste baseado em células que foi realizado muito depois do Gleevec ter sido desenvolvido. Esse teste usou as células de uma linhagem de pré-linfócitos B murinos que normalmente depende da presença de interleucina-3 (IL-3) no seu meio de cultura para sua sobrevivência e proliferação in vitro. Essas células poderiam tornar-se independentes de IL-3 se uma oncoproteína Bcr-Abl fosse expressada ectopicamente nelas. As células modificadas foram então cultivadas na ausência de IL-3 (tornado-as totalmente dependentes do disparo con- tínuo de Bcr-Abl) e expostas a várias drogas que eram candidatas a antagonistas da oncoproteína Bcr-Abl; a proliferação e/ou sobrevivência dessas células foi então medida (Figura 16.17B). Testes baseados em células, como esse, são planejados para determinar se a droga que está sendo examinada induz apoptose nas células tratadas, ou citostase (i. e., uma parada na pro- liferação celular), ou não tem efeito algum. E se a droga evoca uma resposta desejada, ela o faz a uma concentração razoavelmente baixa? O resultado desses testes baseados em células raramente é óbvio antecipadamente. Vários compostos que são muito hidrofóbicos podem ser excluídos desses testes a partir do início porque são pouco solúveis e, assim, não podem ser colocados em células em cultura em concentrações significativas. Seus parentes químicos mais hidrofílicos podem ser altamente solúveis e podem funcionar bem na proteína Bcr-Abl purificada, mas podem não ser pronta- mente transportados pelas membranas plasmáticas das células; essas espécies químicas prova- velmente não serão úteis, simplesmente por não poderem se acumular dentro das células a concentrações que permitiriam que fossem efetivas. Imagine que esses obstáculos foram superados com sucesso e que a proliferação das células dependentes de Bcr-Abl é, na verdade, inibida a concentrações nanomolares de um candida- to a agente terapêutico. O fato de que a droga candidata atua nessas células não exclui a possibilidade de que ela também afete dúzias de outras cinases nessas e em outras células, algumas das quais podem ser essenciais para o metabolismo normal da célula – a propriedade de seletividade biológica. (A sua seletividade bioquímica provavelmente foi determinada pre- viamente por testes como aqueles ilustrados na Figura 16.15.) Assim, logo a seguir, se tornou necessário determinar se as células cancerosas cujo crescimen- to é dirigido por outras tirosinas cinases são igualmente sensíveis às ações de um agente anti- Bcr-Abl identificado como o Gleevec. E como células totalmente normais cultivadas são afetadas por uma droga candidata como o Gleevec? Com sorte, se pode começar a ver um alto índice terapêutico emergir; por exemplo, células dependentes de Bcr-Abl podem ser mortas por concentrações da droga que têm um efeito pouco perceptível em células compa- ráveis crescidas na presença de IL-3 ou em uma variedade de outras células cancerosas cujo crescimento é dirigido por outras oncoproteínas tirosina cinase. Isso proverá esperança de que, in vivo, a droga poderá perturbar o tumor sem ter efeitos colaterais não-aceitáveis em tecidos normais. Bons resultados nesses testes encorajarão os desenvolvedores de drogas a proceder para as próximas etapas, nas quais os efeitos biológicos das drogas em nível celular e tecidual são estimados in vivo, como aprenderemos a seguir. RESPOSTAS DE DROGAS TESTADAS EM CÉLULAS / 747 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max747 748 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER 16.7 Estudos sobre a ação de drogas em animais de laboratório são parte essencial dos testes pré-clínicos Uma vez que um candidato a agente antitumoral tenha mostrado ter efeitos mortais potentes sobre células cancerosas em cultura in vitro, o desenvolvimento de drogas inevitavelmente move-se para a próxima etapa – testar se ela irá matar células cancerosas em proliferação dentro de massas tumorais in vivo. Idealmente, o comportamento in vitro de uma droga deveria predizer as suas ações in vivo. Figura 16.17 Teste do Gleevec em cultura de células (A) Células BaF3, uma linhagem de pré-linfócitos B murinos, são normalmente dependentes da adição de interleucina-3 (IL-3) para sua proliferação e sobrevivência (acima, à esquerda). Quando Gleevec é adicionado juntamente com IL-3, essas células continuam a ter sucesso (acima, à direita), indicando que o mecanismo de sobrevivência baseado em IL-3 não é sensível à inibição por Gleevec. Um plasmídeo de expressão especificando a oncoproteína Bcr-Abl pode ser introduzido nessas células, e, sob tais condições, as células BaF3 continuam a proliferar, mesmo depois que IL-3 é retirada (lado esquerdo), indicando que Bcr-Abl pode substituir IL-3 e sustentar essas células por si só. Entretanto, como essas células agora são dependentes de Bcr-Abl para sua sobrevivência, a adição de Gleevec em doses que inibem a cinase Abl as levará à morte (mais abaixo, à esquerda), enquanto a adição de Gleevec às células expressando Bcr-Abl que continuam a receber IL-3 não afetam a sua sobrevivência (indicando que Gleevec não é tóxico para as células BaF3 que expressam Bcr-Ablenquanto elas continuam a receber a estimulação de IL-3). Portanto, na ausência de IL-3, as células BaF3 expressando Bcr-Abl podem servir como indicadores altamente sensíveis e específicos das ações de Gleevec e de drogas que atuam de forma similar na oncoproteína Bcr-Abl. (B) A informação no painel A pode ser utilizada para desenvolver um sistema de ensaio, no qual o número de células BaF3 que sobrevivem após certos tratamentos é indicado pela densidade óptica das suspensões de células BaF3 (ordenada). Na presença de IL-3, Gleevec quase não tem efeito sobre a sobrevivência das células BaF3 se a oncoproteína Bcr-Abl estiver ou não sendo expressa nas células BaF3 (pontos em verde). Na ausência de IL-3, entretanto, a sobrevivência de células expressando Bcr- Abl está fortemente anulada acima de cerca de 2 μM de concentração do Gleevec (pontos em vermelho). Se, em vez da proteína Bcr-Abl do “tipo selvagem”, clonada a partir de células de pacientes de CML no início do tratamento com Gleevec, uma versão mutante altamente resistente a drogas de Bcr-Abl (chamada de T3151) que surgiu em um paciente de CML durante o curso do tratamento com Gleevec for expressa nas células BaF3, concentrações muito altas da droga serão necessárias para matar essas células (pontos em azul); esta última curva é medida, mais uma vez, na ausência de IL-3 no meio de crescimento. (Cortesia de M. Azam and G.Q. Daley.) células morrem por apoptose 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 0,1 1 10 (A) pré-linfócitos B murinos BaF3 adição de IL-3 remoção de IL-3 adição de IL-3 + Gleevec células proliferam, têm sucesso células morrem por apoptose células proliferam e têm sucesso; por isso Gleevec não é intrinsicamente tóxico para as células BaF3 transdução do plasmídeo Bcr-Abl remoção de IL-3 manter IL-3 e adicionar Gleevec células proliferam e têm sucesso; assim Bcr-Abl pode substituir IL-3 células proliferam e têm sucesso; assim as células que estão recebendo IL-3 podem tolerar o desligamento de Bcr-Abl por Gleevecadição de Gleevec (B) ab so rb ân ci a A 45 0 BaF3 + Bcr-Abl “tipo selvagem” + IL-3 BaF3 + mutante Bcr-Abl T3151 BaF3 + Bcr-Abl “tipo selvagem” Gleevec em μM 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max748 Nesse ponto, complicações adicionais surgem. Uma delas é sugerida pelos resultados experi- mentais que foram encontrados na Seção 13.10. Naquela seção, vimos que a sensibilidade dos tumores à radiação pode ser determinada pela radiossensibilidade das células endoteliais na sua vasculatura, em vez de pelas respostas das células neoplásicas nessas massas; algumas drogas podem agir similarmente, afetando as células de suporte do estroma de um tumor (que não são estudadas in vitro) em vez de as próprias células cancerosas. Independentemente disso, células do estroma podem prover certos tipos de sinais de sobrevivência antiapoptóti- cos, como IGF-1, que não estão disponíveis em quantidades comparáveis às células cancero- sas em cultura. Em um sentido mais geral, as complexidades da biologia dos tumores criadas pelas interações heterotípicas com o estroma associado a tumor freqüentemente ditam que as respostas a drogas, de populações puras de células cancerosas proliferando in vitro, falham em predizer suas respostas dentro de tumores em crescimento in vivo. Como células de roedores e de humanos diferem tanto, substancialmente, na sua biologia (Seção 11.12), os testes in vitro de drogas candidatas anticâncer envolvem, quase sempre, células cancero- sas humanas (em vez de murinas) crescidas em camundongos hospedeiros. A suposição é que os xenoenxertos de tumores humanos formados em camundongos imunodeprimidos terão um com- portamento semelhante ao de tumores encontrados por oncologistas em pacientes humanos. Mais uma vez, existem complicações muito desafiadoras. As células tumorais humanas que são usadas para formar esses xenoenxertos são propagadas como linhagens de células tumorais – célu- las cancerosas que foram propagadas em cultura como populações puras durante vários anos, freqüentemente, décadas. Um grupo de 60 dessas linhagens de células humanas cancerosas foi estabelecido pelo National Cancer Institute como reagentes-padrão a serem usados nos Estados Unidos para medir a eficácia de candidatos a agentes anticâncer. Várias dessas linhagens celulares não são exemplos de neoplasmas encontrados rotineiramente na clínica do câncer, pois elas deri- vam de tumores humanos particularmente agressivos que geraram células que são especialmente adaptáveis à propagação em cultura de tecido (veja, por exemplo, a Figura 16.18). Outras linha- gens celulares de câncer têm evoluído, quase que inevitavelmente, em cultura muito além das células ancestrais que foram originalmente removidas a partir dos tumores humanos atuais; na verdade, as células em tais linhagens têm sido selecionadas pela ótima proliferação sob condições in vitro, que diferem de maneira drástica daquelas nos tecidos vivos. Esses fatos ajudam a explicar por que modelos de xenoenxertos de tumores humanos não predizem, relativamente, as respostas dos tumores atuais produzidos por pacientes na clínica do câncer. Na verdade, em alguns casos, é questionável se as células cancerosas que são oriun- das de, por exemplo, um carcinoma pancreático, continuam a refletir comportamento pan- creático ou se elas foram contaminadas inadvertidamente por células de carcinoma de cólon ou mama em algum ponto durante as últimas décadas das passagens in vitro em um ou outro laboratório. Ainda, esses modelos altamente imperfeitos de xenoenxertos são os melhores reagentes disponíveis e provavelmente não serão substituídos no futuro próximo por mode- los animais melhorados de câncer humano. Figura 16.18 Linhagens celulares de câncer como representantes de tumores humanos Vários pesquisadores têm se esforçado para criar linhagens celulares de câncer pela extração de células de tumores humanos e pela sua adaptação a cultura. A sua experiência é que apenas as células cancerosas mais malignas possam ser propagadas in vitro, gerando linhagens de células cancerosas. Essa noção foi finalmente testada sistematicamente em um estudo de 12 anos, no qual as células de carcinoma de esôfago de 203 pacientes foram introduzidas em cultura. Dessas, apenas 35 linhagens celulares (a partir de cerca de 17% dos tumores) se tornaram estabelecidas em cultura. Os pacientes cujos tumores estavam nesse grupo (grupo A) experimentaram uma progressão clínica muito pior (linha vermelha) do que aqueles cujas células falharam na adaptação a cultura (grupo B; linha azul). Isso ilustra graficamente por que os xenoenxertos tumorais produzidos a partir de linhagens celulares de câncer estabelecidas normalmente falham em resumir as propriedades dos tumores tipicamente encontrados na clínica de câncer (uma vez que as linhagens de células cancerosas normalmente derivam de tumores na extremidade final do espectro – o subgrupo mais agressivo). (A partir de Y. Shimada, M. Maeda, G. Watanabe et al., Clin. Cancer Res. 9:243-249, 2003.) 1,0 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 fra çã o de p ac ie nt es q ue s ob re vi ve m sem linhagem celular estabelecida grupo B (n=168) linhagem celular estabelecida grupo A (n=35) sobrevivência (meses) TESTES PRÉ-CLÍNICOS EM ANIMAIS DE LABORATÓRIO / 749 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max749 750 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER A farmacocinética (PK) de uma droga representa um determinante-chave da sua eficácia in vivo: A droga se acumula em níveis significativos no plasma ou nos tecidos por um período extenso? Ou ela está presente no corpo apenas transientemente, sendo excretada pelos rins dentro de minutos depois de entrar na circulação? Ela é resistente à degradação rápida ou alguns sistemas de metabo- lização de drogas, como o citocromo P-450s (Cyps) que encontramos no Capítulo 12, convertem rapidamente a droga em uma espécie molecular inócua (Figura 16.19)? (Um parâmetrofarmaco- cinético chave que é freqüentemente medido é a “área abaixo da curva”, ou AUC, calculada pela integração da concentração de uma droga no plasma em função do tempo; acredita-se que a AUC reflita a dose da droga cumulativa experimentada pelas células em um tumor.) E ela pode ser preferencialmente administrada oralmente em vez de por injeção? Animais de laboratório fornecem alguma indicação grosseira da farmacocinética da droga, mas de nenhum modo são preditores acurados de como os humanos metabolizam e excretam vários agentes. Além disso, como lemos anteriormente (Barra lateral 12.5), a velocidade na qual vários compostos, incluindo drogas, são metabolizados ou excretados pode até variar dramaticamente de uma pessoa para outra (p. ex., veja a Figura 16.20). (Em algumas companhias farmacêuticas, a farmacocinética de compostos candidatos pode ser medida até mesmo antes de quaisquer testes de eficácia terapêutica contra tumores xenoenxertados; aqueles mostrando uma farmacocinética po- bre em animais de laboratório são freqüentemente eliminados de testes futuros. O descarte de tais drogas pode ser ocasionalmente prematuro, dadas as grandes diferenças entre as velocidades de metabolismo e excreção de drogas entre roedores e humanos.) De fato, a Figura 16.19 revela um segundo atributo de uma droga – a sua farmacodinâmica (PD) – nesse caso, aquela do Gleevec. A farmacodinâmica estima a habilidade de uma droga em afetar uma função bioquímica alvo em um tumor sob tratamento. Na PD apresentada nessa figura, como é de prática, um marcador substituto da função Bcr-Abl alvo foi medido – o comporta- mento do receptor Kit. Como leremos com maiores detalhes, Kit é uma das várias tirosinas cinases afetadas por Gleevec, e as suas respostas à droga presumivelmente se comparam àquelas de Bcr- Abl. A Figura 16.19 revela que a atividade de Kit nesse experimento foi inibida apenas brevemente no momento em que a concentração mais alta da droga estava presente na circulação. Uma inibi- ção transiente como essa – apenas uma fração de um ciclo celular – em geral é insuficiente para se obter uma resposta biológica importante, como a morte das células tumorais. Figura 16.19 Farmacocinética e farmacodinâmica do Gleevec A farmacocinética de uma droga representa a cinética do seu acúmulo no plasma e o seu desaparecimento deste, que, por sua vez, acredita-se prover uma boa indicação das concentrações da droga que as células tumorias experimentam em um animal de laboratório ou um paciente sob terapia. O nível plasmático da droga Gleevec, representado em uma escala logarítmica (ordenada esquerda), flutua dramaticamente após a injeção da droga em um camundongo (curva azul). A sua concentração está indicada aqui como um múltiplo da concentração da droga conhecida por inibir o disparo da tirosina cinase do receptor Kit em 50% (i. e., o IC 50 deste agente). (O domínio tirosina cinase do receptor do fator de crescimento Kit também é um alvo de inibição por Gleevec.) Como visto aqui, a quantidade de fosfotirosina associada ao receptor Kit (uma reflexão da atividade da tirosina cinase Kit) expressado por células de leucemia de mastócitos humanos enxertadas (curva vermelha), que foi inicialmente determinada como 100%, é reduzida paraem animais, também serão tomadas, com o objetivo de verificar se a droga está alcançando as células tumorais a uma concentração suficiente e durante um período extenso de tempo. Ainda, essas medidas não dão indicação se as células cancerosas estão respondendo de alguma forma – a propriedade da farmacodinâmica. Por exemplo, na Figura 16.21, observamos as respostas farmacodinâmicas a tratamentos com antagonistas de receptores de EGF (que, nes- se caso, incluem tanto um anticorpo monoclonal como um inibidor de tirosina cinase de baixo peso molecular). Os oncologistas que se responsabilizaram por esse teste clínico em particular gostariam de obter alguma medida sobre os efeitos de terapias sobre o EGF-R em tumores de pacientes. Para fazer isso, eles escolheram usar, como marcador substituto, os EGF-R de células da pele dos pacientes, que são monitorados com muito maior facilidade, simplesmente coletando pequenas biópsias de pele de pacientes em tratamento. FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA / 751 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max751 752 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Como visto na Figura 16.21A, a exposição de pacientes a um inibidor de EGF-R de tirosina cinase resultou em uma forte supressão da sinalização de EGF-R na pele. Além disso, a ativi- dade de MAP cinase, que funciona como um importante transdutor downstream da sinaliza- ção de EGF-R (Seção 6.5), também foi suprimida, indicando a inibição com sucesso da sinalização mitogênica downstream. Resultados semelhantes foram observados em biópsias coletadas a partir de tumores de pa- cientes com câncer de cólon, após o tratamento com um anticorpo monoclonal anti-EGF-R (Figura 16.21B). Medidas farmacodinâmicas como essas reasseguram que o tratamento ad- ministrado (nesse caso, um anticorpo monoclonal) está alcançando o seu alvo desejado em concentrações suficientes para desligar muito da atividade dele. De maneira interessante, várias das proteínas transdutoras de sinal que funcionam dowsntre- am de EGF-R, incluindo Akt/PKB, foram suprimidas apenas de forma mínima no tumor do cólon (Figura 16.21B), indicando que as células tumorais adquiriram meios alternativos para ativar aquelas moléculas sinalizadoras. Portanto, as medidas farmacodinâmicas asseguram que uma pré-condição de sucesso terapêutico – entrega do agente terapêutico para as células e moléculas alvo – foi satisfatória, mas não garante, por si só, que a terapia terá sucesso, já que outros fatores podem frustrá-la. Quando juntas, as medidas de dose de tolerância máxima (MTD), a farmacocinética (PK) e a farmacodinâmica (PD) definem a janela terapêutica – o espectro de concentra- ções que são mais altas do que as necessárias para obter o efeito terapêutico e mais baixas do que a dose máxima tolerada (Figura 16.21C). Idealmente, a janela terapêutica de uma droga deveria ser ampla de modo a permitir aos clínicos alguma flexibilidade na administração da droga, ajustando a dosagem ao paciente e a condição a ser tratada. À medida que a janela terapêutica se estreita, a probabilidade de a droga candidata se tor- nar clinicamente útil diminui. Ocasionalmente, os testes clínicos de Fase I, que em geral são realizados com grupos muito pequenos de pacientes voluntários, que falharam com outras terapias disponíveis, podem revelar algumas respostas favoráveis em termos de regressão tumoral ou paradas de um cres- cimento maior do tumor, fazendo isso a baixos níveis aceitáveis de toxicidade. Entretanto, mesmo que haja pistas de eficácia clínica, os resultados positivos observados nos testes de Fase I nunca são estatisticamente significativos e, assim, não são considerados como definiti- vos. Ao contrário, esses testes são, na verdade, realizados para descobrir antecipadamente os níveis de toxicidade e tolerância da dosagem da droga. 16.9 Testes de Fases II e III fornecem indicações creditáveis sobre a eficácia clínica Baixos níveis aceitáveis de toxicidade em um teste de Fase I encorajarão a testar a eficácia de uma droga candidata em um teste de Fase II, no qual grupos maiores de pacientes com câncer estão envolvidos. Nesse caso, pela primeira vez, decisões críticas devem ser tomadas sobre as indicações para inscrever pacientes específicos no teste – isto é, qual tipo de tumor ou qual estágio de progressão do tumor justificará o alistamento de pacientes em um teste como esse? Algumas vezes, as indicações clínicas são óbvias. Por exemplo, como vimos anteriormente, os efeitos de um agente contra a oncoproteína Bcr-Abl deveriam ser testados em pacientes diag- nosticados com leucemia mielogenosa crônica (CML). Uma outra droga direcionada contra a molécula receptora HER2/Neu deveria ser testada nos aproximadamente 30% dos pacien- tes de câncer de mama cujas células tumorais superexpressam essa proteína. Agora um outro agente – um inibidor de cinases Raf – pode ser testado em pacientes com melanomas avança- dos, nos quais a molécula cinase Raf-B é freqüentemente (70% dos casos) mutante e ativada constitutivamente. (De maneira interessante, em último caso, um inibidor B-Raf falhou em parar efetivamente a proliferação de melanomas metastáticos, enquanto o seu uso em combi- 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max752 (A) EGF-R ativado na pele MAPK ativado na pele pré-tratamento pós-tratamento (B) EGF-R geral pEGF-R pAkt/PKB dia 0 dia 43 (C) ef ic ác ia janela terapêutica estimativa da dose máxima tolerada toxicidade dosagem da droga aumentada em escala logarítmica nação com uma droga quimioterapêutica convencional gerou respostas dramáticas, embora não-suficientes.) Mais freqüentemente, a escolha de indicações não é nem racional nem a mais adequada. Qual classe de pacientes de câncer deve ser tratada, por exemplo, com uma droga que atua como um Figura 16.21 Medidas de farmacodinâmica e determinação da janela terapêutica A extensão da inibição de EGF-R em um tumor pode, em princípio, ser estimada pela medida dos efeitos do tratamento da droga sobre EGF-R na pele; a última é prontamente acessada por pequenas biópsias de pele. Nos casos ilustrados aqui, pacientes sob tratamento estavam sofrendo de uma variedade de tumores, incluindo carcinomas de ovário, pulmão, cólon, próstata e cabeça e pescoço. (A) Mostrados aqui estão os efeitos do tratamento, de um paciente de câncer, com Iressa, um inibidor de tirosina cinase EGF-R de baixo peso molecular (veja a Figura 16.31). Os painéis superiores mostram imuno-histoquímica usando um anticorpo contra fosfo-EGF-R (marrom), isto é, a forma ativada do receptor. Os painéis inferiores usaram um anticorpo contra fosfo_MAPK, a forma ativada dessa cinase. Ambas as medidas dependem da sinalização normalmente intensa que ocorre nos queratinócitos presentes nos folículos pilosos. (B) Os efeitos de um anticorpo monoclonal anti-receptor EGF (EGF-R) (chamado de EMD7200) foram estimados por coloração imuno- histoquímica de uma biópsia de carcinoma de cólon. Neste caso, um tratamento de longo prazo resultou em uma redução mínima no nível geral do EGF-R (marrom) e uma forte redução no nível do receptor fosforilado (e, por isso, ativado) (marrom; pEGF-R). A redução no nível de Akt/PKB ativado, fosforilado (marrom; pAkt/PKB) foi leve, e o paciente mostrou apenas uma resposta parcial a essa terapia por anticorpo, o que pode ter refletido essa mínima redução da atividade de Akt/PKB nas células tumorais. (C) Medidas de farmacodinâmica como essas, unidas a estudos de farmacocinética e toxicidade, definem a janela terapêutica na qual uma droga deve ser administrada – a escala das concentrações que são eficazes sem gerar um nível inaceitável de efeitos colaterais tóxicos. (A e B, cortesia de J. Baselga.) TESTES CLÍNICOS INICIAIS DE TOXICIDADE E EFICÁCIA / 753 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max753 754 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER indutor geral de apoptose em vários tipos de células cancerosas? Como uma droga direcionada contra a cinase Akt/PKB antiapoptótica deveria ser usada na clínica? Iráuma droga anti-receptor de EGF ser útil em carcinomas que expressam níveis elevados dessa proteína receptora? Como veremos mais tarde neste capítulo, certos tipos de câncer que nunca seriam identificados pela genética ou biologia molecular como alvos atrativos para o tratamento com drogas mostram-se, ocasionalmente, muito suscetíveis a certas drogas sob desenvolvimento. Nesses casos, a utilidade terapêutica de tais drogas é descoberta apenas por acaso. (Dadas as maneiras arbitrárias pelas quais as indicações de tumores são escolhidas em vários testes de Fase II, podemos nos surpreender como várias drogas candidatas, verdadeiramente úteis, foram descartadas no passado simplesmente porque a boa sorte não as favoreceu no esquema desses testes. Assim, uma droga pode ter uma eficácia espetacular contra carcinomas gástricos, mas o seu efeito nunca é percebido, uma vez que ela é testada em testes de Fase II por seus efeitos em carcinomas pancreáticos ou de pulmão, nos quais ela falha em mostrar qualquer efeito útil e, por isso, é excluída de qualquer desenvolvimento futuro ou teste clínico.) Se os testes de Fase II geram sinais claros de eficácia para tratar certos tipos de câncer com uma droga candidata, os testes de Fase III, utilizados em populações de pacientes muito maiores, serão começados. Estes testes são muito caros, mas, no final da contas, são críticos, pois apenas eles podem mostrar, pela primeira vez, se qualquer resposta clínica relacionada a uma droga é estatisticamente significativa. Os resultados desses testes normalmente se tor- nam convincentes apenas se experimentos controle são realizados pelo tratamento de popu- lações com a mesma quantidade de pacientes com uma outra terapia em paralelo, em geral uma que já é licenciada e está em amplo uso. De modo importante, o licenciamento de uma droga candidata para indicação específica de doença (nos Estados Unidos, pelo FDA, Food and Drug Administration) em geral depende de se ela gera um benefício terapêutico que é maior, de forma mensurável, do que o padrão existente de cuidado. Pacientes em testes de Fase III em geral passaram por várias rodadas prévias de quimioterapia com vários tipos de agentes citotóxicos, cada um acabando com recidivas e o surgimento de tumores que são refratários (não-responsivos, insensíveis) a terapias estabelecidas. Além disso, esses tumores freqüentemente são muito agressivos. Isso ajuda a explicar por que a barra de aprovação, pelo FDA, de uma droga ou combinação de drogas não é tão alta, uma vez que as drogas em testes de Fase III são destinadas a atacar os tipos mais difíceis de câncer. Assim, melhoras na qualidade de vida dos pacientes ou a redução temporária de um tumor podem satisfazer mesmo sem melhoras na sobrevivência em longo prazo. Como uma ilustração disso, podemos citar o desenvolvimento de tratamentos atuais para o câncer de pâncreas. Essa doença é um exemplo extremo, para ter certeza, na qual foi observa- do que o tempo de sobrevivência por cinco anos (a partir do momento do diagnóstico inicial) era consistentemente menor do que 4%. Gemcitabina (difluorodeoxicitidina), que é muito empregado como terapia para carcinoma pancreático, recebeu aprovação inicial pelo FDA para tratar esse tumor porque, em alguns pacientes, resultou em uma melhora nos sintomas, ganho de peso e uma estabilização temporária no crescimento do tumor, embora ofereça apenas um modes- to aumento no tempo de sobrevivência após o diagnóstico da doença: pacientes tratados com gemcitabina tiveram um tempo de sobrevivência médio de 5,65 meses comparado àqueles para os quais foi dado o tratamento-padrão – 5-fluorouracil (5-FU), que deu um tempo médio de sobre- vivência de 4,41 meses (Figura 16.22). Essas histórias e similares revelam o quão desesperada é a necessidade de meios verdadeiramente efetivos de tratar tumores sólidos. Ela também ilustra o fato que as exigências do FDA para aprovar agentes anticâncer são muito menos severas do que pra outras situações de doença, em que uma eficácia muito maior é necessária para obter o licenciamento de novas drogas. Apesar de tudo, mesmo com essas exigências regulatórias relativamente modestas, as outras complicações do desenvolvimento de drogas descritas aqui mantêm a velocidade dos sucessos atuais para o desenvolvimento de drogas anticâncer extremamente baixa. É possível uma dro- ga em centenas tenha avançado todo o caminho pelo “túnel’ do desenvolvimento de drogas, a partir dos testes in vitro, pelos testes de Fase III, que culminam em algum claro melhoramento nas 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max754 respostas do paciente e licenciamento pelo FDA. (Depois de ter ocorrido o licenciamento, um teste de Fase IV pode ser conduzido para determinar como uma droga recentemente introdu- zida se compara com outras drogas usadas com indicações similares, como alguns subgrupos de pacientes respondem à droga e se preocupações sobre a segurança da droga finalmente emergem a partir do seu uso em populações muito grandes de pacientes.) 16.10 Tumores com freqüência desenvolvem resistência a terapias inicialmente efetivas Uma complicação que segue todas as drogas anticâncer é ilustrada pelo comportamento do camundongo transgênico HER2/neu, no qual o mutante transgene oncogênico foi progra- mado para induzir tumores mamários com uma programação previsível e pode ser desativado depois disso. Enquanto tumores de mama primários e metástases induzidas por transgene colabaram quando o transgene HER2/neu foi desativado, novos tumores apareceram nova- mente na maioria desses camundongos entre 1 e 9 meses mais tarde (veja a Tabela 16.1). Esses tumores claramente representam variantes dos observados inicialmente que desenvol- veram meios alternativos de propulsar o seu crescimento – isto é, se tornaram independentes da expressão do oncogene HER2/neu. Como vimos no Capítulo12, os genomas mutáveis, instáveis, das células do câncer continua- mente geram novos alelos e novas configurações genéticas. Células cancerosas em desenvolvi- mento podem ser exigentes entre essas variações genéticas, procurando por combinações que melhorem a sua habilidade para sobreviver e proliferar. Nesse exemplo HER2/neu, o número relativamente pequeno de células cancerosas que sobreviveram à desativação do oncogene parecem ter perdido meses desde então esperando por oncogenes recentemente surgidos (ou outros alelos causadores de câncer) nos seus genomas que podem permitir que elas recome- cem o seu programa de proliferação agressiva. As raras células que conseguiram adquirir essa mudança genética/epigenética nova iniciaram a expansão de forma clonal que levou aos tu- mores recidivos. Uma dinâmica similar complica quase todos os tipos de terapias de câncer, na qual sucessos clínicos iniciais na redução de populações de células tumorais são normalmente seguidas pelo ressurgimento de populações de células tumorais em pacientes que, por um meio ou outro, desenvolveram resistência ao tratamento inicial, adquirindo assim um novo prazo de vida. Por exemplo, uma variedade de tumores humanos que ocorrem comumente, incluindo de mama, pulmonar de pequenas células e carcinomas de ovários, respondem bastante, no iní- cio, a drogas citotóxicas que em geral são utilizadas na quimioterapia, mas, depois de um Figura 16.22 Gemcitabina como tratamento para câncer pancreático Este gráfico de Kaplan-Meier ilustra a alta mortalidade gerada pelo câncer pancreático. Pacientes tratados com gemcitabina (GEM) viveram um pouco mais do que aqueles tratados com 5-fluorouracil (5-FU) – o padrão de tratamento na década de 1990. Os dois agentes são derivados de pirimidina, cuja citotoxicidade deriva de sua capacidade de inibir a síntese de DNA, em parte pela incorporação errada no DNA. (5-FU também interfere na biosíntese de pirimidina.) Como é visto, o tratamento com gemcitabina ofereceu apenas um modesto incremento na sobrevivência dos pacientes nesse estudo reportado em 1997, mas, apesar disso, esse efeito foi o bastante para permitir a suaaprovação pelo U.S. Food and Drug Administration. (A partir de H.A. Burris 3rd, M.J. Moore, J. Andersen et al., J. Clin. Oncol. 15:2403-2413, 1997.) 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 % p ac ie nt es s ob re vi ve nt es tempo de sobrevivência (meses) carcinoma pancreático GEM 5-FU RESISTÊNCIA ADQUIRIDA A TERAPIAS ANTI-CÂNCER / 755 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max755 756 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER tempo, se tornam refratários a tratamentos com drogas e, por isso, reincidem, como sugerido antes. Grande parte dessa resistência adquirida é atribuída à plasticidade genética e, portan- to, fenotípica das populações de células cancerosas. Os mecanismos adquiridos de resistência a drogas são bastante variáveis e ilustram a perspi- cácia das células cancerosas no planejamento de várias manobras para evitar a morte por drogas quimioterapêuticas. Como indicado na Tabela 16.2, alguns desses mecanismos envol- vem a perda da habilidade para “importar” moléculas de drogas pela membrana plasmática ou uma habilidade adquirida para bombear moléculas de drogas para fora através dessa mem- brana. Outros dependem de uma habilidade adquirida para metabolizar moléculas de dro- gas, em alguns casos usando as mesmas classes de enzimas que são importantes na detoxifica- ção de outros tipos de compostos tóxicos que entraram na célula (Seção 12.6). As células também podem neutralizar componentes da sua maquinaria apoptótica ou podem adquirir uma habilidade maior de reparar moléculas de DNA danificadas por quimioterápicos ou por radiação. Esses comportamentos representam uma mudança geral em todos os tipos de terapia antitu- mor. A única solução clara para as manobras evasivas tomadas por células cancerosas deriva do fato de que a maioria dos mecanismos de resistência é adquirida a uma probabilidade relativamente baixa por geração de células. Como conseqüência, aplicando duas drogas não- relacionadas simultaneamente, a probabilidade das populações de células tumorais em gerar variantes que podem sobreviver a esse ataque duplo é grosseiramente igual ao quadrado da probabilidade de adquirir resistência a um único agente, e a probabilidade de sobreviver a uma terapia tripla deveria ser o cubo dessa baixa probabilidade, etc. Entretanto, mesmo essas estratégias de terapia com múltiplas drogas são freqüentemente despistadas pelas células cancerosas, que desenvolvem estratégias potentes para evitar a mor- te, como a aquisição de resistência a múltiplas drogas (MDR). Por exemplo, o alto nível de expressão do gene MDR1, que codifica para uma bomba transmembrana de efluxo de dro- gas, permite que as células cancerosas excretem de maneira eficiente uma variedade de drogas não-relacionadas quimicamente, diminuindo assim a concentração da droga intracelular para níveis subtóxicos (Figura 16.23). De forma similar, a inativação de certas partes da maquina- ria apoptótica também pode conferir resistência concomitante a vários agentes citotóxicos distintos. Apesar dessas complicações, existe um consenso geral entre os desenvolvedores de drogas de que as monoterapias envolvendo ou drogas de baixo peso molecular ou moléculas biológicas provavelmente não curarão a maioria dos tipos de câncer e de que terapias efetivas com múltiplos agentes devem ser desenvolvidas se curas duráveis forem alcançadas no futuro. Tabela 16.2 Exemplos de Mecanismos de Resistência a Drogas desenvolvidos por Tumores Mecanismo geral Exemplo (A) Mecanismos baseados em células Acúmulo intracelular da droga diminuído superexpressão da glicoproteína P, bomba de efluxo multidrogas Ativação da droga diminuída ativação metabólica diminuída da pró-droga pela perda da expressão de um citocromo P-450 Inativação aumentada da droga ou dos intermediários tóxicos aumento da nucleosídeo deaminase que inativa análogos de nucleosídeos, aumento na detoxificação da glutationa-S-transferase (GST) Reparo aumentado do dano induzido pela droga reparo aumentado das ligações cruzadas do DNA induzidas por cisplatina, uma droga quimioterapêutica Resistência aumentada a toxicidade induzida pela droga inativação das respostas apoptóticas pela mutação de p53 ou superexpressão de Bcl-2 Alvos da droga alterados (quantitativa ou qualitativamente) superexpressão de Bcr-Abl, alteração da fenda catalítica de Bcr-Abl (B) Mecanismos dependentes do hospedeiro Barreiras anatômicas a drogas (santuários de tumores) crescimento de tumor no cérebro atrás da barreira hematoencefálica, ou em testes Interações hospedeiro-droga: inativação aumentada detoxificação da droga quimioterapêutica ciclofosfamida no fígado da droga por tecidos normais Interações hospedeiro-droga: ativação diminuída da droga ativação diminuída da ciclofosfamida no fígado por tecidos normais Adaptada de J. Moscow, C.S. Morrow and C.H. Cowan, in J. Holland and E. Frei (eds.), Drug Resistance and its Clinical Circumvention in Cancer Medicine, 6th ed. Hamilton, ON: B.C. Decker, 2003. 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max756 Com essas considerações em mente, estudaremos uma série de histórias ilustrativas nas seções que seguem. Cada uma se refere a um tipo de droga e o seu alvo dentro das células cancerosas. As histórias são arranjadas em uma ordem, começando com uma terapia bem-estabelecida e terminando com uma especulativa que gera grande esperança, mas ainda está longe de validação clínica. Em alguns casos, a terapia específica que foi desen- volvida foi inspirada pelas descobertas de proteínas que funcionam mal dentro das célu- las cancerosas; essas descobertas permitiram que o desenvolvimento de drogas fosse pros- seguido lógica e metodicamente. Em outros casos, golpes de boa sorte ou saltos intuiti- vos permitiram o desenvolvimento de compostos altamente ativos. Inevitavelmente, es- sas histórias representam escolhas arbitrárias e desenhos a partir de um vasto grupo de agentes sob investigação ou desenvolvimento atualmente. Elas representam os precurso- res de um grande grupo de tais drogas que serão desenvolvidas e licenciadas para uso clínico nos próximos anos. 16.11 O desenvolvimento do Gleevec ladrilhou o caminho para o desenvolvimento de vários outros compostos-alvo Nas seções anteriores, fizemos repetidas referências à oncoproteína Bcr-Abl e a estraté- gias experimentais para antagonizá-la. Agora, voltaremos atrás e revisaremos parte da história de como a oncoproteína Bcr-Abl foi descoberta e validada como um alvo para droga atrativo e finalmente utilizada como objeto de desenho racional de drogas. Essa história é valiosa, ainda que apenas para ilustrar o longo curso pelo qual o desenvolvi- mento de uma droga passa desde o início da descoberta na bancada do laboratório até a clínica oncológica. Essa história em particular inicia em 1914, quando o citologista alemão Theodor Boveri propôs que os defeitos cromossômicos poderiam fazer com que uma célula proliferasse anor- malmente, resultando na formação de algum tipo de câncer. Quase a metade de um século se passou antes que a idéia de Boveri recebesse alguma validação. Em 1960, dois citologistas que trabalhavam na Filadélfia notaram que um Cromossomo 22 anormal, pequeno, de forma rara estava presente caracteristicamente na grande maioria das células da leucemia mieloge- nosa crônica (CML); desde esse momento, ele foi chamado de cromossomo Philadelphia ou simplesmente Ph1. Passaram-se outros 12 anos antes que um pesquisador, em Chicago, de- monstrasse que uma translocação recíproca entre os Cromossomos 9 e 22 era responsável por criar o cromossomo Ph1 (primeiramente descrito na Seção 4.6). (Visto que um bloco maior do Cromossomo 22 é doado para a ponta do Cromossomo 9 e este, por sua vez, doa um pedaço menor para o Cromossomo 22, isso deixa o Cromossomo 22 ainda menor em tama- Figura 16.23 Resistência a múltiplas drogas e à glicoproteína P O gene MDR1 codifica para a glicoproteína P, a proteína que com freqüência está presente em níveis elevados nas células cancerosassendo tratadas com vários tipos de quimioterapia. Glicoproteína P, cuja estrutura é mostrada aqui, é uma proteína transmembrana dependente de ATP de 170 kDa que pode bombear uma ampla variedade de moléculas de droga para fora das células. Ela é membro de uma ampla família de moléculas transportadoras em mamíferos, das quais 49 foram descobertas até agora. As suas ações parecem ser responsáveis pela aquisição de resistência a drogas por uma variedade de tipos de tumores humanos sob tratamento com drogas quimioterapêuticas de baixo peso molecular. (A partir de D. Mahadevan a A.F. List, Blood 104:1940- 1951, 2004.) espaço extracelular efluxo da droga citoplasma canal ~45Å GLEEVEC E A HISTÓRIA DA CML / 757 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max757 758 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER nho; este resto do 22 mais o pequeno segmento translocado é Ph1; veja a Figura 16.24A.) A aberração cromossomal – claramente a conseqüência de uma mutação somática – foi propos- ta como uma causa em potencial dessa malignidade. Como mencionado antes, agora sabe- mos que essa translocação em particular está presente em mais de 95% dos casos de CML. Os genes que foram fusionados por essa translocação permaneceram desconhecidos por outra década. Finalmente, em 1982, biólogos moleculares descobriram que ABL, o homólogo humano da oncoproteína c-abl de camundongo, participa diretamente dessas translocações cromossomais, tornando-se fusionado com um segundo gene, ainda desconhecido. Logo observou-se que os pontos de quebra desse outro gene (os sítios do cromossomo nos quais ele se fusiona ao gene ABL) estavam espalhados por várias quilobases de DNA, gerando o nome “região de ponto de quebra de grupamento” (breakpoint cluster region) ou simplesmente BCR. Na verdade, três proteínas de fusão distintas surgem pela inclusão de proteínas Bcr de vários tamanhos no N-terminal das proteínas de fusão com quase toda a proteína Abl no C-terminal (Figura 16.24). Como indicado na figura, as diferentes proteínas de fusão tendem a ser associadas a tipos distintos de leucemia. Dentro dos dois anos da sua descoberta, foi observado que a proteína Bcr-Abl funciona como uma tirosina cinase ativada constitutivamente. A esse respeito, ela funciona como a oncopro- teína Abl do vírus Abelson da leucemia de camundongo. O genoma desse retrovírus carrega um oncogene abl derivado do proto-oncogene correspondente que reside no genoma do camundongo normal. Figura 16.24 Origem e estrutura da proteína Bcr-Abl (A) Mais de 95% dos casos de leucemia mielogenosa crônica (CML) exibem o cromossomo Philadelfia, que resulta de uma translocação recíproca entre os Cromossomos 9 e 22. A região q34 do Cromossomo 9, que carrega a maior parte do gene ABL, é transferida para a região q11 do Cromossomo 22, deslocando um segmento maior do Cromossomo 22 que é translocado reciprocamente para o Cromossomo 9. O resultado é o Cromossomo 22 truncado (i. e., 22q-), que muitas vezes é chamado de cromossomo Philadelfia (Ph1), e uma fusão da porção 5´ do gene ABL com a porção proximal 3´ do gene BCR, que normalmente reside no 22q11. (B) Dependendo da localização precisa do ponto de quebra em BCR, três proteínas de fusão Bcr-Abl distintas podem ser formadas, as quais são encontradas em ALL (leucemia linfoblástica aguda), CML e CNL (leucemia neutrofílica crônica). Cada um desses genes de fusão BCR-ABL codificam para uma proteína de múltiplos domínios (e assim, multifuncional). (A partir de A.S. Advani and A.M. Pendergast, Leuk. Res. 26:713-720, 2002.) PH CalB NLS NLS NLSGap Rac (A) translocação recíproca 9 22 22q– 9q+ cromossomo Philadelphia BCR-22q11 ABL-9q34 (B) BCR ABL PXXP N´ C´ p185 ALL CML CNL p210 p230 NESSH1SH2SH3 DD semelhante a Dbl P-S/T (ligadora de SH2) domínio TK ligadora de DNA ligadora de actina 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max758 Em 1990, um cDNA que codifica para a proteína de fusão Bcr-Abl foi introduzido em um vetor retroviral, e então foi observado que o vírus resultante induz uma leucemia em camun- dongos que se parece muito com a CML de humanos. Como na doença humana, essa leuce- mia envolve grandes números de granulócitos totalmente diferenciados no sangue. Sob cer- tas condições, a leucemia murina, como a sua contraparte humana, progrediu para uma “crise blástica”, envolvendo o acúmulo de células imaturas das linhagens linfóide ou mielóide (veja a Figura 12.4). Essas observações nos camundongos representaram a primeira prova formal de que a proteína de fusão Bcr-Abl funciona como a força motiva central da leucemo- gênese em CML. Infelizmente, essa demonstração do papel crítico da Bcr-Abl não revelou nada sobre o meca- nismo pelo qual ela funciona. A complexidade confusa da sinalização por Bcr-Abl é indicada pelo arranjo diverso dos domínios estruturais e funcionais nas duas proteínas contribuintes (veja a Figura 16.24B). Ao todo, os domínios presentes nessa proteína de fusão permitem ativar a via Ras, a via PI3 cinase-Akt/PKB, a via Jak-STAT e os fatores de transcrição, incluin- do Jun, Myc e NF-κB. Além disso, a proteína Rac semelhante à Ras, que regula atividades diversas como migração celular, sobrevivência e proliferação, é ativada, como são as duas tirosinas cinases não-receptoras, Hck e Fes (não-mostrado). Essas várias associações permi- tem que a proteína Bcr-Abl estenda o seu alcance para quase todos os circuitos reguladores que governam a proliferação e sobrevivência celular. Apesar dessa complexidade, foi observado que o domínio tirosina cinase da Bcr-Abl, deriva- do a partir da proteína proto-oncogene Abl, é um elemento-chave na leucemogênese. Por exemplo, alterações sutis da proteína Bcr-Abl que inativaram a sua atividade catalítica de tirosina cinase levaram à perda total da sua função transformante. No início dos anos 1990, um programa de pesquisa foi iniciado para desenvolver antagonistas da atividade tirosina cinase de Bcr-Abl, de baixo peso molecular. Surgiu uma droga, denominada de formas varia- das – mesilato de imatinib, STI-571, Glivec e Gleevec (veja a Figura 16.10A) – que era capaz de se ligar à fenda catalítica da tirosina cinase de Bcr-Abl. Como é o caso com todas as outras cinases dessa família, a fenda está localizada entre os dois principais lobos da proteína cinase (veja a Figura 16.10B). Mesmo que o domínio cinase de Abl compartilhe cerca de 42% de identidade de ami- noácidos com um grande número de outras cinases, foi observado que os efeitos inibitó- rios do Gleevec sobre Bcr-Abl eram relativamente específicos (veja a Figura 16.15). Sub- seqüentemente foi observado que outras quatro tirosinas cinases – aquelas pertencentes aos receptores PDGF (α e β) e Kit, assim como a proteína Arg (gene relacionado a Abelson) – também eram inibidas por Gleevec. Como conseqüência, essa droga, quando utilizada em concentrações terapêuticas, parece ter como alvo apenas 4 das 90 tirosinas cinases humanas. Como a maioria dos outros inibidores de cinase, a molécula de Gleevec se associa com o bolsão de ligação a ATP do domínio cinase de Abl (veja a Figura 16.16). Enquanto outros inibidores de cinase bloqueiam a ligação de ATP nessa fenda, Gleevec funciona de forma diferente: ele se liga e estabiliza uma conformação cataliticamente inativa dessa enzima. Esse sucesso com Gleevec encorajou vários outros esforços para criar antagonistas de baixo peso molecular de cinases, que se observou terem certas vantagens terapêuticas quando com- parados com anticorpos monoclonais anti-receptores (Tabela 16.3). Além disso, esse sucesso incentivou químicos farmacêuticos a tentar fazer inibidores de tirosinas cinases estritamente específicos, alguns dos quais têm demonstrado uma especificidade extraordinária. Por 1996, foi observado que o Gleevec era capaz de inibir o crescimento de células CML in vitro, enquanto não tinha efeito sobre células normais da medula óssea. Mais especificamen- te, a proliferação de células dependentes de Bcr-Abl poderia ser inibida a concentrações de drogatão baixas quanto 40 nM, indicando uma alta afinidade do Gleevec pela fenda catalí- tica do domínio tirosina cinase. (Células que dependem de Bcr-Abl para sobreviver podem ser forçadas a entrar em apoptose pela inibição da função de cinase de Abl pelo Gleevec.) Os testes clínicos iniciais, iniciados em 1998, revelaram remissões da doença em todos os 31 GLEEVEC E A HISTÓRIA DA CML / 759 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max759 760 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER pacientes de CML tratados, com apenas mínimos efeitos colaterais registrados, mesmo quan- do administrado diariamente durante vários anos. Quatro anos mais tarde, 6 mil pacientes já haviam entrado nos testes clínicos com Gleevec. O tratamento de CML em estágio inicial (crônico) com Gleevec levou a uma resposta hema- tológica em 90% dos casos: análises microscópicas de esfregaços de sangue revelaram uma mudança profunda na composição celular do sangue (Figura 16.25A), e análises por PCR revelaram uma diminuição extraordinária nos níveis de mRNA de BCR-ABL nas células do sangue (Figura 16.25B). Em 50% dos casos, o cromossomo Philadelphia translocado não é mais detectado por análises cariotípicas das células brancas de pacientes. Cerca de 60% dos pacientes que já progrediram para uma crise blástica responderam ao Gleevec, mas eles geral- mente reincidiram após um período de alguns meses. Tabela 16.3 Poderes e defeitos de anticorpos anti-receptor contra inibidores de tirosina cinases de baixo peso molecular como agentes anticâncera Molécula pequena Anticorpo Alvo domínio tirosina cinase receptor ectodomínio Especificidade +++ ++++ Ligação a maioria é rapidamente reversível receptor internalizado, regenerado apenas lentamente Dosagem oral diariamente intravenosa, ≤ semanalmente Distribuição nos tecidos mais completa menos completa Toxicidade erupções, diarréia, pulmonar erupções, alergia Citotoxicidade celular dependente não possivelmente de anticorpo aCortesia de N.J. Meropol e a partir de N. Damjanov e N. Meropol, Oncol. (Huntington) 18:479-488, 2004. Figura 16.25 Medida das respostas ao tratamento com Gleevec (A) Os sucessos do Gleevec no tratamento de pacientes com leucemia mielogenosa crônica (CML) pode ser avaliado a partir de análises citológicas do sangue dos pacientes. Como visto aqui, o tratamento com Gleevec converteu o esfregaço de sangue de um estado no qual várias células de leucemia (grandes, núcleo escuro, acima) se parecem com aquelas nas quais apenas granulócitos normais são visíveis (abaixo) entre as células vermelhas do sangue. (B) Uma medida mais sensível e quantitativa do sucesso terapêutico provém do uso de medidas quantitativas pela reação em cadeia da polimerase (qPCR) do nível do mRNA de Bcr-Abl (que é inicialmente transcrito de forma reversa antes da amplificação por PCR). Em um paciente não- tratado (curva vermelha), 50% da amplificação máxima do gene mediada por PCR são observados em torno do 29o ciclo de amplificação gênica (na qual cada ciclo resulta na duplicação da seqüência amplificada). Entretanto, depois do tratamento com Gleevec (curva azul), um grau comparável de amplificação somente é alcançado em torno do 39o ciclo (seta azul), indicando que as células que estão expressando o RNA de Bcr-Abl estão presentes em um nível que foi reduzido por um fator de aproximadamente 210. Ensaios baseados em PCR podem detectar tão pouco quanto uma célula CML dentre 105 a 106 células sangüíneas vermelhas normais. (A e B, cortesia de B.J. Druker.) –0,1 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0 4 8 12 16 20 24 28 32 36 40 44 (A) antes do tratamento após o tratamento (B) pr od ut o de P C R cópias do RNA de Bcr-Abl molde no sangue após o tratamento cópias do RNA de Bcr-Abl molde no sangue antes do tratamento número do ciclo da PCR 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max760 Estudos iniciais indicaram que os pacientes normais de fase crônica sob tratamento correm um risco de cerca de 10% ao ano de reincidir pela progressão para uma fase de crise de CML; os índices de reincidência de pacientes recentemente diagnosticados, que em geral estão em um estágio inicial da progressão da doença, podem ser tão baixos quanto 5% ao ano. Os mecanismos moleculares que permitem que as células tumorais finalmente escapem da inibição por Gleevec são interessantes, uma vez que eles projetam uma luz adicional sobre a oncoproteína Bcr-Abl e sua ação e, mais geralmente, revelam como as células cancerosas podem adquirir resistência a drogas altamente específicas. Análises das seqüências BCR-ABL nos tumores de pacientes com a doença reincidente resistente a Gleevec revelaram que 29 dos 32 tumores abrigavam mutações no gene BCR-ABL; no total, isso gerou substituições de 13 resíduos de aminoácidos distintos no domínio da cinase. (Uma outra dúzia foi catalogada em estudos subseqüentes.) Algumas dessas mutações previnem que Gleevec se ligue à fenda catalítica ou interferindo diretamente em sua ligação ou, menos diretamente, pela criação de uma mudança estereo- química na oncoproteína (Figura 16.26A e B). Em uma minoria de pacientes, a resistência a Gleevec foi alcançada pela amplificação do gene BCR-ABL nas suas células leucêmicas, ge- Figura 16.26 Aquisição de resistência ao Gleevec por células CML A habilidade do Gleevec em inibir a atividade de Bcr-Abl cinase altera dramaticamente as recidivas e a resistência adquirida ao tratamento por drogas. (A) Neste caso, a atividade de cinase foi medida em células de leucemia isoladas pelo grau de fosforilação de Crkl, uma proteína que é um bom substrato para fosforilação por Bcr-Abl. No início da terapia, a Bcr- Abl cinase (em células de leucemia cultivadas) sofreu cerca de 50% de inibição na presença de aproximadamente 0,1 μM de Gleevec em dois pacientes (triângulos azuis, círculos azuis). Entretanto, depois que os pacientes desenvolveram resistência ao Gleevec, cerca de 8 μM de concentração da droga foram necessários para inibir a Bcr-Abl cinase de um paciente (triângulos vermelhos), enquanto o outro paciente era totalmente resistente à droga (círculos vermelhos). (B) A molécula de Gleevec é capaz de se encaixar fortemente em uma cavidade molecular criada, em parte, por um resíduo de treonina (azul) na posição 315 da proteína Bcr-Abl tipo selvagem (esquerda; veja também a Figura 16.10C). Entretanto, em uma Bcr-Abl mutante encontrada em células de leucemia de um paciente resistente a Gleevec (direita), esse resíduo de treonina foi substituído por uma isoleucina (marrom), que faz uma protuberância para dentro da cavidade de ligação à droga e interfere na inserção de Gleevec nessa cavidade. (C) O número de cópias do gene BCR-ABL nas células leucêmicas de pacientes foi medido aqui usando hibridização fluorescente in situ (FISH). Os núcleos são visualizados em azul, as seqüências de ABL em vermelho e as seqüências de BCR em verde. Amarelo indica uma sobreposição das sequências de ABL e BCR, isto é, sítios do gene fusionado criados pela translocação cromossomal. Os níveis do gene fusionado (amarelo) no início da terapia (esquerda) eram bastante baixos, mas, à medida que o tratamento iniciou (da esquerda para direita), os níveis da proteína fusionada (e, assim, da proteína de fusão Bcr-Abl) aumentaram progressivamente até que a leucemia do paciente se tornasse resistente ao tratamento por Gleevec. Neste paciente em particular, a resistência a Gleevec foi adquirida pelas células tumorais porque a proteína de fusão se tornou superexpressa, fazendo com que a concentração terapêutica normal de Gleevec não fosse suficiente para se ligar e inativá-la. (A partir de M.E. Gorre, M. Mohammed, K. Ellwood et al., Science 293:876-880, 2001.) 0,01 0,1 1,0 10 20 40 60 80 100 (A) (B) % d e C rk l f os fo ril ad a conc. de Gleevec (μM) tipo selvagem Thr 315 Gleevec mutante T3151 (modelado) Ile 315 (C) curso do tratamento por Gleevec RESISTÊNCIA ADQUIRIDA AO GLEEVEC / 761 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max761 762 / CAPÍTULO16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER rando níveis aumentados da oncoproteína que aparentemente não poderiam mais ser inibi- das pelas concentrações de droga usadas para tratar os pacientes (Figura 16.26C). Essas demonstrações de que a resistência adquirida ao Gleevec (Tabela 16.4) é normalmente acompanhada por alterações estruturais da proteína Bcr-Abl ou superexpressão dela forne- cem provas convincentes de que a habilidade do Gleevec para evocar respostas terapêuticas pode ser atribuída diretamente aos seus efeitos sobre a proteína Bcr-Abl. Essa percepção ocorreu em uma etapa anterior pela introdução de mutações aleatórias em um vetor que codifica para a proteína Bcr-Abl, determinando, então, quais das formas mutantes resultan- tes dessa proteína eram capazes de resistir à inibição por Gleevec (Figura 16.27). Tal estraté- gia experimental, que utiliza células em cultura cujo crescimento e viabilidade são dependen- tes de Bcr-Abl (veja a Figura 16.17), podem, a princípio, revelar o espectro completo de alterações estruturais de Bcr-Abl que são capazes de restituir a sua resistência à inibição por Gleevec. Os resultados dessa triagem deverão ser valiosos no futuro para entender os meca- nismos moleculares da resistência adquirida a drogas. Pesquisas subseqüentes também levaram à descoberta de que outros inibidores de cinases, incluindo uma droga originalmente desenvolvida como um antagonista de Src, são bastante efetivos em baixas concentrações (foi escrito. A campanha para converter o entendimento sobre as causas moleculares do câncer em novas maneiras de curar a doença recém começaram. E assim nos deparamos com seus primeiros tropeços. 16.1 O desenvolvimento e o uso clínico de terapias efetivas dependerão do diagnóstico acurado da doença Nos capítulos anteriores, repetidamente categorizamos os cânceres em termos de tecidos de origem e estágios de progressão clínica. Quase sempre essas tarefas foram ditadas pela aparên- cia dos tecidos normais e malignos sob o microscópio. Em algumas ocasiões, para ter certeza, refinamos essas classificações pela descrição de certos marcadores moleculares (p. ex., expres- são de HER2 em cânceres de mama) e as implicações que eles trazem para o prognóstico. Mas, em geral, a histopatologia foi suprema nas nossas discussões, como ela o fez na prática da clínica oncológica por mais da metade de um século. Mesmo sem a percepção das origens moleculares dos cânceres humanos, se tornou cada vez mais claro que os meios tradicionais de classificar os cânceres têm utilidade limitada. O diagnóstico verdadeiramente útil deve informar ao clínico sobre a natureza nebulosa das doenças e, mais importante, como cada entidade de doença responderá a vários tipos de terapia. Como estudamos mais sobre cânceres humanos, percebemos que vários cânceres humanos que tradicionalmente foram agrupados como exemplos de uma entidade de doença única deveriam, de fato, ser separados em várias subcategorias distintas da doença. Isso ajuda a explicar porque várias terapias anticâncer existentes usadas durante as últimas três décadas têm tido tais baixos índices de sucesso. Esses índices de resposta também têm implicações importantes para o desenvolvimento de novas drogas. Para pacientes que carregam o subtipo de um tumor que responde a um tratamento em particular, essa terapia pode ser considerada uma “bênção”, estendendo a vida e até oferecen- do cura na ocasião. Para os pacientes restantes, uma terapia aplicada uniformemente não gera efeitos clínicos positivos e pode desviar esses pacientes de receber outros tratamentos que poderiam ser verdadeiramente eficientes. Possivelmente de forma mais grave, os tratamentos anticâncer muitas vezes causam vários efeitos colaterais e alguns podem realmente aumentar a incidência de cânceres secundários que surgem anos mais tarde. Por exemplo, no início dos 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max727 728 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER anos 1980, pacientes com câncer de mama recebendo a então dose-padrão de ciclofosfamida (uma droga quimioterapêutica que também é um agente alquilante) experimentaram um aumento de 5,7 vezes no risco de desenvolver subseqüentemente uma leucemia mielogenosa aguda (AML). (Protocolos atuais de tratamento usam uma dosagem diminuída da droga resultam em uma incidência muito diminuída do tal câncer secundário.) Tudo isso aponta para a grande necessidade de mais ferramentas de diagnóstico refinado – que possam predizer exatamente a reação a várias terapias antitumor e evitar o uso de terapias quando elas não são necessárias. Em 2003, cerca de 192 mil cânceres de mama invasivos e 46 mil carcinomas de mama in situ foram detectados nos Estados Unidos; foi predito que a doença comprometeria cerca de 40 mil vidas naquele ano. A grande maioria das pacientes com carcinomas mamários invasivos foi tratada agressivamente com quimioterapia. Uma vez que o índice de morte ajustado pela idade para câncer de mama nos Estados Unidos não mudou significativamente por quase todo o século XX (Figura 16.2), durante um período em que as terapias mudaram de forma drástica, isso sugeriu que uma grande proporção de carcinomas de mama invasivos que esta- vam sendo diagnosticados – possivelmente mais do que três quartos – provavelmente não causarão a morte da mulher que o carrega, mesmo sem a intervenção terapêutica, de maneira semelhante aos cânceres de próstata, que são diagnosticados em vastos números no ocidente. Como a triagem para o câncer de mama aumentou e o poder para detectar pequenos tumo- res, antes não percebidos, melhorou (Figura 16.3), essa disparidade entre a incidência de câncer de mama e mortalidade provavelmente crescerá. Estatísticas como essas enfatizam a necessidade desesperadora de desenvolver marcado- res moleculares que permitam aos oncologistas distinguir entre tumores que realmente necessitam de um tratamento agressivo daqueles que podem ser ignorados ou monitora- dos periodicamente para sinais de progressão. No caso de outros tipos de câncer, distin- ções igualmente importantes também devem ser feitas, mas de uma maneira muito mais amarga – entre aqueles cânceres que provavelmente mostrarão alguma resposta a terapia e aqueles que não, nos quais um cuidado misericordioso dita que se deve deixar a doença correr seu curso natural. Arranjos de expressão gênica, do tipo descrito na Figura 13.18, mostram grandes promessas per- mitindo que os clínicos estratifiquem os cânceres – classificá-los em subgrupos que têm proprie- dades biológicas e prognósticos distintos. Esses arranjos de expressão gênica, muitas vezes referi- dos como a ferramenta analítica chave da ciência da genômica funcional, permitem ao pesquisador examinar os níveis de expressão de 10 mil ou até mesmo 20 mil genes distintos em uma prepara- ção tecidual. Análises computadorizadas subseqüentes desses arranjos de expressão, usando bioin- Figura 16.2 Incidência de câncer de mama vs. mortalidade nos Estados Unidos A incidência de câncer de mama ajustada pela idade tem aumentado constantemente durante as últimas décadas, enquanto a mortalidade por essa doença esteve quase que constante até o final do século XX, quando começou a decair. A maior parte do aumento na incidência parece ser atribuída ao aumento da triagem, mas uma pequena proporção pode ser devida a mudanças reais do índice no qual a doença ataca por causa das mudanças nas práticas reprodutivas, nutrição, etc. (A partir de A. Jemal, T. Murray, E. Ward et al., CA Câncer J. Clin. 55:10-30, 2005.) 0 19 30 19 34 19 38 19 42 19 46 19 50 19 54 19 58 19 62 19 66 19 70 19 74 19 78 19 82 19 86 19 90 19 94 19 98 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 120 130 140 in ci dê nc ia a ju st ad a po r i da de o u m or ta lid ad e po r u m a po pu la çã o de 1 00 .0 00 incidência de câncer de mama e mortalidade nos Estados Unidos incidência (iniciando em 1975) mortalidade ano da morte 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max728 formática, tornaram possível identificar um pequeno subgrupo desses genes cuja expressão (em níveis caracteristicamente altos ou baixos) está correlacionada com um fenótipo biológico especí- fico, resposta à droga ou prognóstico. Por exemplo, a expressão de um grupo de várias dúzias de genes por um tumor pode ser suficiente para servir como um forte profetizador do seu grau de progressão ou da sua associação com um ou outro subtipo de câncer. No caso de cânceres de mama, existe uma necessidade notória para distinguir aqueles tumores primários que provavelmente se tornarão metastáticos daqueles que permanecerão indolentes e, portanto, provavelmente não irão se espalhar durante o tempo de vida do paciente. Tradicional- mente, os principais parâmetros para um prognóstico que têm sido usados para predizer o curso do desenvolvimento do tumor têm sido a idade do paciente, o tamanho do tumor, o estado dos linfonodos da axila, o tipo histológico do tumor, o grau de patologia e o estado dos receptores hormonais (i. e., a expressão dos receptores de estrogênio e de progesterona). Como esses fatores, quando usados separadamente ou em combinação, não geram um prognóstico com um alto grau de exatidão, a grande maioria das pacientes diagnosticadas com cânceres de mama primários nos Estados Unidos tem sido tratada de forma agressiva, mesmo que apenas 15% delas alguma vez desenvolverão uma doença metastática que ameace a vida. O uso dos arranjos de expressão gênica e da bioinformática16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Além disso, completamente inesperado, a utilidade do Gleevec (e, portanto, de outros inibidores de cinase que atuam de forma similar) pode ocasionalmente ser estendida muito além do trata- mento das malignidades descritas aqui. O claro sucesso de Gleevec representou a primeira validação para que o desenho racional de drogas pudesse ter sucesso na produção de agentes que são muito úteis para tratar vários tipos de câncer humano. O fato de que o Gleevec interfere em múltiplas tirosinas cinases foi inicialmente visto como uma desvantagem dessa droga, uma vez que se receava que essa atividade mais ampla levasse a efeitos colaterais não-aceitáveis. Entretanto, com a passagem do tempo, está ficando cada vez mais claro que esses efeitos em múltiplos alvos podem se provar úteis para o tratamento de certas malignidades. Assim, a viabilidade e proliferação de vários tumores depende das ações coor- denadas de múltiplas tirosinas cinases, e a habilidade de atacar várias dessas simultaneamente pode um dia vir a conferir grandes vantagens terapêuticas. Figura 16.28 Inibidores reserva de Bcr-Abl para pacientes com tumores resistentes a Gleevec O fato de pacientes na fase aguda (crise blástica) de CML freqüentemente desenvolverem resistência a Gleevec (veja, por exemplo, a Figura 16.26) estimulou o desenvolvimento de inibidores alternativos da tirosina cinase Abl. Um desses inibidores, AMN107, está mostrado aqui (modelo de espaço preenchido amarelo, figura em bastão cor de laranja) em complexo com o domínio tirosina cinase de Bcr-Abl, no qual também estão indicados os sítios de várias substituições de aminoácidos encontradas nas formas mutantes de Bcr-Abl descobertas nos tumores resistentes a Gleevec de pacientes. (O número de esferas coloridas em um sítio indica o número de átomos presentes na cadeia lateral do aminoácido substituído.) Formas mutantes de Bcr-Abl resistentes a Gleevec que têm áreas de substituições de aminoácidos com esferas vermelhas são altamente sensíveis à inibição por AMN107. Um mutante de Bcr-Abl com substituição de aminoácido no sítio indicado com esferas cor de laranja (i. e., F359) mostra sensibilidade moderada à inibição por AMN107, enquanto variantes mostrando baixa sensibilidade à inibição por AMN107 carregam substituições de aminoácidos mostrados em verde-claro (p. ex., Y253). Uma forma mutante de Bcr-Abl resistente a Gleevec é também totalmente resistente a AMN107 (esferas azuis, resíduo T315). (“M244” indica que o resíduo normalmente presente na posição 244, que pode ser valina, não-mostrado, foi substituído por uma metionina; etc.) (A partir de T. O´Hare, D.K. Walters, E.P. Stoffregen et al., Cancer Res. 65:4500-4505, 2005.) M244 E255 F317 G250 Y253 Q252 L387 V379 H396 M351 F359 F311 T315 baixa sensibilidade resistência total sensibilidade moderada AMN107 Figura 16.29 O uso de Gleevec para tratar tumores do estroma gastrintestinal O fato de que o Gleevec também mostra atividade inibitória contra a função de tirosina cinase do receptor Kit sugere que ele possa ser útil contra tumores do estroma gastrintestinal (GISTs), nos quais receptores Kit mutantes ativos de forma constitutiva são comumente encontrados. Como visto aqui, este GIST do paciente (massa vermelha, região pélvica, imagem da esquerda), que foi visualizado por causa da ingestão de um análogo de glicose marcado, respondeu dramaticamente ao tratamento com Gleevec (imagem da direita). (A marcação residual após o tratamento reflete o acúmulo de corante marcado na bexiga do paciente.) Infelizmente, com o passar do tempo, a maioria dos GISTs desenvolvem resistência a Gleevec, de forma que 2,5 anos depois de iniciar o tratamento, cerca de 75% dos tumores não mais respondem bem ao tratamento com Gleevec. (Cortesia de G.D. Demetri.) antes de Gleevec GIST pélvico massivo 1 mês após bexiga normal 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max764 Infelizmente, a existência de células-tronco tumorais limita a utilidade do Gleevec. Lembre que a pesquisa sobre cânceres humanos, incluindo tumores hematopoiéticos, carcinomas de mama e tumores de cérebro, revelou que essas células-tronco tumorais freqüentemente cons- tituem apenas uma pequena proporção (oposto, drogas candidatas que matam apenas as células am- plificadoras transitórias criam a ilusão de sucesso: enquanto um tumor en- colhe substancialmente em resposta ao tratamento, ele irá recomeçar rapi- damente uma vez que o tratamento for cessado (veja a Figura 16.30). Isso às vezes é chamado de “efeito dandelion” (ou dente de leão), referindo-se ao rápido ressurgimento de ervas daninhas em um campo após a ceifa, que corta as suas folhas, mas deixa as suas raízes intactas. Apesar de tudo, se uma droga como o Gleevec tem sucesso em gerar remissões clínicas que são duradouras durante vários anos, a sua incapacidade de matar as células-tronco de CML pode representar uma limitação aceitável. De qualquer forma, Gleevec representa o principal triunfo no desenvolvimento de drogas anticâncer, pois é muito supe- rior a todos os tratamentos alternativos dessa doença, de outra forma inexoravelmente progressiva. ANTAGONISTAS DE EGF-R COMO AGENTES ANTI-CÂNCER / 765 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max765 766 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER mento e testes na clínica. O mesmo não pode ser dito para a classe de drogas desenhadas para inibir o receptor do fator de crescimento epidermal (EGF-R). Carcinomas são tumores co- muns, e acredita-se que esse receptor tenha um papel-chave no desenvolvimento de pelo menos um terço deles, sendo freqüentemente superexpresso. Foi observado que ao menos seis ligantes distintos relacionados a EGF, incluindo o próprio EGF, se ligam e ativam o EGF-R. Isso significa que, mesmo naqueles carcinomas nos quais o EGF-R está presente, mas não superexpresso, ele pode, apesar de tudo, emitir sinais oncogê- nicos críticos pela ação de alças ativas de sinalização autócrina ou parácrina dirigidas pela presença de um ou mais dos seus ligantes. Além disso, nos carcinomas de mama que superex- pressam o recepetor HER2/Neu, as ações oncogênicas dessa proteína podem depender da sua habilidade para formar heterodímeros com seu primo, o EGF-R; em tais heterodímeros, o EGF-R pode fosforilar HER2/Neu, ativando assim a sinalização pelo último. Os inibidores melhor caracterizados da tirosina cinase de EGF-R são as drogas Iressa, também conhecida como gefitinib e ZD1839, e Tarceva, também chamada de erlotinib e OSI-774 (Figura 16.31A). As duas drogas têm propriedades muito similares, mas não idênticas, e ambas foram mencionadas em várias seções anteriores neste capítulo. Essas duas drogas atuam pelo bloqueio do sítio de ligação a ATP da cinase associada ao receptor (Figura 16.31B; veja também a Figura 16.14). Uma vez que as células cancerosas são privadas da sinalização por receptores pela inibição do EGF-R, elas deveriam perder o privilégio dos fortes sinais mitogênicos e antiapoptóticos emitidos por esse receptor. Por exemplo, em vários tipos de células epiteliais, o disparo con- tínuo de EGF-R sustenta a expressão de Bcl-XL (o primo potencialmente antiapoptótico de Bcl-2) e, atuando via MAPK, dirige a fosforilação e a inativação funcional, acompanhante, da proteína pró-apoptótica Bad. Como Iressa e Tarceva têm como alvo um receptor da superfície celular, a sua utilidade terapêutica deve ser comparada com aquela dos anticorpos monoclonais que também afetam o seu receptor (Barra lateral 15.4). Em princípio, esses compostos de baixo peso molecular deveriam ser capazes de penetrar em todos os interstícios de um tumor sólido, incluindo aqueles em que as moléculas de anticorpos, muito maiores, podem ter problemas no acesso (Tabela 16.3). Além disso, normal- mente é muito mais fácil e de menor custo produzir compostos de baixo peso molecular em escala industrial do que gerar grandes quantidades de anticorpos monoclonais. Figura 16.31 Iressa e Tarceva (A) Os dois antagonistas do receptor de fator de crescimento epidermal (EGF-R) são construídos a partir de um esqueleto comum de anilinoquinazolina, que confere a eles uma afinidade ao sítio de ligação de ATP do receptor tirosina cinase. Os grupos químicos laterais que estão ligados a esse esqueleto têm efeitos biológicos, uma vez que as duas drogas têm eficácias diferentes no tratamento de, por exemplo, carcinomas pulmonares de células não- pequenas (NSCLCs). (B) Iressa, também chamada de ZD1839, se liga a uma região muito similar da tirosina cinase de EGF-R, como faz o Tarceva (veja a Figura 16.14). Uma vista ampliada (esquerda) do sítio de ligação da droga do domínio da tirosina cinase de EGF-R (direita) é mostrada aqui, com a molécula da droga mostrada como uma figura em bastão colorida. Essa ligação é tão forte que 50% da inibição da atividade da enzima TK são conseguidos com uma concentração de cerca de 0,030 μM. (B, cortesia de A.C. Kay, AstraZeneca.) N N N O O F ClHN N N O O O O HN (A) H 3CO Iressa Tarceva esqueleto de anilinoquinazolina (B) 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max766 Agora existem outras possíveis vantagens de inibidores de tirosinas cinases de baixo peso molecular. Por exemplo, como lemos, em vários carcinomas humanos, formas truncadas de EGF-R, que não têm o ectodomínio normalmente presente, são expressas; esses EGF-Rs mutantes podem sinalizar de maneira constitutiva independente de ligante e, por isso, po- dem funcionar como oncoproteínas potentes (Figura 5.11). Similarmente, cerca da metade dos gliomas de alto grau (i. e., avançados), chamados glioblastomas multiformes (GBM), exibem superexpressão de EGF-R, e, desses, cerca de 40% apresentam uma forma do recep- tor que não tem os ectodomínios especificados pelos éxons 2 até o 7 da seqüência codificante de EGF-R. Tais receptores decapitados não podem ser ligados pelos anticorpos monoclonais (MoAbs) que foram desenvolvidos para reconhecer epítopos antigênicos presentes no ecto- domínio da proteína receptora normal. Entretanto, essas aberrações não deveriam desviar os inibidores de baixo peso molecular de tirosina cinase, que têm como alvo o domínio citoplas- mático emissor de sinal do receptor. Pesando contra essas drogas, estão as suas propriedades farmacocinéticas: compostos como Iressa podem ter tempos de vida na circulação que são freqüentemente medidos em horas ou dias, enquanto os anticorpos monoclonais podem persistir por semanas na circulação. Como é o caso com todos os agentes como esse, medidas extensivas da concentração em estado estacionário do Iressa na circulação foram adquiridas com o objetivo de assegurar uma dosa- gem adequada para as células tumorais in vivo (Figura 16.32). Quando tomadas diariamente, foi observado que as concentrações efetivas eram mantidas com meias-vidas da droga de 40 horas ou mais. Iressa tem uma atividade cerca de 50 vezes mais potente contra tirosinas cinases associadas a EGF-R do que contra inúmeras outras tirosinas cinases que foram testadas (veja, por exem- plo, a Figura 16.16B), e o seu uso inicial na oncologia clínica foi razoavelmente encorajador. Nos primeiros testes clínicos, 10% dos pacientes com carcinomas pulmonares de células não- pequenas (NSCLCs) mostraram respostas parciais à droga, incluindo a estabilização do cres- cimento tumoral da doença; esses pacientes tiveram a tendência de serem mulheres, não- fumantes e com o subtipo bronquioalveolar de câncer de pulmão. Um estudo paralelo no Japão observou um índice muito mais alto (27%) de respostas parciais a Iressa; essa diferença, que continua a ser observada, parece representar uma diferença na constituição genética das populações japonesa e branca. (Os tumores classificados como NSCLCs têm representado doenças difíceis de serem tratadas, uma vez que 15% dos pacientes sobrevivem durante cinco anos após o diagnóstico inicial.) Figura 16.32 Farmacocinética do Iressa Em um teste de Fase I do Iressa, concentrações da droga em estado estacionário no plasma foram alcançadas depois de sete dias de dosagem diária. Houve uma variabilidade substancial entre os pacientes nas concentrações de estado estacionário alcançadas pelas doses diárias diferentes (círculos vermelhos); a média geométrica da concentração dentrodesse grupo está indicada pelos círculos azuis. A concentração de Iressa necessária para inibir 90% da proliferação das células KB do carcinoma epidermóide humano (i. e., IC 90 ) crescidas in vitro é dada pela linha pontilhada (~100 ng/mL). Portanto, até mesmo a mínima dose clínica administrada produziu concentrações médias mais altas no plasma. Doses diárias de 250 e 500 mg/ dia (setas) foram, por fim, escolhidas para os testes subseqüentes de Fase II. (A partir de R.S. Herbst, A.M. Maddox, M.L. Rothenberg et al., J. Clin. Oncol. 20:3815- 3825, 2002.) 1.600 1.400 1.200 1.000 800 600 400 200 0 100 200 300 400 500 600 700 800 co nc en tra çã o no p la sm a (n g/ m L) IC 90 do crescimento celular in vitro (linhagem celular KB) dose diária de Iressa (mg) médias geométricas das concentrações de pacientes individuais médias geométricas das concentrações por nível da dose ANTAGONISTAS DE EGF-R COMO AGENTES ANTI-CÂNCER / 767 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max767 768 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Esses resultados foram gratificantes, mesmo por terem apenas representado respostas claras em pacientes que de outra forma teriam poucas, se alguma, alternativas de tratamento. En- tretanto, as ações sinergísticas esperadas de Iressa com agentes quimioterapêuticos padrão não proveram qualquer vantagem na sobrevivência sobre a quimioterapia-padrão sozinha para o tratamento de tumores NSCLC, que constituem quase 80% dos casos de câncer de pulmão nos Estados Unidos. Quando utilizado sozinho, Tarceva (mas não Iressa) aumentou o tempo de sobrevivência geral dos pacientes cujos NSCLCs se tornaram refratários ao trata- mento por drogas quimioterapêuticas padrão. Algumas lições importantes foram aprendidas a partir desses testes iniciais, as quais podem melhorar as respostas em testes clínicos subseqüentes dessas e de outras drogas similares: primeiro, a contribuição específica do EGF-R para o crescimento do tumor sob tratamento não foi documentada. Portanto, índices de resposta muito maiores podem ter resultado a partir da estratificação dos pacientes de NSCLC e limitado o uso de Iressa apenas para aque- les tumores que têm assinaturas moleculares específicas. Segundo, a possível contribuição de outras proteínas mutantes para a sinalização mitogênica e antiapoptótica não foi avaliada. Existe evidência, por exemplo, de que tumores negativos para PTEN (que têm a via da cinase PI3 hiperativa; veja a Seção 6.6) não respondem a Iressa, e de que inibidores de Akt/PKB (o beneficiário downstream da inativação de PTEN) podem agir sinergisticamente com Iressa e parar o crescimento tumoral. Terceiro, relativamente pou- cos estudos pré-clínicos foram realizados com o objetivo de otimizar a dosagem e a progra- mação do tratamento com essa droga. Em 2004, quatro anos depois que os resultados dos testes clínicos iniciais com Iressa foram reportados pela primeira vez, duas colaborações de pesquisa em Boston forneceram indepen- dentemente uma explicação molecular para as respostas observadas ao Iressa. Previamente, o estado do receptor EGF em células NSCLC foi avaliado, determinando se ele era superex- presso e se estava presente na forma truncada, ativa de maneira constitutiva, como é o caso dos glioblastomas humanos. Entretanto, nos estudos de 2004, investigadores fizeram o se- qüenciamento detalhado das fases de leitura do gene que codifica para EGF-R nos pacientes de NSCLC que foram tratados com Iressa. Muito dramaticamente, foi observado que quase todo o pequeno grupo (~10% do total) de pacientes de NSCLC que responderam bem ao tratamento com Iressa (Figura 16.33A) pro- duzia células tumorais que apresentavam EGF-R alterados estruturalmente. Tais receptores mutantes não foram encontrados entre os tumores que falharam em responder a Iressa, in- cluindo aqueles que expressaram níveis elevados desse receptor. As mutações responsáveis criaram substituições de aminoácidos e pequenas deleções nos domínios cinase (Figura 16.33B), em vez de deleções maiores do ectodomínio do receptor, tipicamente encontradas nos glioblastomas. Similarmente, os tumores em 5 dos 7 pacientes que responderam ao tra- tamento com Tarceva expressaram tais receptores mutantes. Por razões desconhecidas, esses receptores mutantes mostraram padrões distintos de fosforilação da tirosina das suas caudas C-terminais (Seção 6.3) e estimularam seletivamente as vias Akt/PKB e STAT5 downstream, deixando a via de sinalização MAPK sem ser afetada. Essas observações forneceram evidências convincentes de que EGF-R teve um papel prin- cipal em direcionar o crescimento desse pequeno grupo de tumores. Além disso, eles demonstraram o valor da estratificação (i. e., subclassificação) de tumores usando mar- cadores moleculares quando tratavam populações de pacientes com terapêuticos mole- culares específicos, como Iressa e Tarceva. Entretanto, esses experimentos não revelaram por que Iressa e Tarceva tiveram efeitos tão fortes sobre esses tumores em particular (mas veja a Barra lateral 16.3). Ainda, virtualmente todos esses sucessos tiveram vida curta, e a maioria dos pacientes reinci- diu em 6 a 18 meses, tendo desenvolvido resistência ao tratamento com a droga. Isso ressalta, mais uma vez, a necessidade de agentes alternativos para tratar receptores resistentes a drogas e da terapia com múltiplas drogas, nas quais várias drogas com efeitos sinergísticos são apli- 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max768 cadas simultaneamente. Na verdade, várias moléculas de drogas que são distintas estrutural- mente das anilinoquinazolinas (Figura 16.31A) são capazes de desligar os EGF-Rs resistentes a Iressa e Tarceva, fornecendo esperança para aqueles pacientes que reincidiram após um tratamento prolongado com uma ou outra dessas duas drogas. 16.13 Inibidores de proteassomas geram benefícios terapêuticos inesperados O acaso tem um papel proeminente não-comum no mundo da descoberta das drogas. Em uma ocasião, o desenvolvimento de uma droga anticâncer é lançado como parte de um pro- grama de desenho racional de drogas e, no final das contas, gera um agente que se revela altamente útil, embora por razões absolutamente não-relacionadas àquelas que inspiraram o Figura 16.33 Responsividade dos NSCLCs ao tratamento com Iressa (A) Uma minoria de pacientes com câncer pulmonar de células não-pequenas (NSCLCs) refratário – tumores que falharam na resposta ou não respondem mais à quimioterapia-padrão – mostraram uma resposta dramática ao tratamento com Iressa. Essas imagens de raios X por tomografia computadorizada revelaram uma grande massa no pulmão direito (à esquerda) de um paciente que sofreu uma dramática regressão depois de seis semanas de tratamento com Iressa (à direita). (B) Foi observado que uma proporção substancial de NSCLCs que responde ao tratamento a Iressa carrega mutações no gene que codifica para o EGF-R que afetam o domínio citoplasmático do receptor e incluem tanto deleções (“del”) como mutações pontuais. Essas alterações na estrutura de EGF-R desregulam e ativam a função de tirosina cinase do receptor, estimulando, com isso, as vias de sinalização Akt/PKB e STAT downstream, que protegem essas células tumorais da apoptose. (C) Finalmente, pacientes com alguma das mutações indicadas retornam da terapia com Iressa ou Tarceva. Como é o caso com a resistência adquirida ao Gleevec (veja a Figura 16.26B), os EGF-Rs nesses pacientes NSCLC freqüentemente adquirem alterações estruturais que bloqueiam a ligação da droga. Aqui, um paciente, cujo EGF-R associado a tumor mostrou uma mutação delE747-P753insS (B), beneficiou-se de uma remissão conseguida pela terapia com Iressa; depois de dois anos, entretanto, esse tumor cresceu novamente. O seqüenciamento do gene EGF-R no tumor recidivante mostrou que o sítio de ligação presente no receptor do tipo selvagem (à esquerda) estava parcialmente obstruído por uma substituição de treonina por metionina (à direita), fazendo com que a cadeia lateral volumosa da metionina(esfera cor-de-laranja) bloqueasse a ligação de Iressa. (A e B, a partir de T.J. Lynch, D.W. Bell, R. Sordella et al., N. Engl. J. Med. 350:2129- 2139, 2004; C, a partir de s. Kobayashi, T.J. Boggon, T. Dayaram et al., N. Engl. J. Med. 352:786-792, 2005.) (A) 6 semanas Iressa (B) EGF EGF-R ectodomínio região transmembrana domínio intracelular domínio cinase G719C delE746-A750 delE747-T751insS delE747-P753insS L858R L861Q STAT3 MAPK Akt/PKB (C) 2 anos Iressa DETERMINAÇÃO DA RESPONSIVIDADE AOS ANTAGONISTAS DE EGF-R / 769 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max769 770 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Barra lateral 16.3 O vício por oncogene pode explicar como Iressa e Tarceva tiveram sucesso em eliminar NSCLCs Os EGF-Rs mutantes que são encontrados em certos NSCLCs fazem que as células desses tumores em particular sejam cerca de 100 vezes mais sensíveis ao Iressa do que os tumores que expressam os receptores do tipo selvagem (Figura 16.34A). Além disso, a concentra- ção atual da droga no plasma de pacientes que estão sendo tratados diminuiu para uma escala que permite o funcionamento de tal inibição seletiva. O mecanismo de “vício por oncogene” pode explicar os efeitos seletivos de ambos os inibido- res de EGF-R sobre tumores que expressam EGF-Rs mutantes. O vício por oncogene refere-se ao fato de que certas células cancerosas parecem ser particularmente dependentes de certos oncoge- nes ou oncoproteínas para o seu crescimento e sobrevivência, enquanto outros tumores podem perder esse gene ou proteína sem sofrer qualquer conseqüência óbvia. Para explicar tal comportamento, podemos imaginar que alguns oncogenes sejam geralmente deletérios quando expressados em células do tipo selvagem, mas são realmente benéficos em célu- 100 80 60 40 20 0 - 0,002 0,02 0,2 2 20 120 100 80 60 40 20 0 (A) vi ab ili da de c el ul ar (% d o co nt ro le ) mutante tipo selvagem Iressa (μM) estrutura de EGF-R tipo selvagem mutante (B) vi ab ili da de c el ul ar (% d o co nt ro le ) H358 (tipo selvagem) H1650 (delE746- A750) H1975 (L858R) linhagem celular de NSCLC (status de EGF-R) siRNA: tipo selvagem + mutante siRNA: delE746-A750 siRNA: L858R H1666 H358 H1975 (L858R) H1650 (delE746-A750) (C) células H1975 DAPI caspase-3 ativada não-tratado siRNA L858R 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max770 las que previamente adquiriram certos alelos mutantes. Um bom exemplo é fornecido pelo oncoge- ne myc, que tem efeitos pró-apoptóticos sobre as células, a menos que elas tenham sido protegidas de apoptose por algum outro alelo antiapoptótico previamente adquirido (p. ex., um oncogene ras); na presença da mutação antiapoptótica, os efeitos fortemente mitogênicos do ongene myc então se tor- nam aparentes. Portanto, as células tumorais que carregam tanto o oncogene ras como o myc se comportariam como se estivessem “viciadas” na expressão de ras, uma vez que elas morreriam rapidamente por apoptose se estivessem desprovidas do oncogene ras. Conseqüentemente, no início da progressão do tumor, a aquisição de um certo oncogene, como um gene EGF-R mutante, poderia criar um meio celular que permite a aquisição de outros oncogenes (ou perda de genes supressores de tumor) que iriam, por outro lado, ser altamente deletérios para as células tumorais. Se o receptor mutante agora é perdido, então os efeitos deleté- rios desses outros oncogenes, notavelmente aqueles que favorecem a apoptose, se tornariam apa- rentes e resultariam na perda rápida da viabilidade celular. No caso de NSCLC, aqueles tumores que carregam receptores mutantes podem vir a ficar dependentes dos disparos por seus EGF-Rs mutantes para sobreviver e proliferar; isto é, eles são “viciados” nos receptores mutantes. De modo oposto, os NSCLCs em número muito maior expressando EGF-R do tipo selvagem podem ter desenvolvido meios alternativos para conseguir sinais mitogênicos e de sobrevivência, como é, sem dúvida, sugerido pela observação do disparo independente de receptor das vias MAPK e PI3K em alguns cânceres de pulmão. Esse cenário também é sustentado por experimentos usando siRNAs para inibir a expressão de receptores do tipo selvagem ou mutantes: células NSCLC com EGF-R mutantes morrem rapidamente, enquanto aquelas que exibem receptores do tipo selvagem são afetadas apenas leve- mente (Figura 16.34B e C). Como conseqüência, a morte de células cancerosas com EGF-Rs mutantes não é devida a algo desconhecido, efeito inespecífico de Iressa ou Tarceva, mas, em vez disso, é causada diretamente pela perda dos sinais benéficos liberados por esses receptores. Além disso, experimentos como esse sugerem que os inibidores de EGF-R possam ter efeitos muito maiores sobre os NSCLCs expressando receptores do tipo selvagem se eles são aplicados junto com uma segunda droga que iniba uma outra via de sinalização redundante funcionalmente, como aquela controlada por PI3K. Figura 16.34 Efeitos de siRNAs para suprimir a expressão de EGF-R Não está claro por que as células de carcinoma pulmonar de células não-pequenas (NSCLC) que carregam receptores EGF alterados estruturalmente (veja a Figura 16.33) são especialmente responsivas a terapia com Iressa ou Tarceva. (A) Quando cultivadas in vitro, duas linhagens celulares de NSCLC que superexpressam EGF-R estruturalmente normal (i. e., tipo selvagem) são relativamente resistentes ao tratamento com Iressa (cor-de-laranja, vemelho), enquanto duas linhagens NSCLC expressando ou uma proteína receptora com uma substituição de aminoácido (azul) ou uma parcialmente deletada (verde) são cerca de 100 vezes mais sensíveis à morte. (B) Os mecanismos biológicos dessas diferenças poderiam ser examinados privando-se as linhagens celulares de NSCLC de EGF-R pela expressão de siRNAs nessas células; esses siRNAs causam a degradação do mRNA para EGF-R. Células H358 (três barras da esquerda) expressando EGF-R do tipo selvagem não foram relativamente afetadas por siRNAs direcionados contra todas as formas do receptor (verde) ou contra as duas formas mutantes (amarelo, vermelho). Entretanto, um siRNA direcionado especificamente contra o mRNA que codifica para uma forma deletada do receptor (DelE746; amarelo) causou a perda da viabilidade em cerca de 80% das células NSCLC expressando esse receptor mutado (barras centrais), ao passo que não teve efeito nas células contendo um receptor com uma substituição de aminoácido (vermelho, barras centrais). Ao contrário, a perda de viabilidade foi observada quando um siRNA direcionado contra o receptor com a substituição de aminoácido (vermelho) foi expresso em células que expressam esse receptor mutante em particular (barras da direita), mas não quando um siRNA direcionado contra o mutante com deleção foi usado. No caso de ambas as linhagens celulares mutadas, o siRNA direcionado contra todas as formas do receptor (barras em verde) também causou morte celular alastrada. Portanto, as duas linhagens celulares de NSCLC com receptores mutados são dependentes (“viciados em”) da função de EGF-R, enquanto as células NSCLC com receptor do tipo selvagem mostraram virtualmente nenhuma dependência da função contínua de EGF-R. (C) A perda das células viáveis após o tratamento com siRNA vista no painel B é dada especificamente por uma indução da apoptose, como revelado por imunocoloração de células fixadas com um anticorpo reativo com caspase-3 ativada, clivada. Células NSCLC foram alternativamente coradas com 4´,6´- diamidino-2-fenilindol (DAPI) para revelar o núcleo e, assim, o número de células. (A partir de R. Sordella, D.W. Bell, D.A. Haber e J. Settleman, Science 305:1163-1167, 2004.) ALTERAÇÃO DE EGF-R E VÍCIO PELO ONCOGENE / 771 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max771 772 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER seu desenvolvimento em primeiro lugar. Isso é melhor descrito pelo desenvolvimento da droga conhecida como Velcade, também chamada de PS-341 e bortezomib (Figura 16.35A). Em várias ocasiõespor todo este livro, vimos como os níveis de proteínas reguladoras chave de células são determinadas pelo balanço entre a sua síntese e a sua degradação. Muito dessa degradação é mediada pelo sistema ubiquitina-proteassomo (Barra lateral 7.8). Lembre que a marcação de uma proteína por poliubiquitilação resulta no seu transporte para os proteasso- mas e na sua degradação nessas máquinas intracelulares. O fenômeno de caquexia associada ao câncer estimulou inicialmente o interesse por inibidores da função dos proteassomas. A caquexia ocorre tarde na progressão do tumor e representa uma perda progressiva de tecidos dos pacientes com câncer por mecanismos que ainda não estão bem-enten- didos. O uso de um inibidor de proteassoma foi especulado quanto a ser útil no retardo de uma degradação alastrada de proteínas que ocorre nos tecidos de pacientes caquéticos. Enquanto no mínimo cinco classes distintas de inibidores de proteassomas têm sido desenvolvidas, a maioria dessas foi abandonada por causa de instabilidade metabólica, ausência de especificidade ou ligação irreversível e inativação dos proteassomas. Velcade, um desses inibidores de proteassomas, é um ácido borônico dipeptídico que foi desenhado como um inibidor específico da atividade de pep- tidase (clivagem de peptídeo) presente no centro 20S do proteassoma (Figura 16.35B). Ele tem uma potência extraordinária, uma vez que é capaz de inibir 50% da atividade quimiotríptica dos proteassomos em uma concentração (i. e., seu Ki) de apenas 0,6 nM. Funcionando como um inibidor competitivo dessa atividade enzimática, Velcade diminui o fluxo de substratos pelos pro- teassomas, que logo começam a se tornar obstruídos e disfuncionais. Figura 16.35 Velcade e o seu efeito sobre proteassomas (A) A estrutura química do Velcade revela a presença, não-comum entre drogas, de um átomo de boro. Sabe-se que os ácidos borônicos peptídicos como o Velcade se ligam ao sítio ativo de serinas proteases da classe das quimiotripsinas (que clivam substratos protéicos adjacentes aos resíduos de fenilalanina e tirosina) mimetizando o substrato normal dessas enzimas. Isso sugeriu que tais compostos poderiam inibir o sítio ativo semelhante à quimiotripsina no centro 20S do proteassoma. (B) Uma secção transversal (centro) pelo miolo central (20S) do proteassoma de levedura (à esquerda; veja a Figura 7.27) revela a localização de três sítios catalíticos distintos, envolvendo as subunidades β1, β2 e β5, que são responsáveis pela sua atividade proteolítica PGPH (peptidil-glutamil-peptídio hidrolizante; cor-de-rosa), tríptica (azul-claro) e quimiotríptica (amarelo-claro), respectivamente. Velcade mostra uma forte preferência por inibir a atividade quimiotríptica de β5, cuja estrutura detalhada é vista aqui (à direita, abaixo); uma fraca interação com a atividade tríptica de β2 (à direita, no meio); e nenhuma interação com a atividade PGPH de β1 (à direita, acima). O resíduo nucleofílico chave treonina presente em cada um desses sítios catalíticos é mostrado como uma figura em bastão (branca, dentro das formas ovais); os aminoácidos básicos na fenda catalítica (à direita) estão mostrados em azul, os aminoácidos ácidos estão mostrados em vermelho e os resíduos hidrofóbicos estão mostrados em branco. (B, a partir de M. Groll, M. Bochtler, H. Brandstetter et al., Chembiochem 6:222-256, 2005.) N N H H N N O O OH OH B (A) Velcade proteassoma 26S (B) centro 26S do proteassoma β1 β2 β5 atividade PGPH atividade tríptica atividade quimio- tríptica 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max772 100 75 50 25 0 (A) soro de paciente de MM antes do Velcade após 1 ciclo de Velcade IgG (B) ex te ns ão d a ap op to se (% ) melfalan + Velcade melfalan concentração de melfalan (M) 3x10–13 3x10–12 3x10–11 3x10–10 3x10–9 3x10–8 3x10–7 3x10–6 3x10–5 3x10–4 Subseqüentemente, foi observado que a degradação mediada por proteassomas tinha um papel crítico na regulação de várias vias-chave de sinalização celular, ampliando os horizontes dos que desenvolveram o Velcade. Como foi observado que outros inibidores de proteassomas eram espe- cialmente potentes para matar uma variedade de células cancerosas em cultura, o Velcade foi utilizado nos testes da fase inicial (i. e., Fase I) para tratar pacientes com câncer que falharam com outras terapias. Aqueles com tumores sólidos mostraram poucas respostas evidentes. Entretanto, entre um grupo de pacientes com malignidades hematológicas, havia um sofrendo de mieloma múltiplo (MM), uma malignidade da linhagem de células B na qual um único clone de células plasmáticas produtoras de anticorpos domina a medula óssea (veja a Figura 2.19A). As células do mieloma criam lesões ósseas osteolíticas, levando a fraturas, e, por fim, tomam conta dos compo- nentes celulares restantes da medula, resultando em imunodepressão severa e, tipicamente, morte a partir de infecção devastadora. A sobrevivência após o diagnóstico inicial em geral é de 3 a 5 anos. O mieloma carregado por esses pacientes tratados inicialmente mostrou uma dramática regressão (veja, por exemplo, a Figura 16.36A), o que logo levou à inclusão de outros pacientes com mieloma nesses testes de Fase I e, finalmente, a testes clínicos em larga escala, nos quais os pacientes com mieloma eram tratados com Velcade. Em um teste clínico subseqüente de Fase I com um grupo de pacientes com mielomas múl- tiplos sofrendo da doença rapidamente progressiva, o Velcade mostrou “respostas objetivas” claras na diminuição da progressão da doença em 55% dos pacientes e parou a progressão em outros 25%. Em um teste clínico de Fase II, foi dado Velcade para a metade dos pacientes, enquanto para a outra metade, que serviu de controle, foi dado dexametasona, um tratamen- to-padrão para mieloma múltiplo. Na grande maioria desses pacientes, já haviam falhado as quimioterapias comumente utilizadas para mieloma. Esse teste foi parado prematuramente em 2003, porque a doença mostrou ou uma “resposta completa (CR)” em um pequeno número de pacientes (i. e., as células do mieloma desapareceram completamente do sangue por um período de no mínimo seis semanas) ou uma “resposta parcial (PR)” (no mínimo 50% de redução nos anticorpos secretados por células de mieloma no sangue e 90% de redução dessa proteína na urina durante o mesmo período) em 35% dos pacientes tratados com Velcade, mostrando, dessa forma, uma superioridade clara aos tratamentos existentes. Como conseqüência, foi permitido que os pacientes controle também tomassem a droga. Em um teste subseqüente, a progressão do mieloma para um estágio mais alto da doença ocorreu em um tempo médio de sete meses nos pacientes tratados com Velcade comparados com os três meses em um grupo controle estudado em paralelo. Além disso, estudos pré-clínicos indicaram que as doses relativamente baixas do Velcade podem sensibilizar as células do mieloma para drogas qui- mioterapêuticas, tornando as últimas muito mais efetivas (veja a Figura 16.36B). Figura 16.36 Mieloma múltiplo e os efeitos biológicos do Velcade (A) O Velcade pode ter efeitos profundos sobre o conteúdo celular da medula e, portanto, sobre a composição das moléculas de anticorpo no sangue. Em um paciente com mieloma múltiplo (MM), após um ciclo de oito doses de Velcade, as células neoplásicas do plasma na medula diminuíram de 41% de células totais para 1%. Ao mesmo tempo, houve uma acentuada diminuição no nível das espécies únicas de imunoglobulinas γ (IgG) produzidas por essas células de mieloma. Como visto aqui, na eletroforese em gel, o pequeno número de espécies de IgG presentes antes do tratamento (indicativo de um tumor monoclonal, à esquerda) resolveu-se no meio do padrão policlonal, de migração heterogênea, de IgGs que estão presentes na circulação de um indivíduo saudável (à direita; veja também a Figura 2.19A). (B) Melfalan, uma droga quimioterapêutica alquilante usada rotineiramente para tratar MM, foi adicionada em várias concentrações a uma linhagem celular MM in vitro,sozinha (verde) ou na presença de uma dose não- tóxica de Velcade (vermelho). Na presença do Velcade, melfalan foi capaz de induzir uma ampla apoptose em concentrações de aproximadamente 3 nM, ao passo que quando aplicado sozinho, foi incapaz de induzir esse grau de apoptose, até mesmo em concentrações muito mais altas. (A, a partir de R.Z. Orlowski, T.E. Stinchcombe, B.S. Mitchell et al., J. Clin. Oncol. 20:4420- 4427, 2002; B, a partir de M.H. Ma, H.H. Yang, K. Parker et al., Clin. Cancer Res. 9:1136-1144, 2003.) VELCADE E A TERAPIA DE MIELOMA / 773 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max773 774 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Na verdade, a inclusão de um paciente com mieloma em um teste clínico inicial foi acidental. Acreditava-se que o mieloma múltiplo era um alvo atrativo para o tratamento por um inibi- dor de proteassoma por causa da atividade elevada conhecida da via de sinalização NF-κB nas células de mieloma e da sua importância fisiológica no direcionamento da sobrevivência e proliferação dessas células. Na seção 6.12, notamos que os fatores de transcrição NF-κB são normalmente seqüestrados no citoplasma por uma classe de inibidores chamados de IκBs (inibidores de NF-κB). Quando esses IκBs são fosforilados por um grupo de cinases espe- cializadas chamadas de cinases IκB, ou simplesmente IKKs, os IκBs sofrem poliubiquitilação e degradação; isso libera os NF-κBs, permitindo que eles migrem para o núcleo, onde ativam inúmeros genes antiapoptóticos, assim como genes promotores do crescimento (Figuras 16.37 e 16.38; veja também as Figuras 6.29A e 11.37B). Como várias outras proteínas poliubiquitiladas, os IκBs acabam sendo degradados nos proteasso- mas. Portanto, inibindo a ação dos proteassomas, os IκBs deveriam ser protegidos da degradação, sobreviver no citoplasma e continuar a seqüestrar os NF-κBs, bloqueando assim a translocação Figura 16.37 Mecanismo de ação do Velcade A inibição da sinalização pelo fator de transcrição NF-κB contribui significativamente para a habilidade do Velcade em induzir a apoptose de células do mieloma dentro da medula óssea. Em células normais (à esquerda), uma variedade de sinais de estresse, mitogênicos e tróficos (sobrevivência) ativa a cinase IκB (IKK; roxo); sinalização similar ocorre nas células de mieloma, assim como em uma variedade de outros tipos de células cancerosas, nas quais vários mecanismos são responsáveis pela ativação constitutiva de IKK. Uma vez ativa, IKK começa a fosforilar IκB (vermelho), o inibidor de NF-κB. Essa fosforilação faz com que IκB se torne ubiquitilado (à esquerda) e degradado nos proteassomas (à esquerda, abaixo). Na ausência de IκB (centro), NF-κB (azul) está livre para se mover para o núcleo, onde ele ativa a expressão de um amplo eleitorado de genes de proliferação e antiapoptóticos. Na presença do Velcade (à direita), a fosforilação e ubiquitilação de IκB ocorrem normalmente, mas IκB ubiquitilada não pode ser degradada nos proteassomas, pois a última tornou-se abarrotada com polipeptídeos não-processados. Isso leva a um acúmulo de IκB no citoplasma e ao seqüestro contínuo de NF-κB pelas moléculas de IκB que foram montadas (à direita). Como conseqüência, NF-κB não pode mover-se para o núcleo e ativar a expressão do seu eleitorado de genes-chave antiapoptóticos. Isso inclina a balança reguladora nas células de mieloma em favor da apoptose, resultando na morte dessas células. O tratamento com Velcade pode, adicionalmente, levar ao acúmulo de moléculas de p53, que também são suspeitas de contribuir para a apoptose de células de mieloma tratadas (não-mostrado). Ubi Ubi Ubi Ubi Ubi Ubi+ P P P P P P P P P PP P P P P PP P Ubi Ubi Ubi Ubi Ubi Ubi sinais diversos IKK NORMALMENTE TRATAMENTO COM VELCADE proteassoma P P P P IκB NF-κB genes antiapoptóticos e de proliferação sobrevivência e proliferação Velcade sem transcrição apoptose 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max774 nuclear de NF-κB e a ativação da transcrição. Sabia-se que o NF-κB nuclear funcionalmente ativo é importante para a indução da expressão de IL-4 e IL-6, duas interleucinas que operam como fatores autócrinos importantes necessários para o crescimento e sobrevivência de células de mielo- ma. Além disso, como foi estudado mais tarde, NF-κB tem um papel proeminente na sinalização antiapoptótica em vários tipos de células cancerosas; então, a perda de atividade de NF-κB pode muito bem inclinar a balança de sinalização entre essas células em direção da apoptose. Mais especificamente, uma vez que as células cancerosas perdem as proteínas potencialmente antiapop- tóticas Bcl-2, cIAP-2 e XIAP (cujas expressões são induzidas por NF-κB), elas estão em sério perigo de deslizar para dentro do abismo apoptótico. Entretanto, tudo isso não explica por que o Velcade é muito mais potente contra mielomas do que outros tumores que dependem da sinalização de NF-κB para protegê-los da apoptose. Uma possível pista vem das observações de que o crescimento e a viabilidade das células de mieloma são altamente dependentes da sua habilidade de sintetizar VEGF (fator de cresci- mento do endotélio vascular; Seção 13.1) e moléculas de adesão; as últimas permitem que as células de mieloma se liguem às células-tronco da medula óssea (BMSCs), com as quais as células de mieloma estabelecem interações heterotípicas muito importantes. Os genes que codificam essas proteínas estão todos sob o controle de NF-κB. Além disso, as células malignas do plasma que formam o tumor mieloma sintetizam e secre- tam grandes quantidades de proteínas – moléculas de anticorpos. Uma certa proporção des- sas moléculas pode ser rotineiramente degradada nos proteassomas por causa do dobramento incorreto ou de outros contratempos que ocorrem durante a sua montagem. Como conse- qüência, as células do plasma podem ser especialmente sensíveis a inibidores de degradação das proteínas e podem se tornar rapidamente saturadas com tais moléculas protéicas defectivas. Figura 16.38 Evidências que suportam a importância da sinalização por NF-κB na apoptose induzida por Velcade O esquema apresentado na Figura 16.37 é suportado por várias linhas de evidências. (A) Em um ensaio de mudança de mobilidade eletroforética (EMSA; também chamado de ensaio de retardo em gel), a presença e a concentração de um fator de transcrição (TF) funcional de ligação ao DNA é acessada pela mistura de um extrato de proteínas nucleares com um oligonucleotídeo dsDNA marcado radioativamente que carrega um sítio de ligação para TF. A presença do TF de ligação ao DNA é refletida pela quantidade de oligonucleotídeo que formou um complexo nucleoproteína com o TF; a grande massa protéica associada ao oligonucleotídeo retarda a sua migração durante a eletroforese, fazendo com que ele migre para uma posição característica no gel. A seta indica a localização esperada de um complexo contendo o fator de transcrição NF-κB e o oligonucleotídeo marcado radioativamente – nesse caso, um derivado do promotor do gene TNF-α, um alvo de ativação de NF-κB. O ensaio indica pouca, quando detectada, atividade de NF-κB em células mononucleares da medula óssea normal (NL BMMCs), uma atividade considerável na linhagem celular (8226) do mieloma múltiplo (MM) e uma enorme quantidade de atividade de NF-κB nas células da medula óssea preparadas diretamente a partir de um paciente de mieloma múltiplo (MM-1). (B) Um EMSA foi usado, como no painel A, para medir o nível do fator de transcrição NF-κB funcional em três linhagens celulares MM tratadas com um tampão controle (três canaletas da esquerda) ou com Velcade (três canaletas da direita). Velcade é capaz de eliminar essencialmente toda a atividade NF-κB nessas células. (C) A importância da sinalização progressiva de NF-κB para a sobrevivência das células MM é demonstrada por este experimento, no qual um vetor expressando um IKK dominante negativo (dnIKK) foi introduzido em duas linhagens celulares de MM diferentes. Se a sinalização de NF-κB fosse crítica para a açãodo Velcade, então o dnIKK deveria mimetizar os efeitos do Velcade pela indução de apoptose nas células MM (veja a Figura 16.37) – resultado que é de fato observado aqui. Um vetor que não expressa dnIKK foi usado como controle. (A partir de M.H. Ma, H.H. Yang, K. Parker et al., Clin. Cancer Res. 9:1136-1144, 2003.) N L BM M C s 82 26 U 26 6/ LR U 26 6/ LR 82 66 /d ox 82 26 /d ox U 26 6/ do x U 26 6/ do x (B) (C) 0,8 0,6 0,4 0,2 0 – +dnlKK – + U266/LR7 ARH77 (A) M M -1 NF-κB NF-κB controle com tampão + Velcade ex te ns ão d a ap op to se linhagens celulares de mieloma VELCADE E A TERAPIA DE MIELOMA / 775 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max775 776 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Essas conseqüências da supressão da função dos proteassomas podem explicar muito bem grande parte do efeito potente do Velcade contra células de mieloma, algumas das quais, mas não todas, dependem da perturbação da sinalização de NF-κB. Ainda, quando vistos com outros olhos, o racional de usar Velcade para inibir a função do proteassoma não faz sentido como estratégia terapêutica: uma vez que proteassomas são utilizados pelas células para de- gradar um arranjo diverso de proteínas celulares – provavelmente vários milhares de espécies de proteínas distintas –, a inibição de função dos proteassomas deveria ser altamente tóxica para todos os tipos de células do corpo. Portanto, agentes que funcionam como inibidores de proteassomas provavelmente não têm um índice terapêutico significativo, uma vez que eles são aptos para danificar células normais tanto quanto células cancerosas. Apesar dessa lógica, baixas concentrações de Velcade exibem grande potência em matar célu- las cancerosas in vitro, enquanto têm uma toxicidade mínima ou tolerável contra células de vários tipos de tecidos normais. Essa droga pode matar uma variedade de células cancerosas humanas cultivadas quando aplicada em concentrações que variam de dezenas a centenas de nanomolar. Ainda, a sua potência em matar células de mieloma – fazendo isso a concentra- ções tão baixas quanto 1 nM – é verdadeiramente incrível. Antagonistas de NF-κB provavelmente têm utilidade para tratar vários outros tipos de cân- cer. Lembre que NF-κB tem um papel-chave no desenvolvimento de uma variedade de car- cinomas (Seção 11.16) e pode ser necessário para a manutenção desses tumores uma vez que eles são formados. Além disso, o uso de arranjos de expressão de genes (Seção 16.1) revelou que linfomas grandes difusos de células B (DLBCLs), que sob o microscópio parecem cons- tituir um único tipo homogêneo de tumor, podem, na verdade, ser classificados em três subgrupos distintos (veja a Figura 16.5). Células tumorais que pertencem ao subgrupo dos linfomas de células B ativadas e dos linfomas mediastinais têm um IKK ativado de forma constitutiva. Conseqüentemente, tumores que pertencem a esses dois subgrupos DLBCL, assim como uma variedade de outros tumores com sinalização NF-κB hiperativa, têm se tornado alvos atrativos para o tratamento por Velcade ou por inúmeros inibidores de IKK que têm sido desenvolvidos por companhias farmacêuticas. 16.14 Um teratógeno para ovelhas pode ser útil como droga anticâncer altamente potente Uma fonte potencial importante de terapêuticos anticâncer deriva de compostos que ocor- rem naturalmente. O número de produtos naturais distintos produzidos por bactérias ou fungos está além de ponderação. Por exemplo, uma compilação de 1994 listou 11.900 com- postos diferentes que foram isolados e exibiram atividade antibacteriana (i. e., antibiótica), alguns dos quais também possuíam atividade contra células de mamíferos. Outros três mil compostos mostraram outras atividades biológicas. Esses números estão apenas arranhando a superfície: uma estimativa, em 2001, do número de compostos distintos, biologicamente ativos, produzidos pelo gênero Streptomyces de bactérias chegou a centenas de milhares. Uma porção desses provavelmente possui forças citostáticas ou citotóxicas contra células de mamí- feros incluindo células cancerosas. O universo de compostos derivados de plantas, biologica- mente ativos, não está tão bem-explorado. Em todos esses casos, as forças da evolução, em vez da inteligência de químicos orgânicos sintéticos, geraram espécies moleculares que são agentes farmacológicos potentes e altamente específicos. Várias dessas moléculas parecem ser usadas pelos organismos que as produzem para atacar competidores ou para se defender contra predadores. Uma vez que o número desses agentes que ocorrem naturalmente está elevado demais, é provável que eles sejam fontes de novos agentes anticâncer pelas décadas seguintes. Um exemplo ilustrativo de um produto natural como esse veio da descoberta da ciclopami- na, um produto natural de origem vegetal. Essa história em particular inicia com a observa- ção de que ovelhas que pastam em áreas montanhosas do oeste dos Estados Unidos ocasio- 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max776 nalmente apresentavam epidemias de malformações congênitas em cordeiros, vários dos quais eram natimortos. A mais extrema dessas malformações foram aquelas envolvendo ciclopia – um único olho central. (O termo tem origem de Cyclops, o gigante mítico de um olho só, vencido por Ulysses junto com vários outros inimigos.) Um trabalho de veterinário “detetive” iniciado na década de 1950 revelou que a ciclopia de cordeiros recém-nascidos era observada se ovelhas prenhas pastavam sobre falso heléboro, Veratrum californicum (Figura 16.39A), durante o 14o dia de gestação. Ainda outras malfor- mações, incluindo fenda de palato e pernas mais curtas, eram evidentes se o pastejo ocorria em estágios mais iniciais ou mais tardios da gestação. Em 1968, o efeito teratogênico (indu- tor de malformação) do falso heléboro foi achado como sendo um alcalóide que foi chamado de ciclopamina (Figura 16.39B), que pode induzir ciclopia em uma ampla variedade de organismos (Figura 16.39C). Várias dessas deformidades assemelham-se a uma condição em humanos chamada de holo- prosencefalia, na qual o desenvolvimento de estruturas simétricas bilaterais na cabeça do embrião falha em proceder normalmente. Foi observado que alguns fetos humanos afligidos com essas condições carregavam mutações, herdadas na linhagem germinal, no gene para o receptor de PTC (patched) ou no gene SHH (sonic hedgehog), que codifica para o seu ligante. Vinte e três mutações em SHH distintas e três mutações em PTC foram associadas a essa condição. (De maneira mais geral, ciclopia está associada com cerca de 1 em 250 fetos huma- nos abortados espontaneamente.) Isso forneceu a primeira pista de que ciclopamina – um potente agente teratogênico – perturba a via de sinalização ativada por Hedgehog. Nessa via de sinalização, um precursor do fator de transcrição Gli é normalmente clivado no citoplasma, permitindo que um produto da clivagem se mova para dentro do núcleo, onde ele atua como um repressor transcricional (Figura 16.40; veja também as Seções 5.7 e 6.12). A proteína Smoothened da membrana plasmática, que pode proteger a proteína precursora Gli da clivagem, é normalmente prevenida disso por causa da proteína receptora Patched (Ptc) pouco compreendida, também localizada na membrana plasmática. Entretanto, quan- Figura 16.39 Falso heléboro e o seu produto teratogênico, ciclopamina (A) A planta Veratrum californicum, comumente chamada de falso heléboro, cresce nas campinas das montanhas do oeste americano. Ovelhas prenhas que pastam essas plantas freqüentemente dão a luz a cordeiros natimortos com os principais defeitos morfogenéticos na região da cabeça, indicando a presença de um potente teratogênico nessa planta. (B) O teratogênico foi identificado como ciclopamina e é produzido em uma série complexa de etapas biossintéticas dentro das células do falso heléboro. A sua estrutura se parece com a de um esteróide, como estrogênio ou progesterona. A complexidade dessa estrutura significa que a criação desse compostoníveis do ligante Hedgehog por essas várias células tumorais ative uma alça de sinalização autócrina que resulta na ativação constitutiva da sinalização e, assim, na emissão contínua de Gli intacta, ativadora da transcrição, para o núcleo das células cancerosas (veja a Figura 16.40D). O papel-chave de Hedgehog no direcionamento da proliferação de alguns desses tipos de células tumorais foi confirma- do pela adição de anticorpos neutralizantes Hedgehog ao seu meio de cultura, que parou a sua proliferação (veja a Figura 16.40E). Ao contrário, foi observado que Hedgehog adicionado ao seu meio de cultura era potentemente mitogênico (Figura 16.40C). Como pode ser esperado, esses efeitos citostáticos e até mesmo citotóxicos do anticorpo anti- Hedgehog foram apenas vistos em células tumorais que também mostraram expressão da proteína receptora de Smoothened. Em 2000, observou-se que a ciclopamina inibia diretamente a proteína Smoothened (Figura 16.41). Além disso, essa interação bloqueou a sinalização anormal resultante da síntese exces- siva de Hedgehog ou de mutações no gene SMO. Isso sugeriu que os efeitos teratogênicos da ciclopamina derivam diretamente da sua habilidade em bloquear a sinalização por Hedgehog em junções críticas no desenvolvimento embrionário. Além disso, essa ausência de sinaliza- ção adequada por Hedgehog durante o desenvolvimento contrasta com a atividade excessiva dessa via em uma variedade de malignidades. A descoberta da associação entre ciclopamina e Smoothened levou, por sua vez, ao tratamen- to de uma variedade de linhagens celulares tumorais humanas positivas para Hedgehog com ciclopamina, o que resultou em uma inibição de 75 a 95% da proliferação celular. Por exem- plo, células de meduloblastoma humano cultivadas, nas quais foi observado que a via de sinalização Hedgehog era hiperativada, responderam a ciclopamina pela parada do cresci- mento e pela rápida perda da viabilidade, enquanto células de outros tipos de tumores de cérebro (glioblastomas e ependimomas) não foram afetadas pelo tratamento com ciclopami- na. Esse tratamento não teve efeito sobre outras linhagens celulares tumorais nas quais a via de sinalização Hedgehog não foi ativada, demonstrando que a ciclopamina não era um sim- ples agente citotóxico não-específico de atuação ampla. Além disso, o tratamento de camun- dongos, nos quais um carcinoma de vesícula biliar (um outro tumor endodermal secretor de Hedgehog) foi implantado, mostrou um bloqueio total da habilidade formadora de tumor (Figura 16.42A). A presença de altos níveis de Hedgehog em cerca de 70% dos carcinomas pancreáticos huma- nos sugere que a ativação da via Hh-Smo-Ptc-Gli é parte integral dos programas de cresci- mento neoplásico desses tumores, enquanto essa via de sinalização parece ter um pequeno papel, se algum, em vários outros tipos de cânceres e na manutenção de vários tecidos nor- mais. Além disso, a exposição por longo tempo de camundongos adultos a níveis terapêuticos de ciclopamina não gerou até agora qualquer indicação de toxicidade. Tudo isso deveria 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max780 augurar bem para a candidatura da ciclopamina como um agente altamente útil para o trata- mento de subgrupos de cânceres humanos que exibem vias de sinalização Hedgehog hipera- tivadas. Na verdade, a candidatura da ciclopamina como um agente terapêutico anticâncer útil tem três pontos contra ela. Como outros produtos naturais, a ciclopamina é o resultado final de uma série complexa de reações enzimáticas que são difíceis de reproduzir no laboratório de síntese orgânica química. Segundo, a obtenção de quantidades significati- vas de V. californicum não é prática. Finalmente, apesar dos resultados mencionados anteriormente com camundongos, a ciclopamina é considerada muito tóxica para ser usada em humanos. Assim, têm sido desenvolvidos antagonistas alternativos de Smoothened que provavel- mente serão tão potentes quanto a ciclopamina na interrupção da via Hedgehog, mas não têm a toxicidade da ciclopamina. Smoothened é um receptor da superfície celular que atravessa a membrana sete vezes e, portanto, tem uma estrutura geral que se asseme- lha muito com aquela de vários receptores acoplados à proteína G (GPCRs; Seção 5.7) produzidos por células de mamíferos. O desenvolvimento de compostos de baixo peso molecular altamente específicos que têm como alvo GPCRs parece ser, em vários casos, relativamente fácil. Como conseqüência, várias companhias farmacêuticas têm desen- volvido drogas com alta especifidade que têm como alvo Smoothened e mostram míni- mos efeitos sobre outros receptores celulares. Figura 16.41 Ações da ciclopamina sobre a via Patched- Smoothened (A) No experimento mostrado aqui, a atividade de Smoothened foi medida indiretamente pela medição da atividade de um gene repórter cuja transcrição é direcionada por Gli em células NIH 3T3 de camundongo. Na ausência de adição do ligante Sonic hedgehod (ShhNp), uma variante Hedgehog que também é um ligante do receptor Patched, não houve atividade de Gli (barra verde- clara). Na presença de ShhNp, a atividade de Gli foi fortemente estimulada (barra verde-escura), e essa indução foi revertida pelo tratamento com ciclopamina (barras cor-de-rosa e vermelhas). Isso demonstrou que a ciclopamina age contra os efeitos do ligante Hedgehog e, por isso, provavelmente está downstream do receptor Patched na via de sinalização. (B) O alvo de ação da ciclopamina foi localizado mais tarde por esse experimento, no qual a atividade de Gli (medida como no painel A) foi medida em células PTCH-/-. A atividade Gli, como antes, foi suprimida por ciclopamina, confirmando que essa droga provavelmente interfere em um passo downstream e independente de Patched. (C) Quando Smoothened tipo selvagem (Smo) foi expressa em altos níveis em células NIH 3T3, a sua atividade foi, novamente, suprimida pela adição de ciclopamina, como indicado pela atividade do gene repórter regulado por Gli (barras azuis e cor-de-laranja, esquerda). Entretanto, quando um mutante, atuando de forma dominante, Smoothened oncogênico foi expresso nos mesmos níveis ou mais baixos (barras à direita), a sinalização foi totalmente resistente à inibição por ciclopamina. Isso indicou que Smoothened estava downstream ou era alvo direto da ação da ciclopamina. Estudos subseqüentes geraram uma série de mutantes, proteínas Smoothened ativas de forma constitutiva que eram todas resistentes à inibição por ciclopamina, reforçando a noção de que a ciclopamina interage diretamente com Smoothened (veja a Figura 16.40A). Análises bioquímicas então demonstraram a ligação direta da molécula de ciclopamina a Smoothened (não-mostrado). (A partir de J. Taipale, J.K. Chen, M.K. Cooper et al., Nature 406:1005-1009, 2000.) 50 40 30 20 10 0 50 40 30 20 10 0 40 60 20 0 – + – + – + – + – + – +1 3 10 50 50 5 0,5 (A) at iv id ad e re pó rte r r el at iv a controle + ciclopamina ShhN p (B) at iv id ad e do p ro m ot or controle ciclopamina (μM) (C) at iv id ad e re pó rte r r el at iv a ciclopamina nível de expressão de Smo Smoothened tipo selvagem Smoothened oncogênica CICLOPAMINA COMO TERAPÊUTICO ANTI-CÂNCER / 781 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max781 782 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER Com o objetivo de testar esses novos compostos, foi criado um modelo murino de medulo- blastoma humano que depende da inativação (veja a Barra lateral 7.10) de uma cópia do gene Ptc e ambas as cópias do gene p53 na linhagem germinal de camundongo, gerando um genótipo Ptc+/-p53-/-; virtualmente todos esses camundongos desenvolvem meduloblastomas com três meses de idade. Um inibidor de Smoothened, chamado de HhAntag, que tem 10 vezes a potência da ciclopamina, foi sintetizado e é capaz de passar facilmente pela bar- reira hematoencefálica, a barreira biológica especializada que protege o tecido do cérebro do conteúdo da circulação. Como visto na Figura 16.42B, o tratamento de camundon- gos mutantesde três semanas de idade que desenvolveram meduloblastomas com HhAntag causou a regressão do tumor dentro de duas semanas; isso ocorreu com pouca, se alguma, toxicidade sistêmica. No caso do câncer de pâncreas, a perspectiva de desenvolver um inibidor da via de sinalização Hedgehog útil clinicamente é excitante. No momento, esse carcinoma, no qual a sinalização Hedgehog com freqüência tem um papel proeminente, tem um resultado fatal quase que inevitável: uma vez que esse câncer foi diagnosticado em um paciente, a probabilidade de sobreviver por outros cinco anos é menor do que 4%. Isso contrasta com os cinco anos de sobrevivência, em 1998, de pacientes americanos diagnosticados com câncer de mama (86%) e câncer de próstata (97%). Meduloblastomas, em grande parte tumores pediátricos, ocorrem cerca de um décimo das vezes dos carcinomas pancreáticos; no momento, quase dois terços dos pacientes são curados desse tumor por uma combinação de cirurgia, radiação e quimioterapia; esse tratamento pode, entretanto, deixar os sobreviventes com debilitações neurológicas significativas, in- cluindo o comprometimento das funções cognitivas. Entretanto, ironicamente, o maior in- centivo econômico para desenvolver mimetizadores da ciclopamina provavelmente deriva da necessidade de tratar o mais benigno, mas também o tipo de câncer humano mais comum – o carcinoma de células basais da pele. 16.15 mTOR, o principal regulador da fisiologia celular, representa um alvo atrativo para a terapia anticâncer A história final é a mais curta de todas, mesmo que ela apenas descreva um circuito regulador que ainda não está completamente compreendido e gerou pouco sucesso clínico até agora. Figura 16.42 Efeito da ciclopamina e de drogas análogas sobre o crescimento de tumores (A) Células de colangiossarcoma humano (tumor de ducto biliar) formaram xenoenxertos de tumor com 180 mm3 de volume em camundongos que ficaram sem tratamento (linha vermelha) ou foram tratados durante 22 dias com ciclopamina (linha azul). No último caso, o tumor encolheu e não reapareceu nos 76 dias que seguiram na ausência de mais tratamento com ciclopamina. (B) Camundongos com genótipo Ptc+/-p53-/- desenvolveram meduloblastomas por todo o seu cerebelo cedo na vida. Com cinco semanas de vida, o cerebelo de um camundongo tipo selvagem (no topo, à esquerda) é muito menor do que no mutante com tendência a tumor (no topo, à direita). Um antagonista Smoothened, chamado HhAntag, foi identificado na triagem de uma biblioteca de drogas. Quando o camundongo mutante foi tratado com a droga duas vezes por dia entre a terceira e a quinta semanas de vida, com 20 mg ou 100 mg por kg de peso corpóreo, os tumores regrediram parcial ou completamente (abaixo, à esquerda e à direita). Tratamentos subseqüentes de camundongos mutantes com 8 e 10 semanas de idade, com tumores muito maiores, geraram respostas terapêuticas comparáveis (não-mostrado). (A partir de D.M. Berman, S.S. Karhadkar, A. Maitra et al., Nature 425:846-851, 2003; B, a partir de J.T. Romer, H. Kimura, S. Magdaleno et al., Cancer Cell 6:229-240, 2004.) 2 6 10 14 18 94 98 0 –100 400 800 (A) vo lu m e do tu m or (% a lte ra çã o) controle ciclopamina dias duração do tratamento (B) tipo selvagem cerebelo Ptc+/– p53–/– não-tratado Ptc+/– p53–/– tratado com 20 mg/kg de HhAntag Ptc+/– p53–/– tratado com 100 mg/kg de HhAntag 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max782 O O OO O O H H O HO HO OH N O OMe (A) região de ligação a FKBP12 Me Me Me Me Me Me Me Me Me região de ligação a mTOR rapamicina (B) domínio FRB de mTOR rapamicina FKBP12 (C) enterro profundo do grupo metil da rapamicina em mTOR FKBP12 rapamicina domínio FRB de mTOR enterro profundo do grupo pipecolinil da rapamicina em FKBP12 Apesar de tudo, esse circuito tem todos os atributos para gerar terapias que irão competir ou até mesmo obscurecer alguns dos que foram descritos antes neste capítulo. Essa história também inicia com um produto natural – a rapamicina – que foi isolado na década de 1960, a partir da bactéria Streptomyces hygroscopicus, que cresce no solo de Rapa Nui, conhecida como Ilha da Páscoa, no meio do Pacífico. No início dos anos 1970, ela foi novamente isolada por uma companhia, que a desenvolveu como um agente antifúngico. Nas décadas seguintes, tornou-se claro que rapamicina (Figura 16.43A) pode agir para parar o crescimento de um espectro extraordinariamente amplo de células eucarióticas, variando daquelas de leveduras até as de mamíferos. Foi observado que a rapamicina tinha forças imunosupressoras, mesmo quando usada em baixas concentrações. Em 1999, foi aprovada pelo U.S. Food and Drug Administration (FDA) para prevenir a imuno-rejeição de órgãos transplantados, principalmente rins. Essa droga, também chamada de sirolimus, funciona sinergisticamente com outros imunosupressores, especificamente ciclosporina e esteróides, para assegurar um enxerto de longo prazo sem causar maiores efeitos colaterais no receptor do transplante. As razões para suas ações seleti- vas de afetar com preferência o sistema imune não são completamente compreendidas. (De maneira intrigante, a imunosupressão por ciclosporina nos receptores de órgãos transplanta- Figura 16.43 Rapamicina, FKBP12 e mTOR (A) A rapamicina é descrita quimicamente como uma lactona macrocíclica e biologicamente como um antibiótico macrolídeo, um dos vários que são produzidos por bactérias que pertencem ao gênero Streptomyces. Rapamicina e seus derivados químicos atuam como potentes imunossupressores sem induzir efeitos colaterais severos em outros sistemas de órgãos no corpo. Alguns de seus efeitos são devidos à sua capacidade de inibir a sinalização mTOR. (B) A ligação da rapamicina (figura em bastão verde e vermelha) a FKBP12 (modelo de fitas e espaço preenchido azul, à direita) ocorre com alta afinidade, sendo a constante de dissociação (K d ) em torno de 0,2 a 0,4 nM. Esse complexo bimolecular forma uma supefície molecular que pode, então, associar-se a mTOR (modelo de fitas e espaço preenchido vermelho, à esquerda) e prevenir a última de funcionar como uma serina/treonina cinase. Nesta imagem, apenas o domínio FRB (FKBP12-ligador de rapamicina) de mTOR é mostrado. (C) Os detalhes da interface entre rapamicina (figura em bastão amarelo e vermelho) e as superfícies das duas proteínas são mostradas aqui. Áreas de alta complementariedade estereoquímica entre rapamicina e as proteínas estão destacadas em roxo. Algumas das associações de alta afinidade dependem da inserção de grupos químicos de rapamicina em cavidades profundas dentro de FKBP12 (direita) e do domínio FRB de mTOR (esquerda). (B e C, cortesia de Y. Mao and J. Clardy, e a partir de J. Choi, J. Chen, S.L. Schreiber and J. Clardy, Science 273:239-242, 1996.) INIBIÇÃO DE MTOR POR RAPAMICINA / 783 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max783 784 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER dos leva a um risco elevado de malignidades (veja a Seção 15.9), enquanto a imunossupressão induzida por rapamicina nesses pacientes na verdade reduz o risco de desordens linfoprolife- rativas após o transplante. Portanto, a noção de que a imunossupressão sempre leva a um aumento no risco de câncer deve ser refinada, uma vez que alguns tipos de imunossupressão geram uma incidência de tumor aumentada, enquanto outros tipos não o fazem.) Análises bioquímicas mostram que a rapamicina se liga diretamente a uma proteína de baixo peso molecular, chamada de FKBP12 (proteína ligadora de FK506 com 12 kD), originalmente desco- berta porque também é ligada por FK506, uma droga que atua de forma similar. Uma vez forma- do, o complexo rapamicina-FKBP12 (Figura 16.43B) se associa a uma proteína, que foi identifi- cada em 1994, chamada de mTOR (alvo da rapamicina em mamíferos), e a desliga. mTOR é uma proteína grande (289 kD) que funciona como uma serina/treonina cinase; o seu domínio de cinase lembra aquele da cinase PI3 e de enzimas relacionadas.tornaram possível predizer o curso clínico da progressão do câncer de mama com mais de 90% de exatidão (Figura 16.4), e melhorias adicionais na força de predição estão sendo desenvolvidas. Essa informação alta- mente acurada do prognóstico mantém a esperança de poupar várias mulheres da exposição à quimioterapia desnecessária. E, no futuro, os detalhes da análise de um arranjo de expressão também poderão informar ao oncologista sobre o protocolo de tratamento que provavelmen- te vai gerar uma resposta clínica durável ou até mesmo a cura. Análises como aquelas mostradas na Figura 16.4 são apenas os passos iniciais de um esforço em grande escala para analisar uma variedade de tipos de câncer humano por meio de arran- jos de expressão, para estratificar os tipos em subtipos e, com base nas informações que o arranjo gera, planejar terapias adequadas para cada subtipo específico. Por exemplo, linfomas de células B têm representado um dilema para os oncologistas por seus resultados serem tão variados na clínica, com alguns pacientes morrendo dentro de quatro semanas após o diag- nóstico enquanto outros estão sendo curados ou estão, no mínimo, alcançando 10 anos de sobrevivência sem sintomas clínicos. Ao mesmo tempo, todos aqueles tumores têm uma aparência muito similar sob o microscópio (Figura 16.5A, topo). Entretanto, o uso dos ar- Figura 16.3 Obtenção de imagem de alta resolução de forma não-invasiva dos tecidos humanos O desenvolvimento da obtenção de imagem por ressonância magnética (MRI) permitiu uma resolução muito alta da visualização, de forma não- invasiva, dos tecidos vivos. O MRI agora permite que tumores de mama muito pequenos (alguns mm de diâmetro) sejam detectados e, como mostrado aqui, torna possível observar o progresso de uma terapia antitumor – nesse caso, quimioterapia com o agente citotóxico antraciclina – em um detalhe excelente. O uso em amplo espectro de tais técnicas de obtenção de imagem altamente sensíveis provavelmente resultará em aumentos futuros no índice de incidência do câncer de mama. (Cortesia de N.M. Hylton and L.J. Esserman.) INCIDÊNCIA DE CÂNCER E TENDÊNCIAS DE DIAGNÓSTICO / 729 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max729 730 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER ranjos de expressão (abaixo na Figura 16.5A) permitiu que esses tumores fossem segregados em três diferentes doenças com diferenças clínicas resultantes completamente diferentes – linfomas primários de células B mediastinais, linfomas de células do centro germinal seme- lhantes a células B e linfomas semelhantes a células B ativadas (Figura 16.5B). Desses três, tanto os linfomas semelhantes a células B ativadas (ABCs) como os linfomas primários de células B mediastinais (PMBLs) exibem altos níveis constitutivos de atividade de NF-κB (Figura 16.5C); esse fator de transcrição (Seção 6.12) parece estar dirigindo a sua proliferação e, ao mesmo tempo, os protegendo da apoptose. De acordo com isso, drogas que têm como alvo a via NF-κB, especificamente o seu ativador upstream, IKK, têm sido usadas com o objetivo de afetar esses dois subtipos de células DLBCL propagadas em cultura, e, de fato, ambos os grupos de células são mortos uma vez que elas perdem a sua atividade IKK (Figura 16.5D). Células em cultura a partir do terceiro tipo de linfoma, linfomas de células do centro germinal semelhantes a células B, não demonstram alta atividade de NF-κB e essencialmente não são afetadas por um tratamento desses. Figura 16.4 A estratificação do câncer de mama pelo uso da genômica funcional (A) Os arranjos de expressão foram utilizados para analisar a expressão gênica de um grupo de 296 cânceres de mama primários diagnosticados em mulheres de menos de 53 anos de idade. O grupo inclui pacientes com células metastáticas nos linfonodos da axila assim como pacientes cujos linfonodos estavam livres de células cancerosas. A análise bioinformática desses tumores foi então empregada para escolher um grupo de 70 “genes de prognósticos” cuja expressão poderia ser utilizada para estratificar esses pacientes com câncer de mama (arranjados ao longo do eixo vertical), cujo curso clínico foi acompanhado por um tempo médio de sete anos. Os níveis de expressão desses 70 genes (arranjados ao longo do eixo horizontal, não foram nomeados) juntamente com informações sobre história clínica dos pacientes foram então utilizados para determinar um limiar que separava tumores que tinham uma “marca de expressão boa” dos tumores que tinham uma “marca de expressão pobre”. (B) Este gráfico de Kaplan-Meier revela a estratificação de um grupo de 151 pacientes com câncer de mama cuja sobrevivência foi acompanhada por 10 anos após o diagnóstico. Utilizando o critério do painel (A), eles puderam ser separados em dois grupos com cursos clínicos completamente diferentes. Juntando com outros fatores (como a eficiência da quimioterapia), os cálculos indicam que mulheres cujos tumores carregam uma marca de expressão boa virtualmente não obtêm benefícios da quimioterapia adjuvante. (A partir de M.J. van de Vijver, Y.D. He, L.J. Van´t Veer et al., N. Engl. J. Med. 347: 1999-2009, 2002.) 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0 0 2 4 6 8 10 –0,5 0,50 50 10 20 30 40 50 60 70 100 150 200 250 (A) subexpressão razão (escala log) superexpressão 29 5 tu m or es marca boa (14 metátases por 115 pacientes) limiar colocado aqui marca pobre (75 metástases por 180 pacientes) 70 genes de prognósticos pr op or çã o de s ob re vi ve nt es (B) marca boa (40% dos pacientes): ~4% morrem de câncer de mama ~96% sobrevivem ao câncer de mama marca pobre (60% dos pacientes): ~50% morrem de câncer de mama ~50% sobrevivem ao câncer de mama perfil bom (60) perfil pobre (91) tempo (anos) 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max730 A interpretação dos padrões de expressão gênica de tumores de histologia complexa, como os carcinomas compostos tanto de tipos celulares do epitélio como do estroma, é freqüentemen- te confundida com o fato de que os transcritos de RNA que são medidos são uma mistura derivada de múltiplos tipos celulares. A técnica de microdissecção por captura a laser (LCM; veja a Figura 13.23) agora torna possível isolar fisicamente as células epiteliais das do estroma presentes em uma amostra de carcinoma que foi fixada sobre uma lâmina de microscópio. Isso permite que o padrão de expressão gênica dos dois grupos de células seja analisado sepa- radamente, permitindo um refinamento adicional dessas análises e, potencialmente, até mes- mo uma estratificação mais acurada das amostras de tumores. Além dessas análises de expressão gênica, há uma geração de novas ferramentas de diag- nóstico envolvendo a ciência da proteômica, na qual o espectro de proteínas expressadas Figura 16.5 Estratificação dos grandes linfomas de células B difusos (A) DLBCLs representam um grupo de vários subtipos de neoplasias de células B que são essencialmente indistinguíveis ao microscópio umas das outras e dos linfomas de células B mediastinais primários (acima). Entretanto, o uso de arranjos de expressão gênica (abaixo) permite que esses tumores sejam estratificados em três subtipos, chamados de linfomas primários de células B mediastinais (PMBLs), célula B do centro germinal (GCB) DLBCLs e semelhantes a células B ativadas (ABC) DLBCLs. Neste arranjo de expressão, um grupo de genes cujos níveis de expressão têm sido úteis para fazer essa estratificação é colocado ao longo do eixo vertical, enquanto um grupo de tumores de pacientes (não-marcados) é colocado ao longo do eixo horizontal. (B) Esta curva Kaplan-Meier ilustra os cursos bastante diferentes da doença que os pacientes com os três subtipos sofrem. (C) Os tumores que são classificados pelas análises de arranjo de expressão mostrados no painel A exibem alterações cariotípicas e bioquímicas distintas. (D) O fato de PMBLs e ABCs mostrarem níveis constitutivos altos de atividade de NF-κB sugere que eles possam ser particularmente suscetíveis ao rompimento dessa via de sinalização por inibiçãomTOR é de especial interesse, porque funciona como uma ligação crítica no circuito controle de células de mamíferos (Figura 16.44A). Assim, mTOR integra uma variedade de sinais aferentes (i. e., que entram), incluindo a disponibilidade de nutrientes e mitógenos e, tendo feito isso, atua para controlar a importação de glicose e a síntese protéica. Mais especificamente, mTOR fosforila dois governadores-chave da tradução: cinase p70S6 (S6K1) e 4E-BP1. Essa fosforilação ativa S6K1, que então procede a fosforilar a proteína S6 da subunidade ribossomal pequena (40-S), permitindo que essa subunidade participe da formação do ribossomo (pela associação com a subunidade ribossomal maior) e, assim, da síntese protéica. Figura 16.44 O circuito de mTOR e as respostas tumorais a mTOR (A) mTOR está no meio de um circuito complexo regulador que integra sinais de entrada sobre a disponibilidade de nutrientes, tensão de oxigênio, níveis de ATP e sinais mitogênicos e, como reposta, libera sinais que governam a biogênese do ribossomo, a síntese de proteínas, a proliferação celular, a proteção contra apoptose, a angiogênese e, até mesmo, a motilidade celular. mTOR existe em dois complexos alternativos com seus parceiros Rictor (à esquerda) e Raptor (à direita); os dois complexos se intercomunicam de forma ainda obscura. O complexo mTOR-Rictor governa a atividade de Akt/PKB pela adição de um segundo fosfato crítico para Akt/PKB e, assim, ganha controle sobre os efetores múltiplos de Akt/PKB downstream. A exposição à rapamicina (à direita, abaixo) inibe rapidamente o complexo mTOR-Raptor e, após extensos períodos, causa um desligamento progressivo do complexo mTOR-Rictor. (B) Camundongos BALB/c carregando células injetadas de uma linhagem celular de adenocarcinoma de cólon singênico desenvolveram tumores grandes bem- vascularizados (à esquerda) 35 dias após a injeção. Entretanto, quando o crescimento desses tumores é permitido por uma semana após a qual os camundongos recebem tratamento contínuo com doses de rapamicina comparáveis àquelas usadas em humanos para imunosupressão, os tumores são muito menores (à direita), e a densidade de microvasos nesses tumores é menos do que a metade daquela observada nos tumores controle (não- mostrado). (C) Osteossarcomas geralmente respondem pouco a vários tipos de quimioterapia. Entretanto, no caso de um paciente de 23 anos de idade com osteossarcoma, o tratamento com AP23573, um análogo da rapamicina, gerou um decréscimo de mais de 50% no valor-padrão máximo de captação (SUV max ) de glicose marcada radiativamente por uma metástase dentro de cinco dias de tratamento e mais de 85% de diminuição em 54 dias de tratamento (setas brancas). Enquanto tais respostas não são típicas, elas indicam o potencial desse tipo de tratamento e a possibilidade de que, no futuro, condições serão encontradas para permitir respostas similares em uma proporção significativa de tais pacientes. Cada uma dessas imagens é uma fusão de duas imagens obtidas inicialmente por CT (tomografia de raios X computadorizada) e PET (tomografia de emissão de pósitrons); a última mede a extensão da captura da glicose marcada radiativamente, que geralmente é elevada em tecidos neoplásicos. (A, a partir de D.A. Guertin and D.M. Sabatini, Trends Mol. Med. 11:353-361, 2005; B, a partir de M. Guba, von Breitenbuch, M. Steinbauer et al., Nat. Med. 8:128-135, 2002; C, cortesia de S. P. Chawla and K.K. Sankhala, Century City Doctors´ Hospital and John Wayne Cancer Institute, e de C. L. Bedrosian, Ariad Pharmaceuticals, Inc.) 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max784 O O OO PI3K IRS P ? ? P P GTP P P FKBP12 (A) Rictor GβL mTOR PIP 3 PTEN P P P P P ligação Akt/PKB angiogênese proliferação sobrevivência celular crescimento celular síntese protéica eΙF4E 4E-BP1 PDK1 transcrição rapamicina S6K Raptor GβL mTOR Rheb TSC2 TSC1 hipoxia/estresse AMPK estresse de energia nutrientes (aminoácidos, glicose) (B) controle + rapamicina (C) início do tratamento com AP23573 5 dias de tratamento 54 dias de tratamento Além disso, fosforilando 4E-BP1, mTOR faz com que 4B-BP1 libere a sua ligação com o fator de iniciação da tradução eIF4E (fator eucariótico de iniciação 4E); uma vez liberado, eIF4E forma complexos com vários outros fatores de iniciação, e os complexos resultantes permitem que os ribossomos iniciem a tradução de certos mRNAs, especificamente aqueles RAPAMICINA COMO AGENTE ANTI-CÂNCER / 785 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max785 786 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER com regiões de oligopirimidina na sua região 5´ não-traduzida. Juntas, essas várias ações permitem que mTOR seja um governador-chave do crescimento celular (em vez de prolife- ração celular; veja a Figura 8.2). Até recentemente, acreditava-se que mTOR fosse um dos substratos downstream de Akt/ PKB, especificamente aquele que permite que Akt/PKB regule o crescimento celular pelo controle da síntese protéica. Mas isso está mudando: entende-se agora que mTOR é ativa- dor-chave upstream de Akt/PKB. Essa mudança coloca mTOR em uma posição muito mais potente na célula. Pelo controle de Akt/PKB, mTOR pode regular a apoptose e a prolifera- ção, além da sua habilidade conhecida de regular o crescimento celular. Na verdade, mTOR aparece em dois locais do circuito descrito na Figura 16.44A, uma vez que ele é capaz de se associar a dois parceiros alternativos, chamados Raptor e Rictor. O complexo mTOR-Rictor (juntamente com uma terceira proteína, GβL) é regulado de ma- neiras desconhecidas por fatores de crescimento e é responsável pela ativação de Akt/PKB. O complexo mTOR-Raptor (+GβL), sobre o qual se conhece mais, é responsável pela ativação da síntese protéica (pela fosforilação de S6K1 e 4E-BP1). Atuando junto com FKBP12, a rapamicina interage diretamente com o complexo mTOR-Raptor, que é rapidamente inibi- do depois que essa droga é aplicada às células. Entretanto, se o tratamento com rapamicina é continuado por várias horas, finalmente o complexo mTOR-Rictor também é desligado, resultando na inibição de Akt/PKB. O mecanismo pelo qual a rapamicina tem sucesso em inibir o complexo mTOR-Rictor é pouco compreendido. Esse efeito inibitório sobre a sinalização de Akt/PKB parece ser responsável por grande parte do efeito da rapamicina sobre células do câncer que exibem um PI3K hiperativado ou perda da expressão de PTEN. É plausível que tais células, de maneira muito semelhante às células de carcinoma pulmonar de células pequenas com receptores EGF mutantes (Barra lateral 16.3), tenham se tornado “viciadas” nos sinais de Akt/PKB e dêem uma guinada para apop- tose no momento em que elas forem privadas desses sinais pelas ações da rapamicina e de drogas relacionadas. Entretanto, as regras precisas que determinam a sensibilidade ao trata- mento com rapamicina ainda devem ser trabalhadas. O circuito regulador mostrado na Figura 16.44A intersecta em vias adicionais com a patogê- nese do câncer. Por exemplo, TSC1 e TSC2 (também chamadas de hamartin e tuberin) já apareceram neste livro no contexto de seus papéis como proteínas supressoras de tumores. A perda de qualquer uma dessas proteínas leva a esclerose tuberosa (Tabela 7.1); e, como visto na Figura 8.2, a perda de TSC1 resulta na formação de células gigantes tanto em moscas como em humanos. TSC2 atua como uma GAP (proteína ativadora de GTPase; veja, por exemplo, a Barra lateral 5.11) para Rheb, uma pequena proteína semelhante a Ras. Enquanto TSC2 permanecer no estado ligado a GTP, Rheb contribui de maneiras desconhecidas para estimular o complexo mTOR-Raptor-GβL; entretanto, uma vez que TSC2 induziu Rheb para hidrolizar o seu GTP, Rheb perde sua atividade estimuladora. No momento, outras conexões sinalizadoras entre o circuito mTOR e a crítica indução de crescimento e proteínas mitogênicas estão progredindo pela pesquisa em andamento. Vários derivados da rapamicina têm sido produzidos, e três estão em testes clínicos de fase inicial. O seu desenvolvimentotem sido encorajado, em parte, pela observação de que dro- gas, como a rapamicina, podem ser toleradas por períodos extensos por receptores de trans- plantes, indicando um nível baixo tolerável de efeito tóxico colateral. Nos experimentos pré- clínicos, a rapamicina dada aos camundongos em níveis que são usados para imunossupres- são crônica tem fortes efeitos na supressão de neoangiogênese associada a tumor e, portanto, o crescimento tumoral (Figura 16.44B), um efeito que pode ser explicado pelo fato de que uma das três isozimas Akt/PKB, Akt1, é crítica para a habilidade das células endoteliais e seus precur- sores para responder a estimulação por fatores de crescimento do edotélio vascular (VEGF). Em alguns testes clínicos, notavelmente aqueles com enfoque no tratamento de sarcomas, ocasionalmente têm sido observadas respostas clínicas que são bastante marcantes (Figura 16.44C). E, em 2006, foi reportado que a rapamicina induz regressão de astrocitomas asso- 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max786 ciados a esclerose tuberosa (veja a Figura 8.2B). Na verdade, são respostas clínicas como essas que têm motivado a discussão sobre o circuito mTOR neste capítulo. Elas fornecem dicas atormentadoras de como esse circuito pode ser um dia manipulado para induzir a morte de células cancerosas, gerando melhoras substanciais na terapia dos tumores sólidos. Esses avan- ços provavelmente aparecerão à medida que os oncologistas aprenderem quais tipos de célu- las cancerosas são particularmente sensíveis aos análogos de rapamicina, muitas vezes na presença de outras drogas terapêuticas colaboradoras. 16.16 Sinopse e perspectivas: desafios e oportunidades no caminho adiante “Quando o câncer será curado?” Essa é a questão simples e lógica mais freqüentemente colo- cada aos pesquisadores de câncer por aqueles que não estão diretamente envolvidos nessa área de pesquisa bioquímica. Nas suas mentes, estão as histórias de outras medidas de saúde pú- blica. Doenças infecciosas, como pólio e varíola, podem ser prevenidas, e as infecções bacte- rianas são quase invariavelmente curadas. Doenças do coração estão aos olhos de muitos, bem no caminho de serem prevenidas. Por que com o câncer deveria ser diferente? A informação neste livro fornece algum discernimento para as respostas a essas questões. Tanto quanto temos invocado a unificação dos conceitos para retratar o câncer como uma doença única, a realidade – ao menos aos olhos de oncologistas clínicos – é muito diferente. O câncer é, na verdade, uma coleção de mais de 100 doenças, cada uma afetando uma célula distinta ou um tipo de tecido no corpo. Análises patológicas nos levaram a utilizar esse número, ou outro um pouco maior. (Por exemplo, existem no mínimo oito categorias histopatológicas diferentes de câncer de mama.) Entretanto, mesmo o número expandido, grande como possa ser, representa uma ilusão: o uso corrente de diagnóstico molecular, especificamente arranjos de expressão gênica, está levando a uma explosão de subcategorias, de modo que, na segunda década do novo milênio, várias centenas de doenças neoplásicas distintas provavelmente serão reconhecidas, cada uma seguindo o seu próprio curso clínico razoavelmente predizível e exibindo a sua própria res- ponsividade para formas específicas de terapia. Com a passagem do tempo, o diagnóstico do câncer será feito cada vez mais usando bioinformática em vez dos olhos treinados de um patologista. Assim, a resposta inicial para questões sobre “a cura” é que não existirá um atalho principal único que curará todos os cânceres – uma vitória decisiva no campo de batalha –, simples- mente porque o câncer não é uma doença única. Em vez disso, existirão vários conflitos pequenos que irão reduzir constantemente os índices gerais de morte de vários tipos de cân- cer. E, como certos defeitos moleculares e processos patológicos (p. ex., angiogênese) são compartilhados por múltiplos cânceres humanos, existirão ocasiões em que avanços terapêu- ticos sobre várias frentes serão realizados concomitantemente. Antes de especularmos sobre o futuro da terapia do câncer, é válido dar um passo para trás e acessar o escopo do desafio: (1) quão grande é o problema do câncer e, no futuro, o quão desesperadora será a necessidade de curar vários tipos de doenças neoplásicas? (2) O quão bem estamos fazendo agora para curar os principais tumores sólidos? A epidemiologia e a demografia fornecem algumas respostas para a primeira questão. Elas geram estimativas moderadas do caminho à frente. As estatísticas na Figura 16.45 demons- tram que o câncer é, em grande parte, uma doença dos mais velhos, cujo número está cres- cendo mais rapidamente e continuará assim, gerando aumentos progressivos nos números de mortes relacionadas ao câncer (mortalidade) por todas as décadas a seguir. Igualmente importante, ainda temos apenas maneiras muito imperfeitas de medir a incidên- cia – com qual freqüência a doença dá o golpe. Isso complica muito as estimativas de efetivi- dade das terapias atuais e as necessidades futuras para terapias. Como indicado na Figura SINOPSE E PERSPECTIVAS / 787 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max787 788 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER 16.46, percepções sobre a incidência de certos tipos de doenças neoplásicas são fortemente influenciadas pelas práticas de diagnóstico. Para vários tipos de câncer, quanto mais se procura, mais se acha. Estatísticas como aquelas na Figura 16.46 sugerem que, no passado, vários cânceres permaneceram sem diagnóstico e assintomáticos, e que esses tumores estão contribuindo para a maior parte dos aumentos visíveis na incidência da doença, notavelmente de tumores comuns, como aqueles que sur- gem na mama e na próstata. (As principais exceções aqui são os cânceres relacionados ao uso do tabaco, cujo aumento da incidência é real e além de discussão, uma vez que as taxas de incidência são quase comparáveis com as taxas de mortalidade.) Tais estatísticas indicam que, para vários tipos de tumores, temos apenas uma pobre apreciação de quão grande é o número daqueles que realmente requerem tratamento (veja a Barra lateral 16.4). Dados como aqueles na Figura 16.46 também questionam a noção (Capítulo 11), profunda- mente incrustada no pensamento de vários biologistas do câncer e oncologistas clínicos, de 1990 31,2 2000 34,7 2010 39,4 2020 53,2 2030 69,4 2040 75,2 2050 78,990 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0 20 40 600 500 400 300 200 100 0 00 –0 4 10 –1 4 05 –0 9 15 –1 9 25 –2 9 20 –2 4 30 –3 4 40 –4 4 35 –3 9 45 –4 9 55 –5 9 50 –5 4 60 –6 4 70 –7 4 65 –6 9 75 –7 9 85 + 80 –8 4 325.000 300.000 250.000 200.000 150.000 100.000 50.000 0 19 30 19 40 19 50 19 60 19 70 19 80 19 90 20 00 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 (A) po pu la çã o do s E U A 65 a no s ou m ai s (m ilh õe s) (B) m or ta lid ad e po r c ân ce r c ol or re ta l po r p op ul aç ão d e 10 0. 00 0 homens mulheres anos (C) m or ta lid ad e po r c ân ce r c ol or re ta l p or po pu la çã o de 1 00 .0 00 (a ju st ad a à id ad e) homens mulheres (D) nú m er o de m or te s po r a no homens mulheres anos Figura 16.45 A demografia e epidemiologia do câncer (A) Devido a quedas bruscas na mortalidade na meia idade, populações em países industrializados estão envelhecendo rapidamente. Nos Estados Unidos, o número de indivíduos acima de 65 anos aumentou 11 vezes desde 1900, enquanto o número daqueles abaixo de 65 aumentou três vezes. Aumentos comparáveis na população mais velha provavelmente ocorrerão por todo o mundo durante as próximas gerações. (B) A porcentagem de morte, ajustada à idade, por câncer colorretal alterou apenas levemente durante várias décadas passadas. Outros cânceres importantes mostraram curvas similares. (C) Como inúmeras outras doenças, câncer é incomum cedo na vida ou durante a meia vida e então aumenta rapidamente. Mostrada aqui está a taxade morte dependente da idade por câncer colorretal. (D) Por causa do (1) aumento do número de mais velhos de forma constante durante o século passado, que continuará dessa forma (veja o painel A), (2) câncer ser uma doença de mais velhos (painel C), e (3) a taxa ajustada à idade da maioria dos cânceres ter sido relativamente constante durante várias décadas (como sugerido no painel B), o número absoluto de mortes anuais por causa de câncer aumentou dramaticamente durante os três quartos passados de século nos Estados Unidos. Uma vez que essas tendências provavelmente continuarão, o peso de casos de câncer nas sociedades industrializadas continuará a aumentar por várias décadas. (A, cortesia de D. Singer and R. Hodes, a partir de U.S. Bureau of the Census Projections of 1996; B, cortesia de M.J. Thun, a partir de Câncer Statistics, 2003, American Cancer Society; C, a partir de A. Jemal, T. Murray, E. Ward et al., CA Câncer J. Clin. 55:10-30, 2005; D, a partir de A. Jemal, E.M. Ward and M.J. Thun, in V. DeVita et al. (eds.), Cancer: Principles and Practice of Oncology, 7th ed. Philadelphia: Lippincott/ Williams & Wilkins, 2004.) 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max788 Figura 16.46 Incidência e mortalidade do melanoma A incidência de melanoma nos Estados Unidos aumentou em seis vezes durante a última metade do século, levantando a questão de se essa tendência criou um aumento comparável no número de casos que necessitam tratamento clínico agressivo. (A) O transtorno na incidência de melanoma (para as categorias de doenças localizadas de estágio inicial e disseminadas de estágio avançado, ambas diagnosticadas por biópsia de pele) em nove áreas dos Estados Unidos entre indivíduos acima dos 65 anos de idade indica um aumento dramático durante as duas décadas passadas na incidência da doença de estágio inicial e na incidência relativamente constante da doença de estágio avançado. A mortalidade ajustada por idade tem sido relativamente constante durante esses anos. (Melanoma é uma doença cuja incidência surge progressivamente com a idade, tornando este grupo de idade o que tem a incidência e a mortalidade mais altas a partir dessa doença.) Esses dados levantaram a questão de se a incidência real da doença de estágio inicial tem aumentado durante esse período, ou se a incidência real tem sido relativamente constante e a incidência registrada dessa doença aumentou por causa das alterações nas práticas de triagem. (B) Se as taxas de incidência, como aqueles do painel A, são colocadas contra as taxas de triagem por melanoma em nove áreas dos estados Unidos, como registrado durante vários períodos, o gráfico resultante revela uma correlação próxima entre os dois. Isso fornece fortes indicações de que a incidência da doença é muito influenciada pelas práticas de diagnóstico. Então é possível que (1) a incidência verdadeira de melanomas que ameaçam a vida (painel A) não tenha alterado significativamente durante as últimas duas décadas passadas; ou que (2) a verdadeira incidência desses tumores aumentou, mas a intensificação da triagem manteve a taxa de mortalidade nos níveis observados há duas décadas pela permissão da remoção de tumores em estágios iniciais antes que eles progredissem para invasivos e metastáticos. (A partir de H.G. Welch, S. Woloshin and L.M. Schwartz, BMJ 331:481, 2005.) 0 25 50 75 100 125 1986 1991 1986 2001 0 25 50 75 100 125 150 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 1986 2001 1987–2000 (A) ta xa p or p op ul aç ão d e 10 0. 00 0 incidência total mortalidade incidência de casos em estágios iniciais incidência de casos em estágios avançados (B) in ci dê nc ia d e m el an om a po r p op ul aç ão d e 10 0. 00 0 taxa de biópsias de pele realizadas em 9 regiões dos EUA (por 100.000 de população) Barra lateral 16.4 Qual é a verdadeira in- cidência dos cânceres que ameaçam a vida? Para alguns, dados como aqueles mostra- dos na Figura 16.52 podem sugerir que a incidência ajustada pela idade de melano- mas que ameaçam a vida não se alterou durante as últimas duas décadas, e que a triagem por melanomas, que é praticada cada vez mais nos países industrializados, apenas levou à descoberta de crescimentos que, em tempos anteriores, não teriam sido noticiados e nunca teriam progredido para um estado altamente maligno. Isso sugeri- ria que a triagem por melanoma, e, por ex- tensão, por outras malignidades em estágio inicial, teria poucos efeitos benéficos em termos de redução de mortalidade. Mas existe uma outra visão igualmente plausível: que a verdadeira incidência dos me- lanomas com potencial de se tornarem amea- çadores à vida tem aumentado, de fato, cons- tantemente nas décadas recentes (p. ex., como uma conseqüência da exposição aumentada ao sol), e que a triagem preveniu um aumento as- sociado na mortalidade, uma vez que ele fre- qüentemente leva à remoção de tais crescimen- tos muito antes que eles tenham tempo de pro- gredir para um estado altamente maligno. Em partes da Austrália, por exemplo, onde a tria- gem por melanomas tem sido praticada am- plamente há três décadas, a mortalidade por melanoma ajustada pela idade tem realmente diminuído nos últimos anos. Significativa- mente, a mortalidade tem diminuído em gru- pos de pessoas que nasceram após 1950, quan- do o reconhecimento do perigo da radiação UV tornou-se conhecido. Mas mesmo essa es- tatística é sujeita a interpretações alternativas: a diminuição pode ter sido por causa da preven- ção (na forma de loção protetora contra o sol e maiores proteções da pele ao ar livre) em vez de devida à triagem. Em ambos os casos, está claro que as medi- das existentes da incidência da doença para essa e outras neoplasias relativamente comuns são altamente inexatas, o que complica muito o desenvolvimento de estratégias para reduzir a mortalidade relacionada ao câncer. Assim, na medida em que as tecnologias para detecção melhoram (veja a Figura 16.3), a proporção dos tumores descobertos que provavelmente se tornarão altamente malignos provavelmente diminuirá, e uma proporção aumentada de tumores será submetida à terapia quando ne- nhuma é justificada pelo curso natural desses crescimentos mais benignos. Essas tendências destacam os dilemas idênticos encarados por aqueles que estão envolvidos no desenvolvi- mento de vários tipos de terapia para o cân- cer: o número absoluto de casos que reque- rem tratamento é desconhecido, e é difícil distinguir com alguma certeza entre aqueles crescimentos que necessitam de um tratamen- to agressivo e aqueles que podem ser ignora- dos ou, no máximo, submetidos a “observa- ção atenta”. SINOPSE E PERSPECTIVAS / 789 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max789 790 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER 50% 40% 30% 20% 10% 0% 0% 100% 200% 300% 400%–100% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 0% 100% 200% 300% 400%–100% (A) au m en to a bs ol ut o na s ob re vi vê nc ia po r 5 a no s de sd e 19 50 percentagem de alteração na mortalidade 1950-1996 Pearson r = ,00 Spearman r = ,07 Pearson r = ,49 Spearman r = ,37 (B) au m en to a bs ol ut o na s ob re vi vê nc ia po r 5 a no s de sd e 19 50 percentagem de alteração na incidência 1950-1996 que os crescimentos benignos estão em perigo de se tornarem, mais cedo ou mais tarde, altamente malignos. A epidemiologia do câncer agora nos confronta com uma possibilidade alternativa: vários tipos de tumores em estágio inicial, incluindo aqueles associados a tipos de câncer que ocorrem normalmente, provavelmente não progredirão para uma malignidade de alto grau durante um período de vida médio. Infelizmente, estamos apenas começando a aprender como segregar aqueles tumores que estão verdadeiramente merecendo um trata- mento agressivo daqueles que não (veja, por exemplo, a Figura 16.4). Para a segunda questão, que negocia com a efetividade das terapias atuais para o câncer, nossas percepções estão fortemente influenciadas pelo fato de que as pessoas estão vivendopor mais tempo com seus cânceres. Isso fornece uma medida de segurança renovada que o progresso está fazendo. Entretanto, algumas dessas melhorias percebidas na terapia podem, mais uma vez, ser artefatos de uma triagem aumentada e de técnicas de detecção mais sensíveis que descobrem os tumores relativamente cada vez mais cedo no seu desenvolvimento, dando ao pa- ciente anos adicionais de sobrevivência antes que a progressão do tumor avance pelo seu curso natural, com ou sem tratamento (Figura 16.47). Essas lógicas forçam a conclusão de que a eficácia das terapias podem ser medidas acuradamente apenas por experimentos bem-controlados: com- parações de várias populações de pacientes que estão afligidas pela mesma malignidade e expostas em paralelo a diferentes agentes ou protocolos de tratamento. Tais comparações lado a lado têm, até recentemente, gerado apenas ganhos incrementais no tratamento da maioria dos tumores sólidos (veja, por exemplo, a Figura 16.22), mas isso está começando a mudar, à medida que novas drogas e anticorpos monoclonais são introduzidos na clínica. Gleevec, Avastin e Rituxan (veja as Seções 13.10 e 15.20) vêm à mente nesse ponto. A maior esperança é que agentes como esses sejam os precursores de dúzias e, finalmente, centenas de drogas específicas muito eficazes. Esforços para desenvolver tais drogas altamente específicas, incluindo anticorpos, irão com certeza gerar números continuamente aumentados de agen- tes anticâncer aprovados em cada ano que se passa. O uso de procedimentos monitorados por computador, como triagem em larga escala (HTS), automatizou a determinação das estruturas de moléculas-alvo, e o desenho auxiliado por computador de moléculas de drogas (Figura 16.48) já começou a colocar essa tendência em movimento. Tradicionalmente, novos grupos têm sido avaliados como agentes únicos durante o desenvolvi- mento pré-clínico e testes clínicos de Fase I. Essa prática contrasta com a crença crescente dos pesquisadores do câncer de que a maioria das monoterapias provavelmente não geram tratamen- tos curativos e que, com raras exceções, respostas clínicas verdadeiramente bem-sucedidas depen- derão do uso de combinações de drogas anticâncer. Parte do seu racional deriva da plasticidade genética conhecida de populações de células tumorais. Como aprendemos no Capítulo 12, geno- mas de células tumorais são geneticamente instáveis, e o grande número de células neoplásicas dentro dos tumores está contuinuamente produzindo subclones variantes. Alguns desses podem, por casualidade, ter adquirido os meios para resistir à morte pelos agentes terapêuticos, e, uma vez confrontadas com um agente desses, essas variantes terão sucesso mesmo na medida em que a massa de células em um tumor esteja sendo eliminada. Figura 16.47 Incidência de câncer e sobrevivência desde 1950 nos Estados Unidos Uma maneira de medir o sucesso terapêutico do tratamento de um certo tipo de tumor é determinar a porcentagem de pacientes que sobrevivem por cinco anos após o diagnóstico inicial. (A) Se a extensão do tempo de sobrevivência do paciente após o diagnóstico for uma reflexão do aumento da eficácia do tratamento, essa extensão deveria estar correlacionada com uma diminuição na mortalidade, por esse tipo de tumor, ajustada à idade durante o último meio século. Na verdade, como indicado aqui, não existe correlação entre esses dois parâmetros quando alterações nas taxas de sobrevivência por cinco anos de vários tumores sólidos são colocadas contra as alterações na mortalidade. (Note os coeficientes baixos de correlação, acima, à direita). (B) Em vez disso, existe uma correlação significativa entre alterações na sobrevivência por cinco anos e alterações na incidência da doença. Se a última é fortemente afetada por diagnóstico tendencioso (veja a Figura 16.46), então aumentos na sobrevivência por cinco anos se tornam muito difíceis se serem interpretados, uma vez que eles podem refletir amplamente a detecção de uma doença em um estágio mais inicial do curso clínico natural. (A partir de H.G. Welch, L.M. Schwartz and S. Woloshin, J. Am. Med. Assoc. 282:2976-2978, 2000.) 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max790 Tais pensamentos, originalmente inpirados pelo comportamento das populações de bactérias tratadas com antibióticos, precisam de terapias que envolvem o tratamento simultâneo com dois ou mais agentes que têm mecanismos bem diferentes de ação. Se a probabilidade de resistência adquirida para matar células por um único agente é pequena (p. ex., 1 em 105), a probabilidade de clones celulares adquirirem resistência a dois agentes é muito menor, possi- velmente o quadrado dessa probabilidade (1 em 1010). O último número pode ser maior do que o número total de células em um tumor, tornando improvável que qualquer célula única seja capaz de resistir simultaneamente à morte por ambos os agentes. (A existência de resis- tência a múltiplas drogas enfraquece um pouco esse argumento.) A lógica das terapias com múltiplas drogas é sustentada pelas informações acumuladas sobre tumorogênese em múltiplas etapas, na qual certos fenótipos de células cancerosas podem ser obtidos pelas ações combinadas de várias alterações genéticas e/ou epigenéticas (veja a Figura 11.43). Um exemplo é fornecido por tumores nos quais a via de sinalização Ras foi ativada e as vias supressoras de tumores p53 e PTEN foram inativadas. Cada uma dessas mudanças, à sua própria maneira, reduz a chance de uma célula cancerosa poder ser empurrada para a beira da apoptose. Essa sobreposição da função apoptótica pode requerer um tratamento que tenha como alvo todas as três vias de sinalização, com o objetivo de destruir a célula cancero- sa. (De maneira interessante, um inibidor de tirosina cinase de baixo peso molecular pode atuar sinergisticamente com anticorpos monoclonais sobre um alvo em comum, o receptor EGF, indicando que os benefícios terapêuticos podem vir, com freqüência, a partir de com- binações surpreendentes de agentes.) No momento, a escolha de drogas a serem usadas sozinhas ou em combinação é inspirada pela intuição biológica ou por suposições pouco informadas. Cada vez mais na próxima década, estratégias para organizar protocolos de tratamentos com múltiplas drogas serão in- fluenciadas por nossa compreensão rápida da evolução do desenho do circuito de sinalização dentro das células humanas e por diagnósticos moleculares que mostram como certas vias de sinalização têm sido perturbadas em alguns tumores e não em outros. A genômica funcional usando arranjos de expressão gênica já começou a mudar isso, como indicado pelas análises dos grandes linfomas difusos de células B descritas neste capítulo (Figura 16.5). E se as forças reais de uma droga candidata forem apenas notáveis quando ela é utilizada em combinação com várias outras? Em teoria, vários agentes anticâncer deveriam cair nessa cate- goria, sugerindo que várias drogas candidatas verdadeiramente úteis foram descartadas no passado e que várias outras sofrerão esse fato no futuro, simplesmente porque a sua verdadei- ra utilidade como agente de combinação nunca será testada. Mais uma vez, espera-se que a nossa compreensão cada vez maior sobre o circuito de sinalização subcelular melhore essa situação (mas veja a Barra lateral 16.5). His 283 Lys 232 Asp 351 H 2O Figura 16.48 Triagem virtual – o desenho de drogas no computador A triagem em larga escala gerou um grande número de drogas candidatas altamente atrativas, várias das quais avançaram para um teste clínico. No futuro, entretanto, muito dessa triagem, que é de alto custo, pode ser evitada pelo desenvolvimento de algoritmos potentes que permitam aos farmacologistas desenhar drogas usando as estruturas conhecidas das proteínas-alvo. O desenvolvimento da droga aqui ilustrada começou com um composto que mostrava uma afinidade muito fraca (IC 50 de 30 μM) para o sítio de ligação a ATP do receptor TGF-β tipo I da cinase. Pesquisadores então procuraram em um banco de dados de 200 mil compostos conhecidospor compostos que compartilhavam alguma característica química com o composto inicial e obedeciam aos obstáculos impostos pela estrutura conhecida do sítio de ligação a ATP. Isso gerou as estruturas de 87 espécies químicas que satisfazem tal critério e que foram então triadas por meio de técnicas bioquímicas convencionais. Uma dessas, chamada de HTS466284, mostrada aqui, se assenta no sítio de ligação a ATP do receptor TGF-β tipo I da cinase, exibe um IC 50 de 27 nM e, assim, funciona como um potente inibidor da sinalização por TGF-β. Significativamente, um outro grupo de pesquisa, que trabalha independentemente, chegou a uma molécula inibidora idêntica usando triagem convencional em larga escala. As pontes de hidrogênio estão indicadas por linhas pontilhadas. (A partir de J. Singh, C.E. Chuaqui, P.A. Boriack-Sjodin et al., Bioorg. Med. Chem. Lett. 13:4355-4359, 2003.) SINOPSE E PERSPECTIVAS / 791 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max791 792 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER A descoberta de células-tronco tumorais, como descrito no Capítulo 11, cria outro grande desafio para o desenvolvimento de drogas anticâncer. Lembre que a auto-renovação das célu- las-tronco tumorais pode semear novos tumores, enquanto a sua progênie amplificadora em trânsito, muito mais numerosa, com capacidade de auto-renovação limitada, não pode. Esse esquema de organização foi inicialmente demonstrado em leucemias, carcinomas de mama e tumores cerebrais, mas, a longo prazo, provavelmente descreverá a organização da maioria dos outros tipos de tumores humanos também. Tal organização hierárquica funcionando dentro dos tumores alimenta importantes implica- ções para o desenvolvimento de drogas anticâncer. Tradicionalmente, a validação clínica da eficácia terapêutica dessas drogas dependeu de demonstrações da sua habilidade em parar um crescimento adicional de tumores ou em causar diminuições significativas no tamanho do tumor. Vários agentes antitumorais sendo testados em testes clínicos podem encolher massas tumorais pela eliminação de populações de células amplificadoras em trânsito, que consti- tuem uma grande massa de células neoplásicas nesses crescimentos. Entretanto, se as células- tronco tumorais de auto-renovação são deixadas sem serem tocadas por essas drogas (veja a Figura 16.30), o tumor tem uma alta probabilidade de crescer novamente, levando, mais cedo ou mais tarde, a reincidência clínica. Essa organização das células neoplásicas dentro de um tumor significa que remissões duráveis e curas só podem derivar de terapias que golpeiam o coração do tumor – as células-tronco tumorais de auto-renovação. Atualmente, ensaios para a presença dessas células na maioria dos tipos de tumores essencialmente não existem. Portanto, esforços no desenvolvimento de drogas estão amarrados porque eles não têm uma ferramenta-chave analítica necessária para o desenvolvimento de terapias verdadeiramente eficazes. Um problema maior ainda não-resolvido diz respeito aos modelos biológicos de tumores humanos que são usados no desenvolvimento pré-clínico de drogas. Alguns modelos de xe- noenxertos de câncer humano são úteis na predição do comportamento dos tumores encon- trados na clínica oncológica, mas vários não são (veja a Barra lateral 13.2). O desenvolvimen- to de modelos pré-clínicos preditivos de câncer humano, se existirem, certamente reduzirão o custo do desenvolvimento de drogas e, muito possivelmente, podem até evitar certos testes clínicos da fase inicial. No momento, o desenvolvimento de modelos de tumores animais, verdadeiramente úteis, é um pouco mais do que uma esperança irreal. As células não-neoplásicas do estroma dentro de um tumor podem ser os principais determinantes da responsividade para a maioria das terapias com drogas; apesar disso, as suas contribuições não são reconhecidas no desenho de vários modelos pré-clínicos de câncer humano. No Capítulo 13, aprendemos, por exemplo, que as células mais radiossensíveis em alguns tumores são provavel- mente as células endoteliais que formam a sua neovasculatura (veja a Figura 13.48). Além disso, parece cada vez mais provável que vários quimioterápicos anticâncer amplamente usados tenham fortes efeitos sobre as células endoteliais associadas a tumores que nunca foram suspeitas no passa- do. De fato, alguns pesquisadores estão redesenhando protocolos de tratamento quimioterapêuti- co com o objetivo de otimizar seus efeitos tóxicos sobre a neovasculatura associada a tumor. O reconhecimento dessas duas classes de células – células-tronco cancerosas e células do estroma de tumores – como alvos biológicos criticamente importantes de quimioterapia certamente modifi- carão a completa paisagem do campo do desenvolvimento de drogas. O último teste de várias drogas candidatas anticâncer vem apenas quando elas são testadas em um número substancial de pacientes de câncer. Nesse estágio, o desenvolvedor da droga com freqüência é confrontado pelo dilema de não saber quais tipos de tumores provavelmen- te responderão. Deveria uma droga candidata ser testada em pacientes que sofrem de carci- nomas pancreáticos ou neuroblastomas? As lesões moleculares descobertas nesses e em outros tipos de células cancerosas pareceriam ser indicadores muito úteis que podem ser usados para informar essa decisão. Mas, bastante freqüentemente, certos tipos de tumores respondem por razões que não podem ser preditas pelos genes mutantes e pelas vias de sinalização desregula- das sabidamente presentes nesses crescimentos e, assim, as escolhas de pacientes recrutados para os testes clínicos são arbitrárias e abaixo do adequado. Mais uma vez, podemos apenas Barra lateral 16.5 O não-incentivo le- gal e financeiro diminui a chance de testar drogas em combinações Atual- mente, as dificuldades biológicas de tes- tar drogas candidatas em combinação com outras são compostas por forças econômicas que freqüentemente não dão incentivo a companhias farmacêuticas para testar as suas próprias drogas em combinação com aquelas produzidas pelos seus concorrentes. As regulamen- tações de patentes também têm desen- corajado certos usos de compostos pa- tenteados por empresas que estão em competição direta com o proprietário da patente. No passado, as dificuldades para or- ganizar testes clínicos iniciais com múl- tiplas drogas eram também combinadas, nos Estados Unidos, à insistência da Food and Drug Administration (FDA) de que a eficácia clínica dos candidatos a drogas deveria ser demonstrada quan- do eles eram usados como monoterapias. Mas isso começou a mudar. Por exem- plo, Erbitux, um anticorpo monoclonal anti-receptor de EGF (Barra lateral 15.4), foi aprovado inicialmente para uso juntamente com irinotecan, pois os dois usados juntos geraram respostas muito melhores do que o irinotecan sozinho. (Irinotecan é um agente citotóxico mais tradicional que funciona como um ini- bidor da topoisomerase I.) 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max792 esperar que a nossa percepção cada vez maior sobre as etiologias moleculares de vários cânce- res forneça linhas de direção verdadeiramente úteis para os oncologistas prosseguirem. Nos final das contas, o maior desafio do desenvolvimento atual de drogas é demonstrar a eficácia em longo prazo: uma droga que está sendo testada tem efeitos significativos na exten- são da expectativa de vida de pacientes com câncer e deveríamos ousar esperar que ela possa alcançar curas duráveis? Algumas populações de células cancerosas podem desenvolver meca- nismos de evasão a drogas pelo aumento das suas defesas antiapoptóticas. Todavia, outras podem perder controles de pontos de checagem que previamente as tornaram sensíveis a certos tipos de tratamentos com drogas. Tumores formados a partir de células cancerosas cuja morte foi previamente alcançada pelo ataque mediado por anticorpos pode simplesmente regular para baixo a expressão do antígeno reconhecido pelo anticorpo terapêutico. Um nú- mero significativo de células cancerosas pode desenvolver resistênciaa uma droga por meio de estratégias que previnem o acúmulo intracelular de drogas. No momento, ainda não está claro se um dia seremos capazes de desenvolver estratégias de tratamento que antecipem a plasticidade e a evasividade das células cancerosas, permitindo que desenvolvamos curas de- finitivas em longo prazo de malignidades que foram incuráveis por muito tempo. Independentemente do desafio do desenvolvimento e testes de drogas para o câncer estão os problemas mais transcendentes criados pela biologia complexa dos cânceres humanos: dife- rentes tipos de drogas precisam ser desenvolvidos para diferentes classes de câncer ou um pequeno número de tratamentos irão encontrar uma ampla aplicabilidade? Diferentes tumo- res dentro de uma dada classe (p. ex., carcinomas de cólon) requerem tratamentos distintos feitos sob medida com base nos seus genótipos e fenótipos particulares? Um dia seremos capazes de prover uma “medicina molecular personalizada” a um custo que pode ser pago, no qual as características detalhadas de cada tumor de paciente e constituição genética infor- mam o desenho de uma terapia personalizada? Alguma vez serão desenvolvidas drogas antineoplásicas que têm efeitos letais sobre crescimentos malignos enquanto têm mínimos efeitos colaterais sobre tecidos normais? E os desenhistas de drogas deveriam responsabilizar-se para desenvolver drogas anticâncer que mantêm os tumores sob controle em vez de tentar destruí-los? O objetivo de curar totalmente vários tipos de tumores pode muito bem ser um objetivo inalcançável, e, para esses tumores, reduzir o câncer para uma doença crônica mas suportável pode ser um objetivo mais realizável. (Esse é o pensamento de pesquisadores que desenvolvem novos tipos de terapias anti-HIV.) Um censo em 2004 de genes mutados nos genomas de células cancerosas humanas “pescou” 291 genes distintos – quase 1,5% dos genes presentes no genoma humano (Figura 16.49). Desses, 228 estão envolvidos em câncer apenas por mutação somática, enquanto 32 estão envolvidos por mutações em alelos, que são adquiridas tanto somaticamente como pela linhagem germinal. Essa lista sem dúvida crescerá; por exemplo, genes cujo envolvimento no câncer só é evidente a partir da metilação dos seus promotores nem foram incluídos nesse censo. Esse censo fornece vários alvos promissores para o desenvolvimento de drogas para pesquisa- dores envolvidos no desenvolvimento de novos tipos de terapias anticâncer. Ao mesmo tem- po, ele representa uma complexidade confusa. Alguns desses genes são mutados apenas em raros cânceres, e os custos para desenvolver drogas terapêuticas direcionadas contra seus pro- dutos protéicos provavelmente nunca serão recuperados por vendas. A maior parte das pro- teínas mutantes codificadas contribui de maneira ainda obscura para o crescimento neoplási- co de vários tipos de células humanas cancerosas. Como alguma vez relacionaremos papéis- chave com cada um dos aproximadamente 300 genes mutantes que já são conhecidos ou suspeitos de estarem envolvidos na patogênese de vários cânceres? Nossos métodos atuais de assimilar e interpretar dados sobre os genomas de células humanas cancerosas e vias de sina- lização não são adequados para a tarefa. Vários pesquisadores do câncer gostariam de compreender inteiramente um sistema biológi- co, como uma célula de câncer viva, em vez dos seus componentes funcionais individuais. Aos seus olhos, a biologia reducionista, que enfoca o indivíduo, teve seus dias, e chegou a vez das SINOPSE E PERSPECTIVAS / 793 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max793 794 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER vastas quantidades de informação conhecidas sobre esses componentes serem integradas nos siste- mas complexos de interação cujo comportamento pode ser predito pela bioinformática. Sucessos nesses esforços, envolvendo a nova disciplina de “biologia de sistemas”, certa- mente beneficiarão a pesquisa sobre o câncer. Imagine um dia – ainda daqui há anos – em que as respostas biológicas de várias células humanas, normais ou malignas, poderão ser preditas por modelos matemáticos dessas células e seus circuitos controle internos. Tais avanços tornarão várias práticas correntes na biologia experimental, incluindo vá- rias etapas do desenvolvimento de drogas, desnecessárias. Se isso alguma vez se tornar possível, o desenvolvimento de drogas será mais uma matéria de bioinformática do que de biologia de bancada do laboratório. Mas, até o momento, a maior parte disso permanece um sonho, muito além no futuro. Até agora, no mínimo, necessitamos lutar com as amargas realidades do desenvolvimento de drogas, os modelos animais inadequados, nossa ignorância sobre o comportamento do cir- cuito regulador das células e as complexidades biológicas confusas do câncer humano. Conceitos-chave • A ciência da oncologia molecular revelou dúzias de proteínas cujo mau funcionamento contribui para a formação e manutenção de tumores. • Entre essas proteínas, estão aquelas cujas propriedades moleculares as tornam alvos atra- tivos para novos agentes terapêuticos anticâncer, como anticorpos monoclonais ou dro- gas de baixo peso molecular. • Proteínas que são alvos atrativos para o ataque por anticorpos estão invariavelmente loca- lizadas na superfície da célula ou no espaço extracelular. • A maioria das proteínas que é alvo atrativo para o ataque de compostos de baixo peso molecular são enzimas que possuem fendas catalíticas promissoras para o desenvolvimen- to de drogas. • Avanços recentes expandiram o espectro de alvos promissores para o desenvolvimento de drogas para incluir certas interações proteína-proteína que também podem ser inibidas por drogas de baixo peso molecular. • Devem ser escolhidos alvos protéicos cuja inativação leve ao encerramento da prolifera- ção de células tumorais ou para sua morte por apoptose. • As drogas anticâncer desenvolvidas com maior sucesso até agora têm sido aquelas que interferem no funcionamento de várias cinases promotoras do crescimento e da sobrevi- vência, especificamente, tirosina cinases associadas a receptores. Figura 16.49 Alvos para o desenvolvimento futuro de drogas para o câncer Uma análise da literatura sobre o câncer, em 2004, revelou ao menos 291 genes que foram implicados como contribuintes casuais de cânceres humanos. Desses, sabe-se que 260 estão presentes, como alelos mutados somaticamente, nos genomas de células cancerosas humanas. Entretanto, a maior parte dos últimos estão mutadas somaticamente nos genomas de tumores mesenquimais (leucemias, linfomas e sarcomas), deixando apenas 77 genes que são mutantes para os tumores muito mais comuns dos tipos restantes. Dado o número de genes para cinase presentes no genoma humano, espera-se que seis cinases estejam entre os 291 genes associados a câncer, dos quais 27 estão realmente presentes nessa lista. Ao contrário, esperava-se que os receptores, mais numerosos, acoplados à proteína G (GPCRs), gerassem no mínimo oito genes associados ao câncer, mas apenas um estava presente. (Cortesia de M.R. Stratton.) 32 31 228 63 – número total de genes presentes em formas alteradas na linhagem germinal 260 – número total de genes alterados por mutações somáticas mutações somáticas no câncer mutações na linhagem germinal predispondo ao câncer tanto mutações somáticas como da linhagem germinal 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max794 • Drogas com sucesso devem ter um alto índice terapêutico, farmacocinética e farmacodi- nâmica adequada e mínimos efeitos colaterais sobre os principais sistemas de órgãos. • Estudos de drogas em testes de Fases I, II e III são essenciais, porque estudos pré-clínicos sobre a eficácia e tolerabilidade de drogas são pouco preditivos sobre o comportamento das drogas em humanos. • As indicações para o uso clínico de certas drogas podem ser baseadas no comportamento conhecido das proteínas-alvo nas células cancerosas (como é o caso do Gleevec) ou, em vez disso, depender fundamentalmente de testes empíricos,de como vários tipos de tu- mores humanos respondem ao tratamento (como com Velcade). • A estratificação de tumores visivelmente similares em subclasses limitadas ajuda muito os pesquisadores e médicos a encontrar drogas para os tipos de células tumorais específicas que elas podem tratar com maior eficácia. • O grande benefício de certas drogas, como o Gleevec, pode finalmente ser provado deri- var da sua ampla especificidade-alvo, permitindo que elas sejam usadas em uma grande variedade de cânceres. 1. Quais são as vantagens e desvantagens terapêuticas de usar uma droga que afeta um amplo espectro de alvos moleculares? 2. Dada a coleção ampla e heterogênea de moléculas de sinaliza- ção que têm sido retratadas neste livro desempenhando papéis- chave na patogênese de vários cânceres, quais classes você acha que poderiam vir a ser os alvos para o desenvolvimento de um novo espectro de terapias anticâncer ao lado das muito estuda- das cinases? 3. Como os tumores que se iniciaram pela formação de um certo oncogene poderiam se tornar independentes desse oncogene mais tarde na progrssão tumoral? 4. Quais estratégias você implementaria mediante o achado de que células dentro de um tumor se tornaram resistentes a uma tera- pia com drogas após um longo tratamento? 5. Tendo concluído que produtos naturais representam uma fon- te rica de drogas anticâncer em potencial, quais obstáculos po- deriam limitar a procura e os testes de tais drogas? 6. Quais os obstáculos estão no caminho do desenvolvimento de drogas para tumores que representam apenas uma parte muito pequena dos cânceres totais carregados pela população? 7. Na oncologia clínica do futuro, quais tipos de informação po- deriam ser incluídos na montagem de terapias anticâncer que são são feitas sob medida especificamente para responder a um determinado tumor de um paciente? 8. Quais estratégias você proporia para desenvolver modelos pré- clínicos de tumores humanos que são altamente úteis na predi- ção das respostas dos pacientes a drogas candidatas? Questões elaboradas Leitura adicional Adams J (2004) The proteasome: a suitable antineoplastic target. Nat. Rev. Cancer 4, 349–360. AI-Hajj M, Becker MW, Wicha M et al. (2004) Therapeutic implications of cancer stem cells. Curr Opin. Genet. Dev. 14, 43–47. Baselga J & Arteaga CL (2005) Critica update and emerging trends in epidermal growth factor receptor targeting in cancer. J. Clin. Oncol. 23, 2445–2459. Bernardi R & Pandolfi PP (2003) Role of PML and the PML-nuclear body in the control of programmed cell death. Oncogene 22, 9048– 9057. Brunner RB, Hahn SM, Gupta AK et al. (2003) Farnesyltransferase inhi- bitors: an overview of the results of preclinical and clinical investiga- tions. Cancer Res. 63, 5656–5668. Chabner BA & Roberts TG Jr (2005) Chemotherapy and the war on cancer. Nat. Rev. Cancer 5, 65–72. Chen ZJ (2005) Ubiquitin signalling in the NF-κB pathway. Nat. Cell Biol. 7, 758–765. Cleator S & Ashworth A (2004) Molecular profiling of breast cancer: clinical implications. Brit. J. Cancer 90, 1120–1124. Courtneidge SA (2003) Escape from inhibition. Nature 422, 827–828. Downward J (2003) Targeting Ras signalling pathways in cancer therapy. Nat. Rev. Cancer 3, 11–22. Druker BJ, Talpaz M, Resta DJ et al. (2001) Efficacy and safety of a specific inhibitor of the BCR-ABL tyrosine kinase in chronic mye- loid eukemia. N. Engl. J. Med. 344, 1031–1037. Duensing A, Medeiros F, McConarty B et al. (2004) Mechanisms of on- cogenic KIT signal transduction in primary gastrointestinal stromal tumors (GISTs). Oncogene 23, 3999–4006. Elrick LJ, Jorgensen HG, Mountford JC and Holyoake TL, (2005) Pu- nish the parent not the progeny. Blood 105, 1862–1866. LEITURA ADICIONAL / 795 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max795do ativador upstream de NF-κB, IκB cinase (IKK; veja a Figura 6.29). Isso foi observado em experimentos nos quais MLX105, um inibidor farmacológico de IKK, foi aplicado a linhagens celulares derivadas desses três tipos de linfomas e de fato mostraram efeitos diferenciados sobre essas três populações de células crescendo in vitro. (A e C, a partir de L.M. Staudt and S. Dave, Adv. Immunol. 87:163- 208, 2005; B, a partir de A. Rosenwald, G. Wright, K. Leroy et al., J. Exp. Med. 198:851-862, 2003; D, a partir de L.T. Lam, R.E. Davis, J. Pierce et al., Clin. Cancer Res. 11:28-40, 2005.) GCB DLBCL ABC DLBCL 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0 2 4 6 8 10 502512,56,33,11,60,80 25 50 75 100 GCB PMBL ABC 16% 45% 0 0 – 0 0 24% 6% + 25% 18% 5% 43% + (A) aparência microscópica normal genes altamente expressados em PMBL genes altamente expressados em PMBL e GCB genes altamente expressados em GCB genes altamente expressados em ABC genes representantes genes pacientes alta baixa expressão gênica PDL2 SNFT IL13RA1 TARC MAL OX40L JAK2 CD30 IL4I1 BCL6 LRMP SERPINA9 MYBL1 LMO2 MTA3 GCET2 PAG CR2 KCNN3 CD10 IRF4 BCL2 PIM2 FOXP1 PRKCB1 CCND2 BATF XBP1 (B) pr ob ab ili da de sobrevivência de 5 anos sobrevivência geral (anos) PMBL PMBL 64% 59% 30% GCB DLBCL GCB DLBCL ABC DLBCL ABC DLBCL (C) (D) amplificação de c-rel translocação de BCL-2 ganho crom. 3q ganho/amp crom. 9p24 ativação constitutiva de NF-κB pe rc en ta ge m d e vi ab ili da de inibidor de cinase IκB PMBL ESTRATIFICAÇÃO DO CÂNCER PELO USO DE ARRANJOS DE EXPRESSÃO / 731 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max731 732 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER no tumor de um paciente ou soro provê informações críticas para o diagnóstico. O obje- tivo em longo prazo de todas essas técnicas analíticas – tanto da genômica como da proteômica funcional – é designar cada tumor dos pacientes a um subtipo específico de doença e aplicar terapias com drogas que se mostraram efetivas para tratar um subtipo particular de câncer, mas não para outro, tumores superficialmente similares, para os quais o tratamento possa não ser efetivo. O uso dessas terapias com drogas feitas sob medida mantém a promessa de gerar altos índices de resposta em populações de pacien- tes rigorosamente definidos. 16.2 Drogas anticâncer bem-sucedidas podem trazer à tona várias respostas a partir de células tumorais Em princípio, várias estratégias biológicas distintas poderiam mostrar-se igualmente bem- sucedidas na eliminação de tumores estabelecidos ou na manutenção do impedimento do seu crescimento. As mais óbvias dessas foram projetadas para induzir a morte das células cance- rosas, normalmente via apoptose. Na verdade, quase todas as estratégias não-cirúrgicas exis- tentes para eliminar células cancerosas levam de uma forma ou outra à ativação das suas vias apoptóticas. Entretanto, uma estratégia terapêutica alternativa conta com a indução da dife- renciação, e consideraremos essa primeiro, mesmo que resumidamente. Como descrito no Capítulo 8, a aquisição do fenótipo maligno está normalmente acompa- nhada pela diferenciação defectiva e pela entrada, associada, em um estado pós-mitótico. Lembre que, à medida que as populações de células tumorais evoluem para níveis maiores de malignidade, elas normalmente extravasam mais e mais marcadores de diferenciação. Esses comportamentos sugerem uma estratégia atrativa para tratar tumores: persuadir células cancerosas a se diferenciarem e, assim, entrarem em um estado pós-mitótico. Enquanto apren- demos muito sobre as conexões entre o controle do ciclo celular e a regulação dos programas de diferenciação (veja a Seção 8.11), a maior parte dessa informação ainda não foi traduzida em formas eficazes de terapia. Até agora, a exceção proeminente tem sido uma forma de tratamento da leucemia promielocítica aguda (APL). No curso dessa terapia, as células blast leucêmicas não-diferenciadas dessa doença podem ser induzidas a se diferenciar em neutrófi- los pelo tratamento com ácido retinóico completamente trans (ATRA; Figura 16.6A). O tratamento de pacientes APL com ATRA somado à quimioterapia concomitante freqüente- mente resulta em remissões completas, com índices de sobrevivência de cinco anos chegando de 75 a 85% – sugerindo a cura completa. Durante o desenvolvimento inicial de APL, o programa normal de diferenciação de certas células hematopoiéticas é bloqueado pelas ações da proteína de fusão chamada de PML- RAR, que resulta de uma translocação cromossomal 15;17 observada nas células leucêmicas de quase todos pacientes APL (Figura 16.6B). Essa proteína híbrida é composta pela proteína PML (leucemia promielocítica), de função normal desconhecida, fusionada à proteína recep- tora de ácido retinóico nuclear (RAR). A última, imediatamente depois da ligação ao seu ligante de ácido retinóico, é normalmente capaz de induzir a expressão de genes que progra- mam a diferenciação celular em uma variedade de tipos celulares por todo o corpo. De fato, o mecanismo preciso pelo qual a proteína PML-RAR previne a diferenciação das células leucêmicas promielocíticas não está claro. Uma possibilidade atrativa é que a proteína de fusão PML-RAR encontrada nas células leucêmicas interfere com os poderes de indução de diferenciação dos receptores normais de ácido retinóico (RAR) em células da medula óssea, causando assim o acúmulo de grandes quantidades dessas células em um estado seme- lhante às células-tronco. (Enquanto RAR ativada pelo ligante age para induzir a expressão de certos genes-alvo associados à diferenciação de células hematopoiéticas precursoras, a proteí- na de fusão PML-RAR pode agir como uma repressora ou, no mínimo, como antagonista de RAR.) Grande parte do efeito terapêutico do tratamento com ácido retinóico completamen- te trans parece derivar da sua capacidade de induzir ubiquitilação e degradação mediada por 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max732 proteassoma da proteína de fusão PML-RAR, resultando no alívio do bloqueio para a dife- renciação. Um mecanismo similar provavelmente explica o sucesso da terapia usando 13-cis-ácido retinóico (13cRA; Figura 16.6C), relacionado quimicamente à vitamina A e ao ácido retinóico completa- mente trans descrito anteriormente. Ele tem sido usado com muito sucesso por causar a regressão de lesões pré-malignas na boca e na garganta, prevenindo e atrasando, dessa forma, a sua progres- são para cânceres de cabeça e pescoço. De forma interessante, a perda da expressão de RARβ é freqüentemente observada nesses crescimentos pré-malignos, assim como em uma variedade de outros carcinomas humanos, ostensivamente porque ele ajuda as células nessas várias lesões a prevenir a entrada em um estado pós-mitótico diferenciado. Além disso, a redução da expressão do receptor de RARβ em camundongos, conseguida pelo uso de um transgene anti-senso, resulta na formação de um grande número de carcinomas de pulmão pelos 18 meses de idade, fornecen- do um suporte adicional para a idéia de que a evasão da diferenciação induzida pelo ácido retinói- co serve como um mecanismo importante de patogênese do carcinoma. Além desses dois exemplos impressionantes, estratégias que induzem a diferenciação têm tido sucesso limitado no tratamento de cânceres estabelecidos. Por essa razão, várias terapias para os cânceres que estão em desenvolvimento são direcionadas para a ativação de sinais pró-apoptóticos dentro das células do câncer. Ao primeiro olhar, os esforços para despertar a Figura 16.6 Diferenciação induzida das células da leucemia promielocítica aguda (A) Na leucemia promielocítica aguda (APL), o grande número de promielócitos que carregam vários grânulos no seu citoplasma estão aparentes na circulação (esquerda). Entretanto, depois do tratamento com ácido retinóico completamente trans (ATRA), esses promielócitos imaturos desaparecem e são substituídos por mielócitos diferenciados, especificamente os neutrófilos polimorfonucleares (PMN)(direita). (B) Em 99% dos casos de APL, uma translocação envolvendo os Cromossomos 17 e 11 resulta na fusão do gene que codifica para o receptor de ácido retinóico (RAR) com o gene para a leucemia promielocítica (PML). Uma vez formada, a proteína de fusão resultante parece bloquear a diferenciação de promielócitos acionada por RAR. (C) O 13-cis-ácido retinóico tem sido usado por causar a regressão dos precursores pré-malignos dos carcinomas de cabeça e pescoço. (A, cortesia de P.P. Pandolfi; B, adaptada a partir de S. Kalantry, L. Delva, M. Gaboli et al., J. Cell Physiol. 173:288-296, 1997.) A P RING B1 B2 S/P B C D E F (A) promielócitos ácido retinóico completamente trans COOH células polimorfonucleares (neutrófilos) (B) gene RARα (C) pontos de quebra da fusão bcr3 bcr2 bcr1 hélice α gene PML p. ex., PML/RARα 13-cis-ácido retinóico COOH DIFERENCIAÇÃO COMO UMA TÉCNICA TERAPÊUTICA / 733 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max733 734 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER resposta apoptótica nas células do câncer pode parecer representar uma tarefa fútil, uma vez que lemos anteriormente sobre o número de caminhos pelos quais as células do câncer desa- tivam a sua maquinaria apoptótica (Seção 9.15). Mas a complexidade e a redundância fun- cionais do circuito apoptótico ditam que, quase inevitavelmente, componentes importantes desse circuito permanecem intactos mesmo nos tumores mais agressivos. São esses compo- nentes, ainda funcionais, que podem ser alvos de ativação, direta ou indireta, para eliminar células tumorais do organismo de pacientes com câncer. Estamos apenas começando a apren- der como predizer a suscetibilidade dos tumores a certas terapias indutoras de apoptose. Várias das estratégias terapêuticas em desenvolvimento são planejadas para matar as células cancerosas privando-as dos sinais antiapoptóticos que as sustentam. Como lemos no Capítu- lo 9, as células cancerosas freqüentemente dependem da sinalização de fatores de crescimento hiperativos para gerar sinais antiapoptóticos intracelulares (p. ex., aqueles liberados por Akt/ PKB) que suprimem as ações do circuito pró-apoptótico. Terapias efetivas para o câncer poderiam ser planejadas para interferir nessas sinalizações em uma ou outra etapa das casca- tas de sinalização upstream que regulam a atividade Akt/PKB. Um grupo alternativo de estratégias terapêuticas toma vantagem da vulnerabilidade que as células do câncer têm uma vez que elas descartaram controles de ponto de checagem críticos que funcionam durante o ciclo normal da célula. Por exemplo, algumas células cancerosas não têm o controle do ponto de checagem que normalmente bloqueia a entrada na mitose (fase M) a partir da fase G2 enquanto danos significativos no DNA genômico ou nos cromos- somos não tiverem sido reparados. Conseqüentemente, o tecido tumoral pode ser tratado pela imposição de danos genômicos por quimioterápicos ou radiação. Enquanto células nor- mais se atrasarão e repararão esses danos antes de avançar para a fase M, as células cancerosas podem ignorá-los e, como conseqüência, proceder para a mitose, em que podem entrar em uma “catástrofe mitótica” que ameaça a sua viabilidade contínua quando, mais tarde, na fase M, elas tentam segregar seus cromossomos ainda danificados (Figura 16.7). Esse dano pode ser tão devastador que consegue acionar as respostas apoptóticas residuais que tais células possuem. Na verdade, vários dos terapêuticos contra o câncer usados tradicionalmente são suspeitos de tomar vantagem desses defeitos no controle dos pontos de checagem para des- truir as células cancerosas, mas uma evidência sólida para sustentar esse ponto ainda não está em mãos. Entretanto, na discussão que segue, daremos enfoque aos agentes que têm como alvo proteínas críticas em vez do genoma de células cancerosas. 16.3 Considerações funcionais ditam que apenas um subgrupo de proteínas defectivas nas células cancerosas é alvo atrativo para o desenvolvimento de drogas Pesquisadores interessados em desenvolver novas drogas anticâncer altamente específicas que são direcionadas para tratar certos tipos de câncer são confrontados pelo fato de que, com raras exceções, as drogas – normalmente compostos orgânicos de baixo peso molecular – Figura 16.7 Quimioterapia e catástrofe mitótica Várias drogas quimioterapêuticas podem danificar os cromossomos das células do câncer. Como as células cancerosas não possuem os controles do ponto de checagem G 2 /M, elas podem avançar para a mitose sem ter reparado o dano cromossomal. Isso pode levá-las a entrar em “catástrofe mitótica”, que resulta em aneuploidia, poliploidia, formação de micronúcleos e, por fim, morte dessas células. Vistos aqui estão os efeitos de baixas doses (50 ng/mL) de doxorrubicina, uma droga quimioterápica amplamente utilizada, nas células Huh-7 de hepatoma humano. Durante um período de nove dias, o núcleo dessas células aumentou ou diminuiu, e vários finalmente se fragmentaram em micronúcleos, cada qual carregando um pequeno número de cromossomos; isso finalmente leva à morte celular, com freqüência por apoptose. (A partir de Y.W. Eom, M.A. Kim, S.S. Park et al., Oncogene 24: 4765-4777, 2005.) 0 dias 3 dias 6 dias 9 dias 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max734 inibem funções bioquímicas em vez de estimulá-las. Esse simples fato reduz de forma drásti- ca as opções para o desenvolvimento de drogas anticâncer. Como vimos no Capítulo 7, os produtos protéicos dos genes de supressão de tumores – os gatekeepers – contribuem para o desenvolvimento do câncer pela sua ausência, e esforços para desenvolver compostos de baixo peso molecular para substituir ou replicar essas funções perdidas são implausíveis atualmente e podem permanecer assim para sempre. Os poucos sucessos representam relativamente uma minoria de vitórias. Por exemplo, certos compostos podem restaurar algumas funções de p53 mudando formas mutantes da proteína p53 de suas configurações estereoquímicas funcionalmente defectivas de volta para a configuração do tipo selvagem. Exatamente os mesmos argumentos se aplicam às proteínas responsáveis pela manutenção do genoma da célula – as caretakers (Capítulo 12). Mais uma vez, suas funções, freqüentemente perdidas pelas células cancerosas, não podem ser restauradas nem mesmo pelas moléculas mais complexas de drogas. E mesmo se fossem, pouca utilidade derivaria desse sucesso. De- pois de tudo, se a progressão dos tumores fosse orientada pelo reparo defectivo do DNA e pelo acúmulo resultante de alelos mutantes, a restauração da função de reparação perdida não teria efeito sobre várias seqüências mutantes que já teriam se acumulado no genoma de uma célula cancerosa. Uma vez que gatekeepers e caretakers são desconsiderados, essa lógica deixa as oncoproteínas – formas hiperativas de crescimento celular normal ou proteínas promotoras da sobrevivência – como os alvos mais atrativos para o desenvolvimento de terapias anticâncer. Essas são moléculas que, em princípio, podem ser inibidas por drogas, resultando na redução da sua atividade e, com sorte, no colapso do programa de crescimento neoplásico. Na verdade, as proteínas de transdução de sinal imediatamente downstream às oncoproteínas hiperativas também são alvos atrativos, uma vez que a maioria destas também é executora positiva im- portante da sinalização (veja, por exemplo, a Figura 16.8). Certas considerações genéticas podem restringir mais adiante o espectro de moléculas que são alvos atrativos para o desenvolvimento de drogas antitumorais. Anteriormente, aprendemos que, na medida em que a progressão do câncer continua, a população de células adquire uma sucessão de alterações genéticas e, desta forma, bioquímicas, que finalmente as levam para o estado de crescimento neoplásico (Capítulo 11). Esse cenário levanta uma questão provocante: as alterações Figura 16.8 Inibição do crescimento tumoral tendo como alvo elementos sinalizadores downstream Como indicado neste diagrama, a sinalização a partirde receptores como EGF (HER1) e HER2/Neu pode ser bloqueada de várias maneiras. Os ectodomínios dos receptores podem ser alvos de anticorpos monoclonais, como a Herceptina. Além disso, os domínios emissores de sinal da tirosina cinase desses receptores podem ser alvo de uma variedade de compostos de baixo peso molecular. Entretanto, além disso, várias drogas foram desenvolvidas, as quais têm como alvo proteínas que funcionam como componentes das vias de sinalização downstream, incluindo aquelas que inibem Ras (pela inibição da sua maturação pós- traducional envolvendo farnesilação), assim como Raf e MEK (pela inibição das suas funções catalíticas serina/treonina cinase) e mTOR (pela inibição da formação de complexos de sinalização funcional entre mTOR e proteínas parceiras associadas). (Cortesia de J. Baselga.) K K Snc BadFKHR MEK1/2 PTEN p27 inibidores de mTOR (RAD001) ciclina D1 progressão do ciclo celular sobrevivência proliferação MoAbs anti-receptores Erb8 (HER2) (Herceptina, 2C4, C225, Abx, etc.) inibidores de tirosina cinase anti-HER1, HER2, HER4 (ZD1839, OSI-774, EKB-569 GW-2016, CI-1033, AEE788) inibidores de RAS farnesiltransferase (BMS-214662, R115777) inibidores de RAF (BAY 43-9006) inibidores de MEK (CI-1040) Grb2 Grb2 Grb2 Sos Sos mTOR Grb3 Ras RafAkt GSK-3 MAPK IDENTIFICAÇÃO DE ALVOS ÚTEIS DE TERAPIA / 735 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max735 736 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER que são responsáveis pelas etapas primárias da progressão, de múltiplas etapas, dos tumores conti- nuam a exercer papéis críticos muito mais tarde, quando a explosão máxima do fenótipo maligno foi finalmente adquirida? Por exemplo, se a etapa inicial no desenvolvimento de um tumor envol- veu a formação de um oncogene ras, então as ações contínuas desse oncogene ainda são necessá- rias, mais tarde, para as células descendentes altamente malignas? Ou algumas das alterações que ocorrem mais tarde durante a progressão do tumor tornam os serviços contínuos de uma onco- proteína Ras desnecessários? Tome o caso dos carcinomas pancreáticos, nos quais o oncogene K-ras é encontrado na gran- de maioria dos tumores (~90%). A aquisição desse oncogene ocorre relativamente cedo na progressão do tumor, uma vez que os oncogenes K-ras mutantes são freqüentemente encon- trados nas neoplasias pancreáticas intra-epiteliais (PanINs; Figura 16.9), os precursores be- nignos dos carcinomas puros. Algumas das alterações subseqüentes adquiridas nos, por exem- plo, genes Smad4/DPC4 e p16INK4A tornam a oncoproteína K-Ras4B supérflua? Se positivo, drogas projetadas para bloquear a sinalização de K-Ras nunca se mostrarão úteis para tratar essa classe de cânceres. Podemos obter algum estímulo a partir de alguns modelos em camundongos para o desen- volvimento do câncer (Tabela 16.1). O oncogene responsável por iniciar a progressão de tumores nesses camundongos transgênicos pode ser desligado experimentalmente várias se- manas mais tarde nos tumores que finalmente se formam. Tais experimentos têm explorado o oncogene H-ras para criar melanomas, o oncogene K-ras para induzir adenocarcinomas de pulmão, o oncogene bcr-abl para criar leucemias e o oncogene myc para produzir tumores de células das ilhotas do pâncreas, assim como leucemias e linfomas. Em todos esses casos, as Figura 16.9 Progressão do câncer pancreático Uma questão-chave na identificação de alvos para intervenção terapêutica é se as alterações genéticas e proteínas mutantes que surgem em um tumor de progressão em múltiplas etapas continuam a ser necessárias muito mais tarde, quando um tumor totalmente estabelecido aparece. Por exemplo, uma série de entidades histológicas chamadas de PanINs (neoplasias pancreáticas intra- epiteliais) foram definidas como estágios discretos na progressão inicial de tumores pancreáticos. Em PanIN-A, o oncogene K- ras é freqüentemente encontrado em um estado mutante ativado, fazendo surgir a questão de se a sua atividade continuada é necessária muito mais tarde, quando os carcinomas pancreáticos invasivos e metastáticos (não-mostrados) finalmente surgem. (A partir de R.E. Wilentz, C.A. lacobuzio-Donahue, P. Argani et al., Cancer Res. 60:2002-2006, 2000.) Tabela 16.1 Efeitos do desligamento da expressão de um transgene oncogênico iniciador em um camundongo com tendência a tumora Oncogene transgênico Resposta dos tumores Regressão permanente após o desligamento do transgene H-ras colapso do melanoma K-ras regressão do adenocarcinoma de pulmão bcr-abl regressão da leucemia de células B myc regressão do linfoma de células T e leucemia mielogenosa aguda fgf-7 regressão da hiperplasia de epitélio de pulmão SV40 large T hiperplasia de glândula salivar regrediu quando o transgene expressou 4 meses neu recidiva do adenocarcinoma de mama myc persistência do adenocarcinoma de mama wnt persistência do adenocarcinoma de mama a Adaptada, em parte, a partir de D.W. Felsher, Curr. Opin. Genet. Dev. 14:37-42, 2004. normal PanIN-1A PanIN-1B PanIN-2 PanIN-3 HER2/Neu K-ras p16 p53 DPC4 BRCA2 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max736 células tumorais que surgem continuam a ser dependentes dos oncogenes iniciadores, como indicado pela regressão desses tumores, uma vez que a expressão dos oncogenes iniciadores é desligada. O comportamento de certas células tumorais humanas também indica as contri- buições contínuas de elementos genéticos iniciadores (veja, por exemplo, a Barra lateral 16.1). Entretanto, experimentos com uma outra linhagem de camundongo, que carrega um onco- gene myc transgênico, geraram um resultado igualmente dramático, mas bastante diferente: o desligamento da expressão de myc primeiro causou a regressão dos linfomas induzidos por transgene, mas houve recidiva dos tumores em cerca de 20% desses camundongos; as células dos linfomas recidivantes invariavelmente mostraram alterações adicionais no cariótipo além daquelas que estavam presentes nos primeiros tumores formados. Isso sugere que o transgene myc, além de acionar inicialmente a formação do linfoma, encoraja a formação de alterações genéticas nas células tumorais que tornam suas ações contínuas desnecessárias mais tarde. Observações como essas claramente complicam ter como alvo certas oncoproteínas iniciado- ras de tumor para a inativação por drogas anticâncer, uma vez que essas proteínas podem não estar mais tendo um papel crítico, anos mais tarde, na manutenção da viabilidade e do cres- cimento de células tumorais. 16.4 A bioquímica de proteínas também determina se elas são alvos atrativos para intervenção As sutilezas bioquímicas das proteínas que foram escolhidas como alvos atrativos para inter- venção por drogas complicaram os esforços, mais adiante, para desenvolver novas drogas anticâncer. Essas drogas são, quase invariavelmente, compostos orgânicos de baixo peso mo- lecular, uma vez que, em geral, (1) tais moléculas são sintetizadas muito mais facilmente do que moléculas de peso molecular mais alto; e (2) moléculas pequenas provavelmente pene- tram mais nos interstícios de um tumor, exercendo, dessa forma, efeitos terapêuticos em todas as suas células componentes. Moléculas-alvo, por seu lado, devem ter domínios dentro das suas estruturas que são capazes de interações fortes e específicas com moléculas pequenas de drogas. Químicos farmacêuti- cos que têm a intenção de mandar drogas para dentro de células cancerosas para atacar alvos específicos colocam esses alvos moleculares em potencial (p. ex., oncoproteínas) em duas categorias principais – aqueles que são promissores para o desenvolvimento de drogas e aqueles que não são. “Potencial para o desenvolvimento de drogas” implica que a molécula- alvo tem uma estrutura que indica que ela deva ser vulnerável ao ataque e inibição por com- postos de baixo peso molecular. Dadas essas e outras restrições,moléculas-alvo são sempre proteínas de vários tipos. Uma proteína é considerada promissora para o desenvolvimento de drogas se ela carrega uma função enzimática reconhecível, assim como uma fenda catalítica bem-definida que ela usa para realizar essa função. Essas fendas são atrativas para os que desenvolvem drogas, porque elas normalmente representam cavidades relativamente pequenas que podem ligar pequenas moléculas orgânicas de maneira altamente específica. Por isso, tais cavidades com freqüência tornam possível que um composto de baixo peso molecular forme ligações não-covalentes simultaneamente com múltiplos resíduos de aminoácidos que revestem suas paredes (Figura 16.10). Tais contatos múltiplos independentes permitem que uma molécula da droga se ligue à proteína-alvo com grande especificidade e avidez. Igualmente importante, tal ligação tem uma alta probabilidade de perturbar a função da proteína, uma vez que a molécula da droga ocupa um domínio funcionalmente crítico da proteína. Proteínas que não têm essas fendas catalíticas são freqüentemente descartadas por serem “não- promissoras para o desenvolvimento de drogas”. Acredita-se muito que fatores de transcrição, por exemplo, não sejam (justa ou injustamente) promissores para o desenvolvimento de drogas, por- que em geral eles não têm fendas catalíticas e, portanto, os tão procurados bolsões de ligação à droga. Essas considerações colocam os fatores transcrição de oncoproteínas, como Myc e Fos, na categoria dos alvos não-promissores para o desenvolvimento de drogas e, ao mesmo tempo, per- Barra lateral 16.1 Células HeLa forne- cem o exemplo mais dramático da im- portância progressiva das lesões genéti- cas iniciadoras Discutivelmente, o exem- plo mais extremo da influência contínua de lesões genéticas iniciadoras é forneci- do pelo comportamento das células da linhagem celular do câncer cervical hu- mano de HeLa. Lembre que essas célu- las derivaram, em 1951, de um carcino- ma cervical altamente agressivo e, como quase todos (> 99,7%) os carcinomas cervicais, o início desse tumor é rastreá- vel para uma infecção por papilomaví- rus humano (HPV) – nesse caso, HPV tipo 18 e suas duas oncoproteínas codi- ficadas, E6 e E7. Cinqüenta anos mais tarde, tempo durante o qual células HeLa em cultura passaram por vários milha- res de ciclos de crescimento e divisão, estratégias genéticas foram usadas para desligar os oncogenes HPV18, sendo ex- pressos nessas células. O desligamento da expressão de E7 levou à reativação da função pRb e à senescência celular, en- quanto o desligamento de E6 levou ao reaparecimento de p53 e subseqüente se- nescência ou apoptose nessas células. Portanto, nesse caso, a alteração genéti- ca de início (aquisição de um genoma de HPV) continuou a ser absolutamen- te essencial para a manutenção da proli- feração das células cancerosas e para a viabilidade de milhares de gerações ce- lulares mais tarde. A BIOQUÍMICA GOVERNA A ESCOLHA DE AGENTES TERAPÊUTICOS / 737 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max737 738 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER mitem que várias cinases envolvidas na formação do câncer sejam colocadas no campo das molé- culas-alvo promissoras para o desenvolvimento de drogas. (As maiores exceções com relação à falta de potencial para o desenvolvimento de drogas dos fatores de transcrição são criadas pelos recep- tores dos hormônios nucleares, como os receptores de estrogênio e progesterona. Como têm domínios de ligação a hormônios, essas proteínas receptoras são, em princípio, vulneráveis a inter- rupção por pseudoligantes, como tamoxifeno, que se liga e antagoniza certas funções do receptor de estrogênio.) Em média, químicos farmacêuticos sentenciam cerca de 1 em 5 proteínas celulares para serem promissoras para o desenvolvimento de drogas. A presença de uma função catalítica identificável e o aparente potencial para desenvolvimen- to de drogas não garante, por si só, que um alvo atrativo tenha sido identificado. Considere, por exemplo, o caso da oncoproteína Ras, que tem uma atividade catalítica claramente iden- tificável – sua função de GTPase. Essa atividade enzimática nas células que expressam Ras nunca foi objeto do desenvolvimento de drogas, porque a GTPase de Ras, como aprendemos na Seção 5.9, funciona como um regulador negativo da sinalização de Ras. A sua inibição apenas aumentaria os efeitos já desastrosos da substituição de aminoácidos que criaram as oncoproteínas Ras pela primeira vez. O mesmo pode ser dito de algumas tirosina fosfatases, cujos papéis designados são para reverter os efeitos promotores do crescimento das tirosina cinases. Em resposta à dificuldade de atacar a própria proteína Ras, uma variedade de estra- tégias para o desenvolvimento de drogas deu enfoque, então, às enzimas que modificam esta proteína e assim permitem que se torne funcional. A noção de que cavidades moleculares fornecem um alvo atrativo para o desenvolvimento de drogas também pode sugerir que vários tipos de interações proteína-proteína representam Figura 16.10 Múltiplos contatos entre drogas e seus alvos (A) A estrutura química de Gleevec, que foi desenvolvida para inibir a atividade de tirosina cinase da proteína de fusão ativa Bcr-Abl na leucemia mielogenosa crônica (CML), foi o resultado da otimização da estrutura de um componente precursor no qual certas cadeias laterias foram adicionadas, enquanto outras foram removidas, com o objetivo de melhorar a ligação de drogas à fenda catalítica do domínio tirosina cinase de Abl. (B) A fenda catalítica da cinase Abl é encontrada entre os lobos N e C terminais, mostrados aqui como estruturas em fita verdes. Um modelo espaço preenchido (com raios de van der Waals) de uma molécula Gleevec está mostrado em azul-escuro, enquanto a “alça de ativação” de Abl, que normalmente bloqueia o acesso da fenda catalítica aos substratos, está mostrada em azul-claro. (Essa alça de ativação sai do caminho quando a cinase muda para sua configuração ativa.) (C) A associação ávida e específica de Gleevec (magenta) com a fenda catalítica de Abl depende da formação de múltiplas pontes de hidrogênio (linhas vermelhas tracejadas), assim como de interações van der Waals mais fracas (não-mostrado). Essas ligações aumentam a afinidade de ligação da droga pela proteína; ao mesmo tempo, elas explicam a especificidade da associação, uma vez que os vários pares de prótons doadores e aceptores, que participam como parceiros na formação de pontes de hidrogênio, devem estar precisamente posicionados no espaço tridimensional. (A e B, a partir de B. Nagar, W.G. Bornmann, P. Pellicena et al., Cancer Res. 62:4236-4243, 2002; C, cortesia de E. Buchdunger, S.W. Cowan-Jacob, G. Fendrich, J. Liebetanz, D. Fabbro and P.W. Manley. Novartis Pharmaceuticals.) N N N N HN N H N O Thr315 Met318 Leu370 Asp381 Glu286 His361 Ile360 (A) CH 3 CH 3 Gleevec® (mesilato de imatinib) (B) lobo N-terminal fenda catalítica lobo C-terminal Gleevec alça de ativação (C) 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max738 alvos promissores para o desenvolvimento de drogas. Depois de tudo, o espaço confinado entre duas proteínas fisicamente justapostas poderia parecer criar um bolsão de ligação à droga, altamente específico, e a inserção de uma droga em uma cavidade como essa poderia desestabilizar ou bloquear a interação proteína-proteína. Candidatos óbvios para tal inibição são os vários tipos de pares ciclina-Cdk, cujas ações direcionam a proliferação de todas as células do câncer (Capítulo 8). Infelizmente, a maioria dos esforços para prevenir essas ou outras associações proteína-pro- teína por meio de moléculas de drogas sob medida não têm tido sucesso. As inúmeras falhas têm sido racionalizadas como segue: a associação de duas proteínas uma com a outra envolve múltiplos pontos de ligação entre as suas faces que interagem. Esses pontos de contato se estendem sobre os domínios moleculares que excedem muito as dimensões de moléculas de drogas, que tipicamente têm, depreferência, um baixo peso molecular (p. ex.,ABT-737 (primeiro painel) foi desenvolvido, utilizando uma triagem baseada em ressonância magnética nuclear (NMR), síntese paralela e desenho baseado na estrutura para visualizar a interação das estruturas de uma proteína pró-apoptótica (Bak) e moléculas candidatas a drogas (composto 1). Assim, a hélice α da proteína Bak pró-apoptótica (hélice verde, terceiro painel; veja a Figura 9.25) que se liga e inibe a proteína Bcl-X L antiapoptótica (superfície vermelha, branca, azul) também está ocupada por um parente químico próximo de ABT-737, chamado de composto 1 (figura em bastão verde, quarto painel). No segundo painel, observam-se os efeitos de ABT-737 sobre o crescimento de um xenoenxerto de carcinoma humano pulmonar de células pequenas (SCLC). A barra preta indica a janela de tempo durante a qual ABT-737 foi empregado. Não parece que a droga induz apoptose por si só, mas, em vez disso, torna as células cancerosas vulneráveis a apoptose induzida por outros agentes. (A, a partir de L.T. Vassilev, B.T. Vu, B. Graves et al., Science 303:844-848, 2004; B, a partir de M. Leone, D. Zhai, S. Sareth et al., Cancer Res. 63:8118-8121, 2003; C, esquerda, a partir de K.H. Emami, C. Nguyen, H. Ma et al., Proc. Natl. Acad. Sci. USA 101:12682-12687, 2004; C, direita, a partir de H. Ma, C. Nguyen, K.S. Lee e M. Kahn, Oncogene 24:3619-3631, 2005; D, a partir de T. Oltersdorf, S.W. Elmore, A.R. Shoemaker et al., Nature 435:677-681, 2005.) ESTRUTURAS QUÍMICAS GERADAS POR QUÍMICOS FARMACÊUTICOS / 741 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max741 742 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max742 Figura 16.12 (à esquerda) O cinoma humano Como ilustrado aqui, a grande maioria das proteína cinases das células humanas, incluindo serina/treonina e tirosina cinases, compartilham similaridades estruturais substanciais, indicando que todas elas descendem de uma proteína cinase primitiva que existiu muito antes da radiação das formas de vida eucarióticas. As serina/treonina e tirosina cinases divergiram um das outras relativamente cedo e se diversificaram, além disso, durante os aproximadamente 109 anos passados. Ao todo, a seqüência do genoma humano revela 518 genes distintos que codificam para proteínas cinases, que, como grupo, têm sido chamados de “cinoma humano”. Desses, 90 fosforilam resíduos de tirosina, enquanto o restante fosforila os resíduos de serina ou treonina de proteínas substrato. Todas as tirosina cinases (TKs) e 318 das serina/treonina cinases mostram uma relação estrutural clara umas com as outras e podem ser arranjadas em uma árvore evolutiva que descreve como elas devem ter evoluído de uma para outra por repetidas duplicações gênicas seguidas pela diversificação. (Um pequeno número de proteínas cinases “atípicas” (não-mostradas) parece representar invenções evolucionárias independentes.) As origens compartilhadas das cinases localizadas nessa árvore ditam que várias dessas enzimas são estruturalmente similares umas com as outras, o que complica a criação de drogas que interferem seletivamente em apenas poucos membros dessa grande família de enzimas. As TKs (esquerda, a cima) representam invenções evolucionárias relativamente recentes, à medida que elas estão ausentes nos procariotos e estão presentes em apenas números muito pequenos (p. ex., três) no genoma de protozoários eucariotos unicelulares seqüenciados até agora. A sua grande diversificação e especialização parece ter sido crítica para a evolução de metazoa anatomicamente complexos. Os agrupamentos restantes nessa árvore são TKL, semelhantes à tirosina cinase; STE, homólogos de leveduras estéreis 7, 11 e 20 cinases; CK1, caseína cinase-1; AGC, membros da família das proteína cinases A, cinases G e cinases C; CAMK, proteínas cinases dependentes de cálcio/calmodulina; e CMGC, contendo famílias CDK, MAPK, GSK-3 e CLK. (Cortesia de Cell Signaling Technology, Inc.) Figura 16.13 Estruturas similares das cinases (A) A dificuldade de produzir um inibidor específico de cinase é sugerida pelas similaridades surpreendentes na estrutura de uma variedade de serina/treonina, assim como de tirosina cinases. Descritos como diagramas em fita estão os domínios cinase de cinco serina/treonina cinases: CDK2 (veja o Capítulo 8), PKA (proteína cinase A cíclica regulada por AMP), Sky1 (cinase específica da proteína SR de levedura em brotamento) uma serina cinase de levedura envolvida no processamento de RNA do núcleo, PhK (fosforilase cinase envolvida no metabolismo do glicogênio) e ERK2 (cinase regulada extracelularmente da cascata de MAPK, veja a Seção 6.5); assim como quatro domínios tirosina cinase (TK); IRK (cinase receptora de insulina), Csk (cinase Src C-terminal; uma tirosina cinase), Abl (veja a Seção 16.11) e Src (veja o Capítulo 5). Em todos os casos, as fendas catalíticas dessas cinases estão prensadas entre os dois lobos maiores (N e C terminais, acima e abaixo, respectivamente) dessas proteínas. (B) Um exemplo extremo das similaridades estruturais entre cinases relacionadas está ilustrado por este diagrama de superfície no qual as fendas catalíticas e os resíduos de aminoácidos adjacentes aos domínios de tirosina cinase do receptor de insulina (IR; ver o IRK do painel A) e do receptor para o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1R) são comparados. Resíduos de aminoácidos idênticos estão em cinza, enquanto os não-similares estão em verde. Isso mostra o quão similar as regiões catalíticas dos dois domínios TK são e explica por que tem sido tão difícil encontrar inibidores de um receptor de tirosina cinase que não afete o outro. Uma treonina no peptídeo que liga os dois lobos das cinases está mostrada em amarelo, enquanto figuras em bastão (cor de laranja, azul, vermelho, amarelo) de um análogo de ATP (esquerda) e um substrato oligopeptídico (direita) também são mostradas. Quase todas as drogas antagonistas de TK se ligam aos sítios de ligação ao ATP das cinases que elas inibem. (A, cortesia de N.M. Haste, S.S. Taylor and the Protein Kinase Resource; B, a partir de S. Favelyukis, J.H. Till, S.R. Hubbard and W.T. Miller, Nat. Struct. Biol. 8:1058-1063, 2001.) IRKERK2 Csk CDK2 (A) PKA Sky1 PhK Abl Src (B) análogo de ATP substrato oligopeptídico ESTRUTURA DE CINASES E SELETIVIDADE DE DROGAS / 743 16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max743 744 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER 16.5 Químicos farmacêuticos podem gerar e explorar as propriedades bioquímicas de um amplo arranjo de drogas em potencial A ideologia de “desenho racional de drogas”, como é freqüentemente chamada, adota as noções que (1) as drogas deveriam ter como alvo proteínas específicas que sabidamente têm um mal funcionamento dentro das células, contribuindo, assim, para um estado de doença; (2) a candidatura dessas proteínas, como alvos atrativos para intervenção terapêutica, deveria ser também determinada pelo seu potencial para o desenvolvimento de drogas predito; e (3) as estruturas moleculares detalhadas de tais proteínas-alvo deveriam informar o desenho das estruturas químicas das drogas que serão desenvolvidas. Mais especificamente, devem ser sintetizadas espécies químicas cujas estruturas tridimensionais detalhadas (i. e., cuja estereo- química) permitam que elas se encaixem, de um modo chave-fechadura, em bolsões específi- cos ou sítios dentro das proteínas muito maiores do que aquelas que serão supostamente atacadas ou desativadas (veja, por exemplo, a Figura 16.14). Em princípio, o conhecimento da estrutura detalhada de uma cavidade potencial que se liga a drogas em uma proteína-alvo deveria permitir que um químico orgânico perito desenhasse e sintetizasse uma molécula que se encaixe de forma confortável dentro dessa cavidade e forme múltiplas ligações não-covalentes com os aminoácidos que revestem as suas paredes. Entretanto, essa rota puramente teórica para o desenho de uma nova estrutura de droga não gerou, na prática, vários produtos úteis. Por essa razão, a atualde como vários tipos de tu- mores humanos respondem ao tratamento (como com Velcade). • A estratificação de tumores visivelmente similares em subclasses limitadas ajuda muito os pesquisadores e médicos a encontrar drogas para os tipos de células tumorais específicas que elas podem tratar com maior eficácia. • O grande benefício de certas drogas, como o Gleevec, pode finalmente ser provado deri- var da sua ampla especificidade-alvo, permitindo que elas sejam usadas em uma grande variedade de cânceres. 1. Quais são as vantagens e desvantagens terapêuticas de usar uma droga que afeta um amplo espectro de alvos moleculares? 2. Dada a coleção ampla e heterogênea de moléculas de sinaliza- ção que têm sido retratadas neste livro desempenhando papéis- chave na patogênese de vários cânceres, quais classes você acha que poderiam vir a ser os alvos para o desenvolvimento de um novo espectro de terapias anticâncer ao lado das muito estuda- das cinases? 3. Como os tumores que se iniciaram pela formação de um certo oncogene poderiam se tornar independentes desse oncogene mais tarde na progrssão tumoral? 4. Quais estratégias você implementaria mediante o achado de que células dentro de um tumor se tornaram resistentes a uma tera- pia com drogas após um longo tratamento? 5. Tendo concluído que produtos naturais representam uma fon- te rica de drogas anticâncer em potencial, quais obstáculos po- deriam limitar a procura e os testes de tais drogas? 6. Quais os obstáculos estão no caminho do desenvolvimento de drogas para tumores que representam apenas uma parte muito pequena dos cânceres totais carregados pela população? 7. Na oncologia clínica do futuro, quais tipos de informação po- deriam ser incluídos na montagem de terapias anticâncer que são são feitas sob medida especificamente para responder a um determinado tumor de um paciente? 8. Quais estratégias você proporia para desenvolver modelos pré- clínicos de tumores humanos que são altamente úteis na predi- ção das respostas dos pacientes a drogas candidatas? Questões elaboradas Leitura adicional Adams J (2004) The proteasome: a suitable antineoplastic target. Nat. Rev. Cancer 4, 349–360. AI-Hajj M, Becker MW, Wicha M et al. (2004) Therapeutic implications of cancer stem cells. Curr Opin. Genet. Dev. 14, 43–47. Baselga J & Arteaga CL (2005) Critica update and emerging trends in epidermal growth factor receptor targeting in cancer. J. Clin. Oncol. 23, 2445–2459. Bernardi R & Pandolfi PP (2003) Role of PML and the PML-nuclear body in the control of programmed cell death. Oncogene 22, 9048– 9057. Brunner RB, Hahn SM, Gupta AK et al. (2003) Farnesyltransferase inhi- bitors: an overview of the results of preclinical and clinical investiga- tions. Cancer Res. 63, 5656–5668. Chabner BA & Roberts TG Jr (2005) Chemotherapy and the war on cancer. Nat. Rev. Cancer 5, 65–72. 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