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CAPÍTULO 16
Tratamento Racional do Câncer
“Todas as substâncias são venenosas, não existe nenhuma que não seja um
veneno; a dose correta diferencia um veneno de um remédio.”
Paracelsus (Auroleus Phillipus Theostratus Bombastus von
Hohenheim), alquimista e médico, 1538
“Médicos são homens que prescrevem medicamentos dos quais eles sabem
pouco para curar doenças das quais eles sabem menos em seres humanos de
quem eles não sabem nada.”
Voltaire (François-Marie Arounet), filósofo, 1760
Apesquisa descrita neste livro representa a revolução na nossa compreensão sobre a pato-
gênese do câncer. Em 1975, praticamente não havia conhecimentos sobre as alterações
moleculares dentro das células humanas que levam ao aparecimento de malignidades. Em
uma geração posterior, temos esse conhecimento em abundância. Na verdade, pode-se dizer
que certamente as informações disponíveis e os conceitos sobre as origens do câncer consti-
tuem uma ciência com estrutura conceitual lógica e coerente.
Apesar desses saltos extraordinários para a frente, um progresso relativamente pequeno foi
feito na exploração desses conhecimentos sobre a etiologia (i. e., os mecanismos causadores
da doença) para prevenir a doença e, igualmente importante, para tratá-la. A maioria dos
tratamentos anticâncer em amplo uso atualmente foi desenvolvida antes de 1975, em um
momento em que o desenvolvimento de terapêuticos ainda não era informado pelos meca-
nismos genéticos e bioquímicos da patogênese do câncer. Isso explica a ampla frustração
sentida pelos oncologistas moleculares de que o potencial da sua pesquisa para contribuir
para novas terapias anticâncer não tinha sido compreendido.
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max725
726 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Essa frustração foi mais fortemente alimentada pela lentidão dos avanços no tratamento
de tumores sólidos comuns. Por exemplo, em 1970, nos Estados Unidos, 7% dos pacien-
tes diagnosticados com câncer de pulmão continuavam vivos cinco anos após o seu diag-
nóstico inicial. Três décadas depois, esse número subiu para apenas 14%, uma melhora
relativamente pequena. E mesmo esse grau de sucesso terapêutico pode ser ilusório, uma
vez que técnicas modernas de diagnóstico muitas vezes detectam tumores muito antes
no seu curso clínico, criando um espaço de tempo maior entre o diagnóstico inicial e a
progressão para a doença em fase terminal. Os índices de morte por câncer de cólon
começaram a cair, pela detecção precoce e remoção cirúrgica dos tumores que avançaram
apenas pelos estágios iniciais da progressão do tumor (Figura 16.1A; veja também a
Figura 11.8C). Entretanto, a mortalidade causada pelos tumores colorretais mais avan-
çados mudou pouco nas décadas recentes – um certificado para as falhas da quimiotera-
pia e da radiação em eliminar essas malignidades uma vez que elas tenham invadido e
começado a fazer metástases.
Sem dúvida, a atual abundante informação sobre os mecanismos moleculares e celulares da
patogênese do câncer inspirará novos meios para tratar efetivamente a doença. Neste capítu-
lo, exploraremos várias estratégias de terapias em desenvolvimento ou recentemente introdu-
zidas na clínica. O objetivo não é investigar todo o âmbito de pesquisas em progresso nessas
áreas. Isso seria inalcançável: uma compilação de 2003 de terapias anticâncer em desenvolvi-
mento pré-clínico ou em testes clínicos listou mais de 1.300 projetos de pesquisa e de desen-
volvimento que estavam sendo levadas adiante por várias companhias farmacêuticas grandes
e firmas biotecnológicas menores. Os agentes terapêuticos em desenvolvimento incluem dro-
gas de baixo peso molecular, proteínas, anticorpos monoclonais e estratégias de terapia gêni-
ca, incluindo vetores virais.
Em vez de sermos enciclopédicos, nos concentraremos em um pequeno número de tera-
pias recentemente desenvolvidas que ilustrarão como as descobertas descritas nos capí-
tulos anteriores inspiraram novas estratégias para tratar o câncer e como o diagnóstico
molecular vai fazer, cada vez mais, parte do desenvolvimento e da introdução na clínica
de novas terapias.
Ao mesmo tempo, discutiremos como a biologia molecular está mudando as estratégias de
prevenção de câncer. Assim, não examinaremos os maiores avanços que foram realizados no
desenvolvimento de vacinas que protegem contra infecções com o vírus da hepatite B (HBV)
e do papilomavírus humano (HPV); essas vacinas deveriam ser muito eficientes na redução
da incidência de hepatomas e carcinomas cervicais, que são descontrolados em certas partes
do mundo. (Se a história passada de saúde pública for um guia, a prevenção do câncer irá
Figura 16.1 Estatísticas de mortalidade por
câncer durante os três quartos de século
passados: o estado das coisas As
estatísticas compiladas nos Estados
Unidos sobre os índices de morte
ajustados por idade de vários tipos de
câncer revelam duas tendências diferentes
em longo prazo. (A) A mortalidade pelos
principais matadores diminui
significativamente desde 1930. Isso ocorreu
devido a alterações nas práticas de
estocagem de alimentos e possivelmente
nos índices de infecção por Helicobacter
pylori, no caso de câncer de estômago, e a
triagem, nos casos de câncer cervical e
colorretal. (B) Várias das principais origens
de morte relacionadas ao câncer se
mostraram resistentes à maioria das formas
de terapia tradicional, especialmente
quando esses tumores progridem para um
estágio metastático altamente maligno. (A
partir de A. Jemal, T. Murray, E. Ward et al.,
CA Câncer J. Clin. 55:10-30, 2005.)
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(A) (B)
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cólon e reto
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ano da morte
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de
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.0
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colorretal
mama
próstata
pulmão
pâncreas
ovário
pulmão
ano da morte
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max726
TENDÊNCIAS NA MORTALIDADE POR CÂNCER / 727
finalmente gerar reduções muito maiores na mortalidade relacionada à doença do que as
terapias do tipo das discutidas neste capítulo.)
O presente capítulo concentra-se em terapêuticos de moléculas pequenas e nos seus alvos
intracelulares que foram identificados pela pesquisa das vias de sinalização dentro das células
cancerosas. Todas essas estratégias trouxeram grandes esperanças, e, invariavelmente, o seu
verdadeiro potencial ainda está para ser compreendido. As histórias envolvendo o desenvol-
vimento de cada uma dessas drogas são interessantes e provocativas, pois elas ensinam lições
importantes sobre os triunfos e ciladas no desenvolvimento de novos tratamentos anticâncer.
Note que várias estratégias terapêuticas baseadas em anticorpos monoclonais já foram discu-
tidas com alguns detalhes em capítulos anteriores, já que existem várias terapias focadas na
prevenção ou bloqueio da angiogênese de tumores. Também note que os meios convencio-
nais de tratar câncer, a maioria dos quais tem sido utilizada há décadas, não são discutidos
aqui, pois o seu desenvolvimento não foi informado pelas descobertas mais recentes descritas
neste livro.
Quase todos os achados de pesquisa descritos neste livro serão submetidos ao teste do tempo
e serão considerados acreditáveis e corretos (mesmo que possivelmente não tão interessantes)
por uma geração desde agora. Entretanto, aqueles que amam a certeza e as verdades eternas
acharão as histórias que seguem insatisfatórias por uma simples razão: o trabalho reportado
está em grande fluxo e, assim, muito mais sensível ao tempo.
Várias destas terapias parecerão estranhas e antiquadas uma década depois que este capítulodescoberta de drogas depende
de modos mais empíricos de encontrar estruturas moleculares úteis.
O maior desafio com relação ao desenvolvimento de drogas anticâncer é predizer as respostas
clínicas (i. e., paciente) a partir da pesquisa pré-clínica conduzida na bancada do laboratório e
em animais. Imagine, por exemplo, que a triagem em larga escala tenha gerado uma molécula
de droga que inibe a atividade de uma proteína-alvo em células vivas, fazendo isso a concen-
trações micromolares de 10 ou 100 (i. e., concentrações nessa faixa são necessárias para inibir
50% da atividade da proteína-alvo). O desenvolvimento adicional dessa droga em particular
Figura 16.14 Tarceva e a inibição do
domínio da cinase receptora de EGF Este
modelo de espaço preenchido da fenda
catalítica do domínio tirosina cinase (TK) do
receptor EGF, obtido por cristalografia de
raios X, mostra como a droga Tarceva
(figura em bastão) se encaixa
confortavelmente dentro da cavidade
ligadora de ATP da fenda e, assim, inibe a
sinalização pelo receptor. A
complementaridade tridimensional entre
droga e proteína-alvo é necessária para a
ligação da droga, mas não é suficiente,
uma vez que a ligação específica,
amplamente alcançada pela formação de
pontes de hidrogênio (não-mostradas),
deve ocorrer entre a molécula de droga e
os aminoácidos que revestem o bolsão de
ligação da droga (veja, por exemplo, a
Figura 16.10C). Uma molécula de água (no
fundo, abaixo) que está ligada por
hidrogênio à molécula de Tarceva também
está mostrada. (Cortesia de C. Sambrook-
Smith and A. Castelanho, OSI
Pharmaceuticals Inc.; ver também J.
Stamos, M.X. Sliwkowski and C. Eigenbrot,
J. Biol. Chem. 277: 46265-46272, 2002.)
lóbulo
N-terminal
cavidade
ligadora de ATP
lóbulo
C-terminal
Tarceva
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max744
se torna irreal, dada a quantidade massiva desse agente que precisaria ser liberada para dentro
do organismo do paciente com o objetivo de obter um efeito terapêutico. As propriedades
químicas dessas espécies moleculares podem ou não permitir a derivatização (a síntese de
derivados modificados desse composto) que gera uma molécula com uma potência na faixa
de concentração nanomolar.
Os testes pré-clínicos que seguem envolvem medidas dos efeitos relativos das drogas sobre o
seu alvo pretendido comparadas com seus efeitos não-específicos sobre outras proteínas si-
milares na célula. O objetivo é determinar se a droga atua seletivamente inibindo a proteína-
alvo em concentrações de droga que estão substancialmente abaixo (10 a 100 vezes) daquelas
que afetam outras proteínas similares na célula (Figura 16.15). (Na verdade, dadas as 20 mil
ou mais estruturas de proteínas distintas presentes nas células de mamíferos, essas medidas
não evitam possíveis efeitos sobre proteínas não-relacionadas estruturalmente que poderiam,
por casualidade, ser afetadas por um agente em desenvolvimento.)
No caso dos inibidores de tirosina cinase, que são atualmente o foco de muitos desenvolvi-
mentos de drogas, esforços na identificação de todas as cinases que poderiam ser afetadas por
uma droga têm, até recentemente, envolvido ensaios com apenas uma pequena proporção de
um amplo grupo de proteínas cinases sabidamente presentes nas células humanas. Como
conseqüência, certos efeitos não-específicos provavelmente enganaram os desenvolvedores
de drogas. Isso começou a mudar com o evento da triagem mais sistemática de uma porção
muito mais ampla de cinases que poderiam ser afetadas por esses inibidores.
Por exemplo, uma empresa de biotecnologia desenvolveu um ensaio (Figura 16.16) para
medir as afinidades de ligação de uma droga-teste para 156 diferentes cinases que estão loca-
lizadas em várias ramificações da árvore cinoma (veja a Figura 16.12). Observou-se que, de
fato, dois inibidores de receptores EGF – que serão discutidos em maiores detalhes mais
adiante –, Iressa e Tarceva, se ligam preferencialmente à tirosina cinase de EGF-R, ao passo
que está confirmada a capacidade da estaurosporina, a qual se acredita inibir um amplo
espectro de proteínas cinases de todos os tipos, de exibir uma ampla capacidade de ligação a
cinases. (Foi observado que a afinidade de ligação de uma droga-teste para uma cinase, como
medida nesse ensaio, prediz a capacidade dessa droga em inibir a atividade da cinase.)
Como veremos a seguir, a descoberta de atividades não-específicas de uma droga, o que é
possibilitado por triagens como essa, é atualmente útil de duas formas. (1) Ela pode explicar
a toxicidade de uma droga – efeitos colaterais indesejados de uma droga sobre tecidos dife-
rentes daqueles do tumor-alvo. (2) Ela pode revelar novas aplicações clínicas para a droga,
uma vez que a droga pode vir a inibir uma enzima, como uma cinase, que é ativa em um tipo
de tumor que não era alvo durante o desenvolvimento inicial da droga.
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c-Abl 0,1 μM
Flt-4 > 10 μM
c-Fms 4,6 μM
KDR > 10 μM
FGFR-1 > 10 μM
c-Src > 10 μM
Figura 16.15 Curvas de dose-resposta do
Gleevec A capacidade de inibir a proteína-
alvo sem afetar outras proteínas celulares
relacionadas é crítica para o sucesso da
terapia, tornando possível respostas
terapêuticas sem os efeitos colaterais
indesejados de toxicidade. Aqui vemos as
respostas de um grupo de seis enzimas
tirosina cinase (TK) à droga Gleevec (veja a
Figura 16.10). Em todos os casos, a
atividade da cinase das enzimas
purificadas foi medida. Note que o gráfico
foi construído usando o log da
concentração de Gleevec na abscissa,
enquanto a porcentagem de inibição da
atividade catalítica está inserida
linearmente na ordenada. Em uma
concentração de cerca de 0,1 μM, por volta
de 50% da atividade da enzima c-Abl foi
inibida, enquanto uma inibição comparável
da TK c-Fms apenas ocorreu a uma
concentração tão alta quanto 4,6 μM. Sob
essas condições, a TK c-Src foi duramente
inibida. (Cortesia de E. Buchdunger,
Novartis Pharmaceuticals.)
SÍNTESE DE DROGAS POR QUÍMICA COMBINATORIAL / 745
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max745
746 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Figura 16.16 Efeitos dos inibidores de cinase sobre um amplo espectro
de proteínas cinases As respostas individuais a vários inibidores de
cinases de um arranjo de 156 tirosina e serina/treonina cinases distintas
foram testadas pela medição das afinidades de ligação de cada inibidor
com cada uma dessas cinases. Este teste depende do fato de que
quase todos os inibidores de cinases se ligam aos sítios de ligação ao
ATP das enzimas-alvo. (A) Um cDNA que codifica para o domínio
cinase de uma proteína é clonado em vetor bacteriófago de maneira
que algumas proteínas (verde) do capsídeo do fago (envelope) sejam
sintetizadas como proteínas de fusão com a cinase (roxo). Um análogo
de ATP que sabidamente se liga aos sítios de ligação a ATP de várias
cinases (vermelho) é então imobilizado por uma ligação a microesferas
(azul-claro). Isso permite que partículas de fagos se liguem via
proteínas de fusão nos seus capsídeos ao análogo de ATP sobre as
esferas. O ensaio então mede a capacidade de um componente do
teste (p. ex., um candidato a inibidor de tirosina cinase, amarelo) para
competir com o inibidor imobilizado (vermelho), bloqueando assim a
associação do fago à esfera. A redução na ligação do fago às esferas,
como revelado por várias partículas de fagos liberadas a partir das
esferas (usando um ensaio de placa de fago ou uma reação em cadeia
da polimerase para o DNA de fago) então indica a afinidade de ligação
para o composto-teste com a cinase presente na proteína de fusão,
como representado pela sua constante de dissociação, k
d
, isto é, a
concentração na qual 50% do fago são dissociados das esferas.
Nos painéis restantes, cada cinase que mostrou um K
d
 menor do que
1μM está indicada por um círculo vermelho cujo diâmetro varia
inversamente com o K
d
 (constante de afinidade da ligação) e cuja
posição está indicada pela localizaçãoda cinase sobre a árvore cinoma
(veja a Figura 16.12). Os efeitos de dois inibidores do receptor EGF
(EGF-R) que já foram licenciados para uso clínico, Iressa e Tarceva, são
analisados nos painéis (B) e (C), respectivamente. Ambos, de modo
tranqüilizador, mostram maior especificidade para o EGF-R do que para
as outras 155 cinases testadas. Entretanto, Iressa também se liga a
GAK (cinase associada à ciclina G; veja a Barra lateral 5.3) a uma
concentração cerca de 10 vezes maior, enquanto Tarceva afeta GAK a
uma concentração ainda mais baixa, apenas mais alta do que a
necessária para inibir o próprio EGF-R. (D) Ao contrário, a
estaurosporina, um reagente experimental amplamente utilizado
conhecido por inibir várias cinases, é vista se ligando a um grande
número dessas enzimas, algumas enquanto ele está presente em
concentrações subnanomolares. (A, a partir de J.D. Griffin, Nat.
Biotechnol. 23:308-309, 2005; B, C e D, cortesia de P.R. Zarrinkar and
D.J. Lockhart, Ambit Biosciences; ver também M.A. Fabian, W.H. Biggs
3rd, D. K. Treiber et al., Nat. Biotechnol. 23:329-336, 2005.)
TK
RTK
TKL
CK
CDK
PKA PKA PKA
CLK
MAPK MAPK MAPK
CAMK CAMK
CAMK
TK TK
TKL TKL
CK CK
CDK
CDK
CLK CLK
100 nM 10 nM 1 nM
EGF-R
GAK
EGF-R
GAK
(A)
construção de
um gene de fusão
gene para cinase
gene para proteína
do envelope
do fago
cinase
envelope 
do fago
proteína amplificável contendo
cinase fusionada a proteína
do envelope do fago
composto-teste
ensaios de ligação de
competição por sítios
dependentes de ATP
inibidor
imobilizado
microesfera
medida da dissociação
do fago a partir da esfera
pelo composto-teste usando
um ensaio biológico de partículas
de fagos (ensaio de placa) ou a
medida de DNA do fago por PCR
calcular K 
d
perfil gerado de
especificidade para cinase
(B)
Iressa
(C) (D)
Tarceva
RTK RTK
estaurosporina
K
 
d
: 10 μM 1 μM
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max746
16.6 Candidatos a drogas devem ser testados em modelos
celulares como uma medida inicial da sua utilidade em
organismos inteiros
A capacidade demonstrada de uma droga para inibir uma proteína-alvo isolada em solução é
normalmente seguida por testes de seus efeitos sobre células em cultura. Tome o caso de
Gleevec, o composto (veja a Figura 16.10A) encontrado inicialmente por inibir a atividade
de tirosina cinase da proteína de fusão isolada Bcr-Abl; sabia-se que essa proteína era respon-
sável por dirigir a proliferação e sobrevivência das células cancerosas da leucemia mielogeno-
sa crônica (CML). Tendo estabelecido seus efeitos sobre a proteína Bcr-Abl isolada (veja a
Figura 16.15), os desenvolvedores de drogas puderam então prosseguir para o próximo pas-
so, que envolveu o uso de células em cultura cuja proliferação ou sobrevivência in vitro de-
pendia de ações contínuas dessa proteína de fusão.
A Figura 16.17 mostra um exemplo de tal teste baseado em células que foi realizado muito depois
do Gleevec ter sido desenvolvido. Esse teste usou as células de uma linhagem de pré-linfócitos B
murinos que normalmente depende da presença de interleucina-3 (IL-3) no seu meio de cultura
para sua sobrevivência e proliferação in vitro. Essas células poderiam tornar-se independentes de
IL-3 se uma oncoproteína Bcr-Abl fosse expressada ectopicamente nelas. As células modificadas
foram então cultivadas na ausência de IL-3 (tornado-as totalmente dependentes do disparo con-
tínuo de Bcr-Abl) e expostas a várias drogas que eram candidatas a antagonistas da oncoproteína
Bcr-Abl; a proliferação e/ou sobrevivência dessas células foi então medida (Figura 16.17B).
Testes baseados em células, como esse, são planejados para determinar se a droga que está
sendo examinada induz apoptose nas células tratadas, ou citostase (i. e., uma parada na pro-
liferação celular), ou não tem efeito algum. E se a droga evoca uma resposta desejada, ela o faz
a uma concentração razoavelmente baixa?
O resultado desses testes baseados em células raramente é óbvio antecipadamente. Vários
compostos que são muito hidrofóbicos podem ser excluídos desses testes a partir do início
porque são pouco solúveis e, assim, não podem ser colocados em células em cultura em
concentrações significativas. Seus parentes químicos mais hidrofílicos podem ser altamente
solúveis e podem funcionar bem na proteína Bcr-Abl purificada, mas podem não ser pronta-
mente transportados pelas membranas plasmáticas das células; essas espécies químicas prova-
velmente não serão úteis, simplesmente por não poderem se acumular dentro das células a
concentrações que permitiriam que fossem efetivas.
Imagine que esses obstáculos foram superados com sucesso e que a proliferação das células
dependentes de Bcr-Abl é, na verdade, inibida a concentrações nanomolares de um candida-
to a agente terapêutico. O fato de que a droga candidata atua nessas células não exclui a
possibilidade de que ela também afete dúzias de outras cinases nessas e em outras células,
algumas das quais podem ser essenciais para o metabolismo normal da célula – a propriedade
de seletividade biológica. (A sua seletividade bioquímica provavelmente foi determinada pre-
viamente por testes como aqueles ilustrados na Figura 16.15.)
Assim, logo a seguir, se tornou necessário determinar se as células cancerosas cujo crescimen-
to é dirigido por outras tirosinas cinases são igualmente sensíveis às ações de um agente anti-
Bcr-Abl identificado como o Gleevec. E como células totalmente normais cultivadas são
afetadas por uma droga candidata como o Gleevec? Com sorte, se pode começar a ver um
alto índice terapêutico emergir; por exemplo, células dependentes de Bcr-Abl podem ser
mortas por concentrações da droga que têm um efeito pouco perceptível em células compa-
ráveis crescidas na presença de IL-3 ou em uma variedade de outras células cancerosas cujo
crescimento é dirigido por outras oncoproteínas tirosina cinase. Isso proverá esperança de
que, in vivo, a droga poderá perturbar o tumor sem ter efeitos colaterais não-aceitáveis em
tecidos normais. Bons resultados nesses testes encorajarão os desenvolvedores de drogas a
proceder para as próximas etapas, nas quais os efeitos biológicos das drogas em nível celular
e tecidual são estimados in vivo, como aprenderemos a seguir.
RESPOSTAS DE DROGAS TESTADAS EM CÉLULAS / 747
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max747
748 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
16.7 Estudos sobre a ação de drogas em animais de laboratório
são parte essencial dos testes pré-clínicos
Uma vez que um candidato a agente antitumoral tenha mostrado ter efeitos mortais potentes
sobre células cancerosas em cultura in vitro, o desenvolvimento de drogas inevitavelmente
move-se para a próxima etapa – testar se ela irá matar células cancerosas em proliferação
dentro de massas tumorais in vivo. Idealmente, o comportamento in vitro de uma droga
deveria predizer as suas ações in vivo.
Figura 16.17 Teste do Gleevec em cultura
de células (A) Células BaF3, uma linhagem
de pré-linfócitos B murinos, são
normalmente dependentes da adição de
interleucina-3 (IL-3) para sua proliferação e
sobrevivência (acima, à esquerda). Quando
Gleevec é adicionado juntamente com IL-3,
essas células continuam a ter sucesso
(acima, à direita), indicando que o
mecanismo de sobrevivência baseado em
IL-3 não é sensível à inibição por Gleevec.
Um plasmídeo de expressão especificando
a oncoproteína Bcr-Abl pode ser
introduzido nessas células, e, sob tais
condições, as células BaF3 continuam a
proliferar, mesmo depois que IL-3 é retirada
(lado esquerdo), indicando que Bcr-Abl
pode substituir IL-3 e sustentar essas
células por si só. Entretanto, como essas
células agora são dependentes de Bcr-Abl
para sua sobrevivência, a adição de
Gleevec em doses que inibem a cinase Abl
as levará à morte (mais abaixo, à
esquerda), enquanto a adição de Gleevec
às células expressando Bcr-Abl que
continuam a receber IL-3 não afetam a sua
sobrevivência (indicando que Gleevec não
é tóxico para as células BaF3 que
expressam Bcr-Ablenquanto elas
continuam a receber a estimulação de IL-3).
Portanto, na ausência de IL-3, as células
BaF3 expressando Bcr-Abl podem servir
como indicadores altamente sensíveis e
específicos das ações de Gleevec e de
drogas que atuam de forma similar na
oncoproteína Bcr-Abl. (B) A informação no
painel A pode ser utilizada para
desenvolver um sistema de ensaio, no qual
o número de células BaF3 que sobrevivem
após certos tratamentos é indicado pela
densidade óptica das suspensões de
células BaF3 (ordenada). Na presença de
IL-3, Gleevec quase não tem efeito sobre a
sobrevivência das células BaF3 se a
oncoproteína Bcr-Abl estiver ou não sendo
expressa nas células BaF3 (pontos em
verde). Na ausência de IL-3, entretanto, a
sobrevivência de células expressando Bcr-
Abl está fortemente anulada acima de
cerca de 2 μM de concentração do Gleevec
(pontos em vermelho). Se, em vez da
proteína Bcr-Abl do “tipo selvagem”,
clonada a partir de células de pacientes de
CML no início do tratamento com Gleevec,
uma versão mutante altamente resistente a
drogas de Bcr-Abl (chamada de T3151) que
surgiu em um paciente de CML durante o
curso do tratamento com Gleevec for
expressa nas células BaF3, concentrações
muito altas da droga serão necessárias
para matar essas células (pontos em azul);
esta última curva é medida, mais uma vez,
na ausência de IL-3 no meio de
crescimento. (Cortesia de M. Azam and
G.Q. Daley.)
células morrem
por apoptose
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
0,1 1 10
(A) pré-linfócitos B murinos BaF3
adição de IL-3 remoção de IL-3 adição de
IL-3 + Gleevec
células proliferam,
têm sucesso
células morrem
por apoptose
células proliferam e
têm sucesso; por isso
Gleevec não é
intrinsicamente tóxico
para as células BaF3
transdução
do plasmídeo
Bcr-Abl
remoção de IL-3
manter IL-3 e
adicionar Gleevec
células proliferam e têm
sucesso; assim Bcr-Abl
pode substituir IL-3
células proliferam e têm
sucesso; assim as células
que estão recebendo IL-3
podem tolerar o desligamento
de Bcr-Abl por Gleevecadição de Gleevec
(B)
ab
so
rb
ân
ci
a 
A
45
0
BaF3 + Bcr-Abl “tipo selvagem” + IL-3
BaF3 + mutante
Bcr-Abl T3151
BaF3 + Bcr-Abl “tipo selvagem”
Gleevec em μM
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max748
Nesse ponto, complicações adicionais surgem. Uma delas é sugerida pelos resultados experi-
mentais que foram encontrados na Seção 13.10. Naquela seção, vimos que a sensibilidade
dos tumores à radiação pode ser determinada pela radiossensibilidade das células endoteliais
na sua vasculatura, em vez de pelas respostas das células neoplásicas nessas massas; algumas
drogas podem agir similarmente, afetando as células de suporte do estroma de um tumor
(que não são estudadas in vitro) em vez de as próprias células cancerosas. Independentemente
disso, células do estroma podem prover certos tipos de sinais de sobrevivência antiapoptóti-
cos, como IGF-1, que não estão disponíveis em quantidades comparáveis às células cancero-
sas em cultura. Em um sentido mais geral, as complexidades da biologia dos tumores criadas
pelas interações heterotípicas com o estroma associado a tumor freqüentemente ditam que as
respostas a drogas, de populações puras de células cancerosas proliferando in vitro, falham em
predizer suas respostas dentro de tumores em crescimento in vivo.
Como células de roedores e de humanos diferem tanto, substancialmente, na sua biologia (Seção
11.12), os testes in vitro de drogas candidatas anticâncer envolvem, quase sempre, células cancero-
sas humanas (em vez de murinas) crescidas em camundongos hospedeiros. A suposição é que os
xenoenxertos de tumores humanos formados em camundongos imunodeprimidos terão um com-
portamento semelhante ao de tumores encontrados por oncologistas em pacientes humanos.
Mais uma vez, existem complicações muito desafiadoras. As células tumorais humanas que são
usadas para formar esses xenoenxertos são propagadas como linhagens de células tumorais – célu-
las cancerosas que foram propagadas em cultura como populações puras durante vários anos,
freqüentemente, décadas. Um grupo de 60 dessas linhagens de células humanas cancerosas foi
estabelecido pelo National Cancer Institute como reagentes-padrão a serem usados nos Estados
Unidos para medir a eficácia de candidatos a agentes anticâncer. Várias dessas linhagens celulares
não são exemplos de neoplasmas encontrados rotineiramente na clínica do câncer, pois elas deri-
vam de tumores humanos particularmente agressivos que geraram células que são especialmente
adaptáveis à propagação em cultura de tecido (veja, por exemplo, a Figura 16.18). Outras linha-
gens celulares de câncer têm evoluído, quase que inevitavelmente, em cultura muito além das
células ancestrais que foram originalmente removidas a partir dos tumores humanos atuais; na
verdade, as células em tais linhagens têm sido selecionadas pela ótima proliferação sob condições
in vitro, que diferem de maneira drástica daquelas nos tecidos vivos.
Esses fatos ajudam a explicar por que modelos de xenoenxertos de tumores humanos não
predizem, relativamente, as respostas dos tumores atuais produzidos por pacientes na clínica
do câncer. Na verdade, em alguns casos, é questionável se as células cancerosas que são oriun-
das de, por exemplo, um carcinoma pancreático, continuam a refletir comportamento pan-
creático ou se elas foram contaminadas inadvertidamente por células de carcinoma de cólon
ou mama em algum ponto durante as últimas décadas das passagens in vitro em um ou outro
laboratório. Ainda, esses modelos altamente imperfeitos de xenoenxertos são os melhores
reagentes disponíveis e provavelmente não serão substituídos no futuro próximo por mode-
los animais melhorados de câncer humano.
Figura 16.18 Linhagens celulares de
câncer como representantes de tumores
humanos Vários pesquisadores têm se
esforçado para criar linhagens celulares de
câncer pela extração de células de tumores
humanos e pela sua adaptação a cultura. A
sua experiência é que apenas as células
cancerosas mais malignas possam ser
propagadas in vitro, gerando linhagens de
células cancerosas. Essa noção foi
finalmente testada sistematicamente em
um estudo de 12 anos, no qual as células
de carcinoma de esôfago de 203 pacientes
foram introduzidas em cultura. Dessas,
apenas 35 linhagens celulares (a partir de
cerca de 17% dos tumores) se tornaram
estabelecidas em cultura. Os pacientes
cujos tumores estavam nesse grupo (grupo
A) experimentaram uma progressão clínica
muito pior (linha vermelha) do que aqueles
cujas células falharam na adaptação a
cultura (grupo B; linha azul). Isso ilustra
graficamente por que os xenoenxertos
tumorais produzidos a partir de linhagens
celulares de câncer estabelecidas
normalmente falham em resumir as
propriedades dos tumores tipicamente
encontrados na clínica de câncer (uma vez
que as linhagens de células cancerosas
normalmente derivam de tumores na
extremidade final do espectro – o subgrupo
mais agressivo). (A partir de Y. Shimada, M.
Maeda, G. Watanabe et al., Clin. Cancer
Res. 9:243-249, 2003.)
1,0
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0,0
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180
fra
çã
o 
de
 p
ac
ie
nt
es
 q
ue
 s
ob
re
vi
ve
m
sem linhagem 
celular estabelecida
grupo B (n=168)
linhagem celular estabelecida grupo A (n=35)
sobrevivência (meses)
TESTES PRÉ-CLÍNICOS EM ANIMAIS DE LABORATÓRIO / 749
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max749
750 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
A farmacocinética (PK) de uma droga representa um determinante-chave da sua eficácia in vivo:
A droga se acumula em níveis significativos no plasma ou nos tecidos por um período extenso? Ou
ela está presente no corpo apenas transientemente, sendo excretada pelos rins dentro de minutos
depois de entrar na circulação? Ela é resistente à degradação rápida ou alguns sistemas de metabo-
lização de drogas, como o citocromo P-450s (Cyps) que encontramos no Capítulo 12, convertem
rapidamente a droga em uma espécie molecular inócua (Figura 16.19)? (Um parâmetrofarmaco-
cinético chave que é freqüentemente medido é a “área abaixo da curva”, ou AUC, calculada pela
integração da concentração de uma droga no plasma em função do tempo; acredita-se que a AUC
reflita a dose da droga cumulativa experimentada pelas células em um tumor.) E ela pode ser
preferencialmente administrada oralmente em vez de por injeção?
Animais de laboratório fornecem alguma indicação grosseira da farmacocinética da droga, mas de
nenhum modo são preditores acurados de como os humanos metabolizam e excretam vários
agentes. Além disso, como lemos anteriormente (Barra lateral 12.5), a velocidade na qual vários
compostos, incluindo drogas, são metabolizados ou excretados pode até variar dramaticamente de
uma pessoa para outra (p. ex., veja a Figura 16.20). (Em algumas companhias farmacêuticas, a
farmacocinética de compostos candidatos pode ser medida até mesmo antes de quaisquer testes de
eficácia terapêutica contra tumores xenoenxertados; aqueles mostrando uma farmacocinética po-
bre em animais de laboratório são freqüentemente eliminados de testes futuros. O descarte de tais
drogas pode ser ocasionalmente prematuro, dadas as grandes diferenças entre as velocidades de
metabolismo e excreção de drogas entre roedores e humanos.)
De fato, a Figura 16.19 revela um segundo atributo de uma droga – a sua farmacodinâmica (PD)
– nesse caso, aquela do Gleevec. A farmacodinâmica estima a habilidade de uma droga em afetar
uma função bioquímica alvo em um tumor sob tratamento. Na PD apresentada nessa figura,
como é de prática, um marcador substituto da função Bcr-Abl alvo foi medido – o comporta-
mento do receptor Kit. Como leremos com maiores detalhes, Kit é uma das várias tirosinas cinases
afetadas por Gleevec, e as suas respostas à droga presumivelmente se comparam àquelas de Bcr-
Abl. A Figura 16.19 revela que a atividade de Kit nesse experimento foi inibida apenas brevemente
no momento em que a concentração mais alta da droga estava presente na circulação. Uma inibi-
ção transiente como essa – apenas uma fração de um ciclo celular – em geral é insuficiente para se
obter uma resposta biológica importante, como a morte das células tumorais.
Figura 16.19 Farmacocinética e
farmacodinâmica do Gleevec A
farmacocinética de uma droga representa a
cinética do seu acúmulo no plasma e o seu
desaparecimento deste, que, por sua vez,
acredita-se prover uma boa indicação das
concentrações da droga que as células
tumorias experimentam em um animal de
laboratório ou um paciente sob terapia. O
nível plasmático da droga Gleevec,
representado em uma escala logarítmica
(ordenada esquerda), flutua
dramaticamente após a injeção da droga
em um camundongo (curva azul). A sua
concentração está indicada aqui como um
múltiplo da concentração da droga
conhecida por inibir o disparo da tirosina
cinase do receptor Kit em 50% (i. e., o IC
50
deste agente). (O domínio tirosina cinase
do receptor do fator de crescimento Kit
também é um alvo de inibição por
Gleevec.) Como visto aqui, a quantidade de
fosfotirosina associada ao receptor Kit
(uma reflexão da atividade da tirosina
cinase Kit) expressado por células de
leucemia de mastócitos humanos
enxertadas (curva vermelha), que foi
inicialmente determinada como 100%, é
reduzida paraem animais, também serão tomadas, com o objetivo de verificar se a droga está alcançando as
células tumorais a uma concentração suficiente e durante um período extenso de tempo.
Ainda, essas medidas não dão indicação se as células cancerosas estão respondendo de alguma
forma – a propriedade da farmacodinâmica. Por exemplo, na Figura 16.21, observamos as
respostas farmacodinâmicas a tratamentos com antagonistas de receptores de EGF (que, nes-
se caso, incluem tanto um anticorpo monoclonal como um inibidor de tirosina cinase de
baixo peso molecular). Os oncologistas que se responsabilizaram por esse teste clínico em
particular gostariam de obter alguma medida sobre os efeitos de terapias sobre o EGF-R em
tumores de pacientes. Para fazer isso, eles escolheram usar, como marcador substituto, os
EGF-R de células da pele dos pacientes, que são monitorados com muito maior facilidade,
simplesmente coletando pequenas biópsias de pele de pacientes em tratamento.
FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA / 751
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max751
752 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Como visto na Figura 16.21A, a exposição de pacientes a um inibidor de EGF-R de tirosina
cinase resultou em uma forte supressão da sinalização de EGF-R na pele. Além disso, a ativi-
dade de MAP cinase, que funciona como um importante transdutor downstream da sinaliza-
ção de EGF-R (Seção 6.5), também foi suprimida, indicando a inibição com sucesso da
sinalização mitogênica downstream.
Resultados semelhantes foram observados em biópsias coletadas a partir de tumores de pa-
cientes com câncer de cólon, após o tratamento com um anticorpo monoclonal anti-EGF-R
(Figura 16.21B). Medidas farmacodinâmicas como essas reasseguram que o tratamento ad-
ministrado (nesse caso, um anticorpo monoclonal) está alcançando o seu alvo desejado em
concentrações suficientes para desligar muito da atividade dele.
De maneira interessante, várias das proteínas transdutoras de sinal que funcionam dowsntre-
am de EGF-R, incluindo Akt/PKB, foram suprimidas apenas de forma mínima no tumor do
cólon (Figura 16.21B), indicando que as células tumorais adquiriram meios alternativos para
ativar aquelas moléculas sinalizadoras. Portanto, as medidas farmacodinâmicas asseguram
que uma pré-condição de sucesso terapêutico – entrega do agente terapêutico para as células
e moléculas alvo – foi satisfatória, mas não garante, por si só, que a terapia terá sucesso, já que
outros fatores podem frustrá-la.
Quando juntas, as medidas de dose de tolerância máxima (MTD), a farmacocinética
(PK) e a farmacodinâmica (PD) definem a janela terapêutica – o espectro de concentra-
ções que são mais altas do que as necessárias para obter o efeito terapêutico e mais baixas
do que a dose máxima tolerada (Figura 16.21C). Idealmente, a janela terapêutica de
uma droga deveria ser ampla de modo a permitir aos clínicos alguma flexibilidade na
administração da droga, ajustando a dosagem ao paciente e a condição a ser tratada. À
medida que a janela terapêutica se estreita, a probabilidade de a droga candidata se tor-
nar clinicamente útil diminui.
Ocasionalmente, os testes clínicos de Fase I, que em geral são realizados com grupos muito
pequenos de pacientes voluntários, que falharam com outras terapias disponíveis, podem
revelar algumas respostas favoráveis em termos de regressão tumoral ou paradas de um cres-
cimento maior do tumor, fazendo isso a baixos níveis aceitáveis de toxicidade. Entretanto,
mesmo que haja pistas de eficácia clínica, os resultados positivos observados nos testes de
Fase I nunca são estatisticamente significativos e, assim, não são considerados como definiti-
vos. Ao contrário, esses testes são, na verdade, realizados para descobrir antecipadamente os
níveis de toxicidade e tolerância da dosagem da droga.
16.9 Testes de Fases II e III fornecem indicações creditáveis sobre
a eficácia clínica
Baixos níveis aceitáveis de toxicidade em um teste de Fase I encorajarão a testar a eficácia de
uma droga candidata em um teste de Fase II, no qual grupos maiores de pacientes com câncer
estão envolvidos. Nesse caso, pela primeira vez, decisões críticas devem ser tomadas sobre as
indicações para inscrever pacientes específicos no teste – isto é, qual tipo de tumor ou qual
estágio de progressão do tumor justificará o alistamento de pacientes em um teste como esse?
Algumas vezes, as indicações clínicas são óbvias. Por exemplo, como vimos anteriormente, os
efeitos de um agente contra a oncoproteína Bcr-Abl deveriam ser testados em pacientes diag-
nosticados com leucemia mielogenosa crônica (CML). Uma outra droga direcionada contra
a molécula receptora HER2/Neu deveria ser testada nos aproximadamente 30% dos pacien-
tes de câncer de mama cujas células tumorais superexpressam essa proteína. Agora um outro
agente – um inibidor de cinases Raf – pode ser testado em pacientes com melanomas avança-
dos, nos quais a molécula cinase Raf-B é freqüentemente (70% dos casos) mutante e ativada
constitutivamente. (De maneira interessante, em último caso, um inibidor B-Raf falhou em
parar efetivamente a proliferação de melanomas metastáticos, enquanto o seu uso em combi-
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max752
(A)
EGF-R
ativado
na pele
MAPK 
ativado
na pele
pré-tratamento pós-tratamento
(B)
EGF-R 
geral
pEGF-R
pAkt/PKB
dia 0 dia 43
(C)
ef
ic
ác
ia
janela
terapêutica
estimativa
da dose
máxima
tolerada
toxicidade
dosagem da droga aumentada
em escala logarítmica
nação com uma droga quimioterapêutica convencional gerou respostas dramáticas, embora
não-suficientes.)
Mais freqüentemente, a escolha de indicações não é nem racional nem a mais adequada. Qual
classe de pacientes de câncer deve ser tratada, por exemplo, com uma droga que atua como um
Figura 16.21 Medidas de farmacodinâmica
e determinação da janela terapêutica A
extensão da inibição de EGF-R em um
tumor pode, em princípio, ser estimada
pela medida dos efeitos do tratamento da
droga sobre EGF-R na pele; a última é
prontamente acessada por pequenas
biópsias de pele. Nos casos ilustrados
aqui, pacientes sob tratamento estavam
sofrendo de uma variedade de tumores,
incluindo carcinomas de ovário, pulmão,
cólon, próstata e cabeça e pescoço. (A)
Mostrados aqui estão os efeitos do
tratamento, de um paciente de câncer, com
Iressa, um inibidor de tirosina cinase EGF-R
de baixo peso molecular (veja a Figura
16.31). Os painéis superiores mostram
imuno-histoquímica usando um anticorpo
contra fosfo-EGF-R (marrom), isto é, a
forma ativada do receptor. Os painéis
inferiores usaram um anticorpo contra
fosfo_MAPK, a forma ativada dessa cinase.
Ambas as medidas dependem da
sinalização normalmente intensa que
ocorre nos queratinócitos presentes nos
folículos pilosos. (B) Os efeitos de um
anticorpo monoclonal anti-receptor EGF
(EGF-R) (chamado de EMD7200) foram
estimados por coloração imuno-
histoquímica de uma biópsia de carcinoma
de cólon. Neste caso, um tratamento de
longo prazo resultou em uma redução
mínima no nível geral do EGF-R (marrom) e
uma forte redução no nível do receptor
fosforilado (e, por isso, ativado) (marrom;
pEGF-R). A redução no nível de Akt/PKB
ativado, fosforilado (marrom; pAkt/PKB) foi
leve, e o paciente mostrou apenas uma
resposta parcial a essa terapia por
anticorpo, o que pode ter refletido essa
mínima redução da atividade de Akt/PKB
nas células tumorais. (C) Medidas de
farmacodinâmica como essas, unidas a
estudos de farmacocinética e toxicidade,
definem a janela terapêutica na qual uma
droga deve ser administrada – a escala das
concentrações que são eficazes sem gerar
um nível inaceitável de efeitos colaterais
tóxicos. (A e B, cortesia de J. Baselga.)
TESTES CLÍNICOS INICIAIS DE TOXICIDADE E EFICÁCIA / 753
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max753
754 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
indutor geral de apoptose em vários tipos de células cancerosas? Como uma droga direcionada
contra a cinase Akt/PKB antiapoptótica deveria ser usada na clínica? Iráuma droga anti-receptor
de EGF ser útil em carcinomas que expressam níveis elevados dessa proteína receptora? Como
veremos mais tarde neste capítulo, certos tipos de câncer que nunca seriam identificados pela
genética ou biologia molecular como alvos atrativos para o tratamento com drogas mostram-se,
ocasionalmente, muito suscetíveis a certas drogas sob desenvolvimento. Nesses casos, a utilidade
terapêutica de tais drogas é descoberta apenas por acaso.
(Dadas as maneiras arbitrárias pelas quais as indicações de tumores são escolhidas em vários
testes de Fase II, podemos nos surpreender como várias drogas candidatas, verdadeiramente
úteis, foram descartadas no passado simplesmente porque a boa sorte não as favoreceu no
esquema desses testes. Assim, uma droga pode ter uma eficácia espetacular contra carcinomas
gástricos, mas o seu efeito nunca é percebido, uma vez que ela é testada em testes de Fase II por
seus efeitos em carcinomas pancreáticos ou de pulmão, nos quais ela falha em mostrar qualquer
efeito útil e, por isso, é excluída de qualquer desenvolvimento futuro ou teste clínico.)
Se os testes de Fase II geram sinais claros de eficácia para tratar certos tipos de câncer com
uma droga candidata, os testes de Fase III, utilizados em populações de pacientes muito
maiores, serão começados. Estes testes são muito caros, mas, no final da contas, são críticos,
pois apenas eles podem mostrar, pela primeira vez, se qualquer resposta clínica relacionada a
uma droga é estatisticamente significativa. Os resultados desses testes normalmente se tor-
nam convincentes apenas se experimentos controle são realizados pelo tratamento de popu-
lações com a mesma quantidade de pacientes com uma outra terapia em paralelo, em geral
uma que já é licenciada e está em amplo uso. De modo importante, o licenciamento de uma
droga candidata para indicação específica de doença (nos Estados Unidos, pelo FDA, Food
and Drug Administration) em geral depende de se ela gera um benefício terapêutico que é
maior, de forma mensurável, do que o padrão existente de cuidado.
Pacientes em testes de Fase III em geral passaram por várias rodadas prévias de quimioterapia com
vários tipos de agentes citotóxicos, cada um acabando com recidivas e o surgimento de tumores
que são refratários (não-responsivos, insensíveis) a terapias estabelecidas. Além disso, esses tumores
freqüentemente são muito agressivos. Isso ajuda a explicar por que a barra de aprovação, pelo
FDA, de uma droga ou combinação de drogas não é tão alta, uma vez que as drogas em testes de
Fase III são destinadas a atacar os tipos mais difíceis de câncer. Assim, melhoras na qualidade de
vida dos pacientes ou a redução temporária de um tumor podem satisfazer mesmo sem melhoras
na sobrevivência em longo prazo.
Como uma ilustração disso, podemos citar o desenvolvimento de tratamentos atuais para o
câncer de pâncreas. Essa doença é um exemplo extremo, para ter certeza, na qual foi observa-
do que o tempo de sobrevivência por cinco anos (a partir do momento do diagnóstico inicial)
era consistentemente menor do que 4%. Gemcitabina (difluorodeoxicitidina), que é muito
empregado como terapia para carcinoma pancreático, recebeu aprovação inicial pelo FDA para
tratar esse tumor porque, em alguns pacientes, resultou em uma melhora nos sintomas, ganho de
peso e uma estabilização temporária no crescimento do tumor, embora ofereça apenas um modes-
to aumento no tempo de sobrevivência após o diagnóstico da doença: pacientes tratados com
gemcitabina tiveram um tempo de sobrevivência médio de 5,65 meses comparado àqueles para os
quais foi dado o tratamento-padrão – 5-fluorouracil (5-FU), que deu um tempo médio de sobre-
vivência de 4,41 meses (Figura 16.22). Essas histórias e similares revelam o quão desesperada é a
necessidade de meios verdadeiramente efetivos de tratar tumores sólidos. Ela também ilustra o
fato que as exigências do FDA para aprovar agentes anticâncer são muito menos severas do
que pra outras situações de doença, em que uma eficácia muito maior é necessária para obter
o licenciamento de novas drogas.
Apesar de tudo, mesmo com essas exigências regulatórias relativamente modestas, as outras
complicações do desenvolvimento de drogas descritas aqui mantêm a velocidade dos sucessos
atuais para o desenvolvimento de drogas anticâncer extremamente baixa. É possível uma dro-
ga em centenas tenha avançado todo o caminho pelo “túnel’ do desenvolvimento de drogas, a
partir dos testes in vitro, pelos testes de Fase III, que culminam em algum claro melhoramento nas
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max754
respostas do paciente e licenciamento pelo FDA. (Depois de ter ocorrido o licenciamento, um
teste de Fase IV pode ser conduzido para determinar como uma droga recentemente introdu-
zida se compara com outras drogas usadas com indicações similares, como alguns subgrupos
de pacientes respondem à droga e se preocupações sobre a segurança da droga finalmente
emergem a partir do seu uso em populações muito grandes de pacientes.)
16.10 Tumores com freqüência desenvolvem resistência a terapias
inicialmente efetivas
Uma complicação que segue todas as drogas anticâncer é ilustrada pelo comportamento do
camundongo transgênico HER2/neu, no qual o mutante transgene oncogênico foi progra-
mado para induzir tumores mamários com uma programação previsível e pode ser desativado
depois disso. Enquanto tumores de mama primários e metástases induzidas por transgene
colabaram quando o transgene HER2/neu foi desativado, novos tumores apareceram nova-
mente na maioria desses camundongos entre 1 e 9 meses mais tarde (veja a Tabela 16.1).
Esses tumores claramente representam variantes dos observados inicialmente que desenvol-
veram meios alternativos de propulsar o seu crescimento – isto é, se tornaram independentes
da expressão do oncogene HER2/neu.
Como vimos no Capítulo12, os genomas mutáveis, instáveis, das células do câncer continua-
mente geram novos alelos e novas configurações genéticas. Células cancerosas em desenvolvi-
mento podem ser exigentes entre essas variações genéticas, procurando por combinações que
melhorem a sua habilidade para sobreviver e proliferar. Nesse exemplo HER2/neu, o número
relativamente pequeno de células cancerosas que sobreviveram à desativação do oncogene
parecem ter perdido meses desde então esperando por oncogenes recentemente surgidos (ou
outros alelos causadores de câncer) nos seus genomas que podem permitir que elas recome-
cem o seu programa de proliferação agressiva. As raras células que conseguiram adquirir essa
mudança genética/epigenética nova iniciaram a expansão de forma clonal que levou aos tu-
mores recidivos.
Uma dinâmica similar complica quase todos os tipos de terapias de câncer, na qual sucessos
clínicos iniciais na redução de populações de células tumorais são normalmente seguidas pelo
ressurgimento de populações de células tumorais em pacientes que, por um meio ou outro,
desenvolveram resistência ao tratamento inicial, adquirindo assim um novo prazo de vida.
Por exemplo, uma variedade de tumores humanos que ocorrem comumente, incluindo de
mama, pulmonar de pequenas células e carcinomas de ovários, respondem bastante, no iní-
cio, a drogas citotóxicas que em geral são utilizadas na quimioterapia, mas, depois de um
Figura 16.22 Gemcitabina como tratamento
para câncer pancreático Este gráfico de
Kaplan-Meier ilustra a alta mortalidade
gerada pelo câncer pancreático. Pacientes
tratados com gemcitabina (GEM) viveram
um pouco mais do que aqueles tratados
com 5-fluorouracil (5-FU) – o padrão de
tratamento na década de 1990. Os dois
agentes são derivados de pirimidina, cuja
citotoxicidade deriva de sua capacidade de
inibir a síntese de DNA, em parte pela
incorporação errada no DNA. (5-FU
também interfere na biosíntese de
pirimidina.) Como é visto, o tratamento com
gemcitabina ofereceu apenas um modesto
incremento na sobrevivência dos pacientes
nesse estudo reportado em 1997, mas,
apesar disso, esse efeito foi o bastante
para permitir a suaaprovação pelo U.S.
Food and Drug Administration. (A partir de
H.A. Burris 3rd, M.J. Moore, J. Andersen et
al., J. Clin. Oncol. 15:2403-2413, 1997.)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
%
 p
ac
ie
nt
es
 s
ob
re
vi
ve
nt
es
tempo de sobrevivência (meses)
carcinoma pancreático
GEM
5-FU
RESISTÊNCIA ADQUIRIDA A TERAPIAS ANTI-CÂNCER / 755
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max755
756 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
tempo, se tornam refratários a tratamentos com drogas e, por isso, reincidem, como sugerido
antes. Grande parte dessa resistência adquirida é atribuída à plasticidade genética e, portan-
to, fenotípica das populações de células cancerosas.
Os mecanismos adquiridos de resistência a drogas são bastante variáveis e ilustram a perspi-
cácia das células cancerosas no planejamento de várias manobras para evitar a morte por
drogas quimioterapêuticas. Como indicado na Tabela 16.2, alguns desses mecanismos envol-
vem a perda da habilidade para “importar” moléculas de drogas pela membrana plasmática
ou uma habilidade adquirida para bombear moléculas de drogas para fora através dessa mem-
brana. Outros dependem de uma habilidade adquirida para metabolizar moléculas de dro-
gas, em alguns casos usando as mesmas classes de enzimas que são importantes na detoxifica-
ção de outros tipos de compostos tóxicos que entraram na célula (Seção 12.6). As células
também podem neutralizar componentes da sua maquinaria apoptótica ou podem adquirir
uma habilidade maior de reparar moléculas de DNA danificadas por quimioterápicos ou por
radiação.
Esses comportamentos representam uma mudança geral em todos os tipos de terapia antitu-
mor. A única solução clara para as manobras evasivas tomadas por células cancerosas deriva
do fato de que a maioria dos mecanismos de resistência é adquirida a uma probabilidade
relativamente baixa por geração de células. Como conseqüência, aplicando duas drogas não-
relacionadas simultaneamente, a probabilidade das populações de células tumorais em gerar
variantes que podem sobreviver a esse ataque duplo é grosseiramente igual ao quadrado da
probabilidade de adquirir resistência a um único agente, e a probabilidade de sobreviver a
uma terapia tripla deveria ser o cubo dessa baixa probabilidade, etc.
Entretanto, mesmo essas estratégias de terapia com múltiplas drogas são freqüentemente
despistadas pelas células cancerosas, que desenvolvem estratégias potentes para evitar a mor-
te, como a aquisição de resistência a múltiplas drogas (MDR). Por exemplo, o alto nível de
expressão do gene MDR1, que codifica para uma bomba transmembrana de efluxo de dro-
gas, permite que as células cancerosas excretem de maneira eficiente uma variedade de drogas
não-relacionadas quimicamente, diminuindo assim a concentração da droga intracelular para
níveis subtóxicos (Figura 16.23). De forma similar, a inativação de certas partes da maquina-
ria apoptótica também pode conferir resistência concomitante a vários agentes citotóxicos
distintos. Apesar dessas complicações, existe um consenso geral entre os desenvolvedores de
drogas de que as monoterapias envolvendo ou drogas de baixo peso molecular ou moléculas
biológicas provavelmente não curarão a maioria dos tipos de câncer e de que terapias efetivas
com múltiplos agentes devem ser desenvolvidas se curas duráveis forem alcançadas no futuro.
Tabela 16.2 Exemplos de Mecanismos de Resistência a Drogas desenvolvidos por Tumores
Mecanismo geral Exemplo
(A) Mecanismos baseados em células
Acúmulo intracelular da droga diminuído superexpressão da glicoproteína P, bomba de efluxo multidrogas
Ativação da droga diminuída ativação metabólica diminuída da pró-droga pela perda da expressão de um
citocromo P-450
Inativação aumentada da droga ou dos intermediários tóxicos aumento da nucleosídeo deaminase que inativa análogos de nucleosídeos,
aumento na detoxificação da glutationa-S-transferase (GST)
Reparo aumentado do dano induzido pela droga reparo aumentado das ligações cruzadas do DNA induzidas por cisplatina,
uma droga quimioterapêutica
Resistência aumentada a toxicidade induzida pela droga inativação das respostas apoptóticas pela mutação de p53 ou
superexpressão de Bcl-2
Alvos da droga alterados (quantitativa ou qualitativamente) superexpressão de Bcr-Abl, alteração da fenda catalítica de Bcr-Abl
(B) Mecanismos dependentes do hospedeiro
Barreiras anatômicas a drogas (santuários de tumores) crescimento de tumor no cérebro atrás da barreira hematoencefálica, ou em testes
Interações hospedeiro-droga: inativação aumentada detoxificação da droga quimioterapêutica ciclofosfamida no fígado
da droga por tecidos normais
Interações hospedeiro-droga: ativação diminuída da droga ativação diminuída da ciclofosfamida no fígado
por tecidos normais
Adaptada de J. Moscow, C.S. Morrow and C.H. Cowan, in J. Holland and E. Frei (eds.), Drug Resistance and its Clinical Circumvention in Cancer Medicine, 6th ed.
Hamilton, ON: B.C. Decker, 2003.
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max756
Com essas considerações em mente, estudaremos uma série de histórias ilustrativas nas
seções que seguem. Cada uma se refere a um tipo de droga e o seu alvo dentro das células
cancerosas. As histórias são arranjadas em uma ordem, começando com uma terapia
bem-estabelecida e terminando com uma especulativa que gera grande esperança, mas
ainda está longe de validação clínica. Em alguns casos, a terapia específica que foi desen-
volvida foi inspirada pelas descobertas de proteínas que funcionam mal dentro das célu-
las cancerosas; essas descobertas permitiram que o desenvolvimento de drogas fosse pros-
seguido lógica e metodicamente. Em outros casos, golpes de boa sorte ou saltos intuiti-
vos permitiram o desenvolvimento de compostos altamente ativos. Inevitavelmente, es-
sas histórias representam escolhas arbitrárias e desenhos a partir de um vasto grupo de
agentes sob investigação ou desenvolvimento atualmente. Elas representam os precurso-
res de um grande grupo de tais drogas que serão desenvolvidas e licenciadas para uso
clínico nos próximos anos.
16.11 O desenvolvimento do Gleevec ladrilhou o caminho para o
desenvolvimento de vários outros compostos-alvo
Nas seções anteriores, fizemos repetidas referências à oncoproteína Bcr-Abl e a estraté-
gias experimentais para antagonizá-la. Agora, voltaremos atrás e revisaremos parte da
história de como a oncoproteína Bcr-Abl foi descoberta e validada como um alvo para
droga atrativo e finalmente utilizada como objeto de desenho racional de drogas. Essa
história é valiosa, ainda que apenas para ilustrar o longo curso pelo qual o desenvolvi-
mento de uma droga passa desde o início da descoberta na bancada do laboratório até a
clínica oncológica.
Essa história em particular inicia em 1914, quando o citologista alemão Theodor Boveri
propôs que os defeitos cromossômicos poderiam fazer com que uma célula proliferasse anor-
malmente, resultando na formação de algum tipo de câncer. Quase a metade de um século se
passou antes que a idéia de Boveri recebesse alguma validação. Em 1960, dois citologistas que
trabalhavam na Filadélfia notaram que um Cromossomo 22 anormal, pequeno, de forma
rara estava presente caracteristicamente na grande maioria das células da leucemia mieloge-
nosa crônica (CML); desde esse momento, ele foi chamado de cromossomo Philadelphia ou
simplesmente Ph1. Passaram-se outros 12 anos antes que um pesquisador, em Chicago, de-
monstrasse que uma translocação recíproca entre os Cromossomos 9 e 22 era responsável por
criar o cromossomo Ph1 (primeiramente descrito na Seção 4.6). (Visto que um bloco maior
do Cromossomo 22 é doado para a ponta do Cromossomo 9 e este, por sua vez, doa um
pedaço menor para o Cromossomo 22, isso deixa o Cromossomo 22 ainda menor em tama-
Figura 16.23 Resistência a múltiplas
drogas e à glicoproteína P O gene MDR1
codifica para a glicoproteína P, a proteína
que com freqüência está presente em
níveis elevados nas células cancerosassendo tratadas com vários tipos de
quimioterapia. Glicoproteína P, cuja
estrutura é mostrada aqui, é uma proteína
transmembrana dependente de ATP de 170
kDa que pode bombear uma ampla
variedade de moléculas de droga para fora
das células. Ela é membro de uma ampla
família de moléculas transportadoras em
mamíferos, das quais 49 foram
descobertas até agora. As suas ações
parecem ser responsáveis pela aquisição
de resistência a drogas por uma variedade
de tipos de tumores humanos sob
tratamento com drogas quimioterapêuticas
de baixo peso molecular. (A partir de D.
Mahadevan a A.F. List, Blood 104:1940-
1951, 2004.)
espaço extracelular
efluxo da droga
citoplasma
canal
~45Å
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758 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
nho; este resto do 22 mais o pequeno segmento translocado é Ph1; veja a Figura 16.24A.) A
aberração cromossomal – claramente a conseqüência de uma mutação somática – foi propos-
ta como uma causa em potencial dessa malignidade. Como mencionado antes, agora sabe-
mos que essa translocação em particular está presente em mais de 95% dos casos de CML.
Os genes que foram fusionados por essa translocação permaneceram desconhecidos por outra
década. Finalmente, em 1982, biólogos moleculares descobriram que ABL, o homólogo humano
da oncoproteína c-abl de camundongo, participa diretamente dessas translocações cromossomais,
tornando-se fusionado com um segundo gene, ainda desconhecido. Logo observou-se que os
pontos de quebra desse outro gene (os sítios do cromossomo nos quais ele se fusiona ao gene ABL)
estavam espalhados por várias quilobases de DNA, gerando o nome “região de ponto de quebra de
grupamento” (breakpoint cluster region) ou simplesmente BCR. Na verdade, três proteínas de
fusão distintas surgem pela inclusão de proteínas Bcr de vários tamanhos no N-terminal das
proteínas de fusão com quase toda a proteína Abl no C-terminal (Figura 16.24). Como indicado
na figura, as diferentes proteínas de fusão tendem a ser associadas a tipos distintos de leucemia.
Dentro dos dois anos da sua descoberta, foi observado que a proteína Bcr-Abl funciona como
uma tirosina cinase ativada constitutivamente. A esse respeito, ela funciona como a oncopro-
teína Abl do vírus Abelson da leucemia de camundongo. O genoma desse retrovírus carrega
um oncogene abl derivado do proto-oncogene correspondente que reside no genoma do
camundongo normal.
Figura 16.24 Origem e estrutura da
proteína Bcr-Abl (A) Mais de 95% dos
casos de leucemia mielogenosa crônica
(CML) exibem o cromossomo Philadelfia,
que resulta de uma translocação recíproca
entre os Cromossomos 9 e 22. A região
q34 do Cromossomo 9, que carrega a
maior parte do gene ABL, é transferida para
a região q11 do Cromossomo 22,
deslocando um segmento maior do
Cromossomo 22 que é translocado
reciprocamente para o Cromossomo 9. O
resultado é o Cromossomo 22 truncado (i.
e., 22q-), que muitas vezes é chamado de
cromossomo Philadelfia (Ph1), e uma fusão
da porção 5´ do gene ABL com a porção
proximal 3´ do gene BCR, que
normalmente reside no 22q11. (B)
Dependendo da localização precisa do
ponto de quebra em BCR, três proteínas de
fusão Bcr-Abl distintas podem ser
formadas, as quais são encontradas em
ALL (leucemia linfoblástica aguda), CML e
CNL (leucemia neutrofílica crônica). Cada
um desses genes de fusão BCR-ABL
codificam para uma proteína de múltiplos
domínios (e assim, multifuncional). (A partir
de A.S. Advani and A.M. Pendergast, Leuk.
Res. 26:713-720, 2002.)
PH CalB NLS NLS NLSGap 
Rac
(A)
translocação 
recíproca
9
22
22q–
9q+
cromossomo
Philadelphia
BCR-22q11 ABL-9q34
(B)
BCR ABL
PXXP
N´ C´
p185 ALL
CML
CNL
p210
p230
NESSH1SH2SH3
DD semelhante
a Dbl
P-S/T
(ligadora
de SH2)
domínio TK
ligadora
de DNA
ligadora
de actina
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max758
Em 1990, um cDNA que codifica para a proteína de fusão Bcr-Abl foi introduzido em um
vetor retroviral, e então foi observado que o vírus resultante induz uma leucemia em camun-
dongos que se parece muito com a CML de humanos. Como na doença humana, essa leuce-
mia envolve grandes números de granulócitos totalmente diferenciados no sangue. Sob cer-
tas condições, a leucemia murina, como a sua contraparte humana, progrediu para uma
“crise blástica”, envolvendo o acúmulo de células imaturas das linhagens linfóide ou mielóide
(veja a Figura 12.4). Essas observações nos camundongos representaram a primeira prova
formal de que a proteína de fusão Bcr-Abl funciona como a força motiva central da leucemo-
gênese em CML.
Infelizmente, essa demonstração do papel crítico da Bcr-Abl não revelou nada sobre o meca-
nismo pelo qual ela funciona. A complexidade confusa da sinalização por Bcr-Abl é indicada
pelo arranjo diverso dos domínios estruturais e funcionais nas duas proteínas contribuintes
(veja a Figura 16.24B). Ao todo, os domínios presentes nessa proteína de fusão permitem
ativar a via Ras, a via PI3 cinase-Akt/PKB, a via Jak-STAT e os fatores de transcrição, incluin-
do Jun, Myc e NF-κB. Além disso, a proteína Rac semelhante à Ras, que regula atividades
diversas como migração celular, sobrevivência e proliferação, é ativada, como são as duas
tirosinas cinases não-receptoras, Hck e Fes (não-mostrado). Essas várias associações permi-
tem que a proteína Bcr-Abl estenda o seu alcance para quase todos os circuitos reguladores
que governam a proliferação e sobrevivência celular.
Apesar dessa complexidade, foi observado que o domínio tirosina cinase da Bcr-Abl, deriva-
do a partir da proteína proto-oncogene Abl, é um elemento-chave na leucemogênese. Por
exemplo, alterações sutis da proteína Bcr-Abl que inativaram a sua atividade catalítica de
tirosina cinase levaram à perda total da sua função transformante. No início dos anos 1990,
um programa de pesquisa foi iniciado para desenvolver antagonistas da atividade tirosina
cinase de Bcr-Abl, de baixo peso molecular. Surgiu uma droga, denominada de formas varia-
das – mesilato de imatinib, STI-571, Glivec e Gleevec (veja a Figura 16.10A) – que era capaz
de se ligar à fenda catalítica da tirosina cinase de Bcr-Abl. Como é o caso com todas as outras
cinases dessa família, a fenda está localizada entre os dois principais lobos da proteína cinase
(veja a Figura 16.10B).
Mesmo que o domínio cinase de Abl compartilhe cerca de 42% de identidade de ami-
noácidos com um grande número de outras cinases, foi observado que os efeitos inibitó-
rios do Gleevec sobre Bcr-Abl eram relativamente específicos (veja a Figura 16.15). Sub-
seqüentemente foi observado que outras quatro tirosinas cinases – aquelas pertencentes
aos receptores PDGF (α e β) e Kit, assim como a proteína Arg (gene relacionado a
Abelson) – também eram inibidas por Gleevec. Como conseqüência, essa droga, quando
utilizada em concentrações terapêuticas, parece ter como alvo apenas 4 das 90 tirosinas
cinases humanas. Como a maioria dos outros inibidores de cinase, a molécula de Gleevec
se associa com o bolsão de ligação a ATP do domínio cinase de Abl (veja a Figura 16.16).
Enquanto outros inibidores de cinase bloqueiam a ligação de ATP nessa fenda, Gleevec
funciona de forma diferente: ele se liga e estabiliza uma conformação cataliticamente
inativa dessa enzima.
Esse sucesso com Gleevec encorajou vários outros esforços para criar antagonistas de baixo
peso molecular de cinases, que se observou terem certas vantagens terapêuticas quando com-
parados com anticorpos monoclonais anti-receptores (Tabela 16.3). Além disso, esse sucesso
incentivou químicos farmacêuticos a tentar fazer inibidores de tirosinas cinases estritamente
específicos, alguns dos quais têm demonstrado uma especificidade extraordinária.
Por 1996, foi observado que o Gleevec era capaz de inibir o crescimento de células CML in
vitro, enquanto não tinha efeito sobre células normais da medula óssea. Mais especificamen-
te, a proliferação de células dependentes de Bcr-Abl poderia ser inibida a concentrações de
drogatão baixas quanto 40 nM, indicando uma alta afinidade do Gleevec pela fenda catalí-
tica do domínio tirosina cinase. (Células que dependem de Bcr-Abl para sobreviver podem
ser forçadas a entrar em apoptose pela inibição da função de cinase de Abl pelo Gleevec.) Os
testes clínicos iniciais, iniciados em 1998, revelaram remissões da doença em todos os 31
GLEEVEC E A HISTÓRIA DA CML / 759
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max759
760 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
pacientes de CML tratados, com apenas mínimos efeitos colaterais registrados, mesmo quan-
do administrado diariamente durante vários anos. Quatro anos mais tarde, 6 mil pacientes já
haviam entrado nos testes clínicos com Gleevec.
O tratamento de CML em estágio inicial (crônico) com Gleevec levou a uma resposta hema-
tológica em 90% dos casos: análises microscópicas de esfregaços de sangue revelaram uma
mudança profunda na composição celular do sangue (Figura 16.25A), e análises por PCR
revelaram uma diminuição extraordinária nos níveis de mRNA de BCR-ABL nas células do
sangue (Figura 16.25B). Em 50% dos casos, o cromossomo Philadelphia translocado não é
mais detectado por análises cariotípicas das células brancas de pacientes. Cerca de 60% dos
pacientes que já progrediram para uma crise blástica responderam ao Gleevec, mas eles geral-
mente reincidiram após um período de alguns meses.
Tabela 16.3 Poderes e defeitos de anticorpos anti-receptor contra inibidores de tirosina cinases de baixo peso molecular como agentes anticâncera
Molécula pequena Anticorpo
Alvo domínio tirosina cinase receptor ectodomínio
Especificidade +++ ++++
Ligação a maioria é rapidamente reversível receptor internalizado, regenerado apenas lentamente
Dosagem oral diariamente intravenosa, ≤ semanalmente
Distribuição nos tecidos mais completa menos completa
Toxicidade erupções, diarréia, pulmonar erupções, alergia
Citotoxicidade celular dependente não possivelmente
de anticorpo
aCortesia de N.J. Meropol e a partir de N. Damjanov e N. Meropol, Oncol. (Huntington) 18:479-488, 2004.
Figura 16.25 Medida das respostas ao tratamento com Gleevec (A) Os sucessos
do Gleevec no tratamento de pacientes com leucemia mielogenosa crônica (CML)
pode ser avaliado a partir de análises citológicas do sangue dos pacientes. Como
visto aqui, o tratamento com Gleevec converteu o esfregaço de sangue de um
estado no qual várias células de leucemia (grandes, núcleo escuro, acima) se
parecem com aquelas nas quais apenas granulócitos normais são visíveis (abaixo)
entre as células vermelhas do sangue. (B) Uma medida mais sensível e quantitativa
do sucesso terapêutico provém do uso de medidas quantitativas pela reação em
cadeia da polimerase (qPCR) do nível do mRNA de Bcr-Abl (que é inicialmente
transcrito de forma reversa antes da amplificação por PCR). Em um paciente não-
tratado (curva vermelha), 50% da amplificação máxima do gene mediada por PCR
são observados em torno do 29o ciclo de amplificação gênica (na qual cada ciclo
resulta na duplicação da seqüência amplificada). Entretanto, depois do tratamento
com Gleevec (curva azul), um grau comparável de amplificação somente é
alcançado em torno do 39o ciclo (seta azul), indicando que as células que estão
expressando o RNA de Bcr-Abl estão presentes em um nível que foi reduzido por
um fator de aproximadamente 210. Ensaios baseados em PCR podem detectar tão
pouco quanto uma célula CML dentre 105 a 106 células sangüíneas vermelhas
normais. (A e B, cortesia de B.J. Druker.)
–0,1
0,0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0 4 8 12 16 20 24 28 32 36 40 44
(A)
antes do tratamento
após o tratamento
(B)
pr
od
ut
o 
de
 P
C
R
cópias do RNA de Bcr-Abl molde
no sangue após o tratamento
cópias do RNA de Bcr-Abl molde
no sangue antes do tratamento
número do ciclo da PCR
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max760
Estudos iniciais indicaram que os pacientes normais de fase crônica sob tratamento correm
um risco de cerca de 10% ao ano de reincidir pela progressão para uma fase de crise de CML;
os índices de reincidência de pacientes recentemente diagnosticados, que em geral estão em
um estágio inicial da progressão da doença, podem ser tão baixos quanto 5% ao ano.
Os mecanismos moleculares que permitem que as células tumorais finalmente escapem da
inibição por Gleevec são interessantes, uma vez que eles projetam uma luz adicional sobre a
oncoproteína Bcr-Abl e sua ação e, mais geralmente, revelam como as células cancerosas
podem adquirir resistência a drogas altamente específicas. Análises das seqüências BCR-ABL
nos tumores de pacientes com a doença reincidente resistente a Gleevec revelaram que 29 dos
32 tumores abrigavam mutações no gene BCR-ABL; no total, isso gerou substituições de 13
resíduos de aminoácidos distintos no domínio da cinase. (Uma outra dúzia foi catalogada em
estudos subseqüentes.)
Algumas dessas mutações previnem que Gleevec se ligue à fenda catalítica ou interferindo
diretamente em sua ligação ou, menos diretamente, pela criação de uma mudança estereo-
química na oncoproteína (Figura 16.26A e B). Em uma minoria de pacientes, a resistência a
Gleevec foi alcançada pela amplificação do gene BCR-ABL nas suas células leucêmicas, ge-
Figura 16.26 Aquisição de resistência ao Gleevec por células CML A
habilidade do Gleevec em inibir a atividade de Bcr-Abl cinase altera
dramaticamente as recidivas e a resistência adquirida ao tratamento por
drogas. (A) Neste caso, a atividade de cinase foi medida em células de
leucemia isoladas pelo grau de fosforilação de Crkl, uma proteína que é
um bom substrato para fosforilação por Bcr-Abl. No início da terapia, a Bcr-
Abl cinase (em células de leucemia cultivadas) sofreu cerca de 50% de
inibição na presença de aproximadamente 0,1 μM de Gleevec em dois
pacientes (triângulos azuis, círculos azuis). Entretanto, depois que os
pacientes desenvolveram resistência ao Gleevec, cerca de 8 μM de
concentração da droga foram necessários para inibir a Bcr-Abl cinase de
um paciente (triângulos vermelhos), enquanto o outro paciente era
totalmente resistente à droga (círculos vermelhos). (B) A molécula de
Gleevec é capaz de se encaixar fortemente em uma cavidade molecular
criada, em parte, por um resíduo de treonina (azul) na posição 315 da
proteína Bcr-Abl tipo selvagem (esquerda; veja também a Figura 16.10C).
Entretanto, em uma Bcr-Abl mutante encontrada em células de leucemia
de um paciente resistente a Gleevec (direita), esse resíduo de treonina foi
substituído por uma isoleucina (marrom), que faz uma protuberância para
dentro da cavidade de ligação à droga e interfere na inserção de Gleevec
nessa cavidade. (C) O número de cópias do gene BCR-ABL nas células
leucêmicas de pacientes foi medido aqui usando hibridização fluorescente
in situ (FISH). Os núcleos são visualizados em azul, as seqüências de ABL
em vermelho e as seqüências de BCR em verde. Amarelo indica uma
sobreposição das sequências de ABL e BCR, isto é, sítios do gene
fusionado criados pela translocação cromossomal. Os níveis do gene
fusionado (amarelo) no início da terapia (esquerda) eram bastante baixos,
mas, à medida que o tratamento iniciou (da esquerda para direita), os
níveis da proteína fusionada (e, assim, da proteína de fusão Bcr-Abl)
aumentaram progressivamente até que a leucemia do paciente se
tornasse resistente ao tratamento por Gleevec. Neste paciente em
particular, a resistência a Gleevec foi adquirida pelas células tumorais
porque a proteína de fusão se tornou superexpressa, fazendo com que a
concentração terapêutica normal de Gleevec não fosse suficiente para se
ligar e inativá-la. (A partir de M.E. Gorre, M. Mohammed, K. Ellwood et al.,
Science 293:876-880, 2001.)
0,01 0,1 1,0 10
20
40
60
80
100
(A) (B)
%
 d
e 
C
rk
l f
os
fo
ril
ad
a
conc. de Gleevec (μM)
tipo selvagem
Thr 315
Gleevec
mutante T3151 (modelado)
Ile 315
(C)
curso do tratamento por Gleevec
RESISTÊNCIA ADQUIRIDA AO GLEEVEC / 761
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max761
762 / CAPÍTULO16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
rando níveis aumentados da oncoproteína que aparentemente não poderiam mais ser inibi-
das pelas concentrações de droga usadas para tratar os pacientes (Figura 16.26C).
Essas demonstrações de que a resistência adquirida ao Gleevec (Tabela 16.4) é normalmente
acompanhada por alterações estruturais da proteína Bcr-Abl ou superexpressão dela forne-
cem provas convincentes de que a habilidade do Gleevec para evocar respostas terapêuticas
pode ser atribuída diretamente aos seus efeitos sobre a proteína Bcr-Abl. Essa percepção
ocorreu em uma etapa anterior pela introdução de mutações aleatórias em um vetor que
codifica para a proteína Bcr-Abl, determinando, então, quais das formas mutantes resultan-
tes dessa proteína eram capazes de resistir à inibição por Gleevec (Figura 16.27). Tal estraté-
gia experimental, que utiliza células em cultura cujo crescimento e viabilidade são dependen-
tes de Bcr-Abl (veja a Figura 16.17), podem, a princípio, revelar o espectro completo de
alterações estruturais de Bcr-Abl que são capazes de restituir a sua resistência à inibição por
Gleevec. Os resultados dessa triagem deverão ser valiosos no futuro para entender os meca-
nismos moleculares da resistência adquirida a drogas.
Pesquisas subseqüentes também levaram à descoberta de que outros inibidores de cinases,
incluindo uma droga originalmente desenvolvida como um antagonista de Src, são bastante
efetivos em baixas concentrações (foi escrito. A campanha para converter o entendimento sobre as causas moleculares do câncer
em novas maneiras de curar a doença recém começaram. E assim nos deparamos com seus
primeiros tropeços.
16.1 O desenvolvimento e o uso clínico de terapias efetivas
dependerão do diagnóstico acurado da doença
Nos capítulos anteriores, repetidamente categorizamos os cânceres em termos de tecidos de
origem e estágios de progressão clínica. Quase sempre essas tarefas foram ditadas pela aparên-
cia dos tecidos normais e malignos sob o microscópio. Em algumas ocasiões, para ter certeza,
refinamos essas classificações pela descrição de certos marcadores moleculares (p. ex., expres-
são de HER2 em cânceres de mama) e as implicações que eles trazem para o prognóstico.
Mas, em geral, a histopatologia foi suprema nas nossas discussões, como ela o fez na prática
da clínica oncológica por mais da metade de um século.
Mesmo sem a percepção das origens moleculares dos cânceres humanos, se tornou cada vez
mais claro que os meios tradicionais de classificar os cânceres têm utilidade limitada. O
diagnóstico verdadeiramente útil deve informar ao clínico sobre a natureza nebulosa das
doenças e, mais importante, como cada entidade de doença responderá a vários tipos de
terapia. Como estudamos mais sobre cânceres humanos, percebemos que vários cânceres
humanos que tradicionalmente foram agrupados como exemplos de uma entidade de doença
única deveriam, de fato, ser separados em várias subcategorias distintas da doença. Isso ajuda
a explicar porque várias terapias anticâncer existentes usadas durante as últimas três décadas
têm tido tais baixos índices de sucesso. Esses índices de resposta também têm implicações
importantes para o desenvolvimento de novas drogas.
Para pacientes que carregam o subtipo de um tumor que responde a um tratamento em
particular, essa terapia pode ser considerada uma “bênção”, estendendo a vida e até oferecen-
do cura na ocasião. Para os pacientes restantes, uma terapia aplicada uniformemente não gera
efeitos clínicos positivos e pode desviar esses pacientes de receber outros tratamentos que
poderiam ser verdadeiramente eficientes. Possivelmente de forma mais grave, os tratamentos
anticâncer muitas vezes causam vários efeitos colaterais e alguns podem realmente aumentar
a incidência de cânceres secundários que surgem anos mais tarde. Por exemplo, no início dos
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728 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
anos 1980, pacientes com câncer de mama recebendo a então dose-padrão de ciclofosfamida
(uma droga quimioterapêutica que também é um agente alquilante) experimentaram um
aumento de 5,7 vezes no risco de desenvolver subseqüentemente uma leucemia mielogenosa
aguda (AML). (Protocolos atuais de tratamento usam uma dosagem diminuída da droga
resultam em uma incidência muito diminuída do tal câncer secundário.) Tudo isso aponta
para a grande necessidade de mais ferramentas de diagnóstico refinado – que possam predizer
exatamente a reação a várias terapias antitumor e evitar o uso de terapias quando elas não são
necessárias.
Em 2003, cerca de 192 mil cânceres de mama invasivos e 46 mil carcinomas de mama in situ
foram detectados nos Estados Unidos; foi predito que a doença comprometeria cerca de 40
mil vidas naquele ano. A grande maioria das pacientes com carcinomas mamários invasivos
foi tratada agressivamente com quimioterapia. Uma vez que o índice de morte ajustado pela
idade para câncer de mama nos Estados Unidos não mudou significativamente por quase
todo o século XX (Figura 16.2), durante um período em que as terapias mudaram de forma
drástica, isso sugeriu que uma grande proporção de carcinomas de mama invasivos que esta-
vam sendo diagnosticados – possivelmente mais do que três quartos – provavelmente não
causarão a morte da mulher que o carrega, mesmo sem a intervenção terapêutica, de maneira
semelhante aos cânceres de próstata, que são diagnosticados em vastos números no ocidente.
Como a triagem para o câncer de mama aumentou e o poder para detectar pequenos tumo-
res, antes não percebidos, melhorou (Figura 16.3), essa disparidade entre a incidência de
câncer de mama e mortalidade provavelmente crescerá.
Estatísticas como essas enfatizam a necessidade desesperadora de desenvolver marcado-
res moleculares que permitam aos oncologistas distinguir entre tumores que realmente
necessitam de um tratamento agressivo daqueles que podem ser ignorados ou monitora-
dos periodicamente para sinais de progressão. No caso de outros tipos de câncer, distin-
ções igualmente importantes também devem ser feitas, mas de uma maneira muito mais
amarga – entre aqueles cânceres que provavelmente mostrarão alguma resposta a terapia
e aqueles que não, nos quais um cuidado misericordioso dita que se deve deixar a doença
correr seu curso natural.
Arranjos de expressão gênica, do tipo descrito na Figura 13.18, mostram grandes promessas per-
mitindo que os clínicos estratifiquem os cânceres – classificá-los em subgrupos que têm proprie-
dades biológicas e prognósticos distintos. Esses arranjos de expressão gênica, muitas vezes referi-
dos como a ferramenta analítica chave da ciência da genômica funcional, permitem ao pesquisador
examinar os níveis de expressão de 10 mil ou até mesmo 20 mil genes distintos em uma prepara-
ção tecidual. Análises computadorizadas subseqüentes desses arranjos de expressão, usando bioin-
Figura 16.2 Incidência de câncer de mama
vs. mortalidade nos Estados Unidos A
incidência de câncer de mama ajustada
pela idade tem aumentado constantemente
durante as últimas décadas, enquanto a
mortalidade por essa doença esteve quase
que constante até o final do século XX,
quando começou a decair. A maior parte
do aumento na incidência parece ser
atribuída ao aumento da triagem, mas uma
pequena proporção pode ser devida a
mudanças reais do índice no qual a doença
ataca por causa das mudanças nas
práticas reprodutivas, nutrição, etc. (A partir
de A. Jemal, T. Murray, E. Ward et al., CA
Câncer J. Clin. 55:10-30, 2005.)
0
19
30
19
34
19
38
19
42
19
46
19
50
19
54
19
58
19
62
19
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19
70
19
74
19
78
19
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19
86
19
90
19
94
19
98
10
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30
40
50
60
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120
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de
 1
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00
incidência de câncer de mama e
mortalidade nos Estados Unidos
incidência
(iniciando em 1975)
mortalidade
ano da morte
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max728
formática, tornaram possível identificar um pequeno subgrupo desses genes cuja expressão (em
níveis caracteristicamente altos ou baixos) está correlacionada com um fenótipo biológico especí-
fico, resposta à droga ou prognóstico. Por exemplo, a expressão de um grupo de várias dúzias de
genes por um tumor pode ser suficiente para servir como um forte profetizador do seu grau de
progressão ou da sua associação com um ou outro subtipo de câncer.
No caso de cânceres de mama, existe uma necessidade notória para distinguir aqueles tumores
primários que provavelmente se tornarão metastáticos daqueles que permanecerão indolentes e,
portanto, provavelmente não irão se espalhar durante o tempo de vida do paciente. Tradicional-
mente, os principais parâmetros para um prognóstico que têm sido usados para predizer o curso
do desenvolvimento do tumor têm sido a idade do paciente, o tamanho do tumor, o estado dos
linfonodos da axila, o tipo histológico do tumor, o grau de patologia e o estado dos receptores
hormonais (i. e., a expressão dos receptores de estrogênio e de progesterona). Como esses fatores,
quando usados separadamente ou em combinação, não geram um prognóstico com um alto grau
de exatidão, a grande maioria das pacientes diagnosticadas com cânceres de mama primários nos
Estados Unidos tem sido tratada de forma agressiva, mesmo que apenas 15% delas alguma vez
desenvolverão uma doença metastática que ameace a vida.
O uso dos arranjos de expressão gênica e da bioinformática16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Além disso, completamente inesperado, a utilidade do Gleevec (e, portanto, de outros inibidores
de cinase que atuam de forma similar) pode ocasionalmente ser estendida muito além do trata-
mento das malignidades descritas aqui.
O claro sucesso de Gleevec representou a primeira validação para que o desenho racional de
drogas pudesse ter sucesso na produção de agentes que são muito úteis para tratar vários tipos de
câncer humano. O fato de que o Gleevec interfere em múltiplas tirosinas cinases foi inicialmente
visto como uma desvantagem dessa droga, uma vez que se receava que essa atividade mais ampla
levasse a efeitos colaterais não-aceitáveis. Entretanto, com a passagem do tempo, está ficando cada
vez mais claro que esses efeitos em múltiplos alvos podem se provar úteis para o tratamento de
certas malignidades. Assim, a viabilidade e proliferação de vários tumores depende das ações coor-
denadas de múltiplas tirosinas cinases, e a habilidade de atacar várias dessas simultaneamente pode
um dia vir a conferir grandes vantagens terapêuticas.
Figura 16.28 Inibidores reserva de Bcr-Abl
para pacientes com tumores resistentes a
Gleevec O fato de pacientes na fase aguda
(crise blástica) de CML freqüentemente
desenvolverem resistência a Gleevec (veja,
por exemplo, a Figura 16.26) estimulou o
desenvolvimento de inibidores alternativos da
tirosina cinase Abl. Um desses inibidores,
AMN107, está mostrado aqui (modelo de
espaço preenchido amarelo, figura em bastão
cor de laranja) em complexo com o domínio
tirosina cinase de Bcr-Abl, no qual também
estão indicados os sítios de várias
substituições de aminoácidos encontradas
nas formas mutantes de Bcr-Abl descobertas
nos tumores resistentes a Gleevec de
pacientes. (O número de esferas coloridas
em um sítio indica o número de átomos
presentes na cadeia lateral do aminoácido
substituído.) Formas mutantes de Bcr-Abl
resistentes a Gleevec que têm áreas de
substituições de aminoácidos com esferas
vermelhas são altamente sensíveis à inibição
por AMN107. Um mutante de Bcr-Abl com
substituição de aminoácido no sítio indicado
com esferas cor de laranja (i. e., F359) mostra
sensibilidade moderada à inibição por
AMN107, enquanto variantes mostrando
baixa sensibilidade à inibição por AMN107
carregam substituições de aminoácidos
mostrados em verde-claro (p. ex., Y253). Uma
forma mutante de Bcr-Abl resistente a
Gleevec é também totalmente resistente a
AMN107 (esferas azuis, resíduo T315).
(“M244” indica que o resíduo normalmente
presente na posição 244, que pode ser
valina, não-mostrado, foi substituído por uma
metionina; etc.) (A partir de T. O´Hare, D.K.
Walters, E.P. Stoffregen et al., Cancer Res.
65:4500-4505, 2005.)
M244
E255
F317
G250
Y253
Q252
L387
V379 H396
M351
F359
F311
T315
baixa
sensibilidade
resistência
total
sensibilidade
moderada
AMN107
Figura 16.29 O uso de Gleevec para tratar
tumores do estroma gastrintestinal O fato de
que o Gleevec também mostra atividade
inibitória contra a função de tirosina cinase do
receptor Kit sugere que ele possa ser útil
contra tumores do estroma gastrintestinal
(GISTs), nos quais receptores Kit mutantes
ativos de forma constitutiva são comumente
encontrados. Como visto aqui, este GIST do
paciente (massa vermelha, região pélvica,
imagem da esquerda), que foi visualizado por
causa da ingestão de um análogo de glicose
marcado, respondeu dramaticamente ao
tratamento com Gleevec (imagem da direita).
(A marcação residual após o tratamento
reflete o acúmulo de corante marcado na
bexiga do paciente.) Infelizmente, com o
passar do tempo, a maioria dos GISTs
desenvolvem resistência a Gleevec, de forma
que 2,5 anos depois de iniciar o tratamento,
cerca de 75% dos tumores não mais
respondem bem ao tratamento com Gleevec.
(Cortesia de G.D. Demetri.)
antes de Gleevec
GIST
pélvico
massivo
1 mês após
bexiga
normal
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max764
Infelizmente, a existência de células-tronco tumorais limita a utilidade do Gleevec. Lembre
que a pesquisa sobre cânceres humanos, incluindo tumores hematopoiéticos, carcinomas de
mama e tumores de cérebro, revelou que essas células-tronco tumorais freqüentemente cons-
tituem apenas uma pequena proporção (oposto, drogas candidatas que matam apenas as células am-
plificadoras transitórias criam a ilusão de sucesso: enquanto um tumor en-
colhe substancialmente em resposta ao tratamento, ele irá recomeçar rapi-
damente uma vez que o tratamento for cessado (veja a Figura 16.30). Isso
às vezes é chamado de “efeito dandelion” (ou dente de leão), referindo-se ao
rápido ressurgimento de ervas daninhas em um campo após a ceifa, que
corta as suas folhas, mas deixa as suas raízes intactas.
Apesar de tudo, se uma droga como o Gleevec tem sucesso em
gerar remissões clínicas que são duradouras durante vários anos, a sua
incapacidade de matar as células-tronco de CML pode representar uma
limitação aceitável. De qualquer forma, Gleevec representa o principal
triunfo no desenvolvimento de drogas anticâncer, pois é muito supe-
rior a todos os tratamentos alternativos dessa doença, de outra forma
inexoravelmente progressiva.
ANTAGONISTAS DE EGF-R COMO AGENTES ANTI-CÂNCER / 765
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max765
766 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
mento e testes na clínica. O mesmo não pode ser dito para a classe de drogas desenhadas para
inibir o receptor do fator de crescimento epidermal (EGF-R). Carcinomas são tumores co-
muns, e acredita-se que esse receptor tenha um papel-chave no desenvolvimento de pelo
menos um terço deles, sendo freqüentemente superexpresso.
Foi observado que ao menos seis ligantes distintos relacionados a EGF, incluindo o próprio
EGF, se ligam e ativam o EGF-R. Isso significa que, mesmo naqueles carcinomas nos quais o
EGF-R está presente, mas não superexpresso, ele pode, apesar de tudo, emitir sinais oncogê-
nicos críticos pela ação de alças ativas de sinalização autócrina ou parácrina dirigidas pela
presença de um ou mais dos seus ligantes. Além disso, nos carcinomas de mama que superex-
pressam o recepetor HER2/Neu, as ações oncogênicas dessa proteína podem depender da
sua habilidade para formar heterodímeros com seu primo, o EGF-R; em tais heterodímeros,
o EGF-R pode fosforilar HER2/Neu, ativando assim a sinalização pelo último.
Os inibidores melhor caracterizados da tirosina cinase de EGF-R são as drogas Iressa, também
conhecida como gefitinib e ZD1839, e Tarceva, também chamada de erlotinib e OSI-774 (Figura
16.31A). As duas drogas têm propriedades muito similares, mas não idênticas, e ambas foram
mencionadas em várias seções anteriores neste capítulo. Essas duas drogas atuam pelo bloqueio do
sítio de ligação a ATP da cinase associada ao receptor (Figura 16.31B; veja também a Figura 16.14).
Uma vez que as células cancerosas são privadas da sinalização por receptores pela inibição do
EGF-R, elas deveriam perder o privilégio dos fortes sinais mitogênicos e antiapoptóticos
emitidos por esse receptor. Por exemplo, em vários tipos de células epiteliais, o disparo con-
tínuo de EGF-R sustenta a expressão de Bcl-XL (o primo potencialmente antiapoptótico de
Bcl-2) e, atuando via MAPK, dirige a fosforilação e a inativação funcional, acompanhante,
da proteína pró-apoptótica Bad.
Como Iressa e Tarceva têm como alvo um receptor da superfície celular, a sua utilidade terapêutica
deve ser comparada com aquela dos anticorpos monoclonais que também afetam o seu receptor
(Barra lateral 15.4). Em princípio, esses compostos de baixo peso molecular deveriam ser capazes
de penetrar em todos os interstícios de um tumor sólido, incluindo aqueles em que as moléculas
de anticorpos, muito maiores, podem ter problemas no acesso (Tabela 16.3). Além disso, normal-
mente é muito mais fácil e de menor custo produzir compostos de baixo peso molecular em escala
industrial do que gerar grandes quantidades de anticorpos monoclonais.
Figura 16.31 Iressa e Tarceva (A) Os dois
antagonistas do receptor de fator de
crescimento epidermal (EGF-R) são
construídos a partir de um esqueleto
comum de anilinoquinazolina, que confere
a eles uma afinidade ao sítio de ligação de
ATP do receptor tirosina cinase. Os grupos
químicos laterais que estão ligados a esse
esqueleto têm efeitos biológicos, uma vez
que as duas drogas têm eficácias
diferentes no tratamento de, por exemplo,
carcinomas pulmonares de células não-
pequenas (NSCLCs). (B) Iressa, também
chamada de ZD1839, se liga a uma região
muito similar da tirosina cinase de EGF-R,
como faz o Tarceva (veja a Figura 16.14).
Uma vista ampliada (esquerda) do sítio de
ligação da droga do domínio da tirosina
cinase de EGF-R (direita) é mostrada aqui,
com a molécula da droga mostrada como
uma figura em bastão colorida. Essa
ligação é tão forte que 50% da inibição da
atividade da enzima TK são conseguidos
com uma concentração de cerca de 0,030
μM. (B, cortesia de A.C. Kay, AstraZeneca.)
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N
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O
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(A)
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Iressa
Tarceva
esqueleto de
anilinoquinazolina
(B)
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max766
Agora existem outras possíveis vantagens de inibidores de tirosinas cinases de baixo peso
molecular. Por exemplo, como lemos, em vários carcinomas humanos, formas truncadas de
EGF-R, que não têm o ectodomínio normalmente presente, são expressas; esses EGF-Rs
mutantes podem sinalizar de maneira constitutiva independente de ligante e, por isso, po-
dem funcionar como oncoproteínas potentes (Figura 5.11). Similarmente, cerca da metade
dos gliomas de alto grau (i. e., avançados), chamados glioblastomas multiformes (GBM),
exibem superexpressão de EGF-R, e, desses, cerca de 40% apresentam uma forma do recep-
tor que não tem os ectodomínios especificados pelos éxons 2 até o 7 da seqüência codificante
de EGF-R. Tais receptores decapitados não podem ser ligados pelos anticorpos monoclonais
(MoAbs) que foram desenvolvidos para reconhecer epítopos antigênicos presentes no ecto-
domínio da proteína receptora normal. Entretanto, essas aberrações não deveriam desviar os
inibidores de baixo peso molecular de tirosina cinase, que têm como alvo o domínio citoplas-
mático emissor de sinal do receptor.
Pesando contra essas drogas, estão as suas propriedades farmacocinéticas: compostos como
Iressa podem ter tempos de vida na circulação que são freqüentemente medidos em horas ou
dias, enquanto os anticorpos monoclonais podem persistir por semanas na circulação. Como
é o caso com todos os agentes como esse, medidas extensivas da concentração em estado
estacionário do Iressa na circulação foram adquiridas com o objetivo de assegurar uma dosa-
gem adequada para as células tumorais in vivo (Figura 16.32). Quando tomadas diariamente,
foi observado que as concentrações efetivas eram mantidas com meias-vidas da droga de 40
horas ou mais.
Iressa tem uma atividade cerca de 50 vezes mais potente contra tirosinas cinases associadas a
EGF-R do que contra inúmeras outras tirosinas cinases que foram testadas (veja, por exem-
plo, a Figura 16.16B), e o seu uso inicial na oncologia clínica foi razoavelmente encorajador.
Nos primeiros testes clínicos, 10% dos pacientes com carcinomas pulmonares de células não-
pequenas (NSCLCs) mostraram respostas parciais à droga, incluindo a estabilização do cres-
cimento tumoral da doença; esses pacientes tiveram a tendência de serem mulheres, não-
fumantes e com o subtipo bronquioalveolar de câncer de pulmão. Um estudo paralelo no
Japão observou um índice muito mais alto (27%) de respostas parciais a Iressa; essa diferença,
que continua a ser observada, parece representar uma diferença na constituição genética das
populações japonesa e branca. (Os tumores classificados como NSCLCs têm representado
doenças difíceis de serem tratadas, uma vez que 15% dos pacientes sobrevivem durante cinco
anos após o diagnóstico inicial.)
Figura 16.32 Farmacocinética do Iressa Em
um teste de Fase I do Iressa,
concentrações da droga em estado
estacionário no plasma foram alcançadas
depois de sete dias de dosagem diária.
Houve uma variabilidade substancial entre
os pacientes nas concentrações de estado
estacionário alcançadas pelas doses
diárias diferentes (círculos vermelhos); a
média geométrica da concentração dentrodesse grupo está indicada pelos círculos
azuis. A concentração de Iressa necessária
para inibir 90% da proliferação das células
KB do carcinoma epidermóide humano (i.
e., IC
90
) crescidas in vitro é dada pela linha
pontilhada (~100 ng/mL). Portanto, até
mesmo a mínima dose clínica administrada
produziu concentrações médias mais altas
no plasma. Doses diárias de 250 e 500 mg/
dia (setas) foram, por fim, escolhidas para
os testes subseqüentes de Fase II. (A partir
de R.S. Herbst, A.M. Maddox, M.L.
Rothenberg et al., J. Clin. Oncol. 20:3815-
3825, 2002.)
1.600
1.400
1.200
1.000
800
600
400
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100 200 300 400 500 600 700 800
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no
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L)
IC 
90 do crescimento
celular in vitro
(linhagem celular KB)
dose diária de Iressa (mg)
médias geométricas das concentrações de pacientes individuais
médias geométricas das concentrações por nível da dose
ANTAGONISTAS DE EGF-R COMO AGENTES ANTI-CÂNCER / 767
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max767
768 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Esses resultados foram gratificantes, mesmo por terem apenas representado respostas claras
em pacientes que de outra forma teriam poucas, se alguma, alternativas de tratamento. En-
tretanto, as ações sinergísticas esperadas de Iressa com agentes quimioterapêuticos padrão
não proveram qualquer vantagem na sobrevivência sobre a quimioterapia-padrão sozinha
para o tratamento de tumores NSCLC, que constituem quase 80% dos casos de câncer de
pulmão nos Estados Unidos. Quando utilizado sozinho, Tarceva (mas não Iressa) aumentou
o tempo de sobrevivência geral dos pacientes cujos NSCLCs se tornaram refratários ao trata-
mento por drogas quimioterapêuticas padrão.
Algumas lições importantes foram aprendidas a partir desses testes iniciais, as quais podem
melhorar as respostas em testes clínicos subseqüentes dessas e de outras drogas similares:
primeiro, a contribuição específica do EGF-R para o crescimento do tumor sob tratamento
não foi documentada. Portanto, índices de resposta muito maiores podem ter resultado a
partir da estratificação dos pacientes de NSCLC e limitado o uso de Iressa apenas para aque-
les tumores que têm assinaturas moleculares específicas.
Segundo, a possível contribuição de outras proteínas mutantes para a sinalização mitogênica
e antiapoptótica não foi avaliada. Existe evidência, por exemplo, de que tumores negativos
para PTEN (que têm a via da cinase PI3 hiperativa; veja a Seção 6.6) não respondem a Iressa,
e de que inibidores de Akt/PKB (o beneficiário downstream da inativação de PTEN) podem
agir sinergisticamente com Iressa e parar o crescimento tumoral. Terceiro, relativamente pou-
cos estudos pré-clínicos foram realizados com o objetivo de otimizar a dosagem e a progra-
mação do tratamento com essa droga.
Em 2004, quatro anos depois que os resultados dos testes clínicos iniciais com Iressa foram
reportados pela primeira vez, duas colaborações de pesquisa em Boston forneceram indepen-
dentemente uma explicação molecular para as respostas observadas ao Iressa. Previamente, o
estado do receptor EGF em células NSCLC foi avaliado, determinando se ele era superex-
presso e se estava presente na forma truncada, ativa de maneira constitutiva, como é o caso
dos glioblastomas humanos. Entretanto, nos estudos de 2004, investigadores fizeram o se-
qüenciamento detalhado das fases de leitura do gene que codifica para EGF-R nos pacientes
de NSCLC que foram tratados com Iressa.
Muito dramaticamente, foi observado que quase todo o pequeno grupo (~10% do total) de
pacientes de NSCLC que responderam bem ao tratamento com Iressa (Figura 16.33A) pro-
duzia células tumorais que apresentavam EGF-R alterados estruturalmente. Tais receptores
mutantes não foram encontrados entre os tumores que falharam em responder a Iressa, in-
cluindo aqueles que expressaram níveis elevados desse receptor. As mutações responsáveis
criaram substituições de aminoácidos e pequenas deleções nos domínios cinase (Figura
16.33B), em vez de deleções maiores do ectodomínio do receptor, tipicamente encontradas
nos glioblastomas. Similarmente, os tumores em 5 dos 7 pacientes que responderam ao tra-
tamento com Tarceva expressaram tais receptores mutantes. Por razões desconhecidas, esses
receptores mutantes mostraram padrões distintos de fosforilação da tirosina das suas caudas
C-terminais (Seção 6.3) e estimularam seletivamente as vias Akt/PKB e STAT5 downstream,
deixando a via de sinalização MAPK sem ser afetada.
Essas observações forneceram evidências convincentes de que EGF-R teve um papel prin-
cipal em direcionar o crescimento desse pequeno grupo de tumores. Além disso, eles
demonstraram o valor da estratificação (i. e., subclassificação) de tumores usando mar-
cadores moleculares quando tratavam populações de pacientes com terapêuticos mole-
culares específicos, como Iressa e Tarceva. Entretanto, esses experimentos não revelaram
por que Iressa e Tarceva tiveram efeitos tão fortes sobre esses tumores em particular (mas
veja a Barra lateral 16.3).
Ainda, virtualmente todos esses sucessos tiveram vida curta, e a maioria dos pacientes reinci-
diu em 6 a 18 meses, tendo desenvolvido resistência ao tratamento com a droga. Isso ressalta,
mais uma vez, a necessidade de agentes alternativos para tratar receptores resistentes a drogas
e da terapia com múltiplas drogas, nas quais várias drogas com efeitos sinergísticos são apli-
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max768
cadas simultaneamente. Na verdade, várias moléculas de drogas que são distintas estrutural-
mente das anilinoquinazolinas (Figura 16.31A) são capazes de desligar os EGF-Rs resistentes
a Iressa e Tarceva, fornecendo esperança para aqueles pacientes que reincidiram após um
tratamento prolongado com uma ou outra dessas duas drogas.
16.13 Inibidores de proteassomas geram benefícios terapêuticos
inesperados
O acaso tem um papel proeminente não-comum no mundo da descoberta das drogas. Em
uma ocasião, o desenvolvimento de uma droga anticâncer é lançado como parte de um pro-
grama de desenho racional de drogas e, no final das contas, gera um agente que se revela
altamente útil, embora por razões absolutamente não-relacionadas àquelas que inspiraram o
Figura 16.33 Responsividade dos NSCLCs ao tratamento com Iressa (A)
Uma minoria de pacientes com câncer pulmonar de células não-pequenas
(NSCLCs) refratário – tumores que falharam na resposta ou não
respondem mais à quimioterapia-padrão – mostraram uma resposta
dramática ao tratamento com Iressa. Essas imagens de raios X por
tomografia computadorizada revelaram uma grande massa no pulmão
direito (à esquerda) de um paciente que sofreu uma dramática regressão
depois de seis semanas de tratamento com Iressa (à direita). (B) Foi
observado que uma proporção substancial de NSCLCs que responde ao
tratamento a Iressa carrega mutações no gene que codifica para o EGF-R
que afetam o domínio citoplasmático do receptor e incluem tanto deleções
(“del”) como mutações pontuais. Essas alterações na estrutura de EGF-R
desregulam e ativam a função de tirosina cinase do receptor, estimulando,
com isso, as vias de sinalização Akt/PKB e STAT downstream, que
protegem essas células tumorais da apoptose. (C) Finalmente, pacientes
com alguma das mutações indicadas retornam da terapia com Iressa ou
Tarceva. Como é o caso com a resistência adquirida ao Gleevec (veja a
Figura 16.26B), os EGF-Rs nesses pacientes NSCLC freqüentemente
adquirem alterações estruturais que bloqueiam a ligação da droga. Aqui,
um paciente, cujo EGF-R associado a tumor mostrou uma mutação
delE747-P753insS (B), beneficiou-se de uma remissão conseguida pela
terapia com Iressa; depois de dois anos, entretanto, esse tumor cresceu
novamente. O seqüenciamento do gene EGF-R no tumor recidivante
mostrou que o sítio de ligação presente no receptor do tipo selvagem (à
esquerda) estava parcialmente obstruído por uma substituição de treonina
por metionina (à direita), fazendo com que a cadeia lateral volumosa da
metionina(esfera cor-de-laranja) bloqueasse a ligação de Iressa. (A e B, a
partir de T.J. Lynch, D.W. Bell, R. Sordella et al., N. Engl. J. Med. 350:2129-
2139, 2004; C, a partir de s. Kobayashi, T.J. Boggon, T. Dayaram et al., N.
Engl. J. Med. 352:786-792, 2005.)
(A)
6 semanas
Iressa
(B) EGF
EGF-R
ectodomínio
região
transmembrana
domínio
intracelular
domínio
cinase
G719C 
delE746-A750 
delE747-T751insS
delE747-P753insS
L858R
L861Q
STAT3 MAPK Akt/PKB
(C)
2 anos
Iressa
DETERMINAÇÃO DA RESPONSIVIDADE AOS ANTAGONISTAS DE EGF-R / 769
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max769
770 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Barra lateral 16.3 O vício por oncogene pode explicar como Iressa e Tarceva tiveram sucesso
em eliminar NSCLCs Os EGF-Rs mutantes que são encontrados em certos NSCLCs fazem que
as células desses tumores em particular sejam cerca de 100 vezes mais sensíveis ao Iressa do que os
tumores que expressam os receptores do tipo selvagem (Figura 16.34A). Além disso, a concentra-
ção atual da droga no plasma de pacientes que estão sendo tratados diminuiu para uma escala que
permite o funcionamento de tal inibição seletiva.
O mecanismo de “vício por oncogene” pode explicar os efeitos seletivos de ambos os inibido-
res de EGF-R sobre tumores que expressam EGF-Rs mutantes. O vício por oncogene refere-se ao
fato de que certas células cancerosas parecem ser particularmente dependentes de certos oncoge-
nes ou oncoproteínas para o seu crescimento e sobrevivência, enquanto outros tumores podem
perder esse gene ou proteína sem sofrer qualquer conseqüência óbvia.
Para explicar tal comportamento, podemos imaginar que alguns oncogenes sejam geralmente
deletérios quando expressados em células do tipo selvagem, mas são realmente benéficos em célu-
100
80
60
40
20
0
- 0,002 0,02 0,2 2 20
120
100
80
60
40
20
0
(A)
vi
ab
ili
da
de
 c
el
ul
ar
 (%
 d
o 
co
nt
ro
le
)
mutante
tipo selvagem
Iressa (μM)
estrutura
de EGF-R
tipo selvagem
mutante
(B)
vi
ab
ili
da
de
 c
el
ul
ar
 (%
 d
o 
co
nt
ro
le
)
H358
(tipo
selvagem)
H1650
(delE746-
A750)
H1975
(L858R)
linhagem celular de NSCLC
(status de EGF-R)
siRNA: tipo selvagem + mutante
siRNA: delE746-A750
siRNA: L858R
H1666
H358
H1975 (L858R)
H1650 (delE746-A750)
(C) células H1975
DAPI caspase-3 ativada
não-tratado
siRNA L858R
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max770
las que previamente adquiriram certos alelos mutantes. Um bom exemplo é fornecido pelo oncoge-
ne myc, que tem efeitos pró-apoptóticos sobre as células, a menos que elas tenham sido protegidas de
apoptose por algum outro alelo antiapoptótico previamente adquirido (p. ex., um oncogene ras); na
presença da mutação antiapoptótica, os efeitos fortemente mitogênicos do ongene myc então se tor-
nam aparentes. Portanto, as células tumorais que carregam tanto o oncogene ras como o myc se
comportariam como se estivessem “viciadas” na expressão de ras, uma vez que elas morreriam
rapidamente por apoptose se estivessem desprovidas do oncogene ras.
Conseqüentemente, no início da progressão do tumor, a aquisição de um certo oncogene,
como um gene EGF-R mutante, poderia criar um meio celular que permite a aquisição de outros
oncogenes (ou perda de genes supressores de tumor) que iriam, por outro lado, ser altamente
deletérios para as células tumorais. Se o receptor mutante agora é perdido, então os efeitos deleté-
rios desses outros oncogenes, notavelmente aqueles que favorecem a apoptose, se tornariam apa-
rentes e resultariam na perda rápida da viabilidade celular.
No caso de NSCLC, aqueles tumores que carregam receptores mutantes podem vir a ficar
dependentes dos disparos por seus EGF-Rs mutantes para sobreviver e proliferar; isto é, eles são
“viciados” nos receptores mutantes. De modo oposto, os NSCLCs em número muito maior
expressando EGF-R do tipo selvagem podem ter desenvolvido meios alternativos para conseguir
sinais mitogênicos e de sobrevivência, como é, sem dúvida, sugerido pela observação do disparo
independente de receptor das vias MAPK e PI3K em alguns cânceres de pulmão.
Esse cenário também é sustentado por experimentos usando siRNAs para inibir a expressão
de receptores do tipo selvagem ou mutantes: células NSCLC com EGF-R mutantes morrem
rapidamente, enquanto aquelas que exibem receptores do tipo selvagem são afetadas apenas leve-
mente (Figura 16.34B e C). Como conseqüência, a morte de células cancerosas com EGF-Rs
mutantes não é devida a algo desconhecido, efeito inespecífico de Iressa ou Tarceva, mas, em vez
disso, é causada diretamente pela perda dos sinais benéficos liberados por esses receptores. Além
disso, experimentos como esse sugerem que os inibidores de EGF-R possam ter efeitos muito
maiores sobre os NSCLCs expressando receptores do tipo selvagem se eles são aplicados junto
com uma segunda droga que iniba uma outra via de sinalização redundante funcionalmente,
como aquela controlada por PI3K.
Figura 16.34 Efeitos de siRNAs para suprimir a expressão de EGF-R Não está claro por que as
células de carcinoma pulmonar de células não-pequenas (NSCLC) que carregam receptores
EGF alterados estruturalmente (veja a Figura 16.33) são especialmente responsivas a terapia
com Iressa ou Tarceva. (A) Quando cultivadas in vitro, duas linhagens celulares de NSCLC que
superexpressam EGF-R estruturalmente normal (i. e., tipo selvagem) são relativamente
resistentes ao tratamento com Iressa (cor-de-laranja, vemelho), enquanto duas linhagens
NSCLC expressando ou uma proteína receptora com uma substituição de aminoácido (azul)
ou uma parcialmente deletada (verde) são cerca de 100 vezes mais sensíveis à morte. (B) Os
mecanismos biológicos dessas diferenças poderiam ser examinados privando-se as linhagens
celulares de NSCLC de EGF-R pela expressão de siRNAs nessas células; esses siRNAs
causam a degradação do mRNA para EGF-R. Células H358 (três barras da esquerda)
expressando EGF-R do tipo selvagem não foram relativamente afetadas por siRNAs
direcionados contra todas as formas do receptor (verde) ou contra as duas formas mutantes
(amarelo, vermelho). Entretanto, um siRNA direcionado especificamente contra o mRNA que
codifica para uma forma deletada do receptor (DelE746; amarelo) causou a perda da
viabilidade em cerca de 80% das células NSCLC expressando esse receptor mutado
(barras centrais), ao passo que não teve efeito nas células contendo um receptor com uma
substituição de aminoácido (vermelho, barras centrais). Ao contrário, a perda de
viabilidade foi observada quando um siRNA direcionado contra o receptor com a
substituição de aminoácido (vermelho) foi expresso em células que expressam esse
receptor mutante em particular (barras da direita), mas não quando um siRNA direcionado
contra o mutante com deleção foi usado. No caso de ambas as linhagens celulares
mutadas, o siRNA direcionado contra todas as formas do receptor (barras em verde)
também causou morte celular alastrada. Portanto, as duas linhagens celulares de NSCLC
com receptores mutados são dependentes (“viciados em”) da função de EGF-R, enquanto
as células NSCLC com receptor do tipo selvagem mostraram virtualmente nenhuma
dependência da função contínua de EGF-R. (C) A perda das células viáveis após o
tratamento com siRNA vista no painel B é dada especificamente por uma indução da
apoptose, como revelado por imunocoloração de células fixadas com um anticorpo reativo
com caspase-3 ativada, clivada. Células NSCLC foram alternativamente coradas com 4´,6´-
diamidino-2-fenilindol (DAPI) para revelar o núcleo e, assim, o número de células. (A partir de
R. Sordella, D.W. Bell, D.A. Haber e J. Settleman, Science 305:1163-1167, 2004.)
ALTERAÇÃO DE EGF-R E VÍCIO PELO ONCOGENE / 771
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max771
772 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
seu desenvolvimento em primeiro lugar. Isso é melhor descrito pelo desenvolvimento da
droga conhecida como Velcade, também chamada de PS-341 e bortezomib (Figura 16.35A).
Em várias ocasiõespor todo este livro, vimos como os níveis de proteínas reguladoras chave
de células são determinadas pelo balanço entre a sua síntese e a sua degradação. Muito dessa
degradação é mediada pelo sistema ubiquitina-proteassomo (Barra lateral 7.8). Lembre que a
marcação de uma proteína por poliubiquitilação resulta no seu transporte para os proteasso-
mas e na sua degradação nessas máquinas intracelulares.
O fenômeno de caquexia associada ao câncer estimulou inicialmente o interesse por inibidores da
função dos proteassomas. A caquexia ocorre tarde na progressão do tumor e representa uma perda
progressiva de tecidos dos pacientes com câncer por mecanismos que ainda não estão bem-enten-
didos. O uso de um inibidor de proteassoma foi especulado quanto a ser útil no retardo de uma
degradação alastrada de proteínas que ocorre nos tecidos de pacientes caquéticos. Enquanto no
mínimo cinco classes distintas de inibidores de proteassomas têm sido desenvolvidas, a maioria
dessas foi abandonada por causa de instabilidade metabólica, ausência de especificidade ou ligação
irreversível e inativação dos proteassomas. Velcade, um desses inibidores de proteassomas, é um
ácido borônico dipeptídico que foi desenhado como um inibidor específico da atividade de pep-
tidase (clivagem de peptídeo) presente no centro 20S do proteassoma (Figura 16.35B). Ele tem
uma potência extraordinária, uma vez que é capaz de inibir 50% da atividade quimiotríptica dos
proteassomos em uma concentração (i. e., seu Ki) de apenas 0,6 nM. Funcionando como um
inibidor competitivo dessa atividade enzimática, Velcade diminui o fluxo de substratos pelos pro-
teassomas, que logo começam a se tornar obstruídos e disfuncionais.
Figura 16.35 Velcade e o seu efeito sobre proteassomas (A) A estrutura
química do Velcade revela a presença, não-comum entre drogas, de
um átomo de boro. Sabe-se que os ácidos borônicos peptídicos como
o Velcade se ligam ao sítio ativo de serinas proteases da classe das
quimiotripsinas (que clivam substratos protéicos adjacentes aos
resíduos de fenilalanina e tirosina) mimetizando o substrato normal
dessas enzimas. Isso sugeriu que tais compostos poderiam inibir o sítio
ativo semelhante à quimiotripsina no centro 20S do proteassoma. (B)
Uma secção transversal (centro) pelo miolo central (20S) do
proteassoma de levedura (à esquerda; veja a Figura 7.27) revela a
localização de três sítios catalíticos distintos, envolvendo as
subunidades β1, β2 e β5, que são responsáveis pela sua atividade
proteolítica PGPH (peptidil-glutamil-peptídio hidrolizante; cor-de-rosa),
tríptica (azul-claro) e quimiotríptica (amarelo-claro), respectivamente.
Velcade mostra uma forte preferência por inibir a atividade quimiotríptica
de β5, cuja estrutura detalhada é vista aqui (à direita, abaixo); uma fraca
interação com a atividade tríptica de β2 (à direita, no meio); e nenhuma
interação com a atividade PGPH de β1 (à direita, acima). O resíduo
nucleofílico chave treonina presente em cada um desses sítios catalíticos é
mostrado como uma figura em bastão (branca, dentro das formas ovais);
os aminoácidos básicos na fenda catalítica (à direita) estão mostrados em
azul, os aminoácidos ácidos estão mostrados em vermelho e os resíduos
hidrofóbicos estão mostrados em branco. (B, a partir de M. Groll, M.
Bochtler, H. Brandstetter et al., Chembiochem 6:222-256, 2005.)
N
N
H
H
N
N
O
O
OH
OH
B
(A)
Velcade
proteassoma 26S
(B)
centro 26S do proteassoma
β1
β2
β5
atividade
PGPH
atividade
tríptica
atividade
quimio- 
tríptica
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max772
100
75
50
25
0
(A)
soro de paciente de MM
antes do
Velcade
após 1 ciclo
de Velcade
IgG
(B)
ex
te
ns
ão
 d
a 
ap
op
to
se
 (%
)
melfalan + Velcade
melfalan
concentração de melfalan (M)
3x10–13
 3x10–12
 3x10–11
 3x10–10
 3x10–9 3x10–8 3x10–7 3x10–6 3x10–5 3x10–4
Subseqüentemente, foi observado que a degradação mediada por proteassomas tinha um papel
crítico na regulação de várias vias-chave de sinalização celular, ampliando os horizontes dos que
desenvolveram o Velcade. Como foi observado que outros inibidores de proteassomas eram espe-
cialmente potentes para matar uma variedade de células cancerosas em cultura, o Velcade foi
utilizado nos testes da fase inicial (i. e., Fase I) para tratar pacientes com câncer que falharam com
outras terapias. Aqueles com tumores sólidos mostraram poucas respostas evidentes. Entretanto,
entre um grupo de pacientes com malignidades hematológicas, havia um sofrendo de mieloma
múltiplo (MM), uma malignidade da linhagem de células B na qual um único clone de células
plasmáticas produtoras de anticorpos domina a medula óssea (veja a Figura 2.19A). As células do
mieloma criam lesões ósseas osteolíticas, levando a fraturas, e, por fim, tomam conta dos compo-
nentes celulares restantes da medula, resultando em imunodepressão severa e, tipicamente, morte
a partir de infecção devastadora. A sobrevivência após o diagnóstico inicial em geral é de 3 a 5
anos. O mieloma carregado por esses pacientes tratados inicialmente mostrou uma dramática
regressão (veja, por exemplo, a Figura 16.36A), o que logo levou à inclusão de outros pacientes
com mieloma nesses testes de Fase I e, finalmente, a testes clínicos em larga escala, nos quais os
pacientes com mieloma eram tratados com Velcade.
Em um teste clínico subseqüente de Fase I com um grupo de pacientes com mielomas múl-
tiplos sofrendo da doença rapidamente progressiva, o Velcade mostrou “respostas objetivas”
claras na diminuição da progressão da doença em 55% dos pacientes e parou a progressão em
outros 25%. Em um teste clínico de Fase II, foi dado Velcade para a metade dos pacientes,
enquanto para a outra metade, que serviu de controle, foi dado dexametasona, um tratamen-
to-padrão para mieloma múltiplo. Na grande maioria desses pacientes, já haviam falhado as
quimioterapias comumente utilizadas para mieloma. Esse teste foi parado prematuramente
em 2003, porque a doença mostrou ou uma “resposta completa (CR)” em um pequeno
número de pacientes (i. e., as células do mieloma desapareceram completamente do sangue
por um período de no mínimo seis semanas) ou uma “resposta parcial (PR)” (no mínimo
50% de redução nos anticorpos secretados por células de mieloma no sangue e 90% de
redução dessa proteína na urina durante o mesmo período) em 35% dos pacientes tratados
com Velcade, mostrando, dessa forma, uma superioridade clara aos tratamentos existentes.
Como conseqüência, foi permitido que os pacientes controle também tomassem a droga. Em
um teste subseqüente, a progressão do mieloma para um estágio mais alto da doença ocorreu em
um tempo médio de sete meses nos pacientes tratados com Velcade comparados com os três meses
em um grupo controle estudado em paralelo. Além disso, estudos pré-clínicos indicaram que as
doses relativamente baixas do Velcade podem sensibilizar as células do mieloma para drogas qui-
mioterapêuticas, tornando as últimas muito mais efetivas (veja a Figura 16.36B).
Figura 16.36 Mieloma múltiplo e os efeitos
biológicos do Velcade (A) O Velcade pode
ter efeitos profundos sobre o conteúdo
celular da medula e, portanto, sobre a
composição das moléculas de anticorpo no
sangue. Em um paciente com mieloma
múltiplo (MM), após um ciclo de oito doses
de Velcade, as células neoplásicas do
plasma na medula diminuíram de 41% de
células totais para 1%. Ao mesmo tempo,
houve uma acentuada diminuição no nível
das espécies únicas de imunoglobulinas γ
(IgG) produzidas por essas células de
mieloma. Como visto aqui, na eletroforese
em gel, o pequeno número de espécies de
IgG presentes antes do tratamento
(indicativo de um tumor monoclonal, à
esquerda) resolveu-se no meio do padrão
policlonal, de migração heterogênea, de
IgGs que estão presentes na circulação de
um indivíduo saudável (à direita; veja
também a Figura 2.19A). (B) Melfalan, uma
droga quimioterapêutica alquilante usada
rotineiramente para tratar MM, foi
adicionada em várias concentrações a uma
linhagem celular MM in vitro,sozinha
(verde) ou na presença de uma dose não-
tóxica de Velcade (vermelho). Na presença
do Velcade, melfalan foi capaz de induzir
uma ampla apoptose em concentrações de
aproximadamente 3 nM, ao passo que
quando aplicado sozinho, foi incapaz de
induzir esse grau de apoptose, até mesmo
em concentrações muito mais altas. (A, a
partir de R.Z. Orlowski, T.E. Stinchcombe,
B.S. Mitchell et al., J. Clin. Oncol. 20:4420-
4427, 2002; B, a partir de M.H. Ma, H.H.
Yang, K. Parker et al., Clin. Cancer Res.
9:1136-1144, 2003.)
VELCADE E A TERAPIA DE MIELOMA / 773
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max773
774 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Na verdade, a inclusão de um paciente com mieloma em um teste clínico inicial foi acidental.
Acreditava-se que o mieloma múltiplo era um alvo atrativo para o tratamento por um inibi-
dor de proteassoma por causa da atividade elevada conhecida da via de sinalização NF-κB
nas células de mieloma e da sua importância fisiológica no direcionamento da sobrevivência
e proliferação dessas células. Na seção 6.12, notamos que os fatores de transcrição NF-κB são
normalmente seqüestrados no citoplasma por uma classe de inibidores chamados de IκBs
(inibidores de NF-κB). Quando esses IκBs são fosforilados por um grupo de cinases espe-
cializadas chamadas de cinases IκB, ou simplesmente IKKs, os IκBs sofrem poliubiquitilação
e degradação; isso libera os NF-κBs, permitindo que eles migrem para o núcleo, onde ativam
inúmeros genes antiapoptóticos, assim como genes promotores do crescimento (Figuras 16.37
e 16.38; veja também as Figuras 6.29A e 11.37B).
Como várias outras proteínas poliubiquitiladas, os IκBs acabam sendo degradados nos proteasso-
mas. Portanto, inibindo a ação dos proteassomas, os IκBs deveriam ser protegidos da degradação,
sobreviver no citoplasma e continuar a seqüestrar os NF-κBs, bloqueando assim a translocação
Figura 16.37 Mecanismo de ação do Velcade A inibição da sinalização
pelo fator de transcrição NF-κB contribui significativamente para a
habilidade do Velcade em induzir a apoptose de células do mieloma
dentro da medula óssea. Em células normais (à esquerda), uma
variedade de sinais de estresse, mitogênicos e tróficos (sobrevivência)
ativa a cinase IκB (IKK; roxo); sinalização similar ocorre nas células de
mieloma, assim como em uma variedade de outros tipos de células
cancerosas, nas quais vários mecanismos são responsáveis pela
ativação constitutiva de IKK. Uma vez ativa, IKK começa a fosforilar IκB
(vermelho), o inibidor de NF-κB. Essa fosforilação faz com que IκB se
torne ubiquitilado (à esquerda) e degradado nos proteassomas (à
esquerda, abaixo). Na ausência de IκB (centro), NF-κB (azul) está livre
para se mover para o núcleo, onde ele ativa a expressão de um amplo
eleitorado de genes de proliferação e antiapoptóticos. Na presença do
Velcade (à direita), a fosforilação e ubiquitilação de IκB ocorrem
normalmente, mas IκB ubiquitilada não pode ser degradada nos
proteassomas, pois a última tornou-se abarrotada com polipeptídeos
não-processados. Isso leva a um acúmulo de IκB no citoplasma e ao
seqüestro contínuo de NF-κB pelas moléculas de IκB que foram
montadas (à direita). Como conseqüência, NF-κB não pode mover-se
para o núcleo e ativar a expressão do seu eleitorado de genes-chave
antiapoptóticos. Isso inclina a balança reguladora nas células de
mieloma em favor da apoptose, resultando na morte dessas células. O
tratamento com Velcade pode, adicionalmente, levar ao acúmulo de
moléculas de p53, que também são suspeitas de contribuir para a
apoptose de células de mieloma tratadas (não-mostrado).
Ubi
Ubi
Ubi Ubi
Ubi
Ubi+
P P
P P
P P P P
P PP P
P P
P PP P
Ubi
Ubi
Ubi Ubi
Ubi
Ubi
sinais diversos
IKK
NORMALMENTE TRATAMENTO COM VELCADE
proteassoma
P P
P P
IκB
NF-κB
genes antiapoptóticos
e de proliferação
sobrevivência e
proliferação
Velcade
sem transcrição
apoptose
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max774
nuclear de NF-κB e a ativação da transcrição. Sabia-se que o NF-κB nuclear funcionalmente ativo
é importante para a indução da expressão de IL-4 e IL-6, duas interleucinas que operam como
fatores autócrinos importantes necessários para o crescimento e sobrevivência de células de mielo-
ma. Além disso, como foi estudado mais tarde, NF-κB tem um papel proeminente na sinalização
antiapoptótica em vários tipos de células cancerosas; então, a perda de atividade de NF-κB pode
muito bem inclinar a balança de sinalização entre essas células em direção da apoptose. Mais
especificamente, uma vez que as células cancerosas perdem as proteínas potencialmente antiapop-
tóticas Bcl-2, cIAP-2 e XIAP (cujas expressões são induzidas por NF-κB), elas estão em sério
perigo de deslizar para dentro do abismo apoptótico.
Entretanto, tudo isso não explica por que o Velcade é muito mais potente contra mielomas
do que outros tumores que dependem da sinalização de NF-κB para protegê-los da apoptose.
Uma possível pista vem das observações de que o crescimento e a viabilidade das células de
mieloma são altamente dependentes da sua habilidade de sintetizar VEGF (fator de cresci-
mento do endotélio vascular; Seção 13.1) e moléculas de adesão; as últimas permitem que as
células de mieloma se liguem às células-tronco da medula óssea (BMSCs), com as quais as
células de mieloma estabelecem interações heterotípicas muito importantes. Os genes que
codificam essas proteínas estão todos sob o controle de NF-κB.
Além disso, as células malignas do plasma que formam o tumor mieloma sintetizam e secre-
tam grandes quantidades de proteínas – moléculas de anticorpos. Uma certa proporção des-
sas moléculas pode ser rotineiramente degradada nos proteassomas por causa do dobramento
incorreto ou de outros contratempos que ocorrem durante a sua montagem. Como conse-
qüência, as células do plasma podem ser especialmente sensíveis a inibidores de degradação das
proteínas e podem se tornar rapidamente saturadas com tais moléculas protéicas defectivas.
Figura 16.38 Evidências que suportam a importância da sinalização
por NF-κB na apoptose induzida por Velcade O esquema apresentado
na Figura 16.37 é suportado por várias linhas de evidências. (A) Em um
ensaio de mudança de mobilidade eletroforética (EMSA; também
chamado de ensaio de retardo em gel), a presença e a concentração
de um fator de transcrição (TF) funcional de ligação ao DNA é
acessada pela mistura de um extrato de proteínas nucleares com um
oligonucleotídeo dsDNA marcado radioativamente que carrega um sítio
de ligação para TF. A presença do TF de ligação ao DNA é refletida
pela quantidade de oligonucleotídeo que formou um complexo
nucleoproteína com o TF; a grande massa protéica associada ao
oligonucleotídeo retarda a sua migração durante a eletroforese,
fazendo com que ele migre para uma posição característica no gel. A
seta indica a localização esperada de um complexo contendo o fator
de transcrição NF-κB e o oligonucleotídeo marcado radioativamente –
nesse caso, um derivado do promotor do gene TNF-α, um alvo de
ativação de NF-κB. O ensaio indica pouca, quando detectada,
atividade de NF-κB em células mononucleares da medula óssea
normal (NL BMMCs), uma atividade considerável na linhagem celular
(8226) do mieloma múltiplo (MM) e uma enorme quantidade de
atividade de NF-κB nas células da medula óssea preparadas
diretamente a partir de um paciente de mieloma múltiplo (MM-1). (B)
Um EMSA foi usado, como no painel A, para medir o nível do fator de
transcrição NF-κB funcional em três linhagens celulares MM tratadas
com um tampão controle (três canaletas da esquerda) ou com Velcade
(três canaletas da direita). Velcade é capaz de eliminar essencialmente
toda a atividade NF-κB nessas células. (C) A importância da sinalização
progressiva de NF-κB para a sobrevivência das células MM é
demonstrada por este experimento, no qual um vetor expressando um
IKK dominante negativo (dnIKK) foi introduzido em duas linhagens
celulares de MM diferentes. Se a sinalização de NF-κB fosse crítica
para a açãodo Velcade, então o dnIKK deveria mimetizar os efeitos do
Velcade pela indução de apoptose nas células MM (veja a Figura
16.37) – resultado que é de fato observado aqui. Um vetor que não
expressa dnIKK foi usado como controle. (A partir de M.H. Ma, H.H.
Yang, K. Parker et al., Clin. Cancer Res. 9:1136-1144, 2003.)
N
L 
BM
M
C
s
82
26
U
26
6/
LR
U
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6/
LR
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82
26
/d
ox
U
26
6/
do
x
U
26
6/
do
x
(B) (C)
0,8
0,6
0,4
0,2
0
– +dnlKK – +
U266/LR7 ARH77
(A)
M
M
-1
NF-κB NF-κB
controle com tampão + Velcade
ex
te
ns
ão
 d
a 
ap
op
to
se
linhagens celulares de mieloma
VELCADE E A TERAPIA DE MIELOMA / 775
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max775
776 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Essas conseqüências da supressão da função dos proteassomas podem explicar muito bem
grande parte do efeito potente do Velcade contra células de mieloma, algumas das quais, mas
não todas, dependem da perturbação da sinalização de NF-κB. Ainda, quando vistos com
outros olhos, o racional de usar Velcade para inibir a função do proteassoma não faz sentido
como estratégia terapêutica: uma vez que proteassomas são utilizados pelas células para de-
gradar um arranjo diverso de proteínas celulares – provavelmente vários milhares de espécies
de proteínas distintas –, a inibição de função dos proteassomas deveria ser altamente tóxica
para todos os tipos de células do corpo. Portanto, agentes que funcionam como inibidores de
proteassomas provavelmente não têm um índice terapêutico significativo, uma vez que eles
são aptos para danificar células normais tanto quanto células cancerosas.
Apesar dessa lógica, baixas concentrações de Velcade exibem grande potência em matar célu-
las cancerosas in vitro, enquanto têm uma toxicidade mínima ou tolerável contra células de
vários tipos de tecidos normais. Essa droga pode matar uma variedade de células cancerosas
humanas cultivadas quando aplicada em concentrações que variam de dezenas a centenas de
nanomolar. Ainda, a sua potência em matar células de mieloma – fazendo isso a concentra-
ções tão baixas quanto 1 nM – é verdadeiramente incrível.
Antagonistas de NF-κB provavelmente têm utilidade para tratar vários outros tipos de cân-
cer. Lembre que NF-κB tem um papel-chave no desenvolvimento de uma variedade de car-
cinomas (Seção 11.16) e pode ser necessário para a manutenção desses tumores uma vez que
eles são formados. Além disso, o uso de arranjos de expressão de genes (Seção 16.1) revelou
que linfomas grandes difusos de células B (DLBCLs), que sob o microscópio parecem cons-
tituir um único tipo homogêneo de tumor, podem, na verdade, ser classificados em três
subgrupos distintos (veja a Figura 16.5). Células tumorais que pertencem ao subgrupo dos
linfomas de células B ativadas e dos linfomas mediastinais têm um IKK ativado de forma
constitutiva. Conseqüentemente, tumores que pertencem a esses dois subgrupos DLBCL,
assim como uma variedade de outros tumores com sinalização NF-κB hiperativa, têm se
tornado alvos atrativos para o tratamento por Velcade ou por inúmeros inibidores de IKK
que têm sido desenvolvidos por companhias farmacêuticas.
16.14 Um teratógeno para ovelhas pode ser útil como droga
anticâncer altamente potente
Uma fonte potencial importante de terapêuticos anticâncer deriva de compostos que ocor-
rem naturalmente. O número de produtos naturais distintos produzidos por bactérias ou
fungos está além de ponderação. Por exemplo, uma compilação de 1994 listou 11.900 com-
postos diferentes que foram isolados e exibiram atividade antibacteriana (i. e., antibiótica),
alguns dos quais também possuíam atividade contra células de mamíferos. Outros três mil
compostos mostraram outras atividades biológicas. Esses números estão apenas arranhando a
superfície: uma estimativa, em 2001, do número de compostos distintos, biologicamente
ativos, produzidos pelo gênero Streptomyces de bactérias chegou a centenas de milhares. Uma
porção desses provavelmente possui forças citostáticas ou citotóxicas contra células de mamí-
feros incluindo células cancerosas. O universo de compostos derivados de plantas, biologica-
mente ativos, não está tão bem-explorado.
Em todos esses casos, as forças da evolução, em vez da inteligência de químicos orgânicos
sintéticos, geraram espécies moleculares que são agentes farmacológicos potentes e altamente
específicos. Várias dessas moléculas parecem ser usadas pelos organismos que as produzem
para atacar competidores ou para se defender contra predadores. Uma vez que o número
desses agentes que ocorrem naturalmente está elevado demais, é provável que eles sejam
fontes de novos agentes anticâncer pelas décadas seguintes.
Um exemplo ilustrativo de um produto natural como esse veio da descoberta da ciclopami-
na, um produto natural de origem vegetal. Essa história em particular inicia com a observa-
ção de que ovelhas que pastam em áreas montanhosas do oeste dos Estados Unidos ocasio-
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max776
nalmente apresentavam epidemias de malformações congênitas em cordeiros, vários dos quais
eram natimortos. A mais extrema dessas malformações foram aquelas envolvendo ciclopia –
um único olho central. (O termo tem origem de Cyclops, o gigante mítico de um olho só,
vencido por Ulysses junto com vários outros inimigos.)
Um trabalho de veterinário “detetive” iniciado na década de 1950 revelou que a ciclopia de
cordeiros recém-nascidos era observada se ovelhas prenhas pastavam sobre falso heléboro,
Veratrum californicum (Figura 16.39A), durante o 14o dia de gestação. Ainda outras malfor-
mações, incluindo fenda de palato e pernas mais curtas, eram evidentes se o pastejo ocorria
em estágios mais iniciais ou mais tardios da gestação. Em 1968, o efeito teratogênico (indu-
tor de malformação) do falso heléboro foi achado como sendo um alcalóide que foi chamado
de ciclopamina (Figura 16.39B), que pode induzir ciclopia em uma ampla variedade de
organismos (Figura 16.39C).
Várias dessas deformidades assemelham-se a uma condição em humanos chamada de holo-
prosencefalia, na qual o desenvolvimento de estruturas simétricas bilaterais na cabeça do
embrião falha em proceder normalmente. Foi observado que alguns fetos humanos afligidos
com essas condições carregavam mutações, herdadas na linhagem germinal, no gene para o
receptor de PTC (patched) ou no gene SHH (sonic hedgehog), que codifica para o seu ligante.
Vinte e três mutações em SHH distintas e três mutações em PTC foram associadas a essa
condição. (De maneira mais geral, ciclopia está associada com cerca de 1 em 250 fetos huma-
nos abortados espontaneamente.) Isso forneceu a primeira pista de que ciclopamina – um
potente agente teratogênico – perturba a via de sinalização ativada por Hedgehog.
Nessa via de sinalização, um precursor do fator de transcrição Gli é normalmente clivado no
citoplasma, permitindo que um produto da clivagem se mova para dentro do núcleo, onde
ele atua como um repressor transcricional (Figura 16.40; veja também as Seções 5.7 e 6.12).
A proteína Smoothened da membrana plasmática, que pode proteger a proteína precursora
Gli da clivagem, é normalmente prevenida disso por causa da proteína receptora Patched
(Ptc) pouco compreendida, também localizada na membrana plasmática. Entretanto, quan-
Figura 16.39 Falso heléboro e o seu
produto teratogênico, ciclopamina (A) A
planta Veratrum californicum, comumente
chamada de falso heléboro, cresce nas
campinas das montanhas do oeste
americano. Ovelhas prenhas que pastam
essas plantas freqüentemente dão a luz a
cordeiros natimortos com os principais
defeitos morfogenéticos na região da
cabeça, indicando a presença de um
potente teratogênico nessa planta. (B) O
teratogênico foi identificado como
ciclopamina e é produzido em uma série
complexa de etapas biossintéticas dentro
das células do falso heléboro. A sua
estrutura se parece com a de um esteróide,
como estrogênio ou progesterona. A
complexidade dessa estrutura significa que
a criação desse compostoníveis do ligante Hedgehog por essas várias células
tumorais ative uma alça de sinalização autócrina que resulta na ativação constitutiva da
sinalização e, assim, na emissão contínua de Gli intacta, ativadora da transcrição, para o
núcleo das células cancerosas (veja a Figura 16.40D). O papel-chave de Hedgehog no
direcionamento da proliferação de alguns desses tipos de células tumorais foi confirma-
do pela adição de anticorpos neutralizantes Hedgehog ao seu meio de cultura, que parou
a sua proliferação (veja a Figura 16.40E). Ao contrário, foi observado que Hedgehog
adicionado ao seu meio de cultura era potentemente mitogênico (Figura 16.40C). Como
pode ser esperado, esses efeitos citostáticos e até mesmo citotóxicos do anticorpo anti-
Hedgehog foram apenas vistos em células tumorais que também mostraram expressão da
proteína receptora de Smoothened.
Em 2000, observou-se que a ciclopamina inibia diretamente a proteína Smoothened (Figura
16.41). Além disso, essa interação bloqueou a sinalização anormal resultante da síntese exces-
siva de Hedgehog ou de mutações no gene SMO. Isso sugeriu que os efeitos teratogênicos da
ciclopamina derivam diretamente da sua habilidade em bloquear a sinalização por Hedgehog
em junções críticas no desenvolvimento embrionário. Além disso, essa ausência de sinaliza-
ção adequada por Hedgehog durante o desenvolvimento contrasta com a atividade excessiva
dessa via em uma variedade de malignidades.
A descoberta da associação entre ciclopamina e Smoothened levou, por sua vez, ao tratamen-
to de uma variedade de linhagens celulares tumorais humanas positivas para Hedgehog com
ciclopamina, o que resultou em uma inibição de 75 a 95% da proliferação celular. Por exem-
plo, células de meduloblastoma humano cultivadas, nas quais foi observado que a via de
sinalização Hedgehog era hiperativada, responderam a ciclopamina pela parada do cresci-
mento e pela rápida perda da viabilidade, enquanto células de outros tipos de tumores de
cérebro (glioblastomas e ependimomas) não foram afetadas pelo tratamento com ciclopami-
na. Esse tratamento não teve efeito sobre outras linhagens celulares tumorais nas quais a via
de sinalização Hedgehog não foi ativada, demonstrando que a ciclopamina não era um sim-
ples agente citotóxico não-específico de atuação ampla. Além disso, o tratamento de camun-
dongos, nos quais um carcinoma de vesícula biliar (um outro tumor endodermal secretor de
Hedgehog) foi implantado, mostrou um bloqueio total da habilidade formadora de tumor
(Figura 16.42A).
A presença de altos níveis de Hedgehog em cerca de 70% dos carcinomas pancreáticos huma-
nos sugere que a ativação da via Hh-Smo-Ptc-Gli é parte integral dos programas de cresci-
mento neoplásico desses tumores, enquanto essa via de sinalização parece ter um pequeno
papel, se algum, em vários outros tipos de cânceres e na manutenção de vários tecidos nor-
mais. Além disso, a exposição por longo tempo de camundongos adultos a níveis terapêuticos
de ciclopamina não gerou até agora qualquer indicação de toxicidade. Tudo isso deveria
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max780
augurar bem para a candidatura da ciclopamina como um agente altamente útil para o trata-
mento de subgrupos de cânceres humanos que exibem vias de sinalização Hedgehog hipera-
tivadas.
Na verdade, a candidatura da ciclopamina como um agente terapêutico anticâncer útil
tem três pontos contra ela. Como outros produtos naturais, a ciclopamina é o resultado
final de uma série complexa de reações enzimáticas que são difíceis de reproduzir no
laboratório de síntese orgânica química. Segundo, a obtenção de quantidades significati-
vas de V. californicum não é prática. Finalmente, apesar dos resultados mencionados
anteriormente com camundongos, a ciclopamina é considerada muito tóxica para ser
usada em humanos.
Assim, têm sido desenvolvidos antagonistas alternativos de Smoothened que provavel-
mente serão tão potentes quanto a ciclopamina na interrupção da via Hedgehog, mas
não têm a toxicidade da ciclopamina. Smoothened é um receptor da superfície celular
que atravessa a membrana sete vezes e, portanto, tem uma estrutura geral que se asseme-
lha muito com aquela de vários receptores acoplados à proteína G (GPCRs; Seção 5.7)
produzidos por células de mamíferos. O desenvolvimento de compostos de baixo peso
molecular altamente específicos que têm como alvo GPCRs parece ser, em vários casos,
relativamente fácil. Como conseqüência, várias companhias farmacêuticas têm desen-
volvido drogas com alta especifidade que têm como alvo Smoothened e mostram míni-
mos efeitos sobre outros receptores celulares.
Figura 16.41 Ações da ciclopamina sobre a via Patched-
Smoothened (A) No experimento mostrado aqui, a atividade de
Smoothened foi medida indiretamente pela medição da atividade de
um gene repórter cuja transcrição é direcionada por Gli em células
NIH 3T3 de camundongo. Na ausência de adição do ligante Sonic
hedgehod (ShhNp), uma variante Hedgehog que também é um
ligante do receptor Patched, não houve atividade de Gli (barra verde-
clara). Na presença de ShhNp, a atividade de Gli foi fortemente
estimulada (barra verde-escura), e essa indução foi revertida pelo
tratamento com ciclopamina (barras cor-de-rosa e vermelhas). Isso
demonstrou que a ciclopamina age contra os efeitos do ligante
Hedgehog e, por isso, provavelmente está downstream do receptor
Patched na via de sinalização. (B) O alvo de ação da ciclopamina foi
localizado mais tarde por esse experimento, no qual a atividade de
Gli (medida como no painel A) foi medida em células PTCH-/-. A
atividade Gli, como antes, foi suprimida por ciclopamina,
confirmando que essa droga provavelmente interfere em um passo
downstream e independente de Patched. (C) Quando Smoothened
tipo selvagem (Smo) foi expressa em altos níveis em células NIH
3T3, a sua atividade foi, novamente, suprimida pela adição de
ciclopamina, como indicado pela atividade do gene repórter
regulado por Gli (barras azuis e cor-de-laranja, esquerda). Entretanto,
quando um mutante, atuando de forma dominante, Smoothened
oncogênico foi expresso nos mesmos níveis ou mais baixos (barras
à direita), a sinalização foi totalmente resistente à inibição por
ciclopamina. Isso indicou que Smoothened estava downstream ou
era alvo direto da ação da ciclopamina. Estudos subseqüentes
geraram uma série de mutantes, proteínas Smoothened ativas de forma
constitutiva que eram todas resistentes à inibição por ciclopamina,
reforçando a noção de que a ciclopamina interage diretamente com
Smoothened (veja a Figura 16.40A). Análises bioquímicas então
demonstraram a ligação direta da molécula de ciclopamina a
Smoothened (não-mostrado). (A partir de J. Taipale, J.K. Chen, M.K.
Cooper et al., Nature 406:1005-1009, 2000.)
50
40
30
20
10
0
50
40
30
20
10
0
40
60
20
0
– + – + – + – + – + – +1 3 10
50 50 5 0,5
(A)
at
iv
id
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pó
rte
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el
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iv
a
controle + ciclopamina
ShhN 
p
(B)
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or
controle ciclopamina
(μM)
(C)
at
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id
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el
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iv
a
ciclopamina
nível de
expressão
de Smo
Smoothened
tipo selvagem
Smoothened
oncogênica
CICLOPAMINA COMO TERAPÊUTICO ANTI-CÂNCER / 781
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max781
782 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
Com o objetivo de testar esses novos compostos, foi criado um modelo murino de medulo-
blastoma humano que depende da inativação (veja a Barra lateral 7.10) de uma cópia do gene
Ptc e ambas as cópias do gene p53 na linhagem germinal de camundongo, gerando um
genótipo Ptc+/-p53-/-; virtualmente todos esses camundongos desenvolvem meduloblastomas
com três meses de idade. Um inibidor de Smoothened, chamado de HhAntag, que tem 10
vezes a potência da ciclopamina, foi sintetizado e é capaz de passar facilmente pela bar-
reira hematoencefálica, a barreira biológica especializada que protege o tecido do cérebro
do conteúdo da circulação. Como visto na Figura 16.42B, o tratamento de camundon-
gos mutantesde três semanas de idade que desenvolveram meduloblastomas com HhAntag
causou a regressão do tumor dentro de duas semanas; isso ocorreu com pouca, se alguma,
toxicidade sistêmica.
No caso do câncer de pâncreas, a perspectiva de desenvolver um inibidor da via de sinalização
Hedgehog útil clinicamente é excitante. No momento, esse carcinoma, no qual a sinalização
Hedgehog com freqüência tem um papel proeminente, tem um resultado fatal quase que
inevitável: uma vez que esse câncer foi diagnosticado em um paciente, a probabilidade de
sobreviver por outros cinco anos é menor do que 4%. Isso contrasta com os cinco anos de
sobrevivência, em 1998, de pacientes americanos diagnosticados com câncer de mama (86%)
e câncer de próstata (97%).
Meduloblastomas, em grande parte tumores pediátricos, ocorrem cerca de um décimo das
vezes dos carcinomas pancreáticos; no momento, quase dois terços dos pacientes são curados
desse tumor por uma combinação de cirurgia, radiação e quimioterapia; esse tratamento
pode, entretanto, deixar os sobreviventes com debilitações neurológicas significativas, in-
cluindo o comprometimento das funções cognitivas. Entretanto, ironicamente, o maior in-
centivo econômico para desenvolver mimetizadores da ciclopamina provavelmente deriva da
necessidade de tratar o mais benigno, mas também o tipo de câncer humano mais comum –
o carcinoma de células basais da pele.
16.15 mTOR, o principal regulador da fisiologia celular,
representa um alvo atrativo para a terapia anticâncer
A história final é a mais curta de todas, mesmo que ela apenas descreva um circuito regulador
que ainda não está completamente compreendido e gerou pouco sucesso clínico até agora.
Figura 16.42 Efeito da ciclopamina e de
drogas análogas sobre o crescimento de
tumores (A) Células de colangiossarcoma
humano (tumor de ducto biliar) formaram
xenoenxertos de tumor com 180 mm3 de
volume em camundongos que ficaram sem
tratamento (linha vermelha) ou foram
tratados durante 22 dias com ciclopamina
(linha azul). No último caso, o tumor
encolheu e não reapareceu nos 76 dias que
seguiram na ausência de mais tratamento
com ciclopamina. (B) Camundongos com
genótipo Ptc+/-p53-/- desenvolveram
meduloblastomas por todo o seu cerebelo
cedo na vida. Com cinco semanas de vida,
o cerebelo de um camundongo tipo
selvagem (no topo, à esquerda) é muito
menor do que no mutante com tendência a
tumor (no topo, à direita). Um antagonista
Smoothened, chamado HhAntag, foi
identificado na triagem de uma biblioteca
de drogas. Quando o camundongo
mutante foi tratado com a droga duas
vezes por dia entre a terceira e a quinta
semanas de vida, com 20 mg ou 100 mg
por kg de peso corpóreo, os tumores
regrediram parcial ou completamente
(abaixo, à esquerda e à direita).
Tratamentos subseqüentes de
camundongos mutantes com 8 e 10
semanas de idade, com tumores muito
maiores, geraram respostas terapêuticas
comparáveis (não-mostrado). (A partir de
D.M. Berman, S.S. Karhadkar, A. Maitra et
al., Nature 425:846-851, 2003; B, a partir de
J.T. Romer, H. Kimura, S. Magdaleno et al.,
Cancer Cell 6:229-240, 2004.)
2 6 10 14 18 94 98
0
–100
400
800
(A)
vo
lu
m
e 
do
 tu
m
or
 (%
 a
lte
ra
çã
o)
controle
ciclopamina
dias
duração do tratamento
(B)
tipo selvagem
cerebelo
Ptc+/–
 p53–/–
 não-tratado
Ptc+/–
 p53–/–
 tratado
com 20 mg/kg de HhAntag
Ptc+/–
 p53–/–
 tratado com
100 mg/kg de HhAntag
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max782
O
O
OO O
O
H
H
O
HO
HO
OH
N
O OMe
(A)
região de
ligação a
FKBP12
Me
Me
Me Me
Me
Me
Me
Me
Me região de
ligação a
mTOR
rapamicina
(B)
domínio FRB
de mTOR
rapamicina
FKBP12
(C) enterro profundo do grupo metil
da rapamicina em mTOR
FKBP12
rapamicina
domínio FRB
de mTOR
enterro profundo do grupo pipecolinil
da rapamicina em FKBP12
Apesar de tudo, esse circuito tem todos os atributos para gerar terapias que irão competir ou
até mesmo obscurecer alguns dos que foram descritos antes neste capítulo.
Essa história também inicia com um produto natural – a rapamicina – que foi isolado na
década de 1960, a partir da bactéria Streptomyces hygroscopicus, que cresce no solo de Rapa
Nui, conhecida como Ilha da Páscoa, no meio do Pacífico. No início dos anos 1970, ela foi
novamente isolada por uma companhia, que a desenvolveu como um agente antifúngico.
Nas décadas seguintes, tornou-se claro que rapamicina (Figura 16.43A) pode agir para parar
o crescimento de um espectro extraordinariamente amplo de células eucarióticas, variando
daquelas de leveduras até as de mamíferos.
Foi observado que a rapamicina tinha forças imunosupressoras, mesmo quando usada em
baixas concentrações. Em 1999, foi aprovada pelo U.S. Food and Drug Administration (FDA)
para prevenir a imuno-rejeição de órgãos transplantados, principalmente rins. Essa droga,
também chamada de sirolimus, funciona sinergisticamente com outros imunosupressores,
especificamente ciclosporina e esteróides, para assegurar um enxerto de longo prazo sem
causar maiores efeitos colaterais no receptor do transplante. As razões para suas ações seleti-
vas de afetar com preferência o sistema imune não são completamente compreendidas. (De
maneira intrigante, a imunosupressão por ciclosporina nos receptores de órgãos transplanta-
Figura 16.43 Rapamicina, FKBP12 e mTOR (A) A rapamicina é descrita
quimicamente como uma lactona macrocíclica e biologicamente como um
antibiótico macrolídeo, um dos vários que são produzidos por bactérias que
pertencem ao gênero Streptomyces. Rapamicina e seus derivados químicos
atuam como potentes imunossupressores sem induzir efeitos colaterais severos
em outros sistemas de órgãos no corpo. Alguns de seus efeitos são devidos à
sua capacidade de inibir a sinalização mTOR. (B) A ligação da rapamicina
(figura em bastão verde e vermelha) a FKBP12 (modelo de fitas e espaço
preenchido azul, à direita) ocorre com alta afinidade, sendo a constante de
dissociação (K
d
) em torno de 0,2 a 0,4 nM. Esse complexo bimolecular forma
uma supefície molecular que pode, então, associar-se a mTOR (modelo de fitas
e espaço preenchido vermelho, à esquerda) e prevenir a última de funcionar
como uma serina/treonina cinase. Nesta imagem, apenas o domínio FRB
(FKBP12-ligador de rapamicina) de mTOR é mostrado. (C) Os detalhes da
interface entre rapamicina (figura em bastão amarelo e vermelho) e as
superfícies das duas proteínas são mostradas aqui. Áreas de alta
complementariedade estereoquímica entre rapamicina e as proteínas estão
destacadas em roxo. Algumas das associações de alta afinidade dependem da
inserção de grupos químicos de rapamicina em cavidades profundas dentro de
FKBP12 (direita) e do domínio FRB de mTOR (esquerda). (B e C, cortesia de Y.
Mao and J. Clardy, e a partir de J. Choi, J. Chen, S.L. Schreiber and J. Clardy,
Science 273:239-242, 1996.)
INIBIÇÃO DE MTOR POR RAPAMICINA / 783
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max783
784 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
dos leva a um risco elevado de malignidades (veja a Seção 15.9), enquanto a imunossupressão
induzida por rapamicina nesses pacientes na verdade reduz o risco de desordens linfoprolife-
rativas após o transplante. Portanto, a noção de que a imunossupressão sempre leva a um
aumento no risco de câncer deve ser refinada, uma vez que alguns tipos de imunossupressão
geram uma incidência de tumor aumentada, enquanto outros tipos não o fazem.)
Análises bioquímicas mostram que a rapamicina se liga diretamente a uma proteína de baixo peso
molecular, chamada de FKBP12 (proteína ligadora de FK506 com 12 kD), originalmente desco-
berta porque também é ligada por FK506, uma droga que atua de forma similar. Uma vez forma-
do, o complexo rapamicina-FKBP12 (Figura 16.43B) se associa a uma proteína, que foi identifi-
cada em 1994, chamada de mTOR (alvo da rapamicina em mamíferos), e a desliga. mTOR é
uma proteína grande (289 kD) que funciona como uma serina/treonina cinase; o seu domínio de
cinase lembra aquele da cinase PI3 e de enzimas relacionadas.tornaram possível predizer o
curso clínico da progressão do câncer de mama com mais de 90% de exatidão (Figura 16.4),
e melhorias adicionais na força de predição estão sendo desenvolvidas. Essa informação alta-
mente acurada do prognóstico mantém a esperança de poupar várias mulheres da exposição
à quimioterapia desnecessária. E, no futuro, os detalhes da análise de um arranjo de expressão
também poderão informar ao oncologista sobre o protocolo de tratamento que provavelmen-
te vai gerar uma resposta clínica durável ou até mesmo a cura.
Análises como aquelas mostradas na Figura 16.4 são apenas os passos iniciais de um esforço
em grande escala para analisar uma variedade de tipos de câncer humano por meio de arran-
jos de expressão, para estratificar os tipos em subtipos e, com base nas informações que o
arranjo gera, planejar terapias adequadas para cada subtipo específico. Por exemplo, linfomas
de células B têm representado um dilema para os oncologistas por seus resultados serem tão
variados na clínica, com alguns pacientes morrendo dentro de quatro semanas após o diag-
nóstico enquanto outros estão sendo curados ou estão, no mínimo, alcançando 10 anos de
sobrevivência sem sintomas clínicos. Ao mesmo tempo, todos aqueles tumores têm uma
aparência muito similar sob o microscópio (Figura 16.5A, topo). Entretanto, o uso dos ar-
Figura 16.3 Obtenção de imagem de alta
resolução de forma não-invasiva dos
tecidos humanos O desenvolvimento da
obtenção de imagem por ressonância
magnética (MRI) permitiu uma resolução
muito alta da visualização, de forma não-
invasiva, dos tecidos vivos. O MRI agora
permite que tumores de mama muito
pequenos (alguns mm de diâmetro) sejam
detectados e, como mostrado aqui, torna
possível observar o progresso de uma
terapia antitumor – nesse caso,
quimioterapia com o agente citotóxico
antraciclina – em um detalhe excelente. O
uso em amplo espectro de tais técnicas de
obtenção de imagem altamente sensíveis
provavelmente resultará em aumentos
futuros no índice de incidência do câncer
de mama. (Cortesia de N.M. Hylton and L.J.
Esserman.)
INCIDÊNCIA DE CÂNCER E TENDÊNCIAS DE DIAGNÓSTICO / 729
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max729
730 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
ranjos de expressão (abaixo na Figura 16.5A) permitiu que esses tumores fossem segregados
em três diferentes doenças com diferenças clínicas resultantes completamente diferentes –
linfomas primários de células B mediastinais, linfomas de células do centro germinal seme-
lhantes a células B e linfomas semelhantes a células B ativadas (Figura 16.5B).
Desses três, tanto os linfomas semelhantes a células B ativadas (ABCs) como os linfomas
primários de células B mediastinais (PMBLs) exibem altos níveis constitutivos de atividade
de NF-κB (Figura 16.5C); esse fator de transcrição (Seção 6.12) parece estar dirigindo a sua
proliferação e, ao mesmo tempo, os protegendo da apoptose. De acordo com isso, drogas que
têm como alvo a via NF-κB, especificamente o seu ativador upstream, IKK, têm sido usadas
com o objetivo de afetar esses dois subtipos de células DLBCL propagadas em cultura, e, de
fato, ambos os grupos de células são mortos uma vez que elas perdem a sua atividade IKK
(Figura 16.5D). Células em cultura a partir do terceiro tipo de linfoma, linfomas de células
do centro germinal semelhantes a células B, não demonstram alta atividade de NF-κB e
essencialmente não são afetadas por um tratamento desses.
Figura 16.4 A estratificação do câncer de
mama pelo uso da genômica funcional (A)
Os arranjos de expressão foram utilizados
para analisar a expressão gênica de um
grupo de 296 cânceres de mama primários
diagnosticados em mulheres de menos de
53 anos de idade. O grupo inclui pacientes
com células metastáticas nos linfonodos da
axila assim como pacientes cujos
linfonodos estavam livres de células
cancerosas. A análise bioinformática
desses tumores foi então empregada para
escolher um grupo de 70 “genes de
prognósticos” cuja expressão poderia ser
utilizada para estratificar esses pacientes
com câncer de mama (arranjados ao longo
do eixo vertical), cujo curso clínico foi
acompanhado por um tempo médio de
sete anos. Os níveis de expressão desses
70 genes (arranjados ao longo do eixo
horizontal, não foram nomeados)
juntamente com informações sobre história
clínica dos pacientes foram então utilizados
para determinar um limiar que separava
tumores que tinham uma “marca de
expressão boa” dos tumores que tinham
uma “marca de expressão pobre”. (B) Este
gráfico de Kaplan-Meier revela a
estratificação de um grupo de 151
pacientes com câncer de mama cuja
sobrevivência foi acompanhada por 10
anos após o diagnóstico. Utilizando o
critério do painel (A), eles puderam ser
separados em dois grupos com cursos
clínicos completamente diferentes.
Juntando com outros fatores (como a
eficiência da quimioterapia), os cálculos
indicam que mulheres cujos tumores
carregam uma marca de expressão boa
virtualmente não obtêm benefícios da
quimioterapia adjuvante. (A partir de M.J.
van de Vijver, Y.D. He, L.J. Van´t Veer et al.,
N. Engl. J. Med. 347: 1999-2009, 2002.)
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0
0 2 4 6 8 10
–0,5 0,50
50
10 20 30 40 50 60 70
100
150
200
250
(A)
subexpressão razão (escala log) superexpressão
29
5 
tu
m
or
es
marca boa
(14 metátases por
115 pacientes)
limiar colocado aqui
marca pobre
(75 metástases por
180 pacientes)
70 genes de prognósticos
pr
op
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de
 s
ob
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vi
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es
(B)
marca boa (40%
dos pacientes):
~4% morrem de câncer de mama
~96% sobrevivem ao câncer de mama
marca pobre
(60% dos pacientes):
~50% morrem de câncer de mama
~50% sobrevivem ao câncer de mama
perfil bom (60)
perfil pobre (91)
tempo (anos)
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max730
A interpretação dos padrões de expressão gênica de tumores de histologia complexa, como os
carcinomas compostos tanto de tipos celulares do epitélio como do estroma, é freqüentemen-
te confundida com o fato de que os transcritos de RNA que são medidos são uma mistura
derivada de múltiplos tipos celulares. A técnica de microdissecção por captura a laser (LCM;
veja a Figura 13.23) agora torna possível isolar fisicamente as células epiteliais das do estroma
presentes em uma amostra de carcinoma que foi fixada sobre uma lâmina de microscópio.
Isso permite que o padrão de expressão gênica dos dois grupos de células seja analisado sepa-
radamente, permitindo um refinamento adicional dessas análises e, potencialmente, até mes-
mo uma estratificação mais acurada das amostras de tumores.
Além dessas análises de expressão gênica, há uma geração de novas ferramentas de diag-
nóstico envolvendo a ciência da proteômica, na qual o espectro de proteínas expressadas
Figura 16.5 Estratificação dos grandes linfomas de células B difusos
(A) DLBCLs representam um grupo de vários subtipos de neoplasias de
células B que são essencialmente indistinguíveis ao microscópio umas
das outras e dos linfomas de células B mediastinais primários (acima).
Entretanto, o uso de arranjos de expressão gênica (abaixo) permite que
esses tumores sejam estratificados em três subtipos, chamados de
linfomas primários de células B mediastinais (PMBLs), célula B do
centro germinal (GCB) DLBCLs e semelhantes a células B ativadas
(ABC) DLBCLs. Neste arranjo de expressão, um grupo de genes cujos
níveis de expressão têm sido úteis para fazer essa estratificação é
colocado ao longo do eixo vertical, enquanto um grupo de tumores de
pacientes (não-marcados) é colocado ao longo do eixo horizontal. (B)
Esta curva Kaplan-Meier ilustra os cursos bastante diferentes da
doença que os pacientes com os três subtipos sofrem. (C) Os tumores
que são classificados pelas análises de arranjo de expressão
mostrados no painel A exibem alterações cariotípicas e bioquímicas
distintas. (D) O fato de PMBLs e ABCs mostrarem níveis constitutivos
altos de atividade de NF-κB sugere que eles possam ser
particularmente suscetíveis ao rompimento dessa via de sinalização por
inibiçãomTOR é de especial interesse, porque funciona como uma ligação crítica no circuito controle de
células de mamíferos (Figura 16.44A). Assim, mTOR integra uma variedade de sinais aferentes (i.
e., que entram), incluindo a disponibilidade de nutrientes e mitógenos e, tendo feito isso, atua
para controlar a importação de glicose e a síntese protéica. Mais especificamente, mTOR fosforila
dois governadores-chave da tradução: cinase p70S6 (S6K1) e 4E-BP1. Essa fosforilação ativa
S6K1, que então procede a fosforilar a proteína S6 da subunidade ribossomal pequena (40-S),
permitindo que essa subunidade participe da formação do ribossomo (pela associação com a
subunidade ribossomal maior) e, assim, da síntese protéica.
Figura 16.44 O circuito de mTOR e as respostas tumorais a mTOR (A) mTOR
está no meio de um circuito complexo regulador que integra sinais de entrada
sobre a disponibilidade de nutrientes, tensão de oxigênio, níveis de ATP e sinais
mitogênicos e, como reposta, libera sinais que governam a biogênese do
ribossomo, a síntese de proteínas, a proliferação celular, a proteção contra
apoptose, a angiogênese e, até mesmo, a motilidade celular. mTOR existe em
dois complexos alternativos com seus parceiros Rictor (à esquerda) e Raptor (à
direita); os dois complexos se intercomunicam de forma ainda obscura. O
complexo mTOR-Rictor governa a atividade de Akt/PKB pela adição de um
segundo fosfato crítico para Akt/PKB e, assim, ganha controle sobre os efetores
múltiplos de Akt/PKB downstream. A exposição à rapamicina (à direita, abaixo)
inibe rapidamente o complexo mTOR-Raptor e, após extensos períodos, causa
um desligamento progressivo do complexo mTOR-Rictor. (B) Camundongos
BALB/c carregando células injetadas de uma linhagem celular de
adenocarcinoma de cólon singênico desenvolveram tumores grandes bem-
vascularizados (à esquerda) 35 dias após a injeção. Entretanto, quando o
crescimento desses tumores é permitido por uma semana após a qual os
camundongos recebem tratamento contínuo com doses de rapamicina
comparáveis àquelas usadas em humanos para imunosupressão, os tumores
são muito menores (à direita), e a densidade de microvasos nesses tumores é
menos do que a metade daquela observada nos tumores controle (não-
mostrado). (C) Osteossarcomas geralmente respondem pouco a vários tipos de
quimioterapia. Entretanto, no caso de um paciente de 23 anos de idade com
osteossarcoma, o tratamento com AP23573, um análogo da rapamicina, gerou
um decréscimo de mais de 50% no valor-padrão máximo de captação (SUV
max
)
de glicose marcada radiativamente por uma metástase dentro de cinco dias de
tratamento e mais de 85% de diminuição em 54 dias de tratamento (setas
brancas). Enquanto tais respostas não são típicas, elas indicam o potencial
desse tipo de tratamento e a possibilidade de que, no futuro, condições serão
encontradas para permitir respostas similares em uma proporção significativa
de tais pacientes. Cada uma dessas imagens é uma fusão de duas imagens
obtidas inicialmente por CT (tomografia de raios X computadorizada) e PET
(tomografia de emissão de pósitrons); a última mede a extensão da captura da
glicose marcada radiativamente, que geralmente é elevada em tecidos
neoplásicos. (A, a partir de D.A. Guertin and D.M. Sabatini, Trends Mol. Med.
11:353-361, 2005; B, a partir de M. Guba, von Breitenbuch, M. Steinbauer et al.,
Nat. Med. 8:128-135, 2002; C, cortesia de S. P. Chawla and K.K. Sankhala,
Century City Doctors´ Hospital and John Wayne Cancer Institute, e de C. L.
Bedrosian, Ariad Pharmaceuticals, Inc.)
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max784
O O
OO
PI3K
IRS
P
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?
P P
GTP
P P
FKBP12
(A)
Rictor GβL
mTOR
PIP 
3
PTEN P
P
P
P
P
ligação
Akt/PKB
angiogênese proliferação
sobrevivência celular
crescimento celular
síntese
protéica
eΙF4E
4E-BP1
PDK1
transcrição
rapamicina
S6K
Raptor GβL
mTOR
Rheb
TSC2 TSC1
hipoxia/estresse
AMPK
estresse
de
energia
nutrientes
(aminoácidos, glicose)
(B)
controle + rapamicina
(C)
início do tratamento
com AP23573
5 dias de tratamento 54 dias de tratamento
Além disso, fosforilando 4E-BP1, mTOR faz com que 4B-BP1 libere a sua ligação com o
fator de iniciação da tradução eIF4E (fator eucariótico de iniciação 4E); uma vez liberado,
eIF4E forma complexos com vários outros fatores de iniciação, e os complexos resultantes
permitem que os ribossomos iniciem a tradução de certos mRNAs, especificamente aqueles
RAPAMICINA COMO AGENTE ANTI-CÂNCER / 785
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max785
786 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
com regiões de oligopirimidina na sua região 5´ não-traduzida. Juntas, essas várias ações
permitem que mTOR seja um governador-chave do crescimento celular (em vez de prolife-
ração celular; veja a Figura 8.2).
Até recentemente, acreditava-se que mTOR fosse um dos substratos downstream de Akt/
PKB, especificamente aquele que permite que Akt/PKB regule o crescimento celular pelo
controle da síntese protéica. Mas isso está mudando: entende-se agora que mTOR é ativa-
dor-chave upstream de Akt/PKB. Essa mudança coloca mTOR em uma posição muito mais
potente na célula. Pelo controle de Akt/PKB, mTOR pode regular a apoptose e a prolifera-
ção, além da sua habilidade conhecida de regular o crescimento celular.
Na verdade, mTOR aparece em dois locais do circuito descrito na Figura 16.44A, uma vez
que ele é capaz de se associar a dois parceiros alternativos, chamados Raptor e Rictor. O
complexo mTOR-Rictor (juntamente com uma terceira proteína, GβL) é regulado de ma-
neiras desconhecidas por fatores de crescimento e é responsável pela ativação de Akt/PKB. O
complexo mTOR-Raptor (+GβL), sobre o qual se conhece mais, é responsável pela ativação
da síntese protéica (pela fosforilação de S6K1 e 4E-BP1). Atuando junto com FKBP12, a
rapamicina interage diretamente com o complexo mTOR-Raptor, que é rapidamente inibi-
do depois que essa droga é aplicada às células. Entretanto, se o tratamento com rapamicina é
continuado por várias horas, finalmente o complexo mTOR-Rictor também é desligado,
resultando na inibição de Akt/PKB. O mecanismo pelo qual a rapamicina tem sucesso em
inibir o complexo mTOR-Rictor é pouco compreendido.
Esse efeito inibitório sobre a sinalização de Akt/PKB parece ser responsável por grande parte
do efeito da rapamicina sobre células do câncer que exibem um PI3K hiperativado ou perda
da expressão de PTEN. É plausível que tais células, de maneira muito semelhante às células
de carcinoma pulmonar de células pequenas com receptores EGF mutantes (Barra lateral
16.3), tenham se tornado “viciadas” nos sinais de Akt/PKB e dêem uma guinada para apop-
tose no momento em que elas forem privadas desses sinais pelas ações da rapamicina e de
drogas relacionadas. Entretanto, as regras precisas que determinam a sensibilidade ao trata-
mento com rapamicina ainda devem ser trabalhadas.
O circuito regulador mostrado na Figura 16.44A intersecta em vias adicionais com a patogê-
nese do câncer. Por exemplo, TSC1 e TSC2 (também chamadas de hamartin e tuberin) já
apareceram neste livro no contexto de seus papéis como proteínas supressoras de tumores. A
perda de qualquer uma dessas proteínas leva a esclerose tuberosa (Tabela 7.1); e, como visto
na Figura 8.2, a perda de TSC1 resulta na formação de células gigantes tanto em moscas
como em humanos. TSC2 atua como uma GAP (proteína ativadora de GTPase; veja, por
exemplo, a Barra lateral 5.11) para Rheb, uma pequena proteína semelhante a Ras. Enquanto
TSC2 permanecer no estado ligado a GTP, Rheb contribui de maneiras desconhecidas para
estimular o complexo mTOR-Raptor-GβL; entretanto, uma vez que TSC2 induziu Rheb
para hidrolizar o seu GTP, Rheb perde sua atividade estimuladora. No momento, outras
conexões sinalizadoras entre o circuito mTOR e a crítica indução de crescimento e proteínas
mitogênicas estão progredindo pela pesquisa em andamento.
Vários derivados da rapamicina têm sido produzidos, e três estão em testes clínicos de fase
inicial. O seu desenvolvimentotem sido encorajado, em parte, pela observação de que dro-
gas, como a rapamicina, podem ser toleradas por períodos extensos por receptores de trans-
plantes, indicando um nível baixo tolerável de efeito tóxico colateral. Nos experimentos pré-
clínicos, a rapamicina dada aos camundongos em níveis que são usados para imunossupres-
são crônica tem fortes efeitos na supressão de neoangiogênese associada a tumor e, portanto,
o crescimento tumoral (Figura 16.44B), um efeito que pode ser explicado pelo fato de que uma
das três isozimas Akt/PKB, Akt1, é crítica para a habilidade das células endoteliais e seus precur-
sores para responder a estimulação por fatores de crescimento do edotélio vascular (VEGF).
Em alguns testes clínicos, notavelmente aqueles com enfoque no tratamento de sarcomas,
ocasionalmente têm sido observadas respostas clínicas que são bastante marcantes (Figura
16.44C). E, em 2006, foi reportado que a rapamicina induz regressão de astrocitomas asso-
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max786
ciados a esclerose tuberosa (veja a Figura 8.2B). Na verdade, são respostas clínicas como essas
que têm motivado a discussão sobre o circuito mTOR neste capítulo. Elas fornecem dicas
atormentadoras de como esse circuito pode ser um dia manipulado para induzir a morte de
células cancerosas, gerando melhoras substanciais na terapia dos tumores sólidos. Esses avan-
ços provavelmente aparecerão à medida que os oncologistas aprenderem quais tipos de célu-
las cancerosas são particularmente sensíveis aos análogos de rapamicina, muitas vezes na
presença de outras drogas terapêuticas colaboradoras.
16.16 Sinopse e perspectivas: desafios e oportunidades no
caminho adiante
“Quando o câncer será curado?” Essa é a questão simples e lógica mais freqüentemente colo-
cada aos pesquisadores de câncer por aqueles que não estão diretamente envolvidos nessa área
de pesquisa bioquímica. Nas suas mentes, estão as histórias de outras medidas de saúde pú-
blica. Doenças infecciosas, como pólio e varíola, podem ser prevenidas, e as infecções bacte-
rianas são quase invariavelmente curadas. Doenças do coração estão aos olhos de muitos,
bem no caminho de serem prevenidas. Por que com o câncer deveria ser diferente?
A informação neste livro fornece algum discernimento para as respostas a essas questões.
Tanto quanto temos invocado a unificação dos conceitos para retratar o câncer como uma
doença única, a realidade – ao menos aos olhos de oncologistas clínicos – é muito diferente.
O câncer é, na verdade, uma coleção de mais de 100 doenças, cada uma afetando uma célula
distinta ou um tipo de tecido no corpo.
Análises patológicas nos levaram a utilizar esse número, ou outro um pouco maior. (Por
exemplo, existem no mínimo oito categorias histopatológicas diferentes de câncer de mama.)
Entretanto, mesmo o número expandido, grande como possa ser, representa uma ilusão: o
uso corrente de diagnóstico molecular, especificamente arranjos de expressão gênica, está
levando a uma explosão de subcategorias, de modo que, na segunda década do novo milênio,
várias centenas de doenças neoplásicas distintas provavelmente serão reconhecidas, cada uma
seguindo o seu próprio curso clínico razoavelmente predizível e exibindo a sua própria res-
ponsividade para formas específicas de terapia. Com a passagem do tempo, o diagnóstico do
câncer será feito cada vez mais usando bioinformática em vez dos olhos treinados de um
patologista.
Assim, a resposta inicial para questões sobre “a cura” é que não existirá um atalho principal
único que curará todos os cânceres – uma vitória decisiva no campo de batalha –, simples-
mente porque o câncer não é uma doença única. Em vez disso, existirão vários conflitos
pequenos que irão reduzir constantemente os índices gerais de morte de vários tipos de cân-
cer. E, como certos defeitos moleculares e processos patológicos (p. ex., angiogênese) são
compartilhados por múltiplos cânceres humanos, existirão ocasiões em que avanços terapêu-
ticos sobre várias frentes serão realizados concomitantemente.
Antes de especularmos sobre o futuro da terapia do câncer, é válido dar um passo para trás e
acessar o escopo do desafio: (1) quão grande é o problema do câncer e, no futuro, o quão
desesperadora será a necessidade de curar vários tipos de doenças neoplásicas? (2) O quão
bem estamos fazendo agora para curar os principais tumores sólidos?
A epidemiologia e a demografia fornecem algumas respostas para a primeira questão. Elas
geram estimativas moderadas do caminho à frente. As estatísticas na Figura 16.45 demons-
tram que o câncer é, em grande parte, uma doença dos mais velhos, cujo número está cres-
cendo mais rapidamente e continuará assim, gerando aumentos progressivos nos números de
mortes relacionadas ao câncer (mortalidade) por todas as décadas a seguir.
Igualmente importante, ainda temos apenas maneiras muito imperfeitas de medir a incidên-
cia – com qual freqüência a doença dá o golpe. Isso complica muito as estimativas de efetivi-
dade das terapias atuais e as necessidades futuras para terapias. Como indicado na Figura
SINOPSE E PERSPECTIVAS / 787
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max787
788 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
16.46, percepções sobre a incidência de certos tipos de doenças neoplásicas são fortemente
influenciadas pelas práticas de diagnóstico.
Para vários tipos de câncer, quanto mais se procura, mais se acha. Estatísticas como aquelas
na Figura 16.46 sugerem que, no passado, vários cânceres permaneceram sem diagnóstico e
assintomáticos, e que esses tumores estão contribuindo para a maior parte dos aumentos
visíveis na incidência da doença, notavelmente de tumores comuns, como aqueles que sur-
gem na mama e na próstata. (As principais exceções aqui são os cânceres relacionados ao uso
do tabaco, cujo aumento da incidência é real e além de discussão, uma vez que as taxas de
incidência são quase comparáveis com as taxas de mortalidade.) Tais estatísticas indicam que,
para vários tipos de tumores, temos apenas uma pobre apreciação de quão grande é o número
daqueles que realmente requerem tratamento (veja a Barra lateral 16.4).
Dados como aqueles na Figura 16.46 também questionam a noção (Capítulo 11), profunda-
mente incrustada no pensamento de vários biologistas do câncer e oncologistas clínicos, de
1990
31,2
2000
34,7
2010
39,4
2020
53,2
2030
69,4
2040
75,2
2050
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70
60
50
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30
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9
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+
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300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
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0
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1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
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anos
Figura 16.45 A demografia e epidemiologia do câncer (A) Devido a
quedas bruscas na mortalidade na meia idade, populações em países
industrializados estão envelhecendo rapidamente. Nos Estados Unidos,
o número de indivíduos acima de 65 anos aumentou 11 vezes desde
1900, enquanto o número daqueles abaixo de 65 aumentou três vezes.
Aumentos comparáveis na população mais velha provavelmente
ocorrerão por todo o mundo durante as próximas gerações. (B) A
porcentagem de morte, ajustada à idade, por câncer colorretal alterou
apenas levemente durante várias décadas passadas. Outros cânceres
importantes mostraram curvas similares. (C) Como inúmeras outras
doenças, câncer é incomum cedo na vida ou durante a meia vida e
então aumenta rapidamente. Mostrada aqui está a taxade morte
dependente da idade por câncer colorretal. (D) Por causa do (1)
aumento do número de mais velhos de forma constante durante o século
passado, que continuará dessa forma (veja o painel A), (2) câncer ser uma
doença de mais velhos (painel C), e (3) a taxa ajustada à idade da maioria
dos cânceres ter sido relativamente constante durante várias décadas
(como sugerido no painel B), o número absoluto de mortes anuais por
causa de câncer aumentou dramaticamente durante os três quartos
passados de século nos Estados Unidos. Uma vez que essas tendências
provavelmente continuarão, o peso de casos de câncer nas sociedades
industrializadas continuará a aumentar por várias décadas. (A, cortesia de
D. Singer and R. Hodes, a partir de U.S. Bureau of the Census
Projections of 1996; B, cortesia de M.J. Thun, a partir de Câncer
Statistics, 2003, American Cancer Society; C, a partir de A. Jemal, T.
Murray, E. Ward et al., CA Câncer J. Clin. 55:10-30, 2005; D, a partir de
A. Jemal, E.M. Ward and M.J. Thun, in V. DeVita et al. (eds.), Cancer:
Principles and Practice of Oncology, 7th ed. Philadelphia: Lippincott/
Williams & Wilkins, 2004.)
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max788
Figura 16.46 Incidência e mortalidade do melanoma A incidência de
melanoma nos Estados Unidos aumentou em seis vezes durante a última
metade do século, levantando a questão de se essa tendência criou um
aumento comparável no número de casos que necessitam tratamento
clínico agressivo. (A) O transtorno na incidência de melanoma (para as
categorias de doenças localizadas de estágio inicial e disseminadas de
estágio avançado, ambas diagnosticadas por biópsia de pele) em nove
áreas dos Estados Unidos entre indivíduos acima dos 65 anos de idade
indica um aumento dramático durante as duas décadas passadas na
incidência da doença de estágio inicial e na incidência relativamente
constante da doença de estágio avançado. A mortalidade ajustada por
idade tem sido relativamente constante durante esses anos. (Melanoma é
uma doença cuja incidência surge progressivamente com a idade,
tornando este grupo de idade o que tem a incidência e a mortalidade mais
altas a partir dessa doença.) Esses dados levantaram a questão de se a
incidência real da doença de estágio inicial tem aumentado durante esse
período, ou se a incidência real tem sido relativamente constante e a
incidência registrada dessa doença aumentou por causa das alterações
nas práticas de triagem. (B) Se as taxas de incidência, como aqueles do
painel A, são colocadas contra as taxas de triagem por melanoma em
nove áreas dos estados Unidos, como registrado durante vários períodos,
o gráfico resultante revela uma correlação próxima entre os dois. Isso
fornece fortes indicações de que a incidência da doença é muito
influenciada pelas práticas de diagnóstico. Então é possível que (1) a
incidência verdadeira de melanomas que ameaçam a vida (painel A)
não tenha alterado significativamente durante as últimas duas décadas
passadas; ou que (2) a verdadeira incidência desses tumores
aumentou, mas a intensificação da triagem manteve a taxa de
mortalidade nos níveis observados há duas décadas pela permissão da
remoção de tumores em estágios iniciais antes que eles progredissem
para invasivos e metastáticos. (A partir de H.G. Welch, S. Woloshin and
L.M. Schwartz, BMJ 331:481, 2005.)
0
25
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1986 1991 1986 2001
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1986 2001 1987–2000
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taxa de biópsias de pele realizadas em 9 regiões
dos EUA (por 100.000 de população)
Barra lateral 16.4 Qual é a verdadeira in-
cidência dos cânceres que ameaçam a vida?
Para alguns, dados como aqueles mostra-
dos na Figura 16.52 podem sugerir que a
incidência ajustada pela idade de melano-
mas que ameaçam a vida não se alterou
durante as últimas duas décadas, e que a
triagem por melanomas, que é praticada
cada vez mais nos países industrializados,
apenas levou à descoberta de crescimentos
que, em tempos anteriores, não teriam sido
noticiados e nunca teriam progredido para
um estado altamente maligno. Isso sugeri-
ria que a triagem por melanoma, e, por ex-
tensão, por outras malignidades em estágio
inicial, teria poucos efeitos benéficos em
termos de redução de mortalidade.
Mas existe uma outra visão igualmente
plausível: que a verdadeira incidência dos me-
lanomas com potencial de se tornarem amea-
çadores à vida tem aumentado, de fato, cons-
tantemente nas décadas recentes (p. ex., como
uma conseqüência da exposição aumentada ao
sol), e que a triagem preveniu um aumento as-
sociado na mortalidade, uma vez que ele fre-
qüentemente leva à remoção de tais crescimen-
tos muito antes que eles tenham tempo de pro-
gredir para um estado altamente maligno. Em
partes da Austrália, por exemplo, onde a tria-
gem por melanomas tem sido praticada am-
plamente há três décadas, a mortalidade por
melanoma ajustada pela idade tem realmente
diminuído nos últimos anos. Significativa-
mente, a mortalidade tem diminuído em gru-
pos de pessoas que nasceram após 1950, quan-
do o reconhecimento do perigo da radiação
UV tornou-se conhecido. Mas mesmo essa es-
tatística é sujeita a interpretações alternativas: a
diminuição pode ter sido por causa da preven-
ção (na forma de loção protetora contra o sol e
maiores proteções da pele ao ar livre) em vez de
devida à triagem.
Em ambos os casos, está claro que as medi-
das existentes da incidência da doença para essa
e outras neoplasias relativamente comuns são
altamente inexatas, o que complica muito o
desenvolvimento de estratégias para reduzir a
mortalidade relacionada ao câncer. Assim, na
medida em que as tecnologias para detecção
melhoram (veja a Figura 16.3), a proporção
dos tumores descobertos que provavelmente
se tornarão altamente malignos provavelmente
diminuirá, e uma proporção aumentada de
tumores será submetida à terapia quando ne-
nhuma é justificada pelo curso natural desses
crescimentos mais benignos. Essas tendências
destacam os dilemas idênticos encarados por
aqueles que estão envolvidos no desenvolvi-
mento de vários tipos de terapia para o cân-
cer: o número absoluto de casos que reque-
rem tratamento é desconhecido, e é difícil
distinguir com alguma certeza entre aqueles
crescimentos que necessitam de um tratamen-
to agressivo e aqueles que podem ser ignora-
dos ou, no máximo, submetidos a “observa-
ção atenta”.
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790 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
50%
40%
30%
20%
10%
0%
0% 100% 200% 300% 400%–100%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
0% 100% 200% 300% 400%–100%
(A)
au
m
en
to
 a
bs
ol
ut
o 
na
 s
ob
re
vi
vê
nc
ia
po
r 5
 a
no
s 
de
sd
e 
19
50
percentagem de alteração na mortalidade 1950-1996
Pearson r = ,00
Spearman r = ,07
Pearson r = ,49 
Spearman r = ,37
(B)
au
m
en
to
 a
bs
ol
ut
o 
na
 s
ob
re
vi
vê
nc
ia
po
r 5
 a
no
s 
de
sd
e 
19
50
percentagem de alteração na incidência 1950-1996
que os crescimentos benignos estão em perigo de se tornarem, mais cedo ou mais tarde,
altamente malignos. A epidemiologia do câncer agora nos confronta com uma possibilidade
alternativa: vários tipos de tumores em estágio inicial, incluindo aqueles associados a tipos de
câncer que ocorrem normalmente, provavelmente não progredirão para uma malignidade de
alto grau durante um período de vida médio. Infelizmente, estamos apenas começando a
aprender como segregar aqueles tumores que estão verdadeiramente merecendo um trata-
mento agressivo daqueles que não (veja, por exemplo, a Figura 16.4).
Para a segunda questão, que negocia com a efetividade das terapias atuais para o câncer,
nossas percepções estão fortemente influenciadas pelo fato de que as pessoas estão vivendopor mais tempo com seus cânceres. Isso fornece uma medida de segurança renovada que o
progresso está fazendo. Entretanto, algumas dessas melhorias percebidas na terapia podem, mais
uma vez, ser artefatos de uma triagem aumentada e de técnicas de detecção mais sensíveis que
descobrem os tumores relativamente cada vez mais cedo no seu desenvolvimento, dando ao pa-
ciente anos adicionais de sobrevivência antes que a progressão do tumor avance pelo seu curso
natural, com ou sem tratamento (Figura 16.47). Essas lógicas forçam a conclusão de que a eficácia
das terapias podem ser medidas acuradamente apenas por experimentos bem-controlados: com-
parações de várias populações de pacientes que estão afligidas pela mesma malignidade e expostas
em paralelo a diferentes agentes ou protocolos de tratamento. Tais comparações lado a lado têm,
até recentemente, gerado apenas ganhos incrementais no tratamento da maioria dos tumores
sólidos (veja, por exemplo, a Figura 16.22), mas isso está começando a mudar, à medida que
novas drogas e anticorpos monoclonais são introduzidos na clínica.
Gleevec, Avastin e Rituxan (veja as Seções 13.10 e 15.20) vêm à mente nesse ponto. A maior
esperança é que agentes como esses sejam os precursores de dúzias e, finalmente, centenas de
drogas específicas muito eficazes. Esforços para desenvolver tais drogas altamente específicas,
incluindo anticorpos, irão com certeza gerar números continuamente aumentados de agen-
tes anticâncer aprovados em cada ano que se passa. O uso de procedimentos monitorados
por computador, como triagem em larga escala (HTS), automatizou a determinação das
estruturas de moléculas-alvo, e o desenho auxiliado por computador de moléculas de drogas
(Figura 16.48) já começou a colocar essa tendência em movimento.
Tradicionalmente, novos grupos têm sido avaliados como agentes únicos durante o desenvolvi-
mento pré-clínico e testes clínicos de Fase I. Essa prática contrasta com a crença crescente dos
pesquisadores do câncer de que a maioria das monoterapias provavelmente não geram tratamen-
tos curativos e que, com raras exceções, respostas clínicas verdadeiramente bem-sucedidas depen-
derão do uso de combinações de drogas anticâncer. Parte do seu racional deriva da plasticidade
genética conhecida de populações de células tumorais. Como aprendemos no Capítulo 12, geno-
mas de células tumorais são geneticamente instáveis, e o grande número de células neoplásicas
dentro dos tumores está contuinuamente produzindo subclones variantes. Alguns desses podem,
por casualidade, ter adquirido os meios para resistir à morte pelos agentes terapêuticos, e, uma vez
confrontadas com um agente desses, essas variantes terão sucesso mesmo na medida em que a
massa de células em um tumor esteja sendo eliminada.
Figura 16.47 Incidência de câncer e
sobrevivência desde 1950 nos Estados
Unidos Uma maneira de medir o sucesso
terapêutico do tratamento de um certo tipo
de tumor é determinar a porcentagem de
pacientes que sobrevivem por cinco anos
após o diagnóstico inicial. (A) Se a
extensão do tempo de sobrevivência do
paciente após o diagnóstico for uma
reflexão do aumento da eficácia do
tratamento, essa extensão deveria estar
correlacionada com uma diminuição na
mortalidade, por esse tipo de tumor,
ajustada à idade durante o último meio
século. Na verdade, como indicado aqui,
não existe correlação entre esses dois
parâmetros quando alterações nas taxas de
sobrevivência por cinco anos de vários
tumores sólidos são colocadas contra as
alterações na mortalidade. (Note os
coeficientes baixos de correlação, acima, à
direita). (B) Em vez disso, existe uma
correlação significativa entre alterações na
sobrevivência por cinco anos e alterações
na incidência da doença. Se a última é
fortemente afetada por diagnóstico
tendencioso (veja a Figura 16.46), então
aumentos na sobrevivência por cinco anos
se tornam muito difíceis se serem
interpretados, uma vez que eles podem
refletir amplamente a detecção de uma
doença em um estágio mais inicial do
curso clínico natural. (A partir de H.G.
Welch, L.M. Schwartz and S. Woloshin, J.
Am. Med. Assoc. 282:2976-2978, 2000.)
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Tais pensamentos, originalmente inpirados pelo comportamento das populações de bactérias
tratadas com antibióticos, precisam de terapias que envolvem o tratamento simultâneo com
dois ou mais agentes que têm mecanismos bem diferentes de ação. Se a probabilidade de
resistência adquirida para matar células por um único agente é pequena (p. ex., 1 em 105), a
probabilidade de clones celulares adquirirem resistência a dois agentes é muito menor, possi-
velmente o quadrado dessa probabilidade (1 em 1010). O último número pode ser maior do
que o número total de células em um tumor, tornando improvável que qualquer célula única
seja capaz de resistir simultaneamente à morte por ambos os agentes. (A existência de resis-
tência a múltiplas drogas enfraquece um pouco esse argumento.)
A lógica das terapias com múltiplas drogas é sustentada pelas informações acumuladas sobre
tumorogênese em múltiplas etapas, na qual certos fenótipos de células cancerosas podem ser
obtidos pelas ações combinadas de várias alterações genéticas e/ou epigenéticas (veja a Figura
11.43). Um exemplo é fornecido por tumores nos quais a via de sinalização Ras foi ativada e
as vias supressoras de tumores p53 e PTEN foram inativadas. Cada uma dessas mudanças, à
sua própria maneira, reduz a chance de uma célula cancerosa poder ser empurrada para a
beira da apoptose. Essa sobreposição da função apoptótica pode requerer um tratamento que
tenha como alvo todas as três vias de sinalização, com o objetivo de destruir a célula cancero-
sa. (De maneira interessante, um inibidor de tirosina cinase de baixo peso molecular pode
atuar sinergisticamente com anticorpos monoclonais sobre um alvo em comum, o receptor
EGF, indicando que os benefícios terapêuticos podem vir, com freqüência, a partir de com-
binações surpreendentes de agentes.)
No momento, a escolha de drogas a serem usadas sozinhas ou em combinação é inspirada
pela intuição biológica ou por suposições pouco informadas. Cada vez mais na próxima
década, estratégias para organizar protocolos de tratamentos com múltiplas drogas serão in-
fluenciadas por nossa compreensão rápida da evolução do desenho do circuito de sinalização
dentro das células humanas e por diagnósticos moleculares que mostram como certas vias de
sinalização têm sido perturbadas em alguns tumores e não em outros. A genômica funcional
usando arranjos de expressão gênica já começou a mudar isso, como indicado pelas análises
dos grandes linfomas difusos de células B descritas neste capítulo (Figura 16.5).
E se as forças reais de uma droga candidata forem apenas notáveis quando ela é utilizada em
combinação com várias outras? Em teoria, vários agentes anticâncer deveriam cair nessa cate-
goria, sugerindo que várias drogas candidatas verdadeiramente úteis foram descartadas no
passado e que várias outras sofrerão esse fato no futuro, simplesmente porque a sua verdadei-
ra utilidade como agente de combinação nunca será testada. Mais uma vez, espera-se que a
nossa compreensão cada vez maior sobre o circuito de sinalização subcelular melhore essa
situação (mas veja a Barra lateral 16.5).
His 283
Lys 232
Asp 351
H 
2O
Figura 16.48 Triagem virtual – o desenho
de drogas no computador A triagem em
larga escala gerou um grande número de
drogas candidatas altamente atrativas,
várias das quais avançaram para um teste
clínico. No futuro, entretanto, muito dessa
triagem, que é de alto custo, pode ser
evitada pelo desenvolvimento de algoritmos
potentes que permitam aos farmacologistas
desenhar drogas usando as estruturas
conhecidas das proteínas-alvo. O
desenvolvimento da droga aqui ilustrada
começou com um composto que mostrava
uma afinidade muito fraca (IC
50
 de 30 μM)
para o sítio de ligação a ATP do receptor
TGF-β tipo I da cinase. Pesquisadores
então procuraram em um banco de dados
de 200 mil compostos conhecidospor
compostos que compartilhavam alguma
característica química com o composto
inicial e obedeciam aos obstáculos
impostos pela estrutura conhecida do sítio
de ligação a ATP. Isso gerou as estruturas
de 87 espécies químicas que satisfazem tal
critério e que foram então triadas por meio
de técnicas bioquímicas convencionais.
Uma dessas, chamada de HTS466284,
mostrada aqui, se assenta no sítio de
ligação a ATP do receptor TGF-β tipo I da
cinase, exibe um IC
50
 de 27 nM e, assim,
funciona como um potente inibidor da
sinalização por TGF-β. Significativamente,
um outro grupo de pesquisa, que trabalha
independentemente, chegou a uma
molécula inibidora idêntica usando triagem
convencional em larga escala. As pontes
de hidrogênio estão indicadas por linhas
pontilhadas. (A partir de J. Singh, C.E.
Chuaqui, P.A. Boriack-Sjodin et al., Bioorg.
Med. Chem. Lett. 13:4355-4359, 2003.)
SINOPSE E PERSPECTIVAS / 791
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max791
792 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
A descoberta de células-tronco tumorais, como descrito no Capítulo 11, cria outro grande
desafio para o desenvolvimento de drogas anticâncer. Lembre que a auto-renovação das célu-
las-tronco tumorais pode semear novos tumores, enquanto a sua progênie amplificadora em
trânsito, muito mais numerosa, com capacidade de auto-renovação limitada, não pode. Esse
esquema de organização foi inicialmente demonstrado em leucemias, carcinomas de mama e
tumores cerebrais, mas, a longo prazo, provavelmente descreverá a organização da maioria
dos outros tipos de tumores humanos também.
Tal organização hierárquica funcionando dentro dos tumores alimenta importantes implica-
ções para o desenvolvimento de drogas anticâncer. Tradicionalmente, a validação clínica da
eficácia terapêutica dessas drogas dependeu de demonstrações da sua habilidade em parar um
crescimento adicional de tumores ou em causar diminuições significativas no tamanho do
tumor. Vários agentes antitumorais sendo testados em testes clínicos podem encolher massas
tumorais pela eliminação de populações de células amplificadoras em trânsito, que consti-
tuem uma grande massa de células neoplásicas nesses crescimentos. Entretanto, se as células-
tronco tumorais de auto-renovação são deixadas sem serem tocadas por essas drogas (veja a
Figura 16.30), o tumor tem uma alta probabilidade de crescer novamente, levando, mais
cedo ou mais tarde, a reincidência clínica.
Essa organização das células neoplásicas dentro de um tumor significa que remissões duráveis
e curas só podem derivar de terapias que golpeiam o coração do tumor – as células-tronco
tumorais de auto-renovação. Atualmente, ensaios para a presença dessas células na maioria
dos tipos de tumores essencialmente não existem. Portanto, esforços no desenvolvimento de
drogas estão amarrados porque eles não têm uma ferramenta-chave analítica necessária para
o desenvolvimento de terapias verdadeiramente eficazes.
Um problema maior ainda não-resolvido diz respeito aos modelos biológicos de tumores
humanos que são usados no desenvolvimento pré-clínico de drogas. Alguns modelos de xe-
noenxertos de câncer humano são úteis na predição do comportamento dos tumores encon-
trados na clínica oncológica, mas vários não são (veja a Barra lateral 13.2). O desenvolvimen-
to de modelos pré-clínicos preditivos de câncer humano, se existirem, certamente reduzirão
o custo do desenvolvimento de drogas e, muito possivelmente, podem até evitar certos testes
clínicos da fase inicial. No momento, o desenvolvimento de modelos de tumores animais,
verdadeiramente úteis, é um pouco mais do que uma esperança irreal.
As células não-neoplásicas do estroma dentro de um tumor podem ser os principais determinantes
da responsividade para a maioria das terapias com drogas; apesar disso, as suas contribuições não
são reconhecidas no desenho de vários modelos pré-clínicos de câncer humano. No Capítulo 13,
aprendemos, por exemplo, que as células mais radiossensíveis em alguns tumores são provavel-
mente as células endoteliais que formam a sua neovasculatura (veja a Figura 13.48). Além disso,
parece cada vez mais provável que vários quimioterápicos anticâncer amplamente usados tenham
fortes efeitos sobre as células endoteliais associadas a tumores que nunca foram suspeitas no passa-
do. De fato, alguns pesquisadores estão redesenhando protocolos de tratamento quimioterapêuti-
co com o objetivo de otimizar seus efeitos tóxicos sobre a neovasculatura associada a tumor. O
reconhecimento dessas duas classes de células – células-tronco cancerosas e células do estroma de
tumores – como alvos biológicos criticamente importantes de quimioterapia certamente modifi-
carão a completa paisagem do campo do desenvolvimento de drogas.
O último teste de várias drogas candidatas anticâncer vem apenas quando elas são testadas
em um número substancial de pacientes de câncer. Nesse estágio, o desenvolvedor da droga
com freqüência é confrontado pelo dilema de não saber quais tipos de tumores provavelmen-
te responderão. Deveria uma droga candidata ser testada em pacientes que sofrem de carci-
nomas pancreáticos ou neuroblastomas? As lesões moleculares descobertas nesses e em outros
tipos de células cancerosas pareceriam ser indicadores muito úteis que podem ser usados para
informar essa decisão. Mas, bastante freqüentemente, certos tipos de tumores respondem por
razões que não podem ser preditas pelos genes mutantes e pelas vias de sinalização desregula-
das sabidamente presentes nesses crescimentos e, assim, as escolhas de pacientes recrutados
para os testes clínicos são arbitrárias e abaixo do adequado. Mais uma vez, podemos apenas
Barra lateral 16.5 O não-incentivo le-
gal e financeiro diminui a chance de
testar drogas em combinações Atual-
mente, as dificuldades biológicas de tes-
tar drogas candidatas em combinação
com outras são compostas por forças
econômicas que freqüentemente não dão
incentivo a companhias farmacêuticas
para testar as suas próprias drogas em
combinação com aquelas produzidas
pelos seus concorrentes. As regulamen-
tações de patentes também têm desen-
corajado certos usos de compostos pa-
tenteados por empresas que estão em
competição direta com o proprietário da
patente.
No passado, as dificuldades para or-
ganizar testes clínicos iniciais com múl-
tiplas drogas eram também combinadas,
nos Estados Unidos, à insistência da
Food and Drug Administration (FDA)
de que a eficácia clínica dos candidatos
a drogas deveria ser demonstrada quan-
do eles eram usados como monoterapias.
Mas isso começou a mudar. Por exem-
plo, Erbitux, um anticorpo monoclonal
anti-receptor de EGF (Barra lateral
15.4), foi aprovado inicialmente para uso
juntamente com irinotecan, pois os dois
usados juntos geraram respostas muito
melhores do que o irinotecan sozinho.
(Irinotecan é um agente citotóxico mais
tradicional que funciona como um ini-
bidor da topoisomerase I.)
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max792
esperar que a nossa percepção cada vez maior sobre as etiologias moleculares de vários cânce-
res forneça linhas de direção verdadeiramente úteis para os oncologistas prosseguirem.
Nos final das contas, o maior desafio do desenvolvimento atual de drogas é demonstrar a
eficácia em longo prazo: uma droga que está sendo testada tem efeitos significativos na exten-
são da expectativa de vida de pacientes com câncer e deveríamos ousar esperar que ela possa
alcançar curas duráveis? Algumas populações de células cancerosas podem desenvolver meca-
nismos de evasão a drogas pelo aumento das suas defesas antiapoptóticas. Todavia, outras
podem perder controles de pontos de checagem que previamente as tornaram sensíveis a
certos tipos de tratamentos com drogas. Tumores formados a partir de células cancerosas cuja
morte foi previamente alcançada pelo ataque mediado por anticorpos pode simplesmente
regular para baixo a expressão do antígeno reconhecido pelo anticorpo terapêutico. Um nú-
mero significativo de células cancerosas pode desenvolver resistênciaa uma droga por meio
de estratégias que previnem o acúmulo intracelular de drogas. No momento, ainda não está
claro se um dia seremos capazes de desenvolver estratégias de tratamento que antecipem a
plasticidade e a evasividade das células cancerosas, permitindo que desenvolvamos curas de-
finitivas em longo prazo de malignidades que foram incuráveis por muito tempo.
Independentemente do desafio do desenvolvimento e testes de drogas para o câncer estão os
problemas mais transcendentes criados pela biologia complexa dos cânceres humanos: dife-
rentes tipos de drogas precisam ser desenvolvidos para diferentes classes de câncer ou um
pequeno número de tratamentos irão encontrar uma ampla aplicabilidade? Diferentes tumo-
res dentro de uma dada classe (p. ex., carcinomas de cólon) requerem tratamentos distintos
feitos sob medida com base nos seus genótipos e fenótipos particulares? Um dia seremos
capazes de prover uma “medicina molecular personalizada” a um custo que pode ser pago, no
qual as características detalhadas de cada tumor de paciente e constituição genética infor-
mam o desenho de uma terapia personalizada?
Alguma vez serão desenvolvidas drogas antineoplásicas que têm efeitos letais sobre crescimentos
malignos enquanto têm mínimos efeitos colaterais sobre tecidos normais? E os desenhistas de
drogas deveriam responsabilizar-se para desenvolver drogas anticâncer que mantêm os tumores
sob controle em vez de tentar destruí-los? O objetivo de curar totalmente vários tipos de tumores
pode muito bem ser um objetivo inalcançável, e, para esses tumores, reduzir o câncer para uma
doença crônica mas suportável pode ser um objetivo mais realizável. (Esse é o pensamento de
pesquisadores que desenvolvem novos tipos de terapias anti-HIV.)
Um censo em 2004 de genes mutados nos genomas de células cancerosas humanas “pescou” 291
genes distintos – quase 1,5% dos genes presentes no genoma humano (Figura 16.49). Desses, 228
estão envolvidos em câncer apenas por mutação somática, enquanto 32 estão envolvidos por
mutações em alelos, que são adquiridas tanto somaticamente como pela linhagem germinal. Essa
lista sem dúvida crescerá; por exemplo, genes cujo envolvimento no câncer só é evidente a partir
da metilação dos seus promotores nem foram incluídos nesse censo.
Esse censo fornece vários alvos promissores para o desenvolvimento de drogas para pesquisa-
dores envolvidos no desenvolvimento de novos tipos de terapias anticâncer. Ao mesmo tem-
po, ele representa uma complexidade confusa. Alguns desses genes são mutados apenas em
raros cânceres, e os custos para desenvolver drogas terapêuticas direcionadas contra seus pro-
dutos protéicos provavelmente nunca serão recuperados por vendas. A maior parte das pro-
teínas mutantes codificadas contribui de maneira ainda obscura para o crescimento neoplási-
co de vários tipos de células humanas cancerosas. Como alguma vez relacionaremos papéis-
chave com cada um dos aproximadamente 300 genes mutantes que já são conhecidos ou
suspeitos de estarem envolvidos na patogênese de vários cânceres? Nossos métodos atuais de
assimilar e interpretar dados sobre os genomas de células humanas cancerosas e vias de sina-
lização não são adequados para a tarefa.
Vários pesquisadores do câncer gostariam de compreender inteiramente um sistema biológi-
co, como uma célula de câncer viva, em vez dos seus componentes funcionais individuais.
Aos seus olhos, a biologia reducionista, que enfoca o indivíduo, teve seus dias, e chegou a vez das
SINOPSE E PERSPECTIVAS / 793
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max793
794 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
vastas quantidades de informação conhecidas sobre esses componentes serem integradas nos siste-
mas complexos de interação cujo comportamento pode ser predito pela bioinformática.
Sucessos nesses esforços, envolvendo a nova disciplina de “biologia de sistemas”, certa-
mente beneficiarão a pesquisa sobre o câncer. Imagine um dia – ainda daqui há anos –
em que as respostas biológicas de várias células humanas, normais ou malignas, poderão
ser preditas por modelos matemáticos dessas células e seus circuitos controle internos.
Tais avanços tornarão várias práticas correntes na biologia experimental, incluindo vá-
rias etapas do desenvolvimento de drogas, desnecessárias. Se isso alguma vez se tornar
possível, o desenvolvimento de drogas será mais uma matéria de bioinformática do que
de biologia de bancada do laboratório.
Mas, até o momento, a maior parte disso permanece um sonho, muito além no futuro. Até
agora, no mínimo, necessitamos lutar com as amargas realidades do desenvolvimento de
drogas, os modelos animais inadequados, nossa ignorância sobre o comportamento do cir-
cuito regulador das células e as complexidades biológicas confusas do câncer humano.
Conceitos-chave
• A ciência da oncologia molecular revelou dúzias de proteínas cujo mau funcionamento
contribui para a formação e manutenção de tumores.
• Entre essas proteínas, estão aquelas cujas propriedades moleculares as tornam alvos atra-
tivos para novos agentes terapêuticos anticâncer, como anticorpos monoclonais ou dro-
gas de baixo peso molecular.
• Proteínas que são alvos atrativos para o ataque por anticorpos estão invariavelmente loca-
lizadas na superfície da célula ou no espaço extracelular.
• A maioria das proteínas que é alvo atrativo para o ataque de compostos de baixo peso
molecular são enzimas que possuem fendas catalíticas promissoras para o desenvolvimen-
to de drogas.
• Avanços recentes expandiram o espectro de alvos promissores para o desenvolvimento de
drogas para incluir certas interações proteína-proteína que também podem ser inibidas
por drogas de baixo peso molecular.
• Devem ser escolhidos alvos protéicos cuja inativação leve ao encerramento da prolifera-
ção de células tumorais ou para sua morte por apoptose.
• As drogas anticâncer desenvolvidas com maior sucesso até agora têm sido aquelas que
interferem no funcionamento de várias cinases promotoras do crescimento e da sobrevi-
vência, especificamente, tirosina cinases associadas a receptores.
Figura 16.49 Alvos para o desenvolvimento
futuro de drogas para o câncer Uma
análise da literatura sobre o câncer, em
2004, revelou ao menos 291 genes que
foram implicados como contribuintes
casuais de cânceres humanos. Desses,
sabe-se que 260 estão presentes, como
alelos mutados somaticamente, nos
genomas de células cancerosas humanas.
Entretanto, a maior parte dos últimos estão
mutadas somaticamente nos genomas de
tumores mesenquimais (leucemias,
linfomas e sarcomas), deixando apenas 77
genes que são mutantes para os tumores
muito mais comuns dos tipos restantes.
Dado o número de genes para cinase
presentes no genoma humano, espera-se
que seis cinases estejam entre os 291
genes associados a câncer, dos quais 27
estão realmente presentes nessa lista. Ao
contrário, esperava-se que os receptores,
mais numerosos, acoplados à proteína G
(GPCRs), gerassem no mínimo oito genes
associados ao câncer, mas apenas um
estava presente. (Cortesia de M.R.
Stratton.)
32
31
228
63 – número total de
genes presentes em
formas alteradas
na linhagem 
germinal
260 – número total de
genes alterados
por mutações somáticas
mutações somáticas
no câncer
mutações na linhagem germinal
predispondo ao câncer
tanto mutações somáticas
como da linhagem germinal
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max794
• Drogas com sucesso devem ter um alto índice terapêutico, farmacocinética e farmacodi-
nâmica adequada e mínimos efeitos colaterais sobre os principais sistemas de órgãos.
• Estudos de drogas em testes de Fases I, II e III são essenciais, porque estudos pré-clínicos
sobre a eficácia e tolerabilidade de drogas são pouco preditivos sobre o comportamento
das drogas em humanos.
• As indicações para o uso clínico de certas drogas podem ser baseadas no comportamento
conhecido das proteínas-alvo nas células cancerosas (como é o caso do Gleevec) ou, em
vez disso, depender fundamentalmente de testes empíricos,de como vários tipos de tu-
mores humanos respondem ao tratamento (como com Velcade).
• A estratificação de tumores visivelmente similares em subclasses limitadas ajuda muito os
pesquisadores e médicos a encontrar drogas para os tipos de células tumorais específicas
que elas podem tratar com maior eficácia.
• O grande benefício de certas drogas, como o Gleevec, pode finalmente ser provado deri-
var da sua ampla especificidade-alvo, permitindo que elas sejam usadas em uma grande
variedade de cânceres.
1. Quais são as vantagens e desvantagens terapêuticas de usar uma
droga que afeta um amplo espectro de alvos moleculares?
2. Dada a coleção ampla e heterogênea de moléculas de sinaliza-
ção que têm sido retratadas neste livro desempenhando papéis-
chave na patogênese de vários cânceres, quais classes você acha
que poderiam vir a ser os alvos para o desenvolvimento de um
novo espectro de terapias anticâncer ao lado das muito estuda-
das cinases?
3. Como os tumores que se iniciaram pela formação de um certo
oncogene poderiam se tornar independentes desse oncogene
mais tarde na progrssão tumoral?
4. Quais estratégias você implementaria mediante o achado de que
células dentro de um tumor se tornaram resistentes a uma tera-
pia com drogas após um longo tratamento?
5. Tendo concluído que produtos naturais representam uma fon-
te rica de drogas anticâncer em potencial, quais obstáculos po-
deriam limitar a procura e os testes de tais drogas?
6. Quais os obstáculos estão no caminho do desenvolvimento de
drogas para tumores que representam apenas uma parte muito
pequena dos cânceres totais carregados pela população?
7. Na oncologia clínica do futuro, quais tipos de informação po-
deriam ser incluídos na montagem de terapias anticâncer que
são são feitas sob medida especificamente para responder a um
determinado tumor de um paciente?
8. Quais estratégias você proporia para desenvolver modelos pré-
clínicos de tumores humanos que são altamente úteis na predi-
ção das respostas dos pacientes a drogas candidatas?
Questões elaboradas
Leitura adicional
Adams J (2004) The proteasome: a suitable antineoplastic target. Nat.
Rev. Cancer 4, 349–360.
AI-Hajj M, Becker MW, Wicha M et al. (2004) Therapeutic implications
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tumors (GISTs). Oncogene 23, 3999–4006.
Elrick LJ, Jorgensen HG, Mountford JC and Holyoake TL, (2005) Pu-
nish the parent not the progeny. Blood 105, 1862–1866.
LEITURA ADICIONAL / 795
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max795do ativador upstream de NF-κB, IκB cinase (IKK; veja a Figura
6.29). Isso foi observado em experimentos nos quais MLX105, um
inibidor farmacológico de IKK, foi aplicado a linhagens celulares
derivadas desses três tipos de linfomas e de fato mostraram efeitos
diferenciados sobre essas três populações de células crescendo in
vitro. (A e C, a partir de L.M. Staudt and S. Dave, Adv. Immunol. 87:163-
208, 2005; B, a partir de A. Rosenwald, G. Wright, K. Leroy et al., J. Exp.
Med. 198:851-862, 2003; D, a partir de L.T. Lam, R.E. Davis, J. Pierce et
al., Clin. Cancer Res. 11:28-40, 2005.)
GCB DLBCL ABC DLBCL
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
0 2 4 6 8 10
502512,56,33,11,60,80
25
50
75
100
GCB
PMBL
ABC
16%
45%
0
0
–
0
0
24%
6%
+
25%
18%
5%
43%
+
(A)
aparência
microscópica
normal
genes altamente
expressados em
PMBL
genes altamente
expressados em
PMBL e GCB
genes altamente
expressados em
GCB
genes altamente
expressados em
ABC
genes
representantes
genes
pacientes
alta baixa
expressão gênica
PDL2
SNFT
IL13RA1
TARC
MAL
OX40L
JAK2
CD30
IL4I1
BCL6
LRMP
SERPINA9
MYBL1
LMO2
MTA3
GCET2
PAG
CR2
KCNN3
CD10
IRF4
BCL2
PIM2
FOXP1
PRKCB1
CCND2
BATF
XBP1
(B)
pr
ob
ab
ili
da
de
sobrevivência
de 5 anos
sobrevivência geral (anos)
PMBL
PMBL
64%
59%
30%
GCB
DLBCL
GCB
DLBCL
ABC
DLBCL
ABC
DLBCL
(C)
(D)
amplificação de c-rel
translocação de BCL-2
ganho crom. 3q
ganho/amp crom. 9p24
ativação constitutiva 
de NF-κB
pe
rc
en
ta
ge
m
 d
e 
vi
ab
ili
da
de
inibidor de cinase IκB
PMBL
ESTRATIFICAÇÃO DO CÂNCER PELO USO DE ARRANJOS DE EXPRESSÃO / 731
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max731
732 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
no tumor de um paciente ou soro provê informações críticas para o diagnóstico. O obje-
tivo em longo prazo de todas essas técnicas analíticas – tanto da genômica como da
proteômica funcional – é designar cada tumor dos pacientes a um subtipo específico de
doença e aplicar terapias com drogas que se mostraram efetivas para tratar um subtipo
particular de câncer, mas não para outro, tumores superficialmente similares, para os
quais o tratamento possa não ser efetivo. O uso dessas terapias com drogas feitas sob
medida mantém a promessa de gerar altos índices de resposta em populações de pacien-
tes rigorosamente definidos.
16.2 Drogas anticâncer bem-sucedidas podem trazer à tona
várias respostas a partir de células tumorais
Em princípio, várias estratégias biológicas distintas poderiam mostrar-se igualmente bem-
sucedidas na eliminação de tumores estabelecidos ou na manutenção do impedimento do seu
crescimento. As mais óbvias dessas foram projetadas para induzir a morte das células cance-
rosas, normalmente via apoptose. Na verdade, quase todas as estratégias não-cirúrgicas exis-
tentes para eliminar células cancerosas levam de uma forma ou outra à ativação das suas vias
apoptóticas. Entretanto, uma estratégia terapêutica alternativa conta com a indução da dife-
renciação, e consideraremos essa primeiro, mesmo que resumidamente.
Como descrito no Capítulo 8, a aquisição do fenótipo maligno está normalmente acompa-
nhada pela diferenciação defectiva e pela entrada, associada, em um estado pós-mitótico.
Lembre que, à medida que as populações de células tumorais evoluem para níveis maiores de
malignidade, elas normalmente extravasam mais e mais marcadores de diferenciação.
Esses comportamentos sugerem uma estratégia atrativa para tratar tumores: persuadir células
cancerosas a se diferenciarem e, assim, entrarem em um estado pós-mitótico. Enquanto apren-
demos muito sobre as conexões entre o controle do ciclo celular e a regulação dos programas
de diferenciação (veja a Seção 8.11), a maior parte dessa informação ainda não foi traduzida
em formas eficazes de terapia. Até agora, a exceção proeminente tem sido uma forma de
tratamento da leucemia promielocítica aguda (APL). No curso dessa terapia, as células blast
leucêmicas não-diferenciadas dessa doença podem ser induzidas a se diferenciar em neutrófi-
los pelo tratamento com ácido retinóico completamente trans (ATRA; Figura 16.6A). O
tratamento de pacientes APL com ATRA somado à quimioterapia concomitante freqüente-
mente resulta em remissões completas, com índices de sobrevivência de cinco anos chegando
de 75 a 85% – sugerindo a cura completa.
Durante o desenvolvimento inicial de APL, o programa normal de diferenciação de certas
células hematopoiéticas é bloqueado pelas ações da proteína de fusão chamada de PML-
RAR, que resulta de uma translocação cromossomal 15;17 observada nas células leucêmicas
de quase todos pacientes APL (Figura 16.6B). Essa proteína híbrida é composta pela proteína
PML (leucemia promielocítica), de função normal desconhecida, fusionada à proteína recep-
tora de ácido retinóico nuclear (RAR). A última, imediatamente depois da ligação ao seu
ligante de ácido retinóico, é normalmente capaz de induzir a expressão de genes que progra-
mam a diferenciação celular em uma variedade de tipos celulares por todo o corpo.
De fato, o mecanismo preciso pelo qual a proteína PML-RAR previne a diferenciação das
células leucêmicas promielocíticas não está claro. Uma possibilidade atrativa é que a proteína
de fusão PML-RAR encontrada nas células leucêmicas interfere com os poderes de indução
de diferenciação dos receptores normais de ácido retinóico (RAR) em células da medula
óssea, causando assim o acúmulo de grandes quantidades dessas células em um estado seme-
lhante às células-tronco. (Enquanto RAR ativada pelo ligante age para induzir a expressão de
certos genes-alvo associados à diferenciação de células hematopoiéticas precursoras, a proteí-
na de fusão PML-RAR pode agir como uma repressora ou, no mínimo, como antagonista de
RAR.) Grande parte do efeito terapêutico do tratamento com ácido retinóico completamen-
te trans parece derivar da sua capacidade de induzir ubiquitilação e degradação mediada por
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max732
proteassoma da proteína de fusão PML-RAR, resultando no alívio do bloqueio para a dife-
renciação.
Um mecanismo similar provavelmente explica o sucesso da terapia usando 13-cis-ácido retinóico
(13cRA; Figura 16.6C), relacionado quimicamente à vitamina A e ao ácido retinóico completa-
mente trans descrito anteriormente. Ele tem sido usado com muito sucesso por causar a regressão
de lesões pré-malignas na boca e na garganta, prevenindo e atrasando, dessa forma, a sua progres-
são para cânceres de cabeça e pescoço. De forma interessante, a perda da expressão de RARβ é
freqüentemente observada nesses crescimentos pré-malignos, assim como em uma variedade de
outros carcinomas humanos, ostensivamente porque ele ajuda as células nessas várias lesões a
prevenir a entrada em um estado pós-mitótico diferenciado. Além disso, a redução da expressão
do receptor de RARβ em camundongos, conseguida pelo uso de um transgene anti-senso, resulta
na formação de um grande número de carcinomas de pulmão pelos 18 meses de idade, fornecen-
do um suporte adicional para a idéia de que a evasão da diferenciação induzida pelo ácido retinói-
co serve como um mecanismo importante de patogênese do carcinoma.
Além desses dois exemplos impressionantes, estratégias que induzem a diferenciação têm
tido sucesso limitado no tratamento de cânceres estabelecidos. Por essa razão, várias terapias
para os cânceres que estão em desenvolvimento são direcionadas para a ativação de sinais
pró-apoptóticos dentro das células do câncer. Ao primeiro olhar, os esforços para despertar a
Figura 16.6 Diferenciação induzida das células da leucemia
promielocítica aguda (A) Na leucemia promielocítica aguda (APL), o
grande número de promielócitos que carregam vários grânulos no seu
citoplasma estão aparentes na circulação (esquerda). Entretanto, depois
do tratamento com ácido retinóico completamente trans (ATRA), esses
promielócitos imaturos desaparecem e são substituídos por mielócitos
diferenciados, especificamente os neutrófilos polimorfonucleares (PMN)(direita). (B) Em 99% dos casos de APL, uma translocação envolvendo os
Cromossomos 17 e 11 resulta na fusão do gene que codifica para o
receptor de ácido retinóico (RAR) com o gene para a leucemia
promielocítica (PML). Uma vez formada, a proteína de fusão resultante
parece bloquear a diferenciação de promielócitos acionada por RAR. (C)
O 13-cis-ácido retinóico tem sido usado por causar a regressão dos
precursores pré-malignos dos carcinomas de cabeça e pescoço. (A,
cortesia de P.P. Pandolfi; B, adaptada a partir de S. Kalantry, L. Delva,
M. Gaboli et al., J. Cell Physiol. 173:288-296, 1997.)
A
P RING B1 B2 S/P
B C D E F
(A)
promielócitos
ácido retinóico completamente trans
COOH
células polimorfonucleares (neutrófilos)
(B)
gene RARα
(C)
pontos de quebra da fusão
bcr3 bcr2 bcr1
hélice α gene PML
p. ex.,
PML/RARα
13-cis-ácido retinóico
COOH
DIFERENCIAÇÃO COMO UMA TÉCNICA TERAPÊUTICA / 733
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max733
734 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
resposta apoptótica nas células do câncer pode parecer representar uma tarefa fútil, uma vez
que lemos anteriormente sobre o número de caminhos pelos quais as células do câncer desa-
tivam a sua maquinaria apoptótica (Seção 9.15). Mas a complexidade e a redundância fun-
cionais do circuito apoptótico ditam que, quase inevitavelmente, componentes importantes
desse circuito permanecem intactos mesmo nos tumores mais agressivos. São esses compo-
nentes, ainda funcionais, que podem ser alvos de ativação, direta ou indireta, para eliminar
células tumorais do organismo de pacientes com câncer. Estamos apenas começando a apren-
der como predizer a suscetibilidade dos tumores a certas terapias indutoras de apoptose.
Várias das estratégias terapêuticas em desenvolvimento são planejadas para matar as células
cancerosas privando-as dos sinais antiapoptóticos que as sustentam. Como lemos no Capítu-
lo 9, as células cancerosas freqüentemente dependem da sinalização de fatores de crescimento
hiperativos para gerar sinais antiapoptóticos intracelulares (p. ex., aqueles liberados por Akt/
PKB) que suprimem as ações do circuito pró-apoptótico. Terapias efetivas para o câncer
poderiam ser planejadas para interferir nessas sinalizações em uma ou outra etapa das casca-
tas de sinalização upstream que regulam a atividade Akt/PKB.
Um grupo alternativo de estratégias terapêuticas toma vantagem da vulnerabilidade que as
células do câncer têm uma vez que elas descartaram controles de ponto de checagem críticos
que funcionam durante o ciclo normal da célula. Por exemplo, algumas células cancerosas
não têm o controle do ponto de checagem que normalmente bloqueia a entrada na mitose
(fase M) a partir da fase G2 enquanto danos significativos no DNA genômico ou nos cromos-
somos não tiverem sido reparados. Conseqüentemente, o tecido tumoral pode ser tratado
pela imposição de danos genômicos por quimioterápicos ou radiação. Enquanto células nor-
mais se atrasarão e repararão esses danos antes de avançar para a fase M, as células cancerosas
podem ignorá-los e, como conseqüência, proceder para a mitose, em que podem entrar em
uma “catástrofe mitótica” que ameaça a sua viabilidade contínua quando, mais tarde, na fase
M, elas tentam segregar seus cromossomos ainda danificados (Figura 16.7). Esse dano pode
ser tão devastador que consegue acionar as respostas apoptóticas residuais que tais células
possuem. Na verdade, vários dos terapêuticos contra o câncer usados tradicionalmente são
suspeitos de tomar vantagem desses defeitos no controle dos pontos de checagem para des-
truir as células cancerosas, mas uma evidência sólida para sustentar esse ponto ainda não está
em mãos. Entretanto, na discussão que segue, daremos enfoque aos agentes que têm como
alvo proteínas críticas em vez do genoma de células cancerosas.
16.3 Considerações funcionais ditam que apenas um subgrupo
de proteínas defectivas nas células cancerosas é alvo atrativo
para o desenvolvimento de drogas
Pesquisadores interessados em desenvolver novas drogas anticâncer altamente específicas que
são direcionadas para tratar certos tipos de câncer são confrontados pelo fato de que, com
raras exceções, as drogas – normalmente compostos orgânicos de baixo peso molecular –
Figura 16.7 Quimioterapia e catástrofe mitótica Várias drogas
quimioterapêuticas podem danificar os cromossomos das células do câncer.
Como as células cancerosas não possuem os controles do ponto de checagem
G
2
/M, elas podem avançar para a mitose sem ter reparado o dano
cromossomal. Isso pode levá-las a entrar em “catástrofe mitótica”, que resulta em
aneuploidia, poliploidia, formação de micronúcleos e, por fim, morte dessas
células. Vistos aqui estão os efeitos de baixas doses (50 ng/mL) de doxorrubicina,
uma droga quimioterápica amplamente utilizada, nas células Huh-7 de hepatoma
humano. Durante um período de nove dias, o núcleo dessas células aumentou
ou diminuiu, e vários finalmente se fragmentaram em micronúcleos, cada qual
carregando um pequeno número de cromossomos; isso finalmente leva à
morte celular, com freqüência por apoptose. (A partir de Y.W. Eom, M.A. Kim,
S.S. Park et al., Oncogene 24: 4765-4777, 2005.)
0 dias
3 dias
6 dias
9 dias
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max734
inibem funções bioquímicas em vez de estimulá-las. Esse simples fato reduz de forma drásti-
ca as opções para o desenvolvimento de drogas anticâncer.
Como vimos no Capítulo 7, os produtos protéicos dos genes de supressão de tumores – os
gatekeepers – contribuem para o desenvolvimento do câncer pela sua ausência, e esforços para
desenvolver compostos de baixo peso molecular para substituir ou replicar essas funções
perdidas são implausíveis atualmente e podem permanecer assim para sempre. Os poucos
sucessos representam relativamente uma minoria de vitórias. Por exemplo, certos compostos
podem restaurar algumas funções de p53 mudando formas mutantes da proteína p53 de suas
configurações estereoquímicas funcionalmente defectivas de volta para a configuração do
tipo selvagem.
Exatamente os mesmos argumentos se aplicam às proteínas responsáveis pela manutenção do
genoma da célula – as caretakers (Capítulo 12). Mais uma vez, suas funções, freqüentemente
perdidas pelas células cancerosas, não podem ser restauradas nem mesmo pelas moléculas
mais complexas de drogas. E mesmo se fossem, pouca utilidade derivaria desse sucesso. De-
pois de tudo, se a progressão dos tumores fosse orientada pelo reparo defectivo do DNA e
pelo acúmulo resultante de alelos mutantes, a restauração da função de reparação perdida
não teria efeito sobre várias seqüências mutantes que já teriam se acumulado no genoma de
uma célula cancerosa.
Uma vez que gatekeepers e caretakers são desconsiderados, essa lógica deixa as oncoproteínas –
formas hiperativas de crescimento celular normal ou proteínas promotoras da sobrevivência
– como os alvos mais atrativos para o desenvolvimento de terapias anticâncer. Essas são
moléculas que, em princípio, podem ser inibidas por drogas, resultando na redução da sua
atividade e, com sorte, no colapso do programa de crescimento neoplásico. Na verdade, as
proteínas de transdução de sinal imediatamente downstream às oncoproteínas hiperativas
também são alvos atrativos, uma vez que a maioria destas também é executora positiva im-
portante da sinalização (veja, por exemplo, a Figura 16.8).
Certas considerações genéticas podem restringir mais adiante o espectro de moléculas que são
alvos atrativos para o desenvolvimento de drogas antitumorais. Anteriormente, aprendemos que,
na medida em que a progressão do câncer continua, a população de células adquire uma sucessão
de alterações genéticas e, desta forma, bioquímicas, que finalmente as levam para o estado de
crescimento neoplásico (Capítulo 11). Esse cenário levanta uma questão provocante: as alterações
Figura 16.8 Inibição do crescimento
tumoral tendo como alvo elementos
sinalizadores downstream Como indicado
neste diagrama, a sinalização a partirde
receptores como EGF (HER1) e HER2/Neu
pode ser bloqueada de várias maneiras. Os
ectodomínios dos receptores podem ser
alvos de anticorpos monoclonais, como a
Herceptina. Além disso, os domínios
emissores de sinal da tirosina cinase
desses receptores podem ser alvo de uma
variedade de compostos de baixo peso
molecular. Entretanto, além disso, várias
drogas foram desenvolvidas, as quais têm
como alvo proteínas que funcionam como
componentes das vias de sinalização
downstream, incluindo aquelas que inibem
Ras (pela inibição da sua maturação pós-
traducional envolvendo farnesilação), assim
como Raf e MEK (pela inibição das suas
funções catalíticas serina/treonina cinase) e
mTOR (pela inibição da formação de
complexos de sinalização funcional entre
mTOR e proteínas parceiras associadas).
(Cortesia de J. Baselga.)
K K
Snc
BadFKHR MEK1/2
PTEN
p27
inibidores
de mTOR
(RAD001)
ciclina D1
progressão do
ciclo celular
sobrevivência proliferação
MoAbs anti-receptores
Erb8 (HER2)
(Herceptina, 2C4,
C225, Abx, etc.)
inibidores de tirosina cinase
anti-HER1, HER2, HER4
(ZD1839, OSI-774, EKB-569
GW-2016, CI-1033, AEE788)
inibidores de RAS
farnesiltransferase
(BMS-214662, R115777)
inibidores de RAF 
(BAY 43-9006)
inibidores de MEK 
(CI-1040)
Grb2
Grb2
Grb2
Sos
Sos
mTOR
Grb3
Ras
RafAkt
GSK-3
MAPK
IDENTIFICAÇÃO DE ALVOS ÚTEIS DE TERAPIA / 735
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736 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
que são responsáveis pelas etapas primárias da progressão, de múltiplas etapas, dos tumores conti-
nuam a exercer papéis críticos muito mais tarde, quando a explosão máxima do fenótipo maligno
foi finalmente adquirida? Por exemplo, se a etapa inicial no desenvolvimento de um tumor envol-
veu a formação de um oncogene ras, então as ações contínuas desse oncogene ainda são necessá-
rias, mais tarde, para as células descendentes altamente malignas? Ou algumas das alterações que
ocorrem mais tarde durante a progressão do tumor tornam os serviços contínuos de uma onco-
proteína Ras desnecessários?
Tome o caso dos carcinomas pancreáticos, nos quais o oncogene K-ras é encontrado na gran-
de maioria dos tumores (~90%). A aquisição desse oncogene ocorre relativamente cedo na
progressão do tumor, uma vez que os oncogenes K-ras mutantes são freqüentemente encon-
trados nas neoplasias pancreáticas intra-epiteliais (PanINs; Figura 16.9), os precursores be-
nignos dos carcinomas puros. Algumas das alterações subseqüentes adquiridas nos, por exem-
plo, genes Smad4/DPC4 e p16INK4A tornam a oncoproteína K-Ras4B supérflua? Se positivo,
drogas projetadas para bloquear a sinalização de K-Ras nunca se mostrarão úteis para tratar
essa classe de cânceres.
Podemos obter algum estímulo a partir de alguns modelos em camundongos para o desen-
volvimento do câncer (Tabela 16.1). O oncogene responsável por iniciar a progressão de
tumores nesses camundongos transgênicos pode ser desligado experimentalmente várias se-
manas mais tarde nos tumores que finalmente se formam. Tais experimentos têm explorado
o oncogene H-ras para criar melanomas, o oncogene K-ras para induzir adenocarcinomas de
pulmão, o oncogene bcr-abl para criar leucemias e o oncogene myc para produzir tumores de
células das ilhotas do pâncreas, assim como leucemias e linfomas. Em todos esses casos, as
Figura 16.9 Progressão do câncer
pancreático Uma questão-chave na
identificação de alvos para intervenção
terapêutica é se as alterações genéticas e
proteínas mutantes que surgem em um tumor
de progressão em múltiplas etapas
continuam a ser necessárias muito mais
tarde, quando um tumor totalmente
estabelecido aparece. Por exemplo, uma
série de entidades histológicas chamadas de
PanINs (neoplasias pancreáticas intra-
epiteliais) foram definidas como estágios
discretos na progressão inicial de tumores
pancreáticos. Em PanIN-A, o oncogene K-
ras é freqüentemente encontrado em um
estado mutante ativado, fazendo surgir a
questão de se a sua atividade continuada é
necessária muito mais tarde, quando os
carcinomas pancreáticos invasivos e
metastáticos (não-mostrados) finalmente
surgem. (A partir de R.E. Wilentz, C.A.
lacobuzio-Donahue, P. Argani et al., Cancer
Res. 60:2002-2006, 2000.)
Tabela 16.1 Efeitos do desligamento da expressão de um transgene oncogênico iniciador em um
camundongo com tendência a tumora
Oncogene transgênico Resposta dos tumores
Regressão permanente após o desligamento do transgene
H-ras colapso do melanoma
K-ras regressão do adenocarcinoma de pulmão
bcr-abl regressão da leucemia de células B
myc regressão do linfoma de células T e leucemia mielogenosa aguda
fgf-7 regressão da hiperplasia de epitélio de pulmão
SV40 large T hiperplasia de glândula salivar regrediu quando o transgene
expressou 4 meses
neu recidiva do adenocarcinoma de mama
myc persistência do adenocarcinoma de mama
wnt persistência do adenocarcinoma de mama
a Adaptada, em parte, a partir de D.W. Felsher, Curr. Opin. Genet. Dev. 14:37-42, 2004.
normal PanIN-1A PanIN-1B PanIN-2 PanIN-3
HER2/Neu
K-ras
p16 p53
DPC4
BRCA2
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:08:Max736
células tumorais que surgem continuam a ser dependentes dos oncogenes iniciadores, como
indicado pela regressão desses tumores, uma vez que a expressão dos oncogenes iniciadores é
desligada. O comportamento de certas células tumorais humanas também indica as contri-
buições contínuas de elementos genéticos iniciadores (veja, por exemplo, a Barra lateral 16.1).
Entretanto, experimentos com uma outra linhagem de camundongo, que carrega um onco-
gene myc transgênico, geraram um resultado igualmente dramático, mas bastante diferente: o
desligamento da expressão de myc primeiro causou a regressão dos linfomas induzidos por
transgene, mas houve recidiva dos tumores em cerca de 20% desses camundongos; as células
dos linfomas recidivantes invariavelmente mostraram alterações adicionais no cariótipo além
daquelas que estavam presentes nos primeiros tumores formados. Isso sugere que o transgene
myc, além de acionar inicialmente a formação do linfoma, encoraja a formação de alterações
genéticas nas células tumorais que tornam suas ações contínuas desnecessárias mais tarde.
Observações como essas claramente complicam ter como alvo certas oncoproteínas iniciado-
ras de tumor para a inativação por drogas anticâncer, uma vez que essas proteínas podem não
estar mais tendo um papel crítico, anos mais tarde, na manutenção da viabilidade e do cres-
cimento de células tumorais.
16.4 A bioquímica de proteínas também determina se elas são
alvos atrativos para intervenção
As sutilezas bioquímicas das proteínas que foram escolhidas como alvos atrativos para inter-
venção por drogas complicaram os esforços, mais adiante, para desenvolver novas drogas
anticâncer. Essas drogas são, quase invariavelmente, compostos orgânicos de baixo peso mo-
lecular, uma vez que, em geral, (1) tais moléculas são sintetizadas muito mais facilmente do
que moléculas de peso molecular mais alto; e (2) moléculas pequenas provavelmente pene-
tram mais nos interstícios de um tumor, exercendo, dessa forma, efeitos terapêuticos em
todas as suas células componentes.
Moléculas-alvo, por seu lado, devem ter domínios dentro das suas estruturas que são capazes
de interações fortes e específicas com moléculas pequenas de drogas. Químicos farmacêuti-
cos que têm a intenção de mandar drogas para dentro de células cancerosas para atacar alvos
específicos colocam esses alvos moleculares em potencial (p. ex., oncoproteínas) em duas
categorias principais – aqueles que são promissores para o desenvolvimento de drogas e
aqueles que não são. “Potencial para o desenvolvimento de drogas” implica que a molécula-
alvo tem uma estrutura que indica que ela deva ser vulnerável ao ataque e inibição por com-
postos de baixo peso molecular. Dadas essas e outras restrições,moléculas-alvo são sempre
proteínas de vários tipos.
Uma proteína é considerada promissora para o desenvolvimento de drogas se ela carrega uma
função enzimática reconhecível, assim como uma fenda catalítica bem-definida que ela usa
para realizar essa função. Essas fendas são atrativas para os que desenvolvem drogas, porque
elas normalmente representam cavidades relativamente pequenas que podem ligar pequenas
moléculas orgânicas de maneira altamente específica. Por isso, tais cavidades com freqüência
tornam possível que um composto de baixo peso molecular forme ligações não-covalentes
simultaneamente com múltiplos resíduos de aminoácidos que revestem suas paredes (Figura
16.10). Tais contatos múltiplos independentes permitem que uma molécula da droga se ligue
à proteína-alvo com grande especificidade e avidez. Igualmente importante, tal ligação tem
uma alta probabilidade de perturbar a função da proteína, uma vez que a molécula da droga
ocupa um domínio funcionalmente crítico da proteína.
Proteínas que não têm essas fendas catalíticas são freqüentemente descartadas por serem “não-
promissoras para o desenvolvimento de drogas”. Acredita-se muito que fatores de transcrição, por
exemplo, não sejam (justa ou injustamente) promissores para o desenvolvimento de drogas, por-
que em geral eles não têm fendas catalíticas e, portanto, os tão procurados bolsões de ligação à
droga. Essas considerações colocam os fatores transcrição de oncoproteínas, como Myc e Fos, na
categoria dos alvos não-promissores para o desenvolvimento de drogas e, ao mesmo tempo, per-
Barra lateral 16.1 Células HeLa forne-
cem o exemplo mais dramático da im-
portância progressiva das lesões genéti-
cas iniciadoras Discutivelmente, o exem-
plo mais extremo da influência contínua
de lesões genéticas iniciadoras é forneci-
do pelo comportamento das células da
linhagem celular do câncer cervical hu-
mano de HeLa. Lembre que essas célu-
las derivaram, em 1951, de um carcino-
ma cervical altamente agressivo e, como
quase todos (> 99,7%) os carcinomas
cervicais, o início desse tumor é rastreá-
vel para uma infecção por papilomaví-
rus humano (HPV) – nesse caso, HPV
tipo 18 e suas duas oncoproteínas codi-
ficadas, E6 e E7. Cinqüenta anos mais
tarde, tempo durante o qual células HeLa
em cultura passaram por vários milha-
res de ciclos de crescimento e divisão,
estratégias genéticas foram usadas para
desligar os oncogenes HPV18, sendo ex-
pressos nessas células. O desligamento
da expressão de E7 levou à reativação da
função pRb e à senescência celular, en-
quanto o desligamento de E6 levou ao
reaparecimento de p53 e subseqüente se-
nescência ou apoptose nessas células.
Portanto, nesse caso, a alteração genéti-
ca de início (aquisição de um genoma
de HPV) continuou a ser absolutamen-
te essencial para a manutenção da proli-
feração das células cancerosas e para a
viabilidade de milhares de gerações ce-
lulares mais tarde.
A BIOQUÍMICA GOVERNA A ESCOLHA DE AGENTES TERAPÊUTICOS / 737
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738 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
mitem que várias cinases envolvidas na formação do câncer sejam colocadas no campo das molé-
culas-alvo promissoras para o desenvolvimento de drogas. (As maiores exceções com relação à falta
de potencial para o desenvolvimento de drogas dos fatores de transcrição são criadas pelos recep-
tores dos hormônios nucleares, como os receptores de estrogênio e progesterona. Como têm
domínios de ligação a hormônios, essas proteínas receptoras são, em princípio, vulneráveis a inter-
rupção por pseudoligantes, como tamoxifeno, que se liga e antagoniza certas funções do receptor
de estrogênio.) Em média, químicos farmacêuticos sentenciam cerca de 1 em 5 proteínas celulares
para serem promissoras para o desenvolvimento de drogas.
A presença de uma função catalítica identificável e o aparente potencial para desenvolvimen-
to de drogas não garante, por si só, que um alvo atrativo tenha sido identificado. Considere,
por exemplo, o caso da oncoproteína Ras, que tem uma atividade catalítica claramente iden-
tificável – sua função de GTPase. Essa atividade enzimática nas células que expressam Ras
nunca foi objeto do desenvolvimento de drogas, porque a GTPase de Ras, como aprendemos
na Seção 5.9, funciona como um regulador negativo da sinalização de Ras. A sua inibição
apenas aumentaria os efeitos já desastrosos da substituição de aminoácidos que criaram as
oncoproteínas Ras pela primeira vez. O mesmo pode ser dito de algumas tirosina fosfatases,
cujos papéis designados são para reverter os efeitos promotores do crescimento das tirosina
cinases. Em resposta à dificuldade de atacar a própria proteína Ras, uma variedade de estra-
tégias para o desenvolvimento de drogas deu enfoque, então, às enzimas que modificam esta
proteína e assim permitem que se torne funcional.
A noção de que cavidades moleculares fornecem um alvo atrativo para o desenvolvimento de
drogas também pode sugerir que vários tipos de interações proteína-proteína representam
Figura 16.10 Múltiplos contatos entre
drogas e seus alvos (A) A estrutura química
de Gleevec, que foi desenvolvida para inibir
a atividade de tirosina cinase da proteína
de fusão ativa Bcr-Abl na leucemia
mielogenosa crônica (CML), foi o resultado
da otimização da estrutura de um
componente precursor no qual certas
cadeias laterias foram adicionadas,
enquanto outras foram removidas, com o
objetivo de melhorar a ligação de drogas à
fenda catalítica do domínio tirosina cinase
de Abl. (B) A fenda catalítica da cinase Abl
é encontrada entre os lobos N e C
terminais, mostrados aqui como estruturas
em fita verdes. Um modelo espaço
preenchido (com raios de van der Waals)
de uma molécula Gleevec está mostrado
em azul-escuro, enquanto a “alça de
ativação” de Abl, que normalmente
bloqueia o acesso da fenda catalítica aos
substratos, está mostrada em azul-claro.
(Essa alça de ativação sai do caminho
quando a cinase muda para sua
configuração ativa.) (C) A associação ávida
e específica de Gleevec (magenta) com a
fenda catalítica de Abl depende da
formação de múltiplas pontes de
hidrogênio (linhas vermelhas tracejadas),
assim como de interações van der Waals
mais fracas (não-mostrado). Essas ligações
aumentam a afinidade de ligação da droga
pela proteína; ao mesmo tempo, elas
explicam a especificidade da associação,
uma vez que os vários pares de prótons
doadores e aceptores, que participam
como parceiros na formação de pontes de
hidrogênio, devem estar precisamente
posicionados no espaço tridimensional. (A
e B, a partir de B. Nagar, W.G. Bornmann, P.
Pellicena et al., Cancer Res. 62:4236-4243,
2002; C, cortesia de E. Buchdunger, S.W.
Cowan-Jacob, G. Fendrich, J. Liebetanz, D.
Fabbro and P.W. Manley. Novartis
Pharmaceuticals.)
N
N
N
N
HN
N
H
N
O
Thr315
Met318
Leu370 Asp381
Glu286
His361
Ile360
(A)
CH 
3
CH 
3
Gleevec®
(mesilato de imatinib)
(B)
lobo
N-terminal
fenda
catalítica
lobo 
C-terminal
Gleevec
alça de
ativação
(C)
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alvos promissores para o desenvolvimento de drogas. Depois de tudo, o espaço confinado
entre duas proteínas fisicamente justapostas poderia parecer criar um bolsão de ligação à
droga, altamente específico, e a inserção de uma droga em uma cavidade como essa poderia
desestabilizar ou bloquear a interação proteína-proteína. Candidatos óbvios para tal inibição
são os vários tipos de pares ciclina-Cdk, cujas ações direcionam a proliferação de todas as
células do câncer (Capítulo 8).
Infelizmente, a maioria dos esforços para prevenir essas ou outras associações proteína-pro-
teína por meio de moléculas de drogas sob medida não têm tido sucesso. As inúmeras falhas
têm sido racionalizadas como segue: a associação de duas proteínas uma com a outra envolve
múltiplos pontos de ligação entre as suas faces que interagem. Esses pontos de contato se
estendem sobre os domínios moleculares que excedem muito as dimensões de moléculas de
drogas, que tipicamente têm, depreferência, um baixo peso molecular (p. ex.,ABT-737 (primeiro painel) foi
desenvolvido, utilizando uma triagem baseada em ressonância magnética nuclear (NMR),
síntese paralela e desenho baseado na estrutura para visualizar a interação das estruturas de
uma proteína pró-apoptótica (Bak) e moléculas candidatas a drogas (composto 1). Assim, a
hélice α da proteína Bak pró-apoptótica (hélice verde, terceiro painel; veja a Figura 9.25) que se
liga e inibe a proteína Bcl-X
L
 antiapoptótica (superfície vermelha, branca, azul) também está
ocupada por um parente químico próximo de ABT-737, chamado de composto 1 (figura em
bastão verde, quarto painel). No segundo painel, observam-se os efeitos de ABT-737 sobre o
crescimento de um xenoenxerto de carcinoma humano pulmonar de células pequenas (SCLC).
A barra preta indica a janela de tempo durante a qual ABT-737 foi empregado. Não parece que
a droga induz apoptose por si só, mas, em vez disso, torna as células cancerosas vulneráveis a
apoptose induzida por outros agentes. (A, a partir de L.T. Vassilev, B.T. Vu, B. Graves et al.,
Science 303:844-848, 2004; B, a partir de M. Leone, D. Zhai, S. Sareth et al., Cancer Res.
63:8118-8121, 2003; C, esquerda, a partir de K.H. Emami, C. Nguyen, H. Ma et al., Proc. Natl.
Acad. Sci. USA 101:12682-12687, 2004; C, direita, a partir de H. Ma, C. Nguyen, K.S. Lee e M.
Kahn, Oncogene 24:3619-3631, 2005; D, a partir de T. Oltersdorf, S.W. Elmore, A.R. Shoemaker
et al., Nature 435:677-681, 2005.)
ESTRUTURAS QUÍMICAS GERADAS POR QUÍMICOS FARMACÊUTICOS / 741
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Figura 16.12 (à esquerda) O cinoma humano Como ilustrado aqui, a
grande maioria das proteína cinases das células humanas, incluindo
serina/treonina e tirosina cinases, compartilham similaridades
estruturais substanciais, indicando que todas elas descendem de uma
proteína cinase primitiva que existiu muito antes da radiação das
formas de vida eucarióticas. As serina/treonina e tirosina cinases
divergiram um das outras relativamente cedo e se diversificaram, além
disso, durante os aproximadamente 109 anos passados.
Ao todo, a seqüência do genoma humano revela 518 genes
distintos que codificam para proteínas cinases, que, como grupo, têm
sido chamados de “cinoma humano”. Desses, 90 fosforilam resíduos
de tirosina, enquanto o restante fosforila os resíduos de serina ou
treonina de proteínas substrato. Todas as tirosina cinases (TKs) e 318
das serina/treonina cinases mostram uma relação estrutural clara umas
com as outras e podem ser arranjadas em uma árvore evolutiva que
descreve como elas devem ter evoluído de uma para outra por
repetidas duplicações gênicas seguidas pela diversificação. (Um
pequeno número de proteínas cinases “atípicas” (não-mostradas)
parece representar invenções evolucionárias independentes.) As
origens compartilhadas das cinases localizadas nessa árvore ditam que
várias dessas enzimas são estruturalmente similares umas com as
outras, o que complica a criação de drogas que interferem
seletivamente em apenas poucos membros dessa grande família de
enzimas.
As TKs (esquerda, a cima) representam invenções evolucionárias
relativamente recentes, à medida que elas estão ausentes nos
procariotos e estão presentes em apenas números muito pequenos
(p. ex., três) no genoma de protozoários eucariotos unicelulares
seqüenciados até agora. A sua grande diversificação e
especialização parece ter sido crítica para a evolução de metazoa
anatomicamente complexos. Os agrupamentos restantes nessa
árvore são TKL, semelhantes à tirosina cinase; STE, homólogos de
leveduras estéreis 7, 11 e 20 cinases; CK1, caseína cinase-1; AGC,
membros da família das proteína cinases A, cinases G e cinases C;
CAMK, proteínas cinases dependentes de cálcio/calmodulina; e
CMGC, contendo famílias CDK, MAPK, GSK-3 e CLK. (Cortesia de
Cell Signaling Technology, Inc.)
Figura 16.13 Estruturas similares das cinases (A) A dificuldade
de produzir um inibidor específico de cinase é sugerida pelas
similaridades surpreendentes na estrutura de uma variedade de
serina/treonina, assim como de tirosina cinases. Descritos
como diagramas em fita estão os domínios cinase de cinco
serina/treonina cinases: CDK2 (veja o Capítulo 8), PKA (proteína
cinase A cíclica regulada por AMP), Sky1 (cinase específica da
proteína SR de levedura em brotamento) uma serina cinase de
levedura envolvida no processamento de RNA do núcleo, PhK
(fosforilase cinase envolvida no metabolismo do glicogênio) e
ERK2 (cinase regulada extracelularmente da cascata de MAPK,
veja a Seção 6.5); assim como quatro domínios tirosina cinase
(TK); IRK (cinase receptora de insulina), Csk (cinase Src
C-terminal; uma tirosina cinase), Abl (veja a Seção 16.11) e Src
(veja o Capítulo 5). Em todos os casos, as fendas catalíticas
dessas cinases estão prensadas entre os dois lobos maiores (N
e C terminais, acima e abaixo, respectivamente) dessas
proteínas. (B) Um exemplo extremo das similaridades
estruturais entre cinases relacionadas está ilustrado por este
diagrama de superfície no qual as fendas catalíticas e os
resíduos de aminoácidos adjacentes aos domínios de tirosina
cinase do receptor de insulina (IR; ver o IRK do painel A) e do
receptor para o fator de crescimento semelhante à insulina
(IGF-1R) são comparados. Resíduos de aminoácidos idênticos
estão em cinza, enquanto os não-similares estão em verde. Isso
mostra o quão similar as regiões catalíticas dos dois domínios
TK são e explica por que tem sido tão difícil encontrar inibidores
de um receptor de tirosina cinase que não afete o outro. Uma
treonina no peptídeo que liga os dois lobos das cinases está
mostrada em amarelo, enquanto figuras em bastão (cor de
laranja, azul, vermelho, amarelo) de um análogo de ATP
(esquerda) e um substrato oligopeptídico (direita) também são
mostradas. Quase todas as drogas antagonistas de TK se
ligam aos sítios de ligação ao ATP das cinases que elas inibem.
(A, cortesia de N.M. Haste, S.S. Taylor and the Protein Kinase
Resource; B, a partir de S. Favelyukis, J.H. Till, S.R. Hubbard
and W.T. Miller, Nat. Struct. Biol. 8:1058-1063, 2001.)
IRKERK2
Csk
CDK2
(A)
PKA Sky1
PhK
Abl Src
(B)
análogo
de ATP
substrato
oligopeptídico
ESTRUTURA DE CINASES E SELETIVIDADE DE DROGAS / 743
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744 / CAPÍTULO 16 TRATAMENTO RACIONAL DO CÂNCER
16.5 Químicos farmacêuticos podem gerar e explorar as
propriedades bioquímicas de um amplo arranjo de drogas
em potencial
A ideologia de “desenho racional de drogas”, como é freqüentemente chamada, adota as
noções que (1) as drogas deveriam ter como alvo proteínas específicas que sabidamente têm
um mal funcionamento dentro das células, contribuindo, assim, para um estado de doença;
(2) a candidatura dessas proteínas, como alvos atrativos para intervenção terapêutica, deveria
ser também determinada pelo seu potencial para o desenvolvimento de drogas predito; e (3)
as estruturas moleculares detalhadas de tais proteínas-alvo deveriam informar o desenho das
estruturas químicas das drogas que serão desenvolvidas. Mais especificamente, devem ser
sintetizadas espécies químicas cujas estruturas tridimensionais detalhadas (i. e., cuja estereo-
química) permitam que elas se encaixem, de um modo chave-fechadura, em bolsões específi-
cos ou sítios dentro das proteínas muito maiores do que aquelas que serão supostamente
atacadas ou desativadas (veja, por exemplo, a Figura 16.14).
Em princípio, o conhecimento da estrutura detalhada de uma cavidade potencial que se liga
a drogas em uma proteína-alvo deveria permitir que um químico orgânico perito desenhasse
e sintetizasse uma molécula que se encaixe de forma confortável dentro dessa cavidade e
forme múltiplas ligações não-covalentes com os aminoácidos que revestem as suas paredes.
Entretanto, essa rota puramente teórica para o desenho de uma nova estrutura de droga não
gerou, na prática, vários produtos úteis. Por essa razão, a atualde como vários tipos de tu-
mores humanos respondem ao tratamento (como com Velcade).
• A estratificação de tumores visivelmente similares em subclasses limitadas ajuda muito os
pesquisadores e médicos a encontrar drogas para os tipos de células tumorais específicas
que elas podem tratar com maior eficácia.
• O grande benefício de certas drogas, como o Gleevec, pode finalmente ser provado deri-
var da sua ampla especificidade-alvo, permitindo que elas sejam usadas em uma grande
variedade de cânceres.
1. Quais são as vantagens e desvantagens terapêuticas de usar uma
droga que afeta um amplo espectro de alvos moleculares?
2. Dada a coleção ampla e heterogênea de moléculas de sinaliza-
ção que têm sido retratadas neste livro desempenhando papéis-
chave na patogênese de vários cânceres, quais classes você acha
que poderiam vir a ser os alvos para o desenvolvimento de um
novo espectro de terapias anticâncer ao lado das muito estuda-
das cinases?
3. Como os tumores que se iniciaram pela formação de um certo
oncogene poderiam se tornar independentes desse oncogene
mais tarde na progrssão tumoral?
4. Quais estratégias você implementaria mediante o achado de que
células dentro de um tumor se tornaram resistentes a uma tera-
pia com drogas após um longo tratamento?
5. Tendo concluído que produtos naturais representam uma fon-
te rica de drogas anticâncer em potencial, quais obstáculos po-
deriam limitar a procura e os testes de tais drogas?
6. Quais os obstáculos estão no caminho do desenvolvimento de
drogas para tumores que representam apenas uma parte muito
pequena dos cânceres totais carregados pela população?
7. Na oncologia clínica do futuro, quais tipos de informação po-
deriam ser incluídos na montagem de terapias anticâncer que
são são feitas sob medida especificamente para responder a um
determinado tumor de um paciente?
8. Quais estratégias você proporia para desenvolver modelos pré-
clínicos de tumores humanos que são altamente úteis na predi-
ção das respostas dos pacientes a drogas candidatas?
Questões elaboradas
Leitura adicional
Adams J (2004) The proteasome: a suitable antineoplastic target. Nat.
Rev. Cancer 4, 349–360.
AI-Hajj M, Becker MW, Wicha M et al. (2004) Therapeutic implications
of cancer stem cells. Curr Opin. Genet. Dev. 14, 43–47.
Baselga J & Arteaga CL (2005) Critica update and emerging trends in
epidermal growth factor receptor targeting in cancer. J. Clin. Oncol.
23, 2445–2459.
Bernardi R & Pandolfi PP (2003) Role of PML and the PML-nuclear
body in the control of programmed cell death. Oncogene 22, 9048–
9057.
Brunner RB, Hahn SM, Gupta AK et al. (2003) Farnesyltransferase inhi-
bitors: an overview of the results of preclinical and clinical investiga-
tions. Cancer Res. 63, 5656–5668.
Chabner BA & Roberts TG Jr (2005) Chemotherapy and the war on
cancer. Nat. Rev. Cancer 5, 65–72.
Chen ZJ (2005) Ubiquitin signalling in the NF-κB pathway. Nat. Cell
Biol. 7, 758–765.
Cleator S & Ashworth A (2004) Molecular profiling of breast cancer:
clinical implications. Brit. J. Cancer 90, 1120–1124.
Courtneidge SA (2003) Escape from inhibition. Nature 422, 827–828.
Downward J (2003) Targeting Ras signalling pathways in cancer therapy.
Nat. Rev. Cancer 3, 11–22.
Druker BJ, Talpaz M, Resta DJ et al. (2001) Efficacy and safety of a
specific inhibitor of the BCR-ABL tyrosine kinase in chronic mye-
loid eukemia. N. Engl. J. Med. 344, 1031–1037.
Duensing A, Medeiros F, McConarty B et al. (2004) Mechanisms of on-
cogenic KIT signal transduction in primary gastrointestinal stromal
tumors (GISTs). Oncogene 23, 3999–4006.
Elrick LJ, Jorgensen HG, Mountford JC and Holyoake TL, (2005) Pu-
nish the parent not the progeny. Blood 105, 1862–1866.
LEITURA ADICIONAL / 795
16-biologia_cancer_cap16.p65 27/2/2008, 09:09:Max795

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