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	CONCEPT MISFORMATION IN COMPARATIVE POLITICS
GIOVANNI SARTORI�
	"Ter dominado a teoria e o método é ter-se tornado um pensador consciente, um homem "no trabalho/em atividade", atento aos pressupostos e implicações do que ele está fazendo.
Ser dominado pela teoria ou pelo método é simplesmente estar "fora do páreo, fora de atividade". Sartori chama o pesquisador "dominado pela teoria" de overconscious thinker (pensador híper-consciente) e o dominado pelo método, de unconscious thinker (pensador inconsciente).
A Ciência Política hoje oscila entre o unconscious, que toma sofisticação técnica por ciência, e o overconscious, que se guia pelas "ciências paradigmáticas". O abismo entre os dois pólos é conciliado pelo computador e pela estatística (que dá a aparência de ciências exatas).
A maior parte da literatura sob o rótulo de "métodos" lida com técnicas de survey, de produção de estatísticas sociais e tem pouco ou nada a ver com metodologia, que é uma preocupação com a estrutura e o procedimento lógico da investigação científica. Não existe metodologia sem “logos”, sem reflexão sobre o que é o pensamento, o que é pensar. A técnica não substitui a metodologia e um ótimo manipulador de dados pode ser um metodólogo medíocre, ou mesmo, inconsciente.
Quanto mais avançam tecnicamente, maior é o território não mapeado que deixam para trás. Falta aos cientistas políticos um treinamento/formação em lógica elementar. E digo elementar porque o que eu menos quero, é encorajar os overconscious thinkers, que se recusam a discutir o calor se não lhes derem um termômetro na mão.
Minha simpatia vai para o conscious thinker, o homem que conhece as limitações de não ter um termômetro, mas mesmo assim consegue dizer muito através de (classificações e comparações:) frio, quente, mais frio do que, mais quente do que... Eu convoco este homem a avançar no terreno intermediário entre a simples incompetência em lógica e a paralisação do perfeccionismo.
Querendo ou não, ainda nadamos num mar de ingenuidade e a reflexão sobre a área de Política Comparada é vulnerável e ilustrativa deste estado de coisas.
O Problema da Viagem
A primeira geração de cientistas políticos (filósofos e teóricos) produziu um acervo de conceitos que facilitou o surgimento de uma geração de inconscientes, que se limitou a usar o que já estava pronto e nunca aprendeu a conceitualizar. O problema ficou mais sério com a recente expansão dos estudos comparados e o engajamento da disciplina na re-elaboração de conceitos. Como é que pesquisador ocidental pode partir de sua experiência e do vocabulário produzido para a realidade ocidental para tratar do resto do mundo? Quanto maior o espaço sob investigação, maior a necessidade de ferramentas conceituais capazes de “viajar”.
Há várias razões que explicam esta necessidade. O mundo cresceu. Em 1946 havia 80 países, enquanto que em 1970, 149. O território da política também se expandiu muito, tanto objetiva, quanto subjetivamente. Objetivamente porque aumentou a participação política, os direitos civis, a mobilização e a intervenção da política na vida social (welfare state, etc..). Subjetivamente, porque tendem a se centrar menos no governo em sentido estrito e observar outros sujeitos políticos e aí a expansão não tem fronteiras. Tudo pode ser visto como “político”.
A 1a questão a responder é até onde e como podemos viajar com a ajuda do vocabulário disponível. Até agora a resposta tem sido a lei do menor esforço, ou ingenuidade pura e simples. O que se tem feito é simplesmente "esticar" os conceitos existentes. E justifica-se isso, a) em nome da necessidade (verdadeira) de se trabalhar e se buscar “universais” - termos de uso e significado universal.; b) em nome de se tornar as ciências universais "value-free", ou seja, sem preconceitos e aplicável a outros contextos não-ocidentais e c) justifica-se afirmando que trata-se do feed-back do mundo à ciência ocidental: o Terceiro Mundo aprendeu e usa essas categorias que geradas no Primeiro Mundo para explicar o Primeiro Mundo.
A conseqüência é que os ganhos em extensão são equivalentes às perdas de precisão conotativa. A gente cobre mais, dizendo menos e com muito menos precisão. Produzimos conceitos indeterminados, indefinidos, vagos. Precisamos de categorias universais sim, mas que tenham precisão e não categorias que produzam pseudo-equivalências, no-difference categories. Precisamos de universais empíricos passíveis de teste empírico.
Por que precisamos de universais? Porque queremos comparar. Mas, por que queremos comparar? Os comparativistas saem a campo sem se perguntar isso. A ausência dessa questão explica porque temos tantos trabalhos comparativos fornecendo extensões do conhecimento que, contudo, não oferecem estratégias de aquisição e validação do conhecimento novo sendo produzido. 
A idéia de que comparar é controlar não é intuitiva. Mas é fundamental. Comparar é testar sistematicamente em face do maior número de casos possível em busca da capacidade de se chegar ao conhecimento do tipo “se isso..., então aquilo...”. Portanto, se comparar é um método de controle, então suas generalizações devem ser checadas contra todos os casos: é um empreendimento global. A viagem é uma necessidade metodológica e não simplesmente um desenvolvimento histórico. É comparando que se especifica e é comparando que se estabelecem leis e proposições universais.
Compara-se o quê? O quê que é comparável? Bom, não se compara coisas idênticas, dois garfos de um mesmo faqueiro industrializado. Tampouco são comparáveis duas coisas inteiramente diferentes como coelhos e pedras.
O problema é que deixamos as decisões sobre comparabilidade ao insight do gênio individual. Se duas coisas são idênticas ou se não tem nada em comum, elas não são comparáveis. Mas quando é que as similaridades e diferenças são suficientes para torná-las comparáveis? Existe alguma receita? 
As reações a essa questão são de evasão (fuga). Um argumento é o de que o conhecimento é construído: nós tornamos as coisas comparáveis e que comparar é “assimilar”, é descobrir similaridades mais profundas e fundamentais que se escondem sob a superfície de diversidades secundárias. Esse argumento tem pernas curtas e ainda admite o truque de tornar coisas diferentes, parecidas (making the unlike look alike). 
Outro argumento é que esta questão é tão velha quanto nossos ancestrais mais remotos e que não cabe continuar nos colocando esse problema. É questão obsoleta e irresolvível. Nada mais equivocado. Nossos ancestrais tinham limites e, não obstante, estavam melhor equipados que nós para esse trabalho. Em primeiro lugar eram “culture bound”, só viajavam até onde o conhecimento pessoal permitia. Em segundo lugar, não dispunham de dados quantitativos e nem eram quantitativamente orientados. (Nós achamos que com montanhas de dados quantitativos estamos equipados para viajar...). Em terceiro lugar, apesar dessas limitações, os gregos tinham conhecimento substantivo das coisas que comparavam e não deixavam a decisão do que é comparável aberta ao julgamento de cada um. Trabalhavam a partir do tratamento taxonômico das coisas, só comparavam coisas do mesmo gênero, espécie, sub-espécie, dependendo do nível de detalhe que a análise precisasse descer. 
O esticamento dos conceitos resulta do deslocamento de nossa dificuldade de conceitualizar, de definir "o que é" isso, para a facilidade de mensurar o "quanto disso é". Ao invés de trabalharmos o "ou...ou" do "ou isso, ou aquilo" partimos direto para o "mais do que, menos do que". Resolvemos o problema das diferenças medindo graus e nos desviando do problema conceitual, qualitativo, para questões técnicas de como medir. Arrematamos com a percepção de que o tratamento taxonômico é parte da lógica clássica, antiquada, que se prende à classificação de propriedades e atributos, um tratamento inadequado ao estudo de quantidades e relações.
Viola-se com isso a lógica elementar de só se comparar coisas dentro do mesmo gênero:só se mede coisas dentro de uma mesma classe. Quanto menor a possibilidade de confiar no conhecimento substantivo sobre o que estamos comparado, maior é a necessidade de partir de um tratamento taxonômico prévio.
Quantificação e Classificação
Brincamos de matemática: atribuímos números a categorias nominais, fazemos rankings, mas isso é uma codificação e não quantificação. Falamos também de variáveis que não são dimensões que permitam gradação e mensuração (como filiação partidária). Trata-se de conceitos e não de variáveis, que são um tipo particular de conceito. Brincamos com o idioma quantitativo que encobre as fragilidades conceituais e exagera enormemente o grau de quantificação que a disciplina admite.
A quantificação admite três níveis: o de mensuração (atribuir valores numéricos a ítens); manipulação estatística (que nos protege de erros de amostragem e dá uma medida para o estabelecimento de relações entre variáveis, mas que só entra em cena quando temos um número suficiente de casos e variáveis que efetivamente meçam coisas que merecem ser medidas. Geralmente temos trivialidade e bravura em doses bem maiores do que de relevância. O terceiro nível de quantificação é a modelagem matemática que praticamente não tem exemplos nas ciências sociais (Homans é um desvio - fez uma tradução matemática parcial de sua teoria do Grupo Humano, pg. 1037).
A lição que a Economia nos dá sobre quantificação é a de que ela vem sempre no lastro, atrás e depois do avanço qualitativo, da melhoria e do refinamento conceitual. E essa é a realidade em qualquer ciência porque a formação de conceitos antecede necessariamente a quantificação.
Fala-se que são os dados que orientam o escopo dos conceitos e a definição das fronteiras entre eles, mas muito antes de se ter dados que falem por si mesmos, precisamos tanto da elaboração de conceitos, quanto de mensuração de boa qualidade que imprima qualidade ao dado. A mensuração, por sua vez, requer a lógica da classificação. Mais uma vez, é só dentro do igual que cabe o mais e o menos. A classificação, além disso, desembrulha, decompõe as espécies, em gêneros, em classes e em tipos. Quanto mais entramos na quantificação, mais precisamos da classificação para definir escalas unidimensionais, para dicotomizar e estabelecer limites. (não se quantifica coisas de qualidade diferente, mais e menos existe entre iguais).
Existem conceitos teóricos abstratos e conceitos universais empíricos, que guardam propriedades verificáveis. Conceitos são elementos de teorias (caso dos teóricos-abstratos) e são containers/recipientes de dados e informações. Como as ciências não-experimentais dependem de fatos (não os produz em laboratório), dependem da observação de fatos, é essencial que os conceitos sejam bons containers de informações bem definidas e bem coletadas.
Quanto maior o seu poder discriminatório, mais precisa é a informação. E, o que ajuda a maximizar o poder discriminatório de um conceito é a classificação de onde se origina.
A classificação requer que as classes sejam mutuamente excludentes e conjuntamente exaustivas. O exercício taxonômico fornece séries bem organizadas/ordenadas de categorias afiadas (sharpened) que são a base para se coletar adequadamente informações precisas. É desse modo que sabemos se, e em que medida, um conceito tem validade enquanto fact-garthering (coletador ou armazenador de fatos).
Mais uma vez, parece que começamos a correr antes de aprender a andar. Números têm que se associados (attached) a coisas, mas como é que essas coisas, ou fatos, são identificados e coletados? Nossa ambição é ultrapassar a ciência das espécies para a ciência de correlações funcionais. A questão é se não estamos repudiando uma ciência de espécies em troca de nada. Me parece que a pressa combinada com o abuso do idioma quantitativo são largamente responsáveis pela pobreza conceitual e teórica, assim como pela trivialidade e desperdício das pesquisas produzidas nos últimos tempos.
Nos enviamos estudantes de pós-graduação em expedições de pesca indiscriminada por dados. Vão pescar pelo mundo afora sem rede, sem uma taxonomia. Trazem dados desbaratados, não-cumulativos e disfarçados pelo idioma quantitativo.
Independentemente se estamos trabalhando qualitativa ou quantitativamente, o problema é o mesmo: construir categorias fact-finding, com âncora empírica e com um bom poder de discriminação: que achem os fatos buscados/relevantes/pertinentes ao conceito e os discriminem dos que não estão sendo buscados/nõ são relevantes e pertinentes.
Mas os unconscious thinkers saem com checklists que são meras enumerações e o overconscious ficam querendo ser Newton, mas numa ciência pré-paradigmática, ficam à pé e paralisados.
Agora a classificação é um instrumento metodológico básico em qualquer área da ciência (p. 1040) e, inclusive para introduzir clarificação analítica para o que quer que esteja em discussão. Ela permite que discutamos cada coisa a sua vez e diferentes coisas em diferentes momentos. Finalmente, precisamos de redes taxonômicas para resolver nossos problemas de fact-finding e fact-storing. Não há ciência comparativa possível sem informações suficientemente precisas para serem meaningfully compared. Arquivos bem classificados permitem adição e uso. O paradoxo hoje é que quanto maior é o potencial do computador, menor é a nossa capacidade/método para fornecer critérios logicamente padronizados de coleta e armazenagem de informação. O computador de que dispomos hoje, permite que manuseemos e vasculhemos por volumes enormes de dados, por arquivos imensos, mas eles precisam ter qualidade.
Os Níveis de Abstração
1. Conceitos são percepções, definições e concepções de coisas. Dependendo de como são construídos, já possuem as próprias linhas de interpretação e observação. 
2. Níveis de abstração nem sempre são alcançados pela ascensão do nível anterior. Conceitos teóricos não-empíricos são definidos pela parte que jogam na teoria. Não vêm de conceitos mais específicos ou mais concretos, já são definidos no plano abstrato ou analítico da teoria. Por exemplo, o significado de isomorfismo, homeostase, feedback, entropia, etc. é basicamente definido pelo lugar que ocupa no conjunto de uma teoria. Em outros terrenos/instâncias, contudo, nos chegamos a níveis altamente abstratos de conceitualização através de ladder climbing (da ascensão de um degrau a outro), através de abstractive inferences from obervables (inferências de categorias/fatos observáveis que elevam o grau de abstração). 
Termos como grupo, comunicação, conflito e decisão podem ser usados tanto em sentidos muito abstratos, quanto em sentidos muito concretos; tanto em referência muito distante a fatos observáveis, quanto em referência direta à fatos observáveis. Nesse caso, temos conceitos empíricos que podem estar localizados em (e serem deslocados para) diferentes níveis de abstração. Se é assim, temos que resolver o problema de como identificar o nível de abstração a que se refere o uso de um dado conceito empírico. Há regras, procedimentos e transformações associados e resultantes desses deslocamentos. 
3. Na pesquisa comparativa estamos interessados em fact-finding e em universais que viajem bem sem perder seu conteúdo. Todo conceito tem duas dimensões: extensão ou denotação e intensidade ou conotação. A primeira define a classe de coisas a que se refere e a segunda dimensão define as propriedades que essas coisas tem, a propriedade que define essas coisas. Há duas maneiras de se subir os patamares de abstração: uma é alargando a denotação ao reduzir o número e variedade de atributos ou propriedades, isto é, ao reduzir a conotação. Nesse caso, o conceito fica mais geral, mais genérico e inclusivo, sem perda de precisão. Quanto maior a classe, menor é o elenco das suas diferenças, diversidades internas. Mas, as diferenças que permanecem, permanecem precisas. Além disso, ao seguir esse procedimento, nós obtemos conceituações que – não importa quão abrangente elas sejam – elas aindamantêm a traceable relation to a collection of specifics e, alem de permitirem sua identificação, elas são empiricamente testáveis.
O espichamento de conceitos alarga a denotação ofuscando a conotação (sem ter o cuidado de redefinir e reduzir a conotação). Ao invés de produzir conceitos gerais que representam uma coleção de atributos “específicos”, geram meras generalidades que não estão escoradas em nada verificável. E, enquanto conceitos empíricos gerais permitem generalizações científicas, as meras generalidades só conduzem a obscuridade e indeterminação conceitual. 
Se seguimos a regra simples de ajustar conotação à denotação temos no alto nível de abstração conceitos referentes a gêneros, ou seja, conceitos que abolem espécies e sub-espécies para abranger todo um gênero, são conceitos que podem ser universais. Descendo um patamar, chegamos no nível médio de abstração que não alcança universalidade, mas enfatiza similaridades em detrimento de peculiaridades. Finalmente, no baixo nível de abstração temos conceitos configurativos que sacrificam a denotação em favor da precisão, e riqueza conotativa – as particularidades são enfatizadas em detrimento das similaridades. Nesse nível, as definições são freqüentemente contextuais.
Smelser oferece um exemplo. Ele afirma que para fins de comparação “staff é mais satisfatório do que administração e que administração é mais satisfatório que serviço público. Isso porque o conceito de serviço público não se aplica às sociedades que não tem aparelho estatal organizado e o de administração, embora um pouco melhor é ainda culture-bound. O mais adequado mesmo é o usado por Weber, o conceito de staff, porque ele pode abranger sem constrangimentos vários arranjos políticos.”
Na minha terminologia eu reformularia o texto de Neil J. Smelser para os seguintes termos: no campo da chamada administração pública comparada, staff é uma categoria de nível universal, administração ainda viaja bem, mas não alcança universalidade por reter atributos específicos à noção de burocracia e “serviço público” só se aplica a configurações do Estado moderno. Se descermos mais ainda para o concreto e comparar apenas os funcionários públicos da França e Inglaterra descobriremos traços peculiares e distintivos que nos fornecerão definições contextuais.
O exemplo de Smelser é ótimo porque encontra termos diferentes para cada nível de abstração, o que facilita a identificação. O próximo exemplo ilustra a dificuldade de determinar o nível de abstração quando a mesma palavra se aplica a todos eles. Ao exemplificar sua recomendação de cautela com os muitos conceitos que são generalizações disfarçadas, Bendix escolhe o termo “village” e comenta que pode ser mal empregado se for usado em referência à sociedade Indiana, onde não há o grau mínimo de coesão social comumente associado ao termo. Mesmo um caso simples como esse, exige do pesquisador o cuidado de definir várias associações de “village” de acordo com a capacidade de “viagem”(abstração, generalização) que os atributos possuam. Há que associar cláusulas de delimitação da conotação sendo usada, dependendo do nível de abstração. 
É claro que não há fronteiras fixas e limpas entre os níveis de abstração. Elas só podem ser desenhadas de uma forma um tanto frouxa e o próprio número de fatias em que a escala de abstração é dividida depende do quão “fina” é a analise pretendida/necessária. Para efeitos deste artigo, três fatias já são suficientes e minha maior preocupação é o que vai para o nível mais alto e o que fica no nível intermediário; isto é, como distinguir o “universal” do “geral”. Em outras palavras, até onde se pode subir com um termo observacional sem perder substância? 
Em princípio, a extensão de um conceito não deve ser ampliada para além do ponto no qual pelo menos uma conotação precisa esteja mantida. Na prática, a exigência de pelo menos uma identificação positiva pode ser um tanto “preciosista” demais, mas, mesmo que seja possível relaxar nesse ponto, não vejo como se poderia renunciar ao requisito da identificação negativa. A distinção crucial seria então entre: (1) conceitos definidos por negação, i.é., pela determinação do que eles não são e (2) conceitos sem identificação negativa e, portanto, ser terminação, sem fronteiras. O princípio lógico aí envolvido é “onmis determinatio est negatio – qualquer determinação envolve negação. De acordo com esse princípio, os conceitos de tipo (1), qualquer que seja sua extensão/denotação, são conceitos determinados, enquanto que os outros são indeterminados em qualquer nível de abstração.
Se esse principio é aplicado ao processo de “subida” e precisamente ao ponto no qual as categorias intermediárias (mid-level) se tornam universais (high level) os conceitos do primeiro tipo tornam-se universais empíricos, enquanto que os do segundo tipo, tornam-se pseudo-universais para a ciência empírica. A razão é que conceitos bem delimitados e qualificados pela sua negação podem ou não ser encontrados e aplicados ao mundo real, enquanto os conceitos indeterminados, sem fronteiras não permite que se afirme nada, se há ou não. Um universal empírico o é porque ainda aponta para alguma coisa verificável, enquanto o universal não-empírico aponta indiscriminadamente para tudo, como qualquer pesquisador na área rapidamente descobre.
O conceito de grupo serve como uma bela ilustração, especialmente, porque ele representa a primeira tentativa em larga escala de enfrentar o problema de viajar analiticamente no campo da política comparada. Na teoria da política de grupo – group politics theory (Bentley, David Truman, Lathan e outros) fica suficientemente claro que grupo se torna uma categoria compreensiva, abrangente (all-embracing): não apenas um constructo analítico, mas definitivamente um constructo universal. Contudo, nós nunca dissemos realmente o que grupo não é, como deveríamos ter disto, e ele se aplica a tudo; ou seja, nunca e em parte alguma nós encontramos um não-grupo. Nunca definimos o que seria um não-grupo. Nos anos 50 fez-se muita pesquisa empírica na linha da teoria de group politics, não com base em um universal empírico, mas em conceitualizações concretas intuitivas. Com isso, o “grupo indefinido” da teoria e o “grupo concreto” da pesquisa não se encontram (fall apart). A conseqüência é que não só a pesquisa se ressente da falta de suporte teórico (faltam categorias intermediárias e, especialmente, uma moldura taxonômica),como também o caráter vago da teoria não permite/encontra encaixe às especificidades dos achados empíricos das pesquisas. Nos ficamos com um acervo de literatura que traz o sentimento frustrante de desmantelar a teoria qualquer que seja a descoberta empírica realizada pela pesquisa.
Existe, portanto, um ponto de ruptura, além do qual a busca de ”inclusividade” universal nulifica o problema, no plano da teoria, e evapora sua referência empírica, no plano empírico. Ao dizer que “universais sem identidade por negação não encontram aplicação empírica”, não estou afirmando que sejam totalmente inúteis. Mas eu gostaria de dizer que sempre que noções como “grupo” ou – como tratarei mais à frente, “pluralismo”, integração, participação e mobilização – não receberem “terminação”/fronteira, elas só oferecerão rótulos (tags), subtítulos, palavras-chave para sistemas de arquivamento.
Voltando-nos, agora, para as categorias de nível intermediário – uma fatia gorda da escala de abstração – é suficiente lembrar que esse nível requer todo um conjunto de operações que alguns autores chamam de “definição por análise”(definition by analysis); i.é., o processo de definir um termo pela descoberta do gênero a que o objeto designado pela palavra pertence e, então, especificar os atributos que distinguem esse objeto de todas as demais espécies de seu gênero. Quando Apter reclama que nossas categorias analíticas são genéricas demais quando teóricas e descritivas demais quando não são teóricas, eu acho que a sua reclamação se refere ao modo desordenado com que saltamosde achados observados para categorias universais e vice-versa. By-passamos solenemente o estágio de definição por analise. Apter está corretíssimo ao pedir categorias analíticas intermediárias de melhor qualidade. Mas tais categorias não podem ser construídas, eu temo, enquanto a resistência contra a necessidade do exercício taxonômico nos deixar com um nível intermediário de abstração atrofiado.
O baixo nível de abstração pode parecer sem interesse para o trabalho comparativo, mas não o é, pelo menos por duas razões: primeiro, porque quando se trabalha em campo, quanto mais as categorias fact-finding forem levadas para o concreto, melhor a pesquisa. Segundo, porque é a evidência obtida país a país ( região a região ou seja lá qual for a unidade de análise) que nos ajuda a decidir qual classificação funciona bem e quais novos critérios de classificação devem ser desenvolvidos. As regras lógicas que devem reger a classificação não tem nada a ver com a utilidade dos sistemas classificatórios. Botânicos, zoólogos e mineralogistas não criaram suas árvores taxonômicas simplesmente a partir de dedução lógica; ou seja, eles não impuseram suas “classes” aos animais nenhum pouco mais do que os animais se impuseram às suas classes. Deixe-se adicionar que os requisitos de informação de uma área de estudo unsetled (instável) como a Ciência Política muito dificilmente seriam atendidos com classificações lineares (single-purpose). Como já insisti, precisamos desesperadamente de containers (conceitos) de fact finders e fact storing padronizados. Mas tal padronização só será possível e frutífera se baseada em classificações multi-funcionais (multi-purpose). Agora, se uma classificação serve a vários fins e qual classificação atende a esses requisitos, são problemas que só têm solução indutiva. Vamos descobrir quando começarmos de baixo para cima na escala de abstração.
Alguns comentários adicionais merecem ser feitos para concluir essa discussão. Em primeiro lugar, a referência a apenas três níveis de abstração é inadequada porque só permite distinguir os significados amplo e estrito de um termo. Em segundo lugar, e mais importante essa discussão revela a perda drástica de articulação lógica e o salto lógico gigante implicado no argumento de que todas as diferenças são uma questão de grau. Isso não existe no nível das categorias universais, pois aí só encontramos, inevitavelmente, pares opostos, é ou não é, diferenças polares. Tampouco existe no nível intermediário, onde as categorias só estabelecem diferenças de espécie/tipo (in kind). Daí para baixo , as definições são obtidas via a lógica da classificação, o que implica que a lógica da gradação não pode ser usada enquanto não se concluir as diferenças entre espécies. Diferenças de grau só são possíveis depois de se ter estabelecido que dois ou mais objetos têm os mesmos atributos e pertencem a mesma espécie. É apenas dentro de uma mesma classe que se compara quantidades e graus.
Em princípio, é uma falácia usar a lógica da gradação em referência ao processo de subir ou descer na escala de abstração. Se lembrarmos de que ao subir de nível nós reduzimos a conotação para alargar a denotação (e vice-versa) vemos que o que está em questão aqui é a presença ou ausência de uma dada propriedade e não graus de intensidade; estamos estabelecendo níveis de abstração. É só depois de estabelecermos o nível em que vamos trabalhar é que considerações de mais ou menos podem ser corretamente aplicadas. É há uma lei de ferro (rule of the thumb): quanto mais alto o nível de abstração, mais limitado é o uso da linguagem de gradação e vice-versa. 
Em terceiro lugar e igualmente importante, a referência à escala de abstração levanta sérias dúvidas sobre a idéia otimista e compartilhada amplamente pela literatura em metodologia de que “quanto mais universal uma proposição, maior o número de fatos cobertos e de falsificadores potenciais e mais informativa é a proposição”. A sentença sugere uma progressão simultânea e natural de universalidade, falsificadores e conteúdo informativo. Não existe esta progressão sincronizada de informação, falsificação e abstração. Para mim, o deslocamento na escala de abstração nos confronta com a escolha entre margem/campo de explicação (inclusive das relações entre os itens sob investigação) e precisão descritiva (informative accuracy). Ao dizer que o conteúdo informativo de uma proposição aumenta ao subir o nível de abstração não podemos nos enganar achando que estamos aumentando o elenco de informações descritivas. Alem disso, é questionável que estejamos também aumentando os falsificadores potenciais, mesmo sem levar em conta os universais que não tem qualquer valor informativo e para os quais nenhum falsificador pode ser encontrado.
Os “falsificadores” são componente crucial no estabelecimento de verdade: podem ser aspectos que não foram considerados pela pesquisa, ou que não se confirmaram e também causas alternativas que podem ser trazidas à consideração e falsificar nossos achados.
Antes de concluirmos, não devemos deixar passar o fato de até agora eu não ter usado a palavra “variável”, “definição operacional” e “indicadores” e também, de minhas referências aos conceitos de gradação terem sido até agora pré-quantitativas. O que mais importa é notar a distancia percorrida antes de entrar nos problemas que parecem monopolizar nossa consciência metodológica hoje. É claro que não há nada de errado em começar um argumento em algum ponto sobre o qual temos algo a dizer; exceto se o argumento tomar o fim pelo começo. Como eu encarei o problema a partir de um estágio bem inicial/elementar eu não terei condições de levá-lo até o fim (as ultimas conseqüências). De todo modo me sinto compelido a indicar pelo menos que direção eu tomaria sobre o que não falarei.
Um coisa que deve ser compreendida é que por considerar conceitos – o gênero – eu não exclui a consideração de variáveis – uma espécie. Em outras palavras, variáveis são conceitos, mas conceitos não são variáveis, necessariamente. Como um conhecido colega mestre em análise quantitativa já disse, “todas as variáveis mais interessantes são nominais” e isso é o mesmo que dizer que os conceitos mais interessantes não são variáveis, no seu sentido mais próprio, estrito, de variável que implica a possibilidade de mensuração no mais exato sentido da palavra.
O mesmo se aplica às definições operacionais. assim como conceitos não são necessariamente variáveis, definições não são necessariamente operacionais. O requerimento definicional de um conceito é o de que seu significado seja declarado, enquanto que das definições operacionais se requer a declaração das condições e operações pelas quais um conceito pode ser verificado e, em ultima instância, mensurado. É útil portanto distinguir entre definição de significado e definição operacional. Enquanto é óbvio que definições operacionais ainda são definições de significado, o oposto não é verdadeiro – nem todas as definições de significado são operacionais.
A postura comum/freqüente é a de que definições de significado representam um estágio pré-científico de definição, um estágio que deveria ser substituído no discurso científico por definições operacionais. No entanto, essa postura é incapaz de resolver o problema da formação de conceitos e, de fato, parece ignorá-los. Como o esquema da escala de abstração ajuda a destacar, entre os vários procedimentos possíveis de definição, os da definição por ex-adverso (definição por negação) e por desdobramentos taxonômicos (ou definições por análise), fica claro que alguns desses conceitos e definições correspondem a diferentes níveis de análise e desempenham, em cada nível, papéis não-substituíveis (ou seja, não se prestam a definições operacionais que só funcionam em níveis mais concretos de verificação empírica). 
Alem disso, definições operacionais geralmente exigem/significam drástica redução do significado porque elas só podem reter aqueles significados que atendem aos requisitos operacionais(mensuração, verificação empírica). Para tanto, somos obrigados a reduzir a ambigüidade pelo estreitamento do leque(range) de significados dos conceitos. O critério operacional de reduzir a ambigüidade também causa perdas drásticas da riqueza conceitual e do seu poder explicativo. Tome por exemplo, a sugestão de que “classe social” deva ser substituída por um conjunto de definições operacionais relativas à renda, ocupação, nível educacional, etc. Se tal sugestão for adotada, a perda de substância conceitual será não só considerável, como injustificável. O mesmo se aplica a “poder”. Estar preocupado com a mensuração de “poder” não implica que o significado do conceito deva ser reduzido ao que pode ser mensurado. Se isso for feito, o comportamento humano em qualquer esfera coletiva seria transformado em algo inexplicável.
É preciso que se compreenda, portanto, que definições operacionais implementam, mas não substituem, definições de significado. Na verdade, é necessário que haja uma conceitualização antes de se partir para operacionalização. Como Hempel recomenda, definições operacionais não devem se sobrepor ao requisito de systematic import. “é precisamente a descoberta de conceitos com theoretical import que avança a compreensão científica e estas descobertas exigem inventividade científica e não podem ser substituídas pelos requisitos operacionais e empiricistas, certamente indispensáveis, mas igualmente insuficientes, do empirical import alone.
Isso também quer dizer que definições de significado de peso teórico, dificilmente definições operacionais, respondem pela dinâmica da estimulação e descoberta intelectuais. finalmente, deve-se entender que o teste empírico ocorre antes e sem definições operacionais. Testar é qualquer método de checagem de correspondência com a realidade pelo uso de observações pertinentes. Portanto, as diferenças decisivas trazidas pela operacionalização são as de verificação ou falsificação através de mensuração (quero dizer que ou as definições operacionais facilitam e conduzem à mensuração ou elas não merecem existir).
Falando de teste, indicadores são de fato test-helpers preciosos. É impossível imaginar como termos teóricos poderiam ser empirizados e testados se não fossem com os indicadores. Os indicadores são também atalhos práticos para verificar empiricamente termos observacionais. Mas a questão continua, indicadores de que? Se temos conceitos confusos, a confusão permanece como ela é. Indicadores não são capazes de sozinhos afiarem nossos conceitos e nos aliviar do trabalho de compor e decompor ao longo da escala de abstração.
	Níveis de Abstração
	Escopo da comparação
	Propriedades lógicas e empíricas dos conceitos
	AN – Categorias de alto nível: conceitualizações universais
	comparações entre contextos heterogêneos (cross-area), teoria global
	extensão máxima
intensidade mínima
definição por negação
	IN – Categorias de nível intermediário: conceitualizações e taxonomias gerais
	comparações entre contextos relativamente homogêneos (intra-area): teorias intermediárias (middle-range theories) – Barrington Moore
	equilíbrio entre denotação e conotação
definição por análise, i.é., por gênero e diferenças
	BN – Categorias de baixo nível de abstração
	analises de país a páis (narrow-range)
	intensidade/conotação máxima
extensão/denotação mínima
definições contextuais
Síntese: trabalho conceitual reina no âmbito da metodologia – é o principal estímulo ao avanço do conhecimento e é ele que abre caminho para novas quantificações e para a produção de dados. É também critério para garantir qualidade aos dados.
	Conceituar é enfrentar problema de definições qualitativas, de significado, e fornecer correspondências a diferentes níveis de abstração. Universais empíricos vêm de conceitos contextuais empíricos, mas envolvem regras de transformação até que se chegue do particular ao geral. Ambigüidades e riqueza de significados são parte do trabalho: conceitos empíricos não se reduzem a definições operacionais, tampouco podem funcionar bem se não apontarem claramente para algum atributo(conotação) empiricamente verificável que seja, no mínimo, um atributo negativo, do que o tal conceito não é.
	A produção quantitativa (a lógica da gradação) só se aplica corretamente entre coisas definidas no mesmo nível de abstração e que sejam do mesmo gênero, espécie ou classe. As diferenças mais importantes são as diferenças de significado e de qualidade e não diferenças de grau e quantidade.
�Publicado em American Political Science Review, Vol LXVI:4, Dec; pp. 1033-1053 
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