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do direito ao trabalho, cuja construção se dá a partir da liberdade profissional reconhecida no artigo 12 e do princípio do Estado Social. Por esta razão, parte da doutrina alemã tem oferecido resistências a esta configuração do direito ao trabalho, imprimindo-lhe tão somente uma natureza programática. 143 III.5. A Liberdade de trabalhar, o dever de trabalhar e o direito a trabalhar Como se viu, o direito ao trabalho está conectado a outras figuras, mas com elas não se confunde. Neste sentido, Antonio Martin Valverde esclarece que esta proximidade indica que os respectivos conceitos estão estreitamente vinculados entre si, mas não se confundem ou se sobrepõem”427. Vejamos, então, cada uma destas figuras separadamente. III.5.1. A liberdade de trabalho A liberdade de trabalho está intimamente relacionada com as demais “liberdades”, proclamadas nos textos internacionais e nacionais de grande parte dos países428. Pode ser definida como “o direito do indivíduo a não sofrer interferências externas no exercício de uma atividade legítima e livremente escolhida”, ressaltando-se, é claro, os casos em este exercício se encontra devidamente regulamentado pelos poderes públicos. Ela se dirige contra o Estado e também contra terceiros e o seu conceito engloba a possibilidade de que cada um eleja o seu trabalho, segundo as suas aptidões e vocações pessoais429. 427 Antonio Martín Valverde. “Pleno empleo, derecho al trabajo, deber de trabajar en la Constitución española de 1978”, en AA.VV., “Derecho del trabajo y de la seguridad social en la Constitución”, pg. 193. 428 Maria del Carmen Revuelto Martínez. “El derecho al trabajo en la Constitución”, en AAVV. (edición preparada por Manuel Ramírez), “Estudios sobre la Constitución española de 1978”, pg. 161. Ao discorrer sobre o conteúdo da liberdade de trabalho, a autora trabalha com a idéia de uma “liberdade negativa de trabalhar”, que compreenderia o direito a recusar um determinado trabalho, assim como o direito a trabalhar ou não; e de uma “liberdade positiva de trabalhar”, que comportaria as duas manifestações citadas: a) frente ao Estado (sentido tradicional) e b) perante terceiros. 429 Antonio Martín Valverde. “Pleno empleo, derecho al trabajo, deber de trabajar en la Constitución española de 1978”, en AA.VV., “Derecho del trabajo y de la seguridad social en la Constitución”, pg. 144 Como os demais direitos fundamentais, a liberdade de trabalho está sujeita a restrições, que devem ser implementadas pelos poderes públicos, especialmente, pelo Poder Legislativo. Nestes casos, impõe-se o respeito ao seu núcleo essencial, que a doutrina alemã convencionou denominar “limites dos limites”. Nesta direção, Irany Ferrari destaca que “Ser Livre, para cada cidadão, pressupõe, assim, a Liberdade de Trabalhar. Contudo, a necessidade de trabalhar, existe para todos os cidadãos. E, bastaria essa primeira dificuldade, para se entender que a Liberdade de Trabalhar não é, nem pode ser Absoluta”430. Esta observação nos remete à chamada “obrigação moral” de trabalhar. III.5.2. O dever de trabalhar Segundo Juan Lopez Gandía, desde o ponto de vista ideológico, o dever de trabalhar tem suas raízes na ideologia calvinista e está vinculado a uma certa ética do trabalho. Há narrativas de sua imposição em distintos períodos da história, como, por exemplo, na Lei dos Pobres de 1601 (Inglaterra) e nas leis de periculosidade social, promulgadas em diversos países431, sem falar nos regimes 196. Maria del Carmen Revuelto Martínez. “El derecho al trabajo en la Constitución”, en AAVV. (edición preparada por Manuel Ramírez), “Estudios sobre la Constitución española de 1978”, pg. 161. 430 Irany Ferrari. “Direito ao Trabalho”, pg. 713. 431 J. López Gandía, “Breve nota sobre el artículo 35 de la CE (derecho al trabajo, libertad profesional y promoción en el trabajo”, pg. 152. O autor faz referência à Lei italiana, N. 1.423, de vagabundos e ociosos de 27, de dezembro de 1956. Maria del Carmen Revuelto Martínez, “El derecho al trabajo en la Constitución”, en AAVV. (edición preparada por Manuel Ramírez), “Estudios sobre la Constitución española de 1978”, pg. 162, também faz menção à Lei espanhola, N. 16, de 04, de agosto de 1970, denominada “Ley de Peligrosidad y Rehabilitación Social”. 145 autoritários que, de um modo geral, utilizaram-no como justificativa para se alcançar um novo modelo de sociedade432. Não obstante, já se viu que este dever se traduz em um “dever moral”, pois a sua imposição fere frontalmente a liberdade e a dignidade humana, fazendo com que o trabalho forçado seja combatido com veemência pelos Estados Democráticos de Direito. Há quem pense que o trabalho forçado seja coisa do passado, mas um estudo da Organização Internacional do Trabalho – “A global alliance against forced labour” – denuncia que este “não somente ocorre na atualidade, mas que se trata de um dos problemas mais ocultos de nosso tempo”433. Ainda assim, devemos considerar que diversos setores da sociedade sobrevivem precisamente do parasitismo (cuja base teórica é o próprio capitalismo, em seu modelo financeiro-especulativo) e, nestes casos, defender a imposição de um dever de trabalhar seria até mesmo um paradoxo434. Por esta razão, quando este dever é proclamado nas constituições, a sua natureza não é outra que a de um princípio ético que responde a uma visão 432 Maria del Carmen Revuelto Martínez. “El derecho al trabajo en la Constitución”, en AAVV. (edición preparada por Manuel Ramírez), “Estudios sobre la Constitución española de 1978”, pg. 155. A autora lembra que muitos teóricos, ao interpretarem o conceito marxista de desenvolvimento da força produtiva, defendiam a necessidade de se impor a obrigatoriedade de trabalhar e sancionar sua transgressão para que um dia a sociedade socialista possa reduzir o trabalho e o homem, assim, dedicará boa parte de seu tempo ao lazer. 433 OIT. “Trabajo”, Revista de la OIT”, pgs. 4, 5 e 6. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, “o trabalho forçado se encontra em todos os âmbitos. Ainda que se concentre na agricultura, na construção, no trabalho doméstico, na fabricação de ladrilhos, nas oficinas clandestinas e no comércio sexual, dá-se em todos os continentes, em todas as economias e em quase todos os países”. Mesmo assim, para a organização, é possível se abolir este tipo de trabalho. Com vontade política e um compromisso de escala mundial, associados à promulgação de legislações nacionais rigorosas, o trabalho forçado poderia ser eliminado nos próximos dez anos. 434 J. López Gandía, “Breve nota sobre el artículo 35 de la CE (derecho al trabajo, libertad profesional y promoción en el trabajo”, pg. 152. 146 progressista do papel cidadão na sociedade e de combate ao privilégio e ao parasitismo435. Nesta direção, há quem visualize uma vertente social do dever de trabalhar, que se manifesta como um dever genérico para com a sociedade, ou seja, como uma parcela de contribuição que compete a cada cidadão para a melhoria da coletividade436. Alarcon Caracuel, por exemplo, entende que o dever de trabalhar se assenta no terceiro pilar da estrutura “liberdade, igualdade e fraternidade”, ou seja, a solidariedade social437. Partindo do pressuposto de que a “mendicância” e a “marginalidade” podem causar sérios prejuízos financeiros e sociais ao Estado, muitos países têm adotado algumas medidas indiretas para desestimular esta “recusa ao trabalho”, seja através de normas que condicionam o recebimento do seguro-desemprego à postura ativa do trabalhador na busca