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geral, as Constituições lhes concedem5. Mesmo assim, a análise desses direitos suscita inúmeras dificuldades, a começar pela denominação. I.2. A denominação “direitos fundamentais” Em muitos casos, os termos “direitos do homem”, “direitos humanos” e “direitos fundamentais” são utilizados indiscriminadamente, como se fossem sinônimos6. Considerando que as imprecisões terminológicas podem acarretar ambigüidades na interpretação e, por isso mesmo, devem ser evitadas, cabe realizar algumas reflexões acerca do que a doutrina tem entendido por “direitos fundamentais”, diferenciando-os, então, dos chamados “direitos do homem” ou “direitos humanos”. 4 Willis Santiago Guerra Filho, “Processo Constitucional e Direitos Fundamentais”, pgs. 30 e 31. Neste sentido ver Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais”, pgs. 180 e 181. Ingo Wolfgang Sarlet, “Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988”, pg. 27. 5 Ingo Wolfgang Sarlet, “Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988”, pg. 26, lembra que “a íntima e, por assim dizer, indissociável vinculação entre a dignidade humana e os direitos fundamentais já constitui, por certo, um dos postulados nos quais se assenta o direito constitucional contemporâneo”. Willis Santiago Guerra Filho, “Processo Constitucional e Direitos Fundamentais”, pgs. 18 e 22, também destaca que o Estado Democrático de Direito se mostra como uma “fórmula política” que abre canais para “cada posição divergente demonstrar a parcela de razão que lhe cabe e a superioridade de uma frente às demais, em dada situação particular” 6 Neste sentido, ver Vicente de Paulo Barreto, “Reflexões sobre os Direitos Sociais”, In Ingo Wolfgang Sarlet (org), “Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado”, pg. 123. 8 Quanto ao questionamento sobre o que são normas de direito fundamental ou jusfundamental7, Robert Alexy esclarece que esta pergunta pode ser realizada de forma abstrata ou concreta. É realizada abstratamente quando se interroga se uma norma pode ser identificada como norma de direito fundamental, independentemente de pertencer a uma determinada ordem jurídica ou Constituição. Por sua vez, é realizada concretamente quando se pergunta quais normas de uma determinada ordem jurídica, ou de uma determinada Constituição são normas de direito fundamental e quais não são8. Em decorrência disso, ao fazermos menção às normas de direitos fundamentais, devemos inicialmente esclarecer sob qual destes enfoques a questão será avaliada: abstratamente, quando se assume um caráter geral e universalista, sem se ater a uma determinada ordem jurídica; ou concretamente, quando as normas se circunscrevem a um determinado texto constitucional. É a partir deste duplo contexto que compreende-se melhor a distinção que a doutrina vem fazendo entre “direitos fundamentais” e “direitos humanos” ou “direitos do homem”. O próprio Alexy explica que “direitos fundamentais são essencialmente direitos do homem transformados em direito positivo”9, ou melhor, os direitos fundamentais procuram transformar direitos humanos em direito positivo. 7 Expressão utilizada por Robert Alexy, em sua “Teoría de los derechos fundamentales”, ao fazer referência à qualificação de uma norma que leva o condão de fundamental. 8 Robert Alexy, “Teoría de los derechos fundamentales”, pg. 62. Ao elaborar a sua “Teoria dos direitos fundamentais”, o autor adverte que o seu objetivo é elaborar uma teoria dos direitos fundamentais da Lei Fundamental alemã e, por isso, se centrará na segunda pergunta, ou seja, quais normas desta Constituição são normas de direito fundamental ou não. 9 Robert Alexy, “Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático”, pg. 73; do mesmo autor, “Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático: para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional”, pg. 62. 9 Nessa transformação, os direitos do homem não sofrem prejuízos em sua validez moral, pelo contrário, ganham adicionalmente uma validade jurídico-positiva. Na mesma direção, Jorge Miranda se manifesta contra a utilização indiscriminada desses termos no âmbito do Direito Constitucional, concluindo que os direitos fundamentais são aqueles direitos estabelecidos por uma determinada ordem jurídica, e, além de estarem “presentes na generalidade das Constituições do século XX (...), não se reduzem a direitos impostos pelo Direito natural”10. Por sua vez, J. J. Gomes Canotilho explica que os “direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista)”, enquanto que os “direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço- temporalmente”. Assim entendidos, os “direitos humanos” podem se tornar “direitos fundamentais” quando positivados11. Nesta medida, é interessante avaliar que o próprio conceito de direitos fundamentais12 se vincula a um lento processo histórico-evolutivo que deve ser considerado. I.3. Abordagem histórica dos direitos fundamentais Os documentos legislativos da Antigüidade já revelavam alguma preocupação com o reconhecimento de certos direitos aos cidadãos13. Contudo, 10 Jorge Miranda. “Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais”, pgs. 48 e 49. 11 “Direito Constitucional”, pg. 517. Na mesma direção, ver Willis Santiago Guerra Filho, “Teoria Processual da Constituição”, pgs. 98 e 99: “Os primeiros se mostram como manifestações positivas do direito, com aptidão para produção de efeitos no plano jurídico, enquanto que os segundos são considerados pautas “ético-políticas”. 12 Aqui encarados como direitos humanos positivados em uma determinada ordem jurídica. 10 foi com o Cristianismo, quando o homem passou a ser encarado à imagem e semelhança de Deus, que o processo de reconhecimento de um valor intrínseco ao ser humano se iniciou14. O documento considerado pela maioria dos autores15 como o antecedente mais remoto das Declarações de Direitos é a “Magna Charta Libertatum” da Inglaterra de 121516, extraída do Rei João Sem Terra pela nobreza, que se aproveitou de seu enfraquecimento devido às derrotas militares que sofrera17. Já no século XVIII, desenvolveu-se um novo Direito Natural (defendido principalmente por Hugo Grócio), que visualizava a natureza humana independentemente da existência de Deus e imprimia um caráter puramente racional à existência de direitos pertencentes aos homens18. Este racionalismo provocou reflexos políticos imediatos na França e na América do Norte. Antes mesmo da Declaração Francesa (Declaração dos 13 Dalmo de Abreu Dallari, “As Declarações de Direitos”, In Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Ada Pellegrini Grinover, Anna Cândida da Cunha Ferraz, “Liberdades Públicas”, pg. 103. Ver Alexandre de Moraes, “Direitos Humanos Fundamentais”, pgs 24 e 25. 14 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Ada Pellegrini Grinover e Anna Cândida da Cunha Ferraz, “Liberdades Públicas”, pg. 39. Na Grécia Antiga, especialmente em Atenas, a expressão “Liberdade” correspondia a “estar sujeito somente à lei; não estar sujeito a ninguém”. Os gregos consideravam o trabalho escravo legítimo, inclusive filósofos como Platão e Aristóteles justificaram a sua existência. Segundo Luiz David Araujo e Vidal Serrano Nunes Jr., “Curso