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6 REPETiÇÃO luiz Antônio Marcuschi* +s Preliminares Mais do que uma simples càracterística da Hngua falada, a repetição é uma das estratégias de formulação textual mais presentes na oral idade. Por sua maleabilidade funcional, a repetição assume um variado conjunto de funções. Contribui para a organização discursiva e a rnoniroração da coerência textual; favorece a coesão e a geração de seqüências mais compreensíveis; dá continui- dade à organização tópica e auxilia nas atividades interativas. Disso tudo resulta uma texrualidade menos densa e maior envolvimenro inrerpessoal, o que torna a repetição essencial nos processos de rexcualização na lIngua falada. Na fala, as repetições apresentam características de um planejamento lin- gÜ(SrlCO on-line com traços de um texto relativamente não planejado (Ochs, 1979).1 Enquanto forma de organização texrual-inrerariva, as repetições con- duzem à produção de segmentos inteiros duas ou mais vezes, motivados pe- los mais diversos fatores, sejam eles de ordem inreracional, cognitiva, textual ou sintática. Na escrita, com a possibilidade de revisão e ediroração, com apa- gamentos sucessivos, só se obtém a versão final, diminuindo a presença da re- petição. Na fala, em que nada se apaga, a repetição faz parte do processo for- mulativo, Sua presença na superfície do texto falado é alta, constatando-se que, a cada cinco palavras, em média, uma é repetida. É por isso que a repetição tem avaliação e papel diverso na fala e na escrita. * Universidade Federal de Pecnambuco. 1 Ver pane 1, capo I. 219 r. A. MARCUSCIII Aqui, veremos a repetição na perspectiva rexrual-incerativa,ê segundo a qual, na fala, os padrões sintáticos têm íntima relação com os padrões interacionais, de modo que cerras propriedades sintáticas de superfície são controladas no nível discursivo em função de propostas comunicativas. Mas as ações inrerativas são geradas no fluxo de padrões sintáticos em andamento, que operam como base sobretudo para a coesividade, a continuidade tópica, a compreensão. a inreração e a argumentação. A repetição não é um desconcinuador textual. mas uma estratégia de composição do texto e condução do tópico discursiuo? 1. Definição de repetição Intuitivamente, todos admitimos que repetir é produzir o mesmo segmento lingüística duas ou mais vezes. Contudo. a repetição não é um simples ato tautologico, pois ela expressa algo novo. Marcadores discursivos,4 tais como repetindo, como já disse, quer dizer; em suma etc., podem ser avisos de que se trata de uma repetição, mas não avisos de que se vai diz.er a mesma coisa sim- plesmente. H;{ uma grande diferença entre repetir elementos língütsricos e repetir o mesmo conteúdo. Portanto, repetir as mesmas palavras num even- to comunicativo não equivale a dizer a mesma coisa. O exemplo a seguir ilustra claramente esse aspecto.' (1) 1Ll- 2 3 4 você compra um você alu::ga ... , quando você acaba de pagar você troca por outro carro fj 0. ~ carro x carro x carro ~~..t. carro y 2 Ver "Introdução". Ver pane 2. capo 3. Ver pane 4. capo 12. As citações dos exemplos seguem sugestão de Marcuschi (1992). Trata-se de uma disposição que seqüencia verticalmente o marerial lingüíscico com base na categoria repetição, a fim de deixar visualmente evidentes as relações mútuas entre 05 elementos repetidos. Esseselementos vêm em itãlico, quando se deseja indicã-Ios explicitamente. Em alguns casos, devido à extensão do trecho citado, opta-se pela transcrição linear. 220 ". REPETlÇÁO 5 6 7 L2- aí você continua alugando o carro carro x você não cem carro nunca carro n você vê .., isso isso está dcscapiralizando o cidadão (D2 REC 266: 525-29) c Note-se que os referentes discursivarnenre construidos para carro variam quase a cada vez que aparece a palavra no texto. A retomada é do ponto de vista textual e envolve sentidos que estabelecem a continuidade tópica. mas não a identidade referencial." Já no caso de você temos algo mais complexo. Parece que o você das linhas de 1 a 6 refere um indivíduo genérico do tipo a gente (que inclui. entre outros. locutor e inrerlocuror): mas na linha 7 o você refere-se apenas ao interlocuror. O certo é que identidade e diferença. sob o aspecto lexical, não equivalem a idencidade e diferença sob o aspecto referencial, Caso típico é o da paráfrase/ que em geral se manifesta com diferenças lexicaispara gerar equivalências, o que não é garantido nem mesmo no caso da repetição integral, como mostrou o exemplo acima. E esta é uma regularidade bastante grande na fala que, em vir- rude das condições de produção, lança mão da repetição como estratégia fa- ciliradora, mas que nem sempre equivale a uma linearidade referenda!. Numa tlenníção funcional. pode-se dizer que repetição é a produção de seg- mentes textuais idênticos ou semelhantes. duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo. Nessa definição entram vários (ermos a serem f esclarecidos. Assim: a) a expressão segmento textual designa qualquer produção lingüística de um texto oral. seja ele um segmento fonológico, uma unidade lexical, um sin- cagma (um constituinte subo racional) ou uma oração; b) o cermo idêntico refere uma repetição, em que o segmcnto repetido é rea- lizado sem variação em sua relação com a primeira entrada; seria a repe- tição exata; c) o termo semelhante aponta para a produção de um segmento com variação. seja no icem lexical ou na estrutura (ou pane dela). incluindo-se aí a va- riação prosódica; G Ver parte 3. capo 11. 7 Ver parte 3, capo 8. 221 L. A. MARCUS(HI d) a expressão evento comunicativo designa uma unidade de interação desde seu início até o final Essa especificação faz com que a repetição seja ob- servada no âmbito do mesmo evento comunicativo como condição neces- sária para consideração. A primeira entrada do segmento discursivo depois repetido é designada como matriz (M). A M caracteriza-se por operar como base ou modelo para a projeção de outro segmenro construido à sua semelhança ou identidade. chamado de repetição (R). Nesse sentido, a M pode condicionar a R em vários níveis: fono16gico (incluindo-se aqui os aspectos prosódicos), morfo16gico, sinrárico.Jexical, semântico ou pragmático, sem impedir criarividade ou ativi- dade reformuladora. A R não é um espelhamento auromãrico, pois a M rem uma função paradigmárica na relação com a R. A rírulo de ilustração, vejamos o segmento (2), que é paradigmárico sob vários aspectos e reproduz uma discussão entre dois falantes. um olindense e 'outro recifense, cada qual mais bairrisra que o outro: (2) 1 L2 - eu acho qu~ o meu conceito de morar bem é diftrmre 2 um pouco da maioria das pessotIJque eu conheço 3 a maioria das pessotIJpensa que 4 morar bem 5 é morar num apartamento de luxo .., 6 é morar no centro da cidade '" 7 perco de tudo... '~.:. 8 nos locais onde tem mais facilidade 9 10 11 12 13 14 15 eu acho que até de comunicação ou de solidão como vocês quiserem meu conceito de morar bem é diftrente morar bem é morar fora da cidade ... é morar onde você respire ... onde você acorde de manhã eu acordo [... ). (D2 REC 05: 1.012-22) como Observe-se a peculiar estratégia (contra-)argumenrativa aqui desenvolvida com base em paralelisrnos sintáticos e simetrias proposicionais, contrastando duas posições. O falante diz, na linha 1, que rem um conceito diverso da maioria 222 REPETiÇÃO das pessoas a respeito do que seja morar bem e então enuncia a posição da qual discorda. Já a partir da linha 10, retoma a mesma estrutura inicial (meu con- ceito de morar bem é diferente) para expor a diferença. Tudo aqui é simétrico) inclusive nos procedimentos sintáticos de elipses nos mesmos pontos da ca- deia, por exemplo: G é morar no centro da cidade ( 0 perro de tudo ... 13 é morar onde você respire 0 onde você acorde de manhã A estrutura da matriz é, em grande número de casos, a base para elisões, acréscimos ou expansões, inversões, focalizações, seleções na construção da R. Na realidade, a M condiciona tanto o tópico como uma parte das estra-tégias formularivas. { Manifestações da repetição f As repetições se manifestam de muitas maneiras e são multifuncionais. Quanro à produção, os segmentos repetidos podem distribuir-se entre auto- repetições e heterorreperições, sendo estas menos freqüentes. Nas auto-repe- tições, o próprio falante produz a R na sua fala e, nas hererorrepetições, o interlocuror repete algum segmento diro pelo locucor, Quanto à distribuição na cadeia textual, as repetições podem ser adja- centes (contíguas ou próximas a M) ou estarem distantes (como no caso de um mesmo segmento vir repetido vários tópicos adiante). Os segmentos são repetidos às vezes integralmente (repetições com iden- tidade de forma) ou com variação (um verbo se nominaliza ou uma forma singular vai para o plural erc.). Observe-se que a R integral, aquela que re- produziria a M exatamente, é mais rara do que a R com variação, e essa va- riação aumenta se consideramos o aspecto prosódico, pois é mais difícil, por exemplo, manter a encoação constante em todos os segmentos repetidos. De resto, quanto maior o segmento discursivo repetido tanto maior a possibi- lidade de variação. Sob o pOnto de vista da categoria lingüística do segmento repetido, temos: 223 L. A. MARCUSCIII a) repetições fono16gicas (alireração, alongamento, entoação etc.); b) repetições de morfemas (prefixos, sufixos etc.): c) repetições de itens lexicais (geralmente N e V); d) repetições de construções suboracionaís (SN, SV, SPrep., SAdj., SAdv.); e) repetições de construções oracionais, Como as Rs se baseiam na recorrência de elementos lingüísticos, apre- sentam muitos casos de paralelismos e simetrias na construção textual. Ve- jamos aqui um exemplo com simetrias notáveis sob o pon to de vista morfoló- gico (uma espécie de continuidade temporal) e sob o ponto de vista da or- ganização do argumento (aspecto discursivo): (3) I LI - então antigamente digamos 2 o indivíduo sozinho ele abria um livro ... sei lá com o professor 3 e aprendia a fazer a coisa ... 4 5 6 7 agora ele depende ... de muitas outras pessoas pra fazer a mesma coisa ... . só que faz em menos tempo é mais lucrativo sei lá... certo? L2 - Ll- ( ahn ahn então ... antigammre se eu quisesse calcular uma ponte ... eu caiculall{Z ... dava para um desenhista ele desenhava ... agora num escritório ... não é mais assim né? então ele depend« do arquiteto que vai lançar ... a arquitetura d'aobra ... ai eu calculo. ..' .~..:. o desenhista ... desenha 8 9 10 II I 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 L2 mas eu calculei não foi sozinho '00 eu processei metade dos cálculos ... utilizei o pessoal da compu ração - ahn ahn (02 SP 343: 897·913) Em (3) temos uma estrutura narrativa típica da fala e que se reproduz inú- meras vezes nos textos do Projeto NURC. Concornitante à narrativa, acha-se 224 h. REPmçÃO uma argumentação bem estruturada, com marcas inrrodurórias que indicam oposições temporais e encadeiam seqüências de formas, por exemplo: enrão antigamente agora então antigamente agora mas « abria I aprendia) « depende de 000 I faz I é» «calculava / dava I desenhava» «depende I vai lançar / calculo I desenha» «calculei I foi / processei I utilizei» As repetições morfológicas relativas ao tempo verbal atuam com a função de temporalização. Por outro lado, estabelecem relações discursívas interes- santes ao aspectualizarern a argumentação situada em tempos contrastantes, que diferenciam a natureza das ações praticadas. 2.1 Análise quantitativa das manifes1ações da repetiçóo As diversas formas de manifestação da R geram cerca de 50 tipos de repe- tição, sem conrar as Rs fonol6gicas e morfoJ6gicas, já que vamos concentrar- nos apenas nas repetições de itens lexicais, de construções suboracionais e oracionais, ou seja, nas que apresentam segmencos discursivos acima do ní-•. vel morfemático. Em termos gerais, as tendências manifestadas nos materiais analisados no corpus do Projeto NURC foram as seguintes:" a) a auto-repetição é mais freqüente do que a hererorreperição, apresentando 80% das ocorrências, o que se deve, em parte, ao faro de haver baixa espon- taneidade nos materiais analisados, que se constituem de falas com temas sugeridos; contudo, pode-se dizer que esse resultado vale também para.falas espontâneas; b) quanto à categoria lingüística do segmento repetido, observa-se um equi- líbrio entre as repetições lexicais, as de sinragmas suboracionais e as de cons- truções oracionais, com um leve predomínio (40%) das repetições lexicais; c) do ponco de vista da distribuição das Rs na cadeia textual, observa-se que as repetições adjacentes são as mais Freqüentes, atingindo 90%; as repetições 8 O corpus do Projeto NURC aqui trabalhado compreende uma amoscragem de duas horas, contemplando panes de seis Diálogos entre Dois Informantes (D2). 2ZS L. A. MARCUSOII distantes, ou seja, que aparecem no intervalo de um ou mais tópicos, são mais raras. Há, portanto, uma preferência nítida por repetições no mesmo turno e, se po.ssível, dentro da mesma estrutura frasal; d) as Rs integrais mais comuns são de itens lexicais, e as Rs de construções oracionais são as que mais variam. As Rs integrais como ta! são menos freqüentes do que as Rs com variações seja do tipo que for; e) finalmente, do pOntO de vista estatísrico, a fala apresenta cerca de 20% de seus materiais repetidamente, o que não equivale, automaticamente, a uma dispersão informacional ou rarefação do conteúdo. Esses resultados mostram que a repetição é uma estratégia usual nas ati- vidades de formulação textual e contribui de forma decisiva para a formação de cadeias discursívas. Vejamos alguns exemplos caracrerísricos de repetições lexicais, de sintagmas suboracionais e oracionaís. r-2 Repetição de itens lexicais Os segmel1cos (4) a (8) trazem casos de R lexical adjacente. As funções dessas ~ são as mais variadas: a (4) dá uma noção de ênfase, ao passo que a (5) su- gere reiteração do mesmo faro; já a (6) serve para estabelecer um elo coesivo e retomada; as (7) e (8) caracterizam a constituição de um tópico, além de pro- duzir coesividade. (4) Y • f~ • .:. LI - viu E. eu continuo achando-que o Brasil só cem três problemas graves educaçâo ,, educação e educação (D2 REC 05: 319-21) (5) LI - então daí casou foi casando casando todo mundo e de repente .. ' (D2 REC 340: 664-65) (6) L2 - a sociedade de consumo é diferente". ela tem que pensar em produzir LI - promo L2 - e não em economizar ... economizar é uma conseqüência (D2 REC 266: 581-85) 226 REPEilÇÁO (7) Ll- e se eu (saio) dali ou não basicamente eu posso não imerferir no processo glo- bal ... mas eu queria entender esse processo né? (D2 SP 343: 585-87) (8) L2 - [... ] a bancar o cavalo do cão não é? como diziam meus avós Ll - co::rre cavalo do cão L2 - cavalo do cão.: entendeu? era uma expressão amiga ... cavalo do cão guer dizer [...} (D2 REC 266: 634-39) As Rs lexicais menos freqüentes são as distanciadas, isto é, aquelas que apa- recem em tópicos diferentes. Muitas vezes temos dificuldade de saber se se trata de uma repetição, mas em certos casos tem-se, de faro, uma retomada do próprio tópico. Vejam-se os trechos (9) e (10): (9r LI - tu participas de algum grupo ... assim de:: social EXTRA-universidade assim , clube ... f «rewmando o tópico crês minutos após esse rurnoj) L1 - eu eu eu participo I eu tenho! eu sou associada de um club« ,.. (D2 REC.340: 137, 185) (10) Ll - outro dia ai enrão o (Fábio) contando umas hiscórias de urn:r: ,.. dcum boy barato aí né? ... carro envenenadíssirno '" «após encerrar o tópico e uma digressão, retoma o tema» LI - então o cara ai ... analogia né? O cara está no carro mas o que querem? é rribal a coisa ne (D2 SP 360: 701-22) o grande problema, já apontado para as Rs lexicais, é saber distinguir entre a repetição de uma forma e a repetição de um mesmo referente discursivo. Comi- nuidade referencial e continuidade cotextual não se equivalem. Veja-se o caso de (8), em que nas duas primeiras ocorrências de cavalo do cão a expressãoé usada, ao passo que nas outras duas ocorrências a expressão é mencionada. Isso sugere usos referenciaís e não-referenciais dos mesmos itens lexicais num mesmo discurso. 227 L. A. MARCUSCHJ 2.3 Repetição de construções suboracionais As Rs de simagmas suboracionais são aquelas que reproduzem constituintes oracionais dos mais diversos tipos. Às vezes, elas se parecem com as Rs lexicais e, de fato, há itens lexicais que são constituintes sinragmãticos plenos. como por exemplo um SN sujeito formado apenas pelo nome-núcleo:" e, o urras vezes, têm o aspecto de Rs oracionais, podendo ser mesmo orações reduzidas ou com muitas elisões. No geral, essas Rs são produzidas na posição adjacente à M (85% dos casos) o É interessante observar que, com relação à variação, as Rs sinragmáticas apre- sentam um certo equilíbrio, ou seja, 52% delas são Rs integrais e 48% apresen- tam variação. Além disso, 45% dos sintagmas são SN, c 30% são SV. e rodos os demais tipos de sintagmas (Sl'rep, SAdj. SAdv) chegam a 25%0 Um exem- plo apenas deve dar uma idéia de que fenômeno se trata: (11 ) I LI - nãol ao contrário do que você pensa [ 2 L2 - NÃO 3 LI - eu acho que o . caminho para lima cristianização 4 cada vez maior... agora caminha por .. o 5 talvez não por caminho direto 6 mas por caminhos indiretos " o 7 ele encontrando as sua; própria; c01/uqüências ,., 8 as conseqüências dos seus erros 0.0 9 isso vai levá-lo .. o a encontrar uma cristianização 10 você não tenha dúvida disso • 11 porque isso que nos mata sobretudo' 'k. 12 é a pressa 13 é a pressa de cada dia 14 L2 - isso não/ a pmsa de cada dia éh éh éh éh.: 15 é a pressa de cada dia ( 9 Para efeíros de cálculo estatístico, embora tendo presente a apontada dificuldade for- mal, considerou-se sempre como R lexica! aquela que se dava como um item lexical simples (não importando sua função sintática), mesmo para o caso de o item lcxi- cal ser formalmente um sintagma na sua posição oracional. 228 REPeTlÇÁO 16 LI - dessa você não se livra mais (D2REC05: 197-210) Uma observação interessante a respeito de repetições lexicais e de cons- truções suboracionais é o fato de elas se darem em sua grande maioria (acima de 80%) com verbos e nomes, sendo raras as repetições de adjetivos e advér- bios isoladamente, a não ser que se trate da função de ênfase, como no caso de: elefalava tanto tanto tanto que acabou cansando todo mundo. Isso permite supor que a repetição tem a ver com os aspectos centrais da condução tópica (e a rnanurenção da coesividade pela via do léxico), que se dá em geral a partir dos núcleos oracionais constituídos por nomes e verbos. Por outro lado, predominam as Rs de SNs plenos (em posição pré ou pós- verbal) fazendo um jogo, no nível sentencial, com respeito ao status informa- cional desses elementos. Informaçóes novas podem continuar sendo tratadas reiteradarnenre como novas, sendo, pois, comum que uma informação nova .' se repita várias vezes adjacentemente com o status de nova. Esse é o caso das linhas 12 a 15 no exemplo (11) acima, ao se repetir o sinragma pressa de cada dia. Há, aqui, reiteração com informatividade pretendida como nova. Talvez pudéssemos upr a metáfora do rio de Heráclito, cujas águas (aspecto informa- cional) nunca se repetem (são sempre novas), embora o rio (construção sin- ragrnãrica) seja o mesmo. Outro faro relevante é a tendência a se repetirem SNs várias vezes em enun- ciados adjacentes sem pronominalizã-los, sobretudo quando tais SNs são constituídos por itens que contêm o traço semântico {-animado}. E isso com mais freqüência em textos narrativos que em OUtros tipos. Já os itens que fi- guram como SNs sujeitos com rraço {+animado) são mais facilmente prono- minalizados. Vejamos um exemplo que evidencia com clareza esse aspecto. (12) 1 Ll- 2 3 eu eu participo/ eu sou associada de um clube ... porque primeiro a quesrão de inverno quando chega o inverno ... cadêprllía... não é? [ huhum praia ... e você a própria pre- 4 L2- 5 Ll- 6 guiça impede e cá chovendo ... então participo de um clube 729 L A. MARCUSCHI 7 8 9 10 L2- hahã . )) LI - aí as crianças fazem esporre a{ eu ... rambém ! aí o clube tem piscina piscina clube... enrendeu? mesmo com chuva a geme vai na e tem reuniões sociais no participo 12 L2- 13 pra se associar? 14 Ll- porque meu marido ele é militar 15 e ele remI paga né? [ 16 L2- ah: fica mais fácil né? 17 LI - ele paga mensalmente 18 ai ele rem né? 19 L2 - eu já tentei eu já remei fazer [... ] 20 LI - é ele paga Já o mas como eu consegue um clube assim clube né? (D2 REC 340: 393·415) Note-se que os SNs clube, praia, inverno episcina apareceram várias vezes repetidos e nunca pronominalizados, pouco importando sua posição sin- tática e seu status informacional. Na verdade, deve-se também ter presente que esses termos nem sempre têm o mesmo referente discursivo, o que é mais um fator a impedir sua pronominalização. Já o SN marido foi imediatamente topicalizado (linha 14), pronominalizado e da! por diante só aparece repro- duzido pelo pronome anafõrico ele sempre na posição de sujeito. Em pane, essa pronominalização é garantida pela identidade referencial.estabelecida. "'-,' Nomes próprios e nomes com referentes individualizados s,ãomais facilmence anaforizados. 2.4 Repetições de construções oracionais fu Rs de construções oracionais têm também uma boa freqüência (30% do total) e a maioria delas concentra-se nas Rs adjacentes com variações (70%). Nesse sentido, elas apresentam uma diferença muito grande em relação aos simagmas suboracionais e itens lexicais, pois nestes apareciam mais Rs inte- grais. Isso se deve em pane ao faro de as orações serem fenômenos mais com- plexos. Os segmentos (13) e (14) ilustram esse faro: 230 (13) 1 L2- 2 R!PETI~ÃO eu por exemplo tenho ouvido coisas notáveis de Dom Hélder no programa das seis 3 LI - é óbvio 4 L2 - horas da manhã 5 L1 - sim qUI?I que um isso 6 L2 - verdadeiras lições de vida ( 7 L1- 8 L2- 9 10 ( 11 LI - 12L2-éh ... lYl' LI - okay 14 L2 - 15 16 qu~ é que tem isso? é um homem inteligente ... é um homem culto ... I um homem de grande valor I 11m homem vivido I um homem qlle tem pressa também é 11m homem que deve ter Ih ... Ih ... preocupações enormes e não obstante isso não o priva de observar as belas coisas que aparecem cada dia (D2 REC 05: 233-49) Observe-se que as linhas 8 a 11 rêrn uma série de orações com a mesma estrutura V+SN, mudando apenas o modificador do nome. O resultado é uma lismgern a que nem o preocupado parceiro LI, que ames reclamara do tópico (a auro-reperição da linha 7 em relação à M da linha 5), resistiu, produzindo ele mesmo uma R dessa estrutura, na linha l l , para completar a lisragem. As Rs de construções oracionais são muito utilizadas para promover o en- volvirnenro, como no trecho (14), e para ccnrra-argumentar, como veremos adiante, no item 3.4. (14) 1 L2- quer dizer roda pessoa chega no consultório ho:je 2 quando se dá o preço a pessoa pergunta 3 "douror como I qlle !!U voupagar?" 4 e eu sei como I que ele vai pagar? ... 5 pagar I problema dele 231 L. A. MARCU5CHI 6 7 Ll- 8 L2- 9 L1- 10 L2- o meu ( 0) t receber é receber que jd é um problema grande já é um grande problema jd é um grande problema (02 REC 266: 533-44) A linha 3 contém a Ml que traz uma indagação citada (citação de fala) e que logo a seguir (linha 4) é repetida na forma modiflçada para ecoar a fala do outro. Mas essa produção se baseia na estrutura sugerida anteriormente (como é que eu vou ... ? II como é que ele vai ... ?). Já as linhas 8 a 10 trazem heterorreperições em que LI (linha 9) repete L2 (linha 8) com uma inversão sintática (um quiasma sintático), que se torna uma nova M repetida por L2 (linha 10). Nota-se que as Rs de construções oracionais têm uma preferência pela posição adjacente e, em geral, com funções argurnentarivas e inrerativas, 3. Aspectos funcionais da repetição Do ponto de vista das funções," as repetições atuam em vários aspectos da formulação texrual-discursiva: a) no plano dacoesividade, abarcando a seqüenciação propriamente, a referen- ciação, a expansão oracional, a parentetização e o enquadramemo funcional; b) no plano da compreensão, fortalecendo a intensificação e o esclarecimento; c) no plano da continuidade tópica, propiciando a amarração, introdução, reintrodução, delimitação do tópico; • d) no plano da argumensatiuidade, possibilitando a reafirmação, contras[~~-:' contestação; e) finalmente. no plano da interatiuidade, colaborando na monitoração da tomada de turno, ratificação do papel de ouvinte, incorporação de opinião. A seguir, serão analisados cada um desses planos em detalhe. 10 Para um tratamento mais completo dessa questão, consultem-se: Ramos (1983). Nor- rick (l987), Travaglia (I988). Hilgerr (1989). Tannen (I989b). Bessa Neto (1991), Marcuschi (1992a). 232 .\ " REPEnÇÁO 3.1 Coesividade A coesão é um dos princípios básicos na composição rexrual-discursiva relativa ao encadeamento intra e inrerfrãsrico no plano da corextualidade e pode ser vista-em duas perspectivas: a coesão seqüencial e a referencial (Koch, 1989). As repetições estão entre as estratégias mais utilizadas, sobretudo para a coesão seqüencial, mas se acham muito presentes também na coesão referen- cial do texto falado. Alguns dos recursos de coesão seqüencial, por meio de repetições, são a iis- tagem, os amálgamas sinrãricos e os enquadramentos sinrãricc-discursivos. 3.1.1 Listagem Trata-se da formação de listas facilmente idenrificadas como paralelismos sintáticos, geralmente com variações lexicais e morfológicas e manutenção de ,r uma estrutura nuclear. Seus formatos são os mais variados. Essas listJ podem constar de palavras, construções suboracionais ou oracionais, Basta voltar aos exemplos anteriormente citados para.encontrar muitas dessas listas. Vejamos um caso de lista aberta, um tipo que pode ser facilmente continuado: (15) J L2 - você conhece lndio que morreu de amor 2 você conhece índio que morreu de amor 3 você conhece índio que morreu guerreando pela amada 4 você conhece indio qu~ morreu em luta de tribos 5 você conhece índio qlle foi morro 6 porque o outro queria tomar a chefia da tribo 7 queria virar pajé 8 et cetera 9 er cetera (D2 REe 266: 1.741-50) Também temos a típica série ordinal que pode ser continuada como nu- meração aberta: (16) I L2- então a mulher volta a primeira vez 2 essa senhora volta a primeira vez 233 t. A. MARCUSCHI 3 4 5 volta a segunda vez volta a terceira volta a quarta ... (D2 REC 266: 1.018-22) ~as existem as listasftchadas, em que aparece uma série de elementos que se encerram sem sugerir que se poderia prosseguir. Um exemplo de lista fechada é O seguinte: (17) 1 L2- éh.: agora 2 hoje não se sabe quem épai 3 não se sabe quem éfilho 4 não se sabe quem é mãe e esposa 5 não se sabe quem: 6 não' SI? sabe nada (D2 REC 266: 1.094-98) As listas são importantes e muito usadas porque, além de constituírem uma estratégia comum para a conexão interfrãsrica, elas criam um ritmo especial na interação e possibilitam um maior envolvimemo. Quanto a esse aspecto ínteracional, as listas podem ser produzidas por um só falante ou apresemar uma estrutura colaborariva com a participação de dois falantes na sua elabo- ração, como no caso do já citado exemplo (13), ao serem comentadas as vir- tudes de dom Hélder. Ou então como neste caso: (18) 1 L2- ouvir música 2 3 4 5 6Ll- 7 L2- 8 Ll- ouvir música antiga cantar essasmúsicas ... éh do.: do.: do Lupicinio Rodrigues do: Orlnndo Silva né? do Altemar Dutra essenegócio ai Silvio CALdas me povo todo (D2 REC 340: 1.618-23) Observemos o trecho (19), em que há uma seqüenciação baseada par- cialmente em liscagens e parcialmente em retomadas lexicais: i 234 REPEiIÇÃO (19) I L2- se um camarada chega no meu consultârio 2 no seu escritário 3 e encontra aquela BELEza de ambiente 4 música de câimera num é? 5 musiquinha de surditna 6 e e e ar condiciona-do entendeu? 7 uma atendente muito pinto:sa 8 dentro do figurino não é? 9 do alto padrão femini.na ... (D2 REC 266: 1.906-12) Um aspecto corextual peculiar das lisragens é que elas encadeiam unidades frásticas permitindo um alce grau de contração nas unidades seqüenciadas. As listas fornecem uma estrutura com base na qual fazemos todos os preenchi- mentos dos vazios sucessivamente gerados. O exemplo abaixo mostra como se vai de uma unidade frasal completa até uma unidade frasal composta por J.lm simples item lexical: (20) , 1 L2- o negócio rá aí pra quem quiser ver 2 o índio pegando moléstias venéreas 3 {0 j pegando gripe 4 ( e t pegando sarampo 5 L1 - { 0 j uir us 6 L2 - ( e j catapora 7 et cetera 8 et cetera (02 REC 166: 1.755-(0) Como se viu, é comum as listas repetirem apenas uma parte da frase. É bastante controversa a sugestão de que os enunciados subseqüentes (em lis- tas) sejam elípcicos, quando se eliminam sucessivamente elementos, mas o cerro é que. para se entender um enunciado numa lista; é necessário pressupor pelo menos o padrão sintático anterior. Há ainda o caso contrário, como o do exemplo (15), em que se dão acrés- cimos (expansões tanto informacionais como formais). Nesses casos a ex- pansão formal se dá à direita do núcleo frasal. Quer dizer, elisôes se dão à esquerda (como bem mostra o exemplo 20), porque elas suprimem algo já 235 L. A. MARCUSCHI dado, e as expansões se dão à direita, porque trazem o novo, como mostra o exemplo (21): (21) 1 LI - os presentes que eu ganhava lá 2 eram por exemplo 3 eram o Lenine né? 4 eram o: Zé Rocha 5 que era um pessoal de Lula Corres 6 q/tC era o pessoal que tocava que tocava aqui né? 7 que era o pessoal que faz o a o trabalho aqui né? (D2 REC 340: 1.381-88) h muito peculiar da fala (e pouco freqüente na escrita) essa estratégia de texrualização em que as elisões ficam à. esquerda do núcleo verbal repetido e as expansões recaem mais nos constituintes à direita do SN ou do SV nuclear repetido (ou seja, as expansões são geralmente pospostas aos SN e SV nu- cleares). Trata-se de uma tendência a fixar um padrão sintático e então fazer os acréscimos com base na reiteração daquela estrutura. A reiteração é susten- tada por uma base, a que chamo de suporte; e a variação, que forma propria- mente os elementos da listagern, configura o novo que, por sua vez, recebe com freqüência uma entoação constante e em tom ascendente. Assim, a Iísragern não é um procedimento de tematização, mas de rematização" constante e se constitui como uma forma econômica de comentar e sustentar o tópico. 3.1.2 Amálgamas sintáticos Há ainda um conjunto de estratégias, que visam à composição rexrual.no jogo de construção-reconstrução de estruturas com base em atividades de fe~ petição. Vejamos o segmento (22), em que uma estrutura é composta-com a recolha de panes do discurso anterior. Esse proccdirnenro coesivo está entre as estratégias de formulação textual que envolvem"às vezes processos de recons- trução de estruturas. (22) lLl- fi gente tem muitos grupos de dança bons 11 Ver pane 3, capo 10. 236 REPmçÁo 2 agora tudo muito escondido ainda entendeu? 3 que quase a geme não vê 4 num é divulgado mas é muito bom 5 mas a gente tem grupos de danças assim que não tem muit.ta divulgaçáo 6 mas que são muito bom (D2 REC 240, 1.342-53) Tem-se aqui uma repetição em que os elementos anteriores são aproveitados para formar uma estrutura completa. Essas construções, que constituem ver- dadeiros amálgamas sintáticos. reúnem partes de texto anteriores e. num dado momento. formulam uma construção reconstruída com todas essas panes anteriores. Vejamos este caso interessante: (23) 1 L2 - eu chego a pegar por exemplo planta da rua 2 isso aqui mesmo eu achei na rua e trouxe pra cá 3 éh eu preciso trazer planta da rua 4 e levar pro meu prédio pra plantar 5 eu chego ti. gastar por exemplo cento e setenta pau de táxi pra pegar planta 6 pra trazer pro meu prédio (D2 REC 340: 678-81) Nessecaso, boa parte das linhas 5 e 6 é um amálgama de partes anteriores. Quando isso é feito por dois inrerlocurores, resulta numaarividade discursiva extremamente colaborariva, pois os inrerlocutores vão sucessivamente apro- veirando materiais lingüísticos prévios. É o que ocorre no segmento (24): (24) 1 Ll - você entrou nesse último concurso para procuradora? 2 L2 - nesse último concurso . 3Ll- há dois ano! 4 L2 - e foi chamada 5 Ll - e fui chamada "d dois anos e pouco ... (D2 SP 360: 453-59) Trata-se de uma atividade de heterorrepetiçôes, em que um locutor vai apro- veitando pane dos materiais do inrerlocuror e construindo colaborarivamenre o texto numa espécie de amalgamemo de idéias e linguagem. 737 t. A. MARCUSCHI 3. T.3 Enquadramento sintático-discursivo Um segmento ocorre (amo no início e final de turno, ou no início e final de uma unidade discursiva, servindo de sinalização para a cornplerude da contribuição informativa e para a formulação discursiva. Também pode ser um sinal de entrega de turno. No caso (25) temos um enquadrarnenro de unidade comunicativa (a frase da fala): (25) I LI - quando eu saio .2 3 4 quando eu saio eu quero DISTÂNCIA eu quero me tornar alienada do trabalho do trabalho do trabalho (02 REC 340: 451-54) A repetição é também uma estratégia de formulação que enquadra fa- .ros de parentetizaçãa, 12 na medida em que um cerro início é interrompido, seguindo-se uma breve inserção textual, para logo ocorrer uma retomada do . tópico com a repetição da última construção produzida antes da interrupção. A R estabelece, assim, coesão entre os segmentos separados pela inserção. Veja-se este exemplo: (26) 1 L1 - o único roquista que eu<conheço 2 que eu acho engraçado 3 L2- quem é? «, .t.:. 4 LI - não é que eu goste não ' 5 q/u eu acho engraçado... é Eduardo Dusek (02 REC 340: 1.306-9) Como se nora, as Rs, nos seus mais diversos formatos, têm uma presença significativa no processo de rextualização na fala, providenciando a seqüenciação e o encadeamento dos enunciados e servindo, ponanro, como recurso de coesão. A peculiaridade dessas estratégias coesivas merece destaque por serem elas uma característica da fala e estarem pouco presentes na escrita com os formatos aqui desenhados. 12 Ver pane 3. capo 9. 238 REPiTlÇÃO 3.2 Compreensão Uma das importantes funções da R é a de promover e facilitar a com- preensão. Tal como observam Koch e Silva (1996, p. 386), é provável que um excesso de Rs facilitadoras de compreensão propicie um ralenramenro infor- rnacional, mas isso não constitui uma formulação disfluenre, pois tem por função facilitar a compreensão do inrerlocuror. O exemplo citado pelas au-. [Oras revela essa condição: (27) 1 LI - ora a maneira do homem pré-histórico era ... BAsjcamente euprecisocomer 2 e eu precisou me defender dos animais e fII precisome esquemar na medida 3 do posslvel cerro? (EF SP 405: 109-13) Seguramente, perder-se-ia muito da força ilocurória e da ênfase pretendida pela locutora, se ela tivesse dito: ora a maneira do homem pré-bistõrico (ser) era basicamente (imaginar) "eupreciso comer; me defender dos animais e me esquentar na medida do posstuel". Portanto, densidade e ralenrarnenro informacional não , se opõem, mas são modos diversos de processarnento. É justamente esse ralen- tarnenro observado na formulação discursiva da fala que a faz diferente da escrita. Com essa função de compreensão, observam-se as seguintes subfunções: intensificação, transformação de rema em tema e esclarecimento. 3.2.1 Intensificaçõo Na verdade, facilitam a compreensão todas as Rs que dão pistas para en- render o que se quer dizer sem que o conteúdo pretendido seja enunciado de maneira explícita. Esre é o caso da intensificação no segmento (28), que obedece a uma espécie de princípio de iconicidade, segundo o qual a um maior volume de linguagem idêntica em posição idêntica cor responde um maior volume de informação. (28) 1 L2- mas eu acho que ele falava tanto 2 tanto 3 ~ro 239 t. A. MARCUSCHI 4 5 eeu eu d . ",--./.o a mirava rnurro tinha a impressão [...) (D2 SP 360: 1.519-21) 3.2.2 Rema ~ lema o caso (29) é cípico para uma série de repetições que têm por finalidade transformar em tema do enunciado seguinte o rema do enunciado precedente. pela ênfase dadaao item repetido. (29) 1 LI - de repente se você for fazer um levantamento em todo o 2 acervo que rá ai hoje já virou um samba de crioulo doido 3 eu acho 4 L2- não mas 5 6 7 8 9 esse samba de crioulo doido é nossa CULTURA .•. riqulssima é nossa esse samba do crioulo doido é a nossa cul tI é a nossa cultura sabe? (D2 REC 05: [.467-76) 3.2.3 Esclarecimento As Rs com função de esclarecimento explicitam as informações com expan- sões sucessivas, seja pela repetição com variação. seja com paráfrases. Este é o caso do fragmemo (30): (30) 1 LI - você acha que ... 2 L2- 3 Ll- 4 5 6 7 8 desenvolvimento é BOM ou é ruim? desenuoluimento em que sentido? crescimento ,.. o Brasil diz-se basicamente subdesenvolvido e diz-se também que ele está crescendo ... se desenvolvendo parece que está saindo de uma ... condição de subdesenvolvimento para chegar sei ld numa condição de desenuoloido ... okay? (D2 SP 343: 497-503) 240 ..• REPETIÇÃO 3.3 Organização tópica Entre as funções rextual-inrerarivas da R estão as de servir para introduzir, reintroduzir, manter ou delimitar tópicos. Para tanto, colaboram consrruções estruturais de.várias modalidades e extensões (marcadores discursivos, itens lexicais, sinragmas, orações). 3.3.1 Introdu~ão de tópico No caso de (31), temos a reiteração de uma expressão como forma explí- cita de marcar a introdução do tópico discursivo, que será desenvolvido na seqüência. Veja-se: (31) 1 Ll- 2 3 e o demônio? e o demônio na moda r o que é que você acha do demônio na moda? (D2 REC 05: 1.543·46) Outra m'ftneira de introduzir e conduzir subrópicos no contexto de um tópico mais amplo é o uso de construções quase formulaicas repetidas no início de.cad nova fase do tópico, tal como no trecho (32). fusas fórmulas deter- minam a própria orientação e relação dos subtópicos, na medida em que se servem de rnarcadores discursivos (por exemplo, agora) para situar o ouvinte. O caso dos segmentos de subrópicos no exemplo (32) é paradigrnãtico. Aqui, a mãe está falando sobre os filhos, suas atividades e seus pendores, como tópico geral. Mas ela faz isso em relação a cada um dos filhos. Para tanto, usa uma forma-padrão para introduzir os respectivos subtópicos: agora ... (32) Ll - agora o menino o de treze anos né? gosta muito de mecânica gosta muito de mecânica (D2 SP 360; 1.291·92) LI - agora a Laurn não.: ... não se definiu que é muito pequena (D2 SP 360: 1.366-67) 241 l. A. trlARCUS<HI LI - agora a Estela vive dançando ... e da quer ser bailarina ... (D2 SP 360: 1.387-88) LI - agora:: o Luis ... o de seis anos ... ele desde pequenino ... (D2SP 360: 1.416-17) 3.3.2 Reintrodu~ão de tópico A R funciona para reinrroduzir tópico após parênteses, 13 como no exem- plo (26), ou após a inserção de um tópico discursivo no interior de outro que estavasendo desenvolvido, como em (33). Neste, a locutora interrompe o tópico sobre o qual estava falando, a respeito da baixa cotação da profissão de advogado .no mercado de trabalho, para explicar como ° seu marido atua na função de headhu1ur. Após o desenvolvimento desse tópico paralelo, volra ao central, . recolocando-o por meio de marcador discursivo de retomada tópica (então eu estava expLicando) e da R da mesma oração que ocorreu no pOntO de inter- rupção do tópico que estava em curso. (33) L2 - então ". ele diz que par!! ... por exemplo cada cem engenheiros que t!pedido ,.. { ele funciona do seguinte modo as firmas precisam '" de um em! de um cara enrão ah por exemplo (ah) 'um.: ( ) um banco precisa de um di~~:pr de um banco chega para ele diz assim 'eu preciso de um diretor de banco para cal cal área para fazer isso assim assim assim assim" ... então ele vai procurar ... cerro? o •• ou então chega uma outra firma e diz assim "preciso ... um gerente de.: .. 0 de produção.: o um gerente de ( )" normalrnenre é um engenheiro isso isso isso} entãoeu escava explicando ... que para cada cem engenheiros que são pedidos o •• é pedido UM advogado ... quer dizer a desproporção é inClÚvel o •• ( ••• ] (D2 SP 360; 898-911) 3.3.3 Delimitação de tópico Nos casos em que um tópico se encerra com a R de construções que o introduziram, a R funciona como delirniradora de um segmento tópico, cir- 13 Ver parte 3, capo 9. REPmçÃO I cunscrevendo-o e pontuando-o na linha do discurso. Vejamos em (34) a aber- rura e o fecho do tópico relativo aos projetos de L1 para seu futuro: (34) LI - eu quero continuar os estudos '" e.: rrabalhar fora mas por enquanto ainda não as crianças dependem muito de mim ... (Iaberrura -linhas 1.216-18» então ... futuramente eu pretendo ... reiniciar os estudos ... mas por mquanto não «fecho -linhas 1.245-47» (D2 SP 360: 1.216-47) 3.3.4 Condução e manutenção de tópico A presença constante de um irem lexical, por exemplo, pode ser o indício do tópico que está sendo enfocado, como no trecho (35). Esse trecho aparece no início de um diálogo. De saída, as Documenradoras haviam propostO aos ~ois incerlocutores, como tópicos para discussão, os seguintes temas: Doe. - vocês podem falar sobre comunicação ... cransporres ... viagens assuntos em geral { Após algumas trocas em que o tópico a ser tratado é negociado, L2 dá início ao tópico escolhido sobre comunicação. (35) 1 L2 - o tema viagem é muico ruim né? ... E. o que é que elas querem falar? 2 é sobre mgócio de comunicação é? 3 LI - bom é: o tal negócio ... nós estarnos ... nesse nesse Time século de 4 comunicação ... e.: pra mim pelo menos me parece que comunicação é 5 foca de dois gumes como conseqüência de uma uma comunicação 6 muito intensa os Estados Unidos tiveram algum algum tempo arrãs ... 7 éh:: ... uma crise de cultura própria ... e foram obrigados a a a a:: ... 8 importar homens cultos porque:: ... se eles não tinham analfabetos 9 também não tinham grandes culturas ... eu não gOSfO de comunicação não ... lOque eu acho que fi comunicação certa é aquela que se faz de um pra ourro ." 11 dois a dois ... e de um pra outro ... nem dois a dois ... sim a comunicação 12 de MAna s6 pode ser feira em termos de de de divulgação de de inculrura 13 de falsa cultura de subcultura porque se uma emissora for transmitir éh: 14 HAMLET ... em rexro integral e a outra for transmitir::: éh: ... qualquer 243 l. A. MARCUSCHI 15 coisa de divulgação::: ou qualquer coisa mais fácil o povo codinho vai ligar ( Chacrinha ... o que é bem o: 16L2- )7 Ll- é o povo rodinho vai ligar pra Chacrinha né 18 sinal dos tempos do gênio da raça [ 19 L2- e: Ed. 20 LI - eu noto porque eu tenho muito tempo de comunicação>: ... 21 L2 - éh a mim me parece viu que você tem razão até certo pomo .,. até cerro 22 pomo I eu sou partidário acho que comunicação a dois é sempre 23 a comunicação mais importante ... especialmente quando: ... bom ... 24 LI - bom é bom você não falar a gente falar pouco porque a tua mulher está 25 aí junto vou lá chamar ela viu? 26 L2- agora ... quanto à comunicação eu acho válida ... acho válida ... 27 agora uma comunicação focalizádrféssa comunicação de massa [em que ser 28 uma comunicação muito fiscalizada [...) o problema de transmitir Hamlet [ 29 L1- não eu sou contra 30 L2- na íntegra ... ou Chacrinha ... Chacrinha tem o público dele ... o que 31 me parece importante é conduzir o público em termos de uma comunicação 32 séria pra fazer com que o público aceite Hamlet ... ou: ... cultura 33 evidentemente ... sarisfar6ria ... e nunca Chacrinha se há Chacrinha 34 se há público pra Chacrinha é porque não cá havendo preparação ... não 35 tá havendo condução do público pra aceitar uma comunicação séria 36 então é preciso que essa comunicação séria comece [... ) eu por exemplo 37 não vejo televisão e não permito quase que minhas filhas vejam 38 LI - não o problema chega não chega [ 39 L2- porque 40 Ll - tanto assim olhe que quando eu fals.i que não que não gostava de 41 comunicação é que eu estava pensando numa faixa muito alta ... porque'I>. 42 obviamente numa faixa média a a comunicação pode trazer valores ~ 43 como você vê por exemplo ... atualmente nessa recente campanha 44 política em que houve uma cons-cien-ri-za-ção do povo para cerres 45 problemas ... o povo não mais votou ah: como protesto ... e não mais 46 VOtou em branco nem vorou nulo (. ..) realmente pra ISSO a comunicação 47 foi válida ... até certo pomo [... ] é possível que a comunicação [ 48L2- bom 49 Ll- seja boa... agora como eu lhe digo porque isso aí fica na FAIXA da 50 cultura média .. , eu tava pensando em termos de cultura Alta '" da 244 REPETIÇÃO 51 mesma maneira como a a a a: ,.. comunicarão trará para o pais lima grande 52 faixa de cultura média ... em conrrapartida tornar cada vez mais rara 53 a grande cultura a al ta cul cura S4 L2 - é agora eu não sei a que pomo ( 55 Ll- é mais fácil eu olhar [... ) 56 12 - é mas ai E. você tem o seguinte problema não 56 O problema de quem 57 foz a comunicação mas o problema [ ] quem recebe a comunicação 58 porque ... (... ] 59 Ll- outro mal outro mal da comunicação como um todo II ..' nada 60 menos que de que uma conseqüência dafolta de comunicação murro 61 mais fácil divulgar o que é ruim do que divulgar o que é bom ( 62 L2- o que é ruim do que o que é bom (D2 REC 05: 13-106) Note-se que, no trecho acima, o item lexical comunicação apareceu pre- cisarnente 26 vezes em diversas construções e carregou consigo uma série de outros itens correlacionados ao fenômeno da comunicação, tais como; - cultura;. variações como culto, incuitura, subcultura; - televisão e emissora; - transmitir, divulgar, divulgação; - pavo e outras como público; - Cbacrinha, Hamlet, entre ourros. Ao todo, esses itens somam 42 ocorrências dentrode um mesmo campo lexical, e cada um deles se vai adensando num certo momento até formar um subtópico dentro de um quadro tópicol4 em andamento. Por OUtrolado, nota- mos que, também aqui, os itens mais repetidos, condutores dos subrópicos, se distribuem em duas classes de palavras, ou seja, nomes e verbos. As outras classes, tais como adjetivos e advérbios, não se caracterizam como conduroras de tópico. Ainda no caso de (35), o item lexical comunicação surge em ambientes sin- cáticos diversos, nas produções de ambos os falantes e na auto ou heceror- repetição. Em dez ocorrências, o termo comunicação vem situado na posição 11 Ver parte 2. capo 3. 245 ,. ( L. A. MARCUSCK! de tópico semencial (como sujeito da oração); em oito ocorrências, ele cumpre um papel inforrnacional de comemário e em outras oito ele aparece em outras posições. Assim: ele pode ser tomado como condu ror de tópico, ou seja: é sobre comunicação que se está falando. O mais provável é que a repetição reiterada de um item lexical, quando vem situada em posição de tópico senrencial, opere como estratégia de condução e manutenção do tópico discursivo. 3.4 Argumentatlvidade As repetições, sobretudo de orações, têm um papel importante na con- dução da argumentação. Servem como estratégia para reafirmar, contrastar ou contestar argumentos. 3.4.1 Reafirmação de argumentos Protorípico é o trecho (36), com várias Rs, cujo objetivo é reafirmar um argumento. O falante afirma que a mercadoria mais cara ainda é dinheiro (linhas 1 e 2) e se repete (linha 3), sendo reconfirmado pelas repetições abonadoras do interlocuror (linhas 4 e 5), para reafirmar (linhas 8. 9. 10) sua asserriva inicial sem que novos argumentos sejam apresentados. Observe-se: (36) 1 L2- 2 3 4 Ll- 5 6 L2- 7 8 9 10 a mercadoria mais cl'iran.,opais ... -inda é dinheiro como é caro cfmprar dinheiro é o negócio mais caro inda é dinheiro porque o dinheiro é um elemento de troca ... certo? o dinheiro é um elemento de troca então ... a gente pra comprar dinheiro fi gente paga ca.tro... você paga caro por dinheiro (D2 REC 05, 497-502) Caso um pouco diverso, mas relacionado a esse, é o que se observa em (37): (37) 1 L2 - q1lrm tem dinheiro paga mais barato REPETIÇÃO 2 LI - mais barato porque paga menos 3L2- quem tem dinheiro paga mais barato (D2 REC 266: 516-19) Em (37), temos uma premissa (linha 1) enunciada por L2, uma explicação causal confirmativa proposta por L1 (linha 2) e uma auto-repetição de L2 (linha 3), reafirmando o que dissera antes. Tanto em (36) como em (37), temos uma espécie de redundância em série: os falames preferem repetir suas afir- mações com material lingüística já existente a apresemar novos argumentos. 3.4.2 Contraste de argumentos Nas Rs com função de contraste nem sempre aparecem negações em ter- mos proposicionais, já que a negação pode dar-se pela modulação enroacional. É sõ transformar uma asserçâo em indagação que já se está contrastando numa espécie de efeito surpresa' (Norrick, 1987, p. 252). Vale aqui observar que as.. Rs por si sós não são um recurso que determina o contraste ou que produz argumenro; há mais do que isso em jogo. Este é o caso de (38), que só é tornado ( como uma espécie de contra-argumentação de L2 (linha 4), na relação com Li, quando consideramos o restante do diálogo entre ambas as interlocuroras, que discordavam precisamente quanto a questões de gosto. (38) 1Ll- agora você quer ... você quer ver uma coisa que eu detesto 2 que eu não GOS:to de jeiro nenhum 3 é fazer compras 4 L2 - fazer compras? 5 LI- seja qual for ela ... viu? (D2 REC 340: 728-32) A mudança de entoação por parte de L2 (linha 4), alterando a asserriva de L1 para uma indagação, transforma o aro ilocutório e introduz desacordo ou surpresa. Este é um uso expressivo da entoação (Tannen, 1987), com o ob- jetivo de produzir contrastes com base na repetição. Em (39) acontece uma situação interessante para contrastar posições. Trata- se de inverter os elementos nos extremos da sentença, manrendo uma parte 247 L. A. MARCUSCHI integralmente repetida. O ato ilocut6rio produzido sugere atitudes pessoais opostas em circunstâncias idênticas. (39) 1 L2- você 2 eu prefere ir de automóvel vou de avião (02 REC 05: 983-86) Caso se deseje estabelecer um contraste de situação em que )penas parte muda, utiliza-se a mudança no adjunto colocado à esquerda do núcleo. No caso (40), o falante comenta o problema de quase não se encontrar com os filhos, contrastando dois momentos do dia; (40) I LI - de noite 5 de manhã pra tratar de negócio em Maceiâ pra tratar de negócio em Maceiâ eu chego em casa eu saio as criança rã dormindo as crianças tão dormindo (02 REC 340: 385-86) Observe-se o segmento (41), um pouco mais complexo que os anteriores, que mostra GOmoum falante organiza seu discurso argumentando e contra- argumentando com base em auto-repetições sucessivas calcadas em oposições; (41) 1 L2- 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 remédio que cura t 11mremédio barato pode custar o mesmo preço que for curou curQ'u então é um remédio barato. caro é aquele que mesmo custando um ou dois cruzeiros não me sirva não uenba servir de nada esre sim é que é um remédio caro não é? (02 REC 266: 1.933-37) As oposições aqui seriam; a) remédio que cura é um remédio barato; não importa o preço; b) remédio caro é um remédio que não cura; náo importa se custa barato. 248 ~:<N:'n.'!LV"(J _ REPETlÇÁO Aí estão três oposições nítidas: a) remédio bararo-remédio caro; b) remédio que cura-remédio que não cura; c) custando qualquer preço-mesmo custando pouco. o trecho (41) evidencia como o falanre constrói suas estruturas dentro de opções já antecipadas para realizar contrasres com maior ênfase. 3.4.3 Contesta~áo de argumentos Uma característica importante das Rs de construções oracionais com fun- ção de contestação é, sob o pOnto de vista interarivo, sua relação com as faces dos inrerlocurores, O cuidado com a preservação da face negativa do inrer- locutor não é prioritário quando se trata de contestar em situações de re- lações inrerativas simétricas, sendo por isso possível que esse tipo de R apre- senre menos traços de polidez. Veja-se o segmento (42), em que L2 se reporta à observação de LI rispidamente. usando partes importantes da estrutura oracional produzida por LI: .-' (42) 1 LJ - toda vez que 2 L2 - fh não posso viajar por terra eu não vou por terra não viaJo de av/ao aonde eu }JO$$O ir de avião (D2 REC 05: 926-29) A diferença entre (39) e (42) acha-se precisamente no faro de em (39) ser apenas um contraste estabelecido pelo mesmo falanre entre duas opiniões, o que lhe permite maior volume de repetição integral; já em (42) temos uma conresração feita por um falante em relação ao outro. O conrrasre explícito não se funda na repetição em si, pois ele é uma questão argumentariva que se evidencia numa oposição de principias. A contestação, enquanto substi- tuição de uma asserriva por outra, serve-se de material lingüístico prévio. Veja- se isso de maneira mais acentuada no caso de (43), com mais rnacerial lingüístico repetido e discordância brusca: (43) 1 LI - então eu acho um barato esse negócio de ... visitar parente entendeu? 249 r. A. MARCUICHI 2 L2- não eu não gosto de visitar parente (D2 REC 340: 674-77) 3.5 Inferatividade A rigor. não se deveria discorrer aqui em separado sobre funções interarivas da R. pois as repetições, como se viu, constituem um recurso inrerarivo de maneira geral. Aqui será apenas frisado que a arividade inrerariva é um aspecto central no processo de formulação do texto falado e muitas das decisões to- madas pelos falantes se devem a pressões de ordem comunicativa. Nesse caso, a repetição assume um variado número de funções voltadas parcicularmen- te para a promoção da inreração, tais como expressar opinião pessoal, rnonitorar a tomada de turno, ratificar o papel de ouvinte, incorporar ou endossar as- serções do parceiro. mamar polidez etc, Muitas das Rs já analisadas promovem essas funções, enquanto outras o fazem comandadas em boa pane dos casos 'pelo princípio de preservação das faces (Brown e Levinson, 1978) e são per- meadas de marcadores ou atenuadores, ao contrário, por exemplo, dos con- trastes vistos acima, que não se ocupam de guardar as faces. 3.5.1 Expressão de opinião pessoal A R que promove a expressão de opiniões pessoais divergentes é um caso típico e se manifesta sempre cfmo hererorrepecição. Veja-se o trecho (44), situado no contexro em que L2, uma psicóloga de 25 anos, V(HI) expressando~-., sua opinião sobre as condições psicológicas dos indivíduos ~diancedo (deslern- prego. Ela inicia seu turno com uma ressalva ao interlocutor U, engenheiro de 26 anos, marcando sua fala com um arenuador: émas aí é o tal neg6cio. Quan- do Ll toma a palavra, inicia seu turno com moclalizadores de atenuação (eu às vezes I digamos), para expressar sua divergência. Para tanto, utiliza a mes- ma estrutura de base de L2 no início de turno: (44) 1 L2- émas aí.: é o cal negócio eu não me preompo muito com a média ... 2 pra mim inceressa:t: o:: indivíduo né? salvação individual [00'] 3 Ll >- é eu às uezes me preocupo com ... digamos com a média pelo seguinte ... 4 eu me preocupo com o que eu estou contribuindo com o bem da média ou não (D2 SP 343: 568-78) 250 REPHlÇÃO 3.5.2 Moniloramenlo de tomada de turno Uma outra função, exerci da agora pela auto-repetição, é a de monirorar a tomada do turno. Essa estratégia se expressa por uma insistente repetição, em sobreposição de vozes, como se fosse um refrão, conforme se observa no fragmento (45): (45) 1 L1 - você leva a vida ... falsificando a cultura ... éh: ... éh:: 2 prostituindo a arre para levá-Ia ao povo 3 L2 - mas por quê? ... por que você não leva a cultura ao povo primeiro? 4 LI - não porque:: eu acho que ( ) [ 5 L2 - porque se você não tiver outra opção 6 não tiver Chacrinha não river Flávio Cavalcanei 7 Ll - eu continuo achando '8 L2 - não tiver Sílvio Santos o povo [ 9 LI- 10 L2 - o povo vai ligar eu continuo achando pra TV universitária [ 11 Ll - não eu continuo achando viu? 12 L2 - pca Tom Jobim pra Chico Buarque Holanda Caetano [ 13 L1 - não! veja w continuo achando 14 L2 - ora se vai 15 LI - viu E./ eu continuo achando que o Brasil só tem três problemas graves: 16 educação educaçãoe educação (D2 REC 05: 305-21) Chega a ser irritante a insistência com que Ll deseja tomar o turno e a rapidez com que fala L2 para impedir que o inrerlocuror tome a palavra. Ll faz a primeira renrativa na linha 4, quando discorda do colega dizendo não porque:: eu acho que, e ai L2 prossegue em sobreposíção de vozes num tom mais alto que LI e se apodera do turno. Daí para frente, LI repetirá cinco vezes a mesma tentativa (eu continuo achando) para, finalmente, com um rnarcador de atenção (o nome do inrerlocuror: viu E.), tomar o turno e prosseguir falando. 251 L. A. MARCUSCHI 3.5.3 Ratificll~ão do papel de ouvinte Uma função interariva muito comum das Rs é a de ratificação do papel de ouvinte, que tem o mesmo objetivo dos marcadores do tipo sim, claro, abn, sei e outros, geralmente em sobreposição de vozes e para expressar a idéia de que o falante pode continuar com a palavra. Este é o caso do segmento (46), que se situa logo após L2 ter narrado o caso ocorrido com um amigo que fora a uma boate com outros três. Após tornarem dois whískies cada um, surpreendem-se com a conta altíssima. (46) I L2- e quando veio a conta ele chegou e disse "rapaz ". seiscentinhos" 2 i.r- quanto? 3 L2- SEIScentinhos ... ele disse "divide divide pelos quatrO vê quanto dá" 4 ele disse "não:: é seiscentos pra cada um" -5 Ll- pra cada um 6 L2- são dois e quatrocentos 7Ll- são dois e quatrocentos ((rindo» 8 L2- e não comeram ... absolutamente nada ... quer dizer [... ) (D2 REC 266: 438-46) LI repete L2 nas linhas 5 e 7 só para confirmar que ele pode prosseguir fa- lando. Trata-se de uma R com função de envolvirnenro e confirmação do outro como falante. 3.5.4 Incorpora~ão de sugestões, , Existe uma R interativa que opera como estratégia de incorporação d~:. sugestões, sobretudo em momentos nos quais o falante parece estar em di- ficuldade (seja por problemas de memória ou de conhecimento do assun- to). Assim, os contextos de hesitação'? são pontos propícios para esse tipo de socorro imediatamente incorporado integralmenre, cal como ocorre se- guidas vezes no trecho (47), revelando um envolvirnenro interpessoal bas- tante grande. rs Ver parte 1, capo 2.I. 252 "J: .{; .:~ REPETlÇÁO (47) " 1 LI - agora ele quer ser MESmo pelo gosto dele ele gostaria de ser 2 jogador de futebol «risos» não ê? então ... ele:i: torce ... pelo Palmeiras 3 e é o:: ... o.: xodó dele é o ... o verde e branco 4 L2- 5 LI- 6 L2 - ah 7 LI - ele gostaria de:: jogar no:: 8 L2- no dente-de-leite 9 LI - no dente-de-leite ... mas o horário pra mim era ruim 10 mas NO Palmeiras ele me fez inscrevê-lo [ ele joga) ele joga ( então cortou uma vocação «risos» ( 12 LI - não eu não cortei ... 13 ele joga fucebol de salão ... então eu expliquei direitinho que se ..r 14 realmente for bom vocação eu:: não impedirei de seguir .. , 15 mas s6 pra não dizer que a geme ... 16 L2 - cetro/ cerceou ... 11 L2- [ 17 Ll - r tolheu cerceou aquela:: aquela ambição [... ) 18 e.: ele segue os [ 19 L2 - f ahn ahn 20 LI - salários dos.: [ 21 L2 - jogadores [ 22 LI - ele segue os salários dorjogadores... através da:: 23 revista Placar ... ' é uma revistar: 24 L2 - especializada em esporte ( 25 L1 - especializada em esporte ... (... ] (02 SP 360: 1.298-327) Vale observar que as linhas 4 e 5 trazem um par adjacente (pergunta-respos- ta - P_R1G), que tem a função oposta do par (asserriva-pergunra - A-P) 16 Ver parce 2, cap, 4. 253 r, A. MARCUSCHI visto no exemplo do trecho (38), em que se dava primeiro uma asserriva c em seguida a R da asserrivana forma indagativa, para sugerir desaprovação. Quando temos uma P-R, como nas linhas 4 e 5 de (47), dá-se um caso normal de co- laboração, ao passo que uma A-P (como em 38) sugere dúvida, revide ou contestação sob o pOntO de vista inreracional. Este é um aspecto importan- te numa gramácica ilocutória da fala. O par das linhas 16-17 acima mostra um caso de polidez/atenção, evidenciado na incorporação de uma sugestão que era uma simples paráfrase da formulação proposra em sobreposição. Como se constata, as Rs inreradonais trabalham na linha das relações in- rerpessoais e contribuem de forma decisiva para um envolvimenro maior nas atividades formulativas e no processamenro rexcual-discursivo. As linhas 18 a 25 no exemplo (47) são esclarecedoras deste aspecto. Por outro lado, essas Rs se apresentam com formatos diferenciados em momentos característicos, tais como em ramadas de rumo, conclusão de unidades ou de turnos, )m pares adjacentes e correções, entre outras. 4. Considerações finais A repetição, como um fenômeno resultante das condições de produção local ou on-line, estabelece-se como uma estratégia de processamenco regular e sis- temática, situãvel encre as estratégias básicas de formulação da fala. O cexco assim produzido não é planejado globalmenre e reflete as condições de pro- . dução ligadas ao tempo real. Quanto às suas funções, a repetição tem na coesividade e condução do tópico sua presença mais freqüente e sistemática; já. as funções de argumen- (atividade e inreração têm uma presença mais variada. Com isso, a repetição constitui-se numa estratégiavaliosa para o processo textual-interativo, seja na sua contribuição para o processamemo inforrnacional, seja na preservação da funcionalidade comunicativa.
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