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Políbio e sua teoria das formas de governo

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CONTEXTUALIZAÇÃO DA OBRA
Políbio completa, junto com Aristóteles e Platão, a tríade do pensamento político da Antiguidade clássica, com o livro VI de sua História, obra basilar para a teoria das formas de governo. O contexto em que tal obra foi produzida é de fundamental importância para o entendimento de sua teoria política. Políbio é, diversamente de Aristóteles e Platão, historiador. Nascido na Grécia, foi deportado para Roma depois da conquista de seu país de origem, tendo a partir de então tido contato com o círculo dos Cipiões (grupo de intelectuais e filósofos gregos radicados em Roma, fruto da helenização da cultura romana, é dizer, da miscigenação cultural romana decorrente do avanço de seu império), extremamente combatido por patrícios e até mesmo plebeus. É por influência destes encontros que Políbio escreverá, em grego, a primeira grande história romana, antes mesmo de Tito Lívio (principal historiador romano da antiguidade).
Assim, Políbio propõe-se, no Livro VI de sua história, a fazer uma exposição pormenorizada da constituição de Roma, elaborando um verdadeiro tratado de direito público romano, descrevendo as várias funções públicas da época, como o consulado, o senado, os tribunos, a organização militar. O historiador grego assim o faz porque, para ele, segundo Bobbio, “deve-se considerar a constituição de um povo como a causa primordial do êxito ou do insucesso de todas as ações” (BOBBIO, 2001). Com efeito, deseja a partir disso ilustrar a importância da constituição romana para o sucesso política da civitas e para a formação do gigantesco império romano em tão pouco tempo. 
TEORIA DAS FORMAS DE GOVERNO DE POLÍBIO
É tomando por base a história política de Roma, consubstanciada nas suas constituições, que Políbio irá propor três teses complementares que fundamentam seu pensamento político, quais sejam: 1) existem fundamentalmente seis formas de governo, três boas e três más; 2) não há opção entre essas seis formas de governo, mas se sucedem obrigatoriamente umas às outras de acordo com determinado ritmo, constituindo um ciclo contínuo; 3) além das seis formas tradicionais, há uma sétima, a melhor de todas (adotada pela constituição romana), que se constitui na síntese das três formas de governo. Na primeira teoria, o pensador grego resume-se a ratificar a teoria já existente (Aristóteles já falava em seis formas de governo, três boas e três más); com a segunda teoria, Políbio fixa seu entendimento acerca da teoria dos ciclos (anaciclose, pela terminologia dos gregos) já exposta por Platão, aperfeiçoando-a. E é com sua terceira teoria que Políbio de fato inova em relação ao conhecimento anteriormente construído, fixando a teoria da síntese dos três governos. Podemos dizer, a partir disso, que o historiador grego consolida a sistemática das formas de governo delineadas por seus antecessores, constrói uma filosofia da história segundo a qual a evolução da história se dá de acordo com uma certa ordem estabelecida pela sucessão das diversas constituições; e exprime sua predileção por uma constituição mista, que abarca todas as formas de governo. Políbio pode ser considerado, portanto, o primeiro grande constitucionalista da história, dado seus estudos acerca das constituições de várias cidades-Estado, sobretudo da romana; e a importância que estabelece a este conjunto normativo, a ponto de relacioná-lo diretamente à evolução da história. Importa frisar que a noção de constituição que aqui se dá diverge sobremaneira ao que são hoje as constituições. Não eram, na antiguidade clássica, textos complexos que abarcavam uma variada gama de direitos de toda ordem que por sua mera importância material acabavam inclusos no texto normativo; consistiam, em verdade, em documento estruturante do estado, constituições orgânicas, portanto, que resumiam-se a organizar as instituições públicas e dispor sobre as formas de aquisição e exercício do poder.	
ANÁLISE DA PRIMEIRA TESE: AS SEIS FORMAS DE GOVERNO
Quanto à delimitação da tese da existência de seis formas de governo, três boas e três más, Políbio ratifica o que já fora anteriormente exposto por Aristóteles e Platão, divergindo tão somente em questões de terminologia. Com efeito, segundo Bobbio (2001), Políbio assim se refere à tipologia tradicional, no início do Livro VI de sua História: "A maior parte dos que nos querem dar lições sobre este ponto fala de três formas constitucionais, chamando a primeira de 'reino', a segunda de 'aristocracia' e a terceira de 'democracia'”. Políbio chama de democracia a forma boa de governo popular, o que Aristóteles havia denominado república. Inova igualmente no termo do qual se vale para definir a forma má de governo popular, oclocracia, de oclos, que significa multidão, plebe, massa, indicador perfeito ao atual “governo das massas”.
Contudo, as divergências entre esses pensadores acentuam-se substancialmente no que concerne àquilo que distingue as constituições boas das más. Aqui, Políbio discorda de Aristóteles (que preceitua que as formas de governo são boas ou más dependendo da intenção de que se vale o governante, dos interesses em jogo) e aproxima-se de Platão, adotando a contraposição entre o governo baseado na força (arbitrário) e aquele que se fundamenta no consenso.
ANÀLISE DA SEGUNDA TESE: A TEORIA DOS CICLOS
Importa colacionar, de início, o que dispôs o historiador grego no Livro VI de sua História, segundo Bobbio (2001):
"Em primeiro lugar se estabelece sem artifício e 'naturalmente' o governo de um só, ao qual segue (e do qual é gerado por sucessivas elaborações e correções) o 'reino'. Transformando-se este no regime mau correspondente, isto é, na 'tirania', pela queda desta última se gera o governo dos 'melhores'. Quando a aristocracia por sua vez degenera em 'oligarquia', pela força da natureza, o povo se insurge violentamente contra os abusos dos governantes, nascendo assim o 'governo popular'. Com o tempo, a arrogância e a ilegalidade dessa forma de governo levam à 'oclocracia'" (in BOBBIO, Norberto. 2001, pg. 67).
As etapas do processo histórico de Políbio, como visto são as seguintes: monarquia, tirania, aristocracia, oligarquia, democracia e oclocracia. Ademais, para ele, o processo histórico se desenvolve com uma tendência à degradação, à corrupção, como também pensava Platão. Contudo, diferentemente do seu antecessor (para quem cada forma é uma degeneração da precedente, em um processo contínuo), para Políbio o ciclo se desenvolve através da alternância de constituições boas ou más, em um processo que caminha em sua integralidade para a degeneração, haja vista que o historiador considerava que a constituição boa é sempre pior que a constituição boa que a precedeu, e assim também a constituição má é sempre melhor que a constituição má que lhe sucedeu. A tese de Políbio também diverge da de Platão quanto ao estágio final do ciclo, que para este é a Tirania e para aquele a oclocracia.
Como bem expõem o pensador italiano Norberto Bobbio (2001), é fortemente criticável essa visão fatalista que acomete Políbio ao indicar que a passagem de uma forma de governo para outra é predeterminada, necessária, inderrogável, imanente à natureza mesmo dos governos, que nada poderiam fazer para interromper esse processo de transformação, devendo fatalmente desembocar em um destino já previsto e irrenunciável. Evidente que deve ser levado em consideração, antes de açoitar sua teoria de forma mais ácida, que o referencial de conhecimento do pensador grego acaba influenciando sobremaneira para a construção de suas teses; contudo, é também verdade que suas teses podem ser combatidas sem muito esforço a partir de todo um arcabouço teórico evolucionista e determinista que lhe sucede, sobretudo a partir do renascimento, que consigna que as sociedades tendem a andar sobre uma linha evolutiva da barbárie para a civilização, e que o homem é determinado por um conjunto de coisas, que interferem em suas decisões e, portanto, no seu destino.
O que acontece no fim do ciclo? Para Políbio,
a resposta (que Platão não conseguiu encontrar) é clara: ao final do primeiro processo, o curso das constituições retorna ao ponto de partida, da oclocracia se volta diretamente ao reino, sem transições. Afinal, Políbio vê a história evoluir em ciclos, como uma repetição contínua de eventos que sempre tornam a ocorrer. “Este é o rodízio das constituições: a lei natural segundo a qual as formas políticas se transformam, decaem e retornam ao ponto de partida” (Políbio, Livro VI da História, apud BOBBIO 2001). Contudo, como já aqui anotado, para ele um estágio, em cada ciclo, não é idêntico ao mesmo estágio no círculo precedente, nem o será no ciclo que o suceder, visto que, neste eterno retorno aos pontos de partida, o processo como um todo vai caminhando para a degeneração. Mais uma vez aqui, antes de qualquer crítica, deve-se ter em conta que a teoria polibiana dos ciclos é decorrente da história das cidades gregas no período do seu crescimento, esplendor e decadência, de modo que a visão de mundo do historiador grego é extremamente limitada em relação a de outros teóricos políticos que lhe são contemporâneos, ou que o sucederam.
ANÁLISE DA TERCEIRA TESE: A SUPREMACIA DO GOVERNO MISTO
Toda a teoria polibiana acaba convergindo para a tese do governo misto, que, aliás, tem no historiador grego seu defensor por excelência. E não é difícil estabelecer o ponto em que sua teoria converge para a tese do governo misto. Com efeito, a teoria dos ciclos, como visto, consigna que todas as formas de governo, tanto as consideradas tradicionalmente corretas quanto as deturpadas são finitas, e breves, porque destinadas pela própria natureza a transforar-se numa forma diferente. Por conseguinte, pode-se concluir que há um vício insanável que permeia todas as constituições: a instabilidade política. Considerando-se que as construções teóricas de todos os pensadores da política e do poder tem como combustível a descoberta da receita para a manutenção do poder, é de se pensar que não se trata de vício de menor valor. Afinal, o próprio papel da constituição, para Aristóteles, segundo Bobbio (2001), é o de “ordenar os cargos governativos, isto é, estabelecer quem deve governar, permitir o desenvolvimento regular e ordeiro da vida civil”, o que se torna impossível em sistemas políticos instáveis. Ora, a teoria dos ciclos pressupõe que todas as constituições “comuns” (sejam boas ou más, dado disporem formas de governo boas ou más) acabam por ser más constituições, porque delas decorrer governos instáveis. Neste sentido, a tese polibiana conclui que todas as constituições “comuns”, ou “simples”, são más constituições, sendo o remédio para sanar este vício uma constituição que consubstancie as três formas boas de governo (reino, aristocracia, e democracia), é dizer, uma constituição que caracterize o governo misto. Afirma Políbio, sobre isso, que “está claro que precisamos considerar ótima a constituição que reúne as características de todas as três formas” (BOBBIO, 2001). 
A tese do governo misto inclui as três formas boas de governo da seguinte maneira: o rei está sujeito ao controle do povo; este, por sua vez, é controlado pelo Senado, que igualmente controla o Rei. Assim, o rei representando o princípio monárquico, o Senado o princípio aristocrático e o povo o democrático, dessa combinação resulta uma nova forma de governo que logra conjugar em uma mesma constituição as três formas boas de governo. Para além, segundo a tese de Políbio, a razão de excelência da forma mista de governo está no controle recíproco dos poderes, ou no que o próprio historiador define como princípio do equilíbrio. 
É aí que reside a grande importância da teoria polibiana. A tese do governo misto é o ponto de partida de todas as teorias que surgirão na modernidade acerca da divisão dos poderes, do controle mútuo, dos checks and balances, ou frios e contrapesos. É bem verdade que a teoria de Políbio não se confunde com as teorias modernas de controle e fiscalização entre os poderes, mas nem por isso deixa de ser considerada o pilar fundante destas teorias modernas. 
A propósito da ideia de controle recíproco entre os poder, e do equilíbrio que dele resulta, afirma Políbio, ainda na obra em comento, segundo Bobbio (2001):
 
"Quando... um dos órgãos constitucionais, adquirindo força, cresce em soberba e exerce um domínio maior do que o conveniente, está claro que como nenhuma parte é autônoma, como já disse, e como todo desígnio pode ser desviado ou impedido, nenhuma das panes excede sua competência e ultrapassa sua medida. Assim, permanecem todos dentro dos limites prescritos — de um lado porque têm impedidos todos os impulsos agressivos, de outro porque desde o princípio temem a vigilância dos demais" grifo nosso. (in BOBBIO, Norberto. 2001, pg. 67).
	Com estas palavras, Políbio consagra sua ideia, aqui já exposta, de que a primeira causa do êxito ou do insucesso de um povo está na sua constituição. O que ele estipula na constituição mista, que revelaria o êxito do povo por ela jurisdicionado, são mecanismos constitucionais de controle que tornam a estabilidade possível pela vigília que um poder exerce sobre o outro, que relativiza a autonomia de tais poderes e refreia qualquer impulso de degeneração que deles possa advir. 
Diante da bem construída tese dos governos mistos, contudo, impõe-se a questão: como então a estabilidade decorrente de um governo misto poderia refrear o fatalismo da teoria dos ciclos? Não seriam tais teses, neste ponto, contraditórias? Para Bobbio (2001), a contradição é apenas aparenta, porquanto dizer que as constituições mistas são estáveis não significa que possam garantir estabilidade eterna. O que diferenciaria as constituições mistas das simples não é o fato de que podem escapar do ciclo fatal das formas de governo, mas sim o ritmo com que esse ciclo evolui, bem como a razão para a mudança.
Deveras, quanto ao ritmo, seria mais lento do que no caso das constituições simples, haja vista que, diante dos mecanismos constitucionais de controle, e do princípio do equilíbrio que deles advém, os conflitos institucionais seriam resolvidos dentro do sistema político; eventuais desequilíbrios entre os poderes não resultariam necessariamente em revolução de mudança na forma de governo, mas numa reestruturação dos freios e contrapesos (embora, lembra-se novamente, este termo deriva das teorias modernas de controle), das estruturas de poder, pelos mecanismos previstos na constituição mista.
Por fim, quanto às mudanças na razão por que decai as constituições mistas, tem-se que constitui num deslocamento do equilíbrio entre as partes tão substancial que resulta no rompimento do próprio equilíbrio, momento em que a constituição deixa de ser mista para voltar a ser simples. Note-se que tal razão decorre do próprio equilíbrio (do rompimento deste), de modo que seja evidente que, dada a alteração neste aspecto, o governo misto iria perdurar por mais tempo que os governos simples, alterando o tempo dos ciclos. 
A propósito, o que não é um golpe de Estado senão a quebra no equilíbrio entre os poderes? Qual o estopim para a instalação de todos os regimes ditatoriais latino americanos, sem exceção, senão o enfraquecimento institucional, ora do legislativo, ora do judiciário, ora (e sobretudo) do próprio executivo, senão de todos estes poderes juntos que sucumbiriam a um quarto poder, o militar? Embora todos os defeitos decorrentes do seu momento histórico, Políbio foi um pensador visionário, cuja teoria permeia a grande parte das Cartas Constitucionais vigentes.
BIBLIOGRAFIA
FERREIRA, L./GUANABARA, R. /JORGE, V. (Org.). Curso de Ciência Política. Rio de Janeiro: Campus, 2008.
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 10ª ed. tradução de Sérgio Bath, Brasília: UnB, 1ª reimpressão, 2001.
SEBASTIANI, Breno Battistin. Políbio e o Imperialismo Romano. Proj. História, São Paulo, (30), p. 197-209, jun. 2005. (Acessível em http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/volume30/11-Artg-%28Breno-Polibio%29.pdf).

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