Buscar

Advocacia em tempos difíceis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 913 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 913 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 913 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 1
ADVOCACIA EM
TEMPOS DIFÍCEIS
Ditadura Militar 1964-1985
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)2
Esta publicação é resultado de iniciativa fomentada com
verbas do projeto Marcas da Memória da Comissão de
Anistia, selecionada por meio de edital público, na II
Chamada Pública. Por essa razão, as opiniões e dados
contidos na publicação são de responsabilidade de seus
organizadores e autores, e não traduzem opiniões do
Governo Federal, exceto quando expresso em contrário.
Spieler, Paula (coord.).
S756 Advocacia em tempos difíceis: ditadura militar
 1964-1985./ coordenação Paula Spieler, Rafael
 Mafei Rabelo Queiroz./ Curitiba: Edição do Autor,
 2013.
912p.
 1. Advogados. 2. Brasil – História – Revolução,
 1964. I. Queiroz, Rafael Mafei Rabelo (coord.).
 II. Título.
CDD 340.092 (22 ed.)
CDU 347.921.4
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 3
Paula Spieler
Rafael Mafei Rabelo Queiroz
Coordenadores
ADVOCACIA EM
TEMPOS DIFÍCEIS
Ditadura Militar 1964-1985
Pesquisadores:
Alynne Nayara Ferreira Nunes
André Javier Ferreira Payar
Catarina Dacosta Freitas
Mariana Campos de Carvalho
Curitiba
2013
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)4
REALIZAÇÃO:
APOIO:
Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas
REVISÃO NA COMISSÃO DE ANISTIA:
Amarílis Busch Tavares (Diretora da Comissão de Anistia), Bruno Scalko Franke
(Coordenador de Articulação Social, Ações Educativas e Museologia) e
Sônia Costa (PNUD).
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 5
O presente projeto foi apresentado no ano de 2011 à II
Chamada Pública do Projeto Marcas da Memória, da Comis-
são de Anistia do Ministério da Justiça, e selecionado por Co-
mitê independente para fomento. A realização do projeto obje-
tiva atender as missões legais da Comissão de Anistia de pro-
mover o direito à reparação, memória e verdade, permitindo
que a sociedade civil e os anistiados políticos concretizem seus
projetos de memória. Por essa razão, as opiniões e dados con-
tidos na publicação são de responsabilidade de seus organiza-
dores e autores, e não traduzem opiniões do Governo Federal,
exceto quando expresso em contrário.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)6
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff
Ministro da Justiça
José Eduardo Cardozo
Secretária-Executiva
Marcia Pelegrini
Presidente da Comissão de Anistia
Paulo Abrão
Vice-presidentes da Comissão de Anistia
Sueli Aparecida Bellato
José Carlos Moreira da Silva Filho
Conselheiros da Comissão de Anistia
Aline Sueli de Salles Santos Marina Silva Steinbruch
Ana Maria Guedes Mário Miranda de Albuquerque
Ana Maria Lima de Oliveira Marlon Alberto Weichert
Carolina de Campos Melo Narciso Fernandes Barbosa
Carol Proner Nilmário Miranda
Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto Prudente José Silveira Mello
Eneá de Stutz e Almeida Rita Maria de Miranda Sipahi
Henrique de Almeida Cardoso Roberta Camineiro Baggio
Juvelino José Strozake Rodrigo Gonçalves dos Santos
Luciana Silva Garcia Vanda Davi Fernandes de Oliveira
Manoel Severino Moraes de Almeida Virginius José Lianza da Franca
Márcia Elayne Berbich de Moraes
Diretora da Comissão de Anistia
Amarílis Busch Tavares
Chefia de Gabinete
Larissa Nacif Fonseca
Gabinete
Luciane Faria Gonçalves
Fábio da Silva Sousa Costa
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 7
Coordenadora do Serviço de Apoio Administrativo
Lívia Almeida Santos
Serviço de Apoio Administrativo
Alinne Gomes Farias (Estagiária)
Antonio Francisco Marcico Ribeiro
Cleiton de Oliveira Rodrigues
Neire Peres do Carmo
Oadir Araújo Fernandes
Samuel Domingos de Oliveira
Coordenadora da Central de Atendimento Integrada – SNJ / CA
Aline Carneiro de Aguiar
Central de Atendimento Integrada
Camila Pereira Nery
Hayara Vianna Silva
Leandro Rocha Mundim de Oliveira (Estagiário)
Virna Arcanjo Freire (Estagiária)
Coordenação Executiva do Memorial da Anistia Política do Brasil
Amarílis Busch Tavares
Coordenador de Projetos e Políticas de Reparação e Memória Histórica
Eduardo Henrique Falcão Pires
Coordenação de Projetos e Políticas de Reparação e Memória Histórica
Daniel Fernandes Rocha
Deborah Nunes Lyra
Lívia Vieira Braúna
Mariana Gracie Prieto Ávila (Estagiária)
Paula Regina Montenegro Generino de Andrade
Paula Stein de Melo e Sousa (Consultora MJ / PNUD)
Sônia Maria Alves da Costa (Consultora MJ / PNUD)
Wallison dos Santos Machado
Coordenador de Articulação Social, Ações Educativas e Museologia
Bruno Scalco Franke
Coordenação de Articulação Social, Ações Educativas e Museologia
Eliana Rocha Oliveira (Consultora MJ / PNUD)
Jeny Kim Batista
Priscilla do Nascimento Silva Goudim
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)8
Coordenação do Centro de Documentação e Pesquisa
Andréa Valentim Alves Ferreira (Consultora MJ/ PNUD)
João Alberto Tomacheski
Pâmela Almeida Rezende (Consultora MJ/ PNUD)
Rodrigo Lentz (Consultor MJ/ PNUD)
Coordenador Geral de Gestão Processual
Muller Luiz Borges
Assessoria da Coordenação Geral de Gestão Processual
Carolina Nunes Barbosa de Sousa
Janine Poggiali Gasporoni e Oliveira
Coordenadora de Controle Processual e Pré-Análise
Natália Costa
Coordenação de Controle Processual e Pré-Análise
Adriana Soares Guimarães Pereira Luana Fonseca Oliveira
Arquimedes Barros Rodrigues Marcos Denaim Correa da Silva
Elaine Cristina Guedes Martins Maria José das Neves
Elisa Machado Rabelo Maria Mônica Rodrigues Lima
Gardênia Azevedo de Oliveira Matheus Ramos Ávila (Estagiário)
Helbert Lopes Rocha Mislene dos Santos
José Antunes Primo Junior Raiane Feitoza da Silva
Juliana Priscila de Oliveira Renata Alves Neres Nogueira
Leonardo Barbosa Cardoso Thiago Azevedo Luna dos Santos
Coordenadora de Julgamento e Finalização
Joicy Honorato de Souza
Coordenação de Julgamento e Finalização
Alexandre Tadeu de Oliveira
Ana Lourdes Reis Brod
Ana Paula Barbacena
Ariane Ramos de Souza (Estagiária)
Giovana Rodrigues Araújo
Chefe da Divisão de Arquivo
Mayara Nunes de Castro
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 9
Divisão de Arquivo e Memória
Emilinha Soares Marques
Leonardo Krieger F. Barbosa
Matheus Henrique Santos Durães (Estagiário)
Pedro Henrique Santos Moraes da Silva (Estagiário)
Úrsula Beatriz Silva Sangaleti (Estagiário)
Rodrigo de Jesus Silva
Rosemeire de Oliveira Araújo
Coordenador de Análise e Informação Processual
Antônio José Teixeira Leite
Coordenação de Análise e Informação Processual
Alan Cruz Murada
Clarina Soares Meireles Pacheco
Déborah Cristina Coêlho Machado
Leonardo Aguilar Villalobos
Lorena das Neves Chaveiro
Marcello Evandro de Carvalho Dias Portela
Odefrânio Vidal Pierre de Messias
Rodrigo Mercante
Sabrina Nunes Gonçalves da Silva
Vânia Margarete Rodrigues Bonfim Souto
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)10
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 11
A Comissão de Anistia é um órgão do Estado brasileiro ligado
ao Ministério da Justiça e composto por 26 conselheiros, em sua maio-
ria, agentes da sociedade civil ou professores universitários, sendo um
deles indicado pelas vítimas e outro pelo Ministério da Defesa. Criada
em 2001, há doze anos, com o objetivo de reparar moral e economica-
mente as vítimas de atos de exceção, arbítrio e violações aos direitos
humanos cometidas entre 1946 e 1988, a Comissão hoje conta com mais
de 70 mil pedidos de anistia protocolados. Até o ano de 2012 havia de-
clarado mais de 35 mil pessoas “anistiadas políticas”, promovendo o
pedido oficialde desculpas do Estado pelas violações praticadas. Em
aproximadamente 15 mil destes casos, a Comissão igualmente reconhe-
ceu o direito à reparação econômica. O acervo da Comissão de Anistia é
o mais completo fundo documental sobre a ditadura brasileira (1964-
1985), conjugando documentos oficiais com inúmeros depoimentos e
acervos agregados pelas vítimas. Esse acervo será disponibilizado ao
público por meio do Memorial da Anistia Política do Brasil, sítio de me-
mória e homenagem às vítimas, em construção na cidade de Belo Hori-
zonte. Desde 2007 a Comissão passou a promover diversos projetos de
educação, cidadania e memória, levando, por meio das Caravanas de
Anistia, as sessões de apreciação dos pedidos aos locais onde ocorreram
às violações, que já superaram 70 edições; divulgando chamadas públi-
cas para financiamento a iniciativas sociais de memória, como a que
presentemente contempla este projeto; e fomentando a cooperação inter-
nacional para o intercâmbio de práticas e conhecimentos, com ênfase
nos países do Hemisfério Sul.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)12
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 13
MARCAS DA MEMÓRIA: UM PROJETO DE
MEMÓRIA E REPARAÇÃO COLETIVA
PARA O BRASIL
Criada em 2001, por meio de medida provisória, a Comissão
de Anistia do Ministério da Justiça passou a integrar em definitivo a
estrutura do Estado brasileiro no ano de 2002, com a aprovação de Lei
n. 10.559, que regulamentou o artigo 8º do Ato das Disposições Consti-
tucionais Transitórias.
Tendo por objetivo promover a reparação de violações a di-
reitos fundamentais praticadas entre 1946 e 1988, a Comissão configura-
-se em espaço de reencontro do Brasil com seu passado, subvertendo o
senso comum da anistia enquanto esquecimento. A Anistia no Brasil sig-
nifica, a contrário senso, memória. Em sua atuação, o órgão reuniu mi-
lhares de páginas de documentação oficial sobre a repressão no Brasil e,
ainda, centenas de depoimentos, escritos e orais, das vítimas de tal re-
pressão. E é deste grande reencontro com a história que surgem não apenas
os fundamentos para a reparação às violações como, também, a necessá-
ria reflexão sobre a importância da não repetição destes atos de arbítrio.
Se a reparação individual é um meio de buscar reconciliar ci-
dadãos cujos direitos foram violados, que têm então a oportunidade de
verem o Estado reconhecer que errou, devolvendo-lhes a cidadania e, se
for o caso, reparando-os financeiramente, por sua vez, as reparações
coletivas, os projetos de memória e as ações para a não repetição têm o
claro objetivo de permitir a toda a sociedade conhecer, compreender e,
então, repudiar tais erros. A afronta aos direitos fundamentais de qual-
quer cidadão singular igualmente ofende a toda a humanidade que temos
em comum, e é por isso que tais violações jamais podem ser esquecidas.
Esquecer a barbárie equivaleria a nos desumanizarmos.
Partindo destes pressupostos e, ainda, buscando valorizar a luta
daqueles que resistiram – por todos os meios que entenderam cabíveis – a
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)14
Comissão de Anistia passou, a partir de 2008, a realizar sessões de apre-
ciação pública, em todo o território nacional, dos pedidos de anistia que
recebe, de modo a tornar o passado recente acessível a todos. São as
chamadas “Caravanas da Anistia”. Com isso, transferiu seu trabalho
cotidiano das quatro paredes de mármore do Palácio da Justiça para a
praça pública, para escolas e universidades, associações profissionais e
sindicatos, bem como a todo e qualquer local onde perseguições ocorre-
ram. Assim, passou a ativamente conscientizar as novas gerações, nasci-
das na democracia, da importância de hoje vivermos em um regime livre,
que deve e precisa ser continuamente aprimorado.
Com a ampliação do acesso público aos trabalhos da Comissão,
cresceram exponencialmente o número de relatos de arbitrariedades,
prisões, torturas, por outro lado, pôde-se romper o silêncio para ouvir
centenas de depoimentos sobre resistência, coragem, bravura e luta. É
neste contexto que surge o projeto “Marcas da Memória”, que expande
ainda mais a reparação individual em um processo de reflexão e apren-
dizado coletivo, fomentando iniciativas locais, regionais e nacionais que
permitam àqueles que viveram um passado sombrio, ou que a seu estudo
se dedicaram, dividir leituras de mundo que permitam a reflexão crítica
sobre um tempo que precisa ser lembrado e abordado sob auspícios de-
mocráticos.
Para atender estes amplos e inovadores propósitos, as ações do
projeto Marcas da Memória estão divididas em quatro campos:
a) Audiências Públicas: atos e eventos para promover pro-
cessos de escuta pública dos perseguidos políticos sobre o
passado e suas relações com o presente.
b) História oral: entrevistas com perseguidos políticos basea-
das em critérios teórico-metodológicos próprios da Histó-
ria Oral. Todos os produtos ficam disponíveis no Memorial
da Anistia e poderão ser disponibilizadas nas bibliotecas e
centros de pesquisa das universidades participantes do
projeto para acesso da juventude, sociedade e pesquisado-
res em geral;
c) Chamadas Públicas de fomento a iniciativas da Socieda-
de Civil: por meio de Chamadas Públicas, a Comissão se-
leciona projetos de preservação, de memória, de divulga-
ção e difusão advindos de Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIP) e Entidades Privadas Sem
Fins Lucrativos. Os projetos desenvolvidos envolvem do-
cumentários, publicações, exposições artísticas e fotográfi-
cas, palestras, musicais, restauração de filmes, preserva-
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 15
ção de acervos, locais de memória, produções teatrais e
materiais didáticos.
d) Publicações: coleções de livros de memórias dos perse-
guidos políticos; dissertações e teses de doutorado sobre o
período da ditadura e a anistia no Brasil; reimpressões ou
republicações de outras obras e textos históricos e rele-
vantes; registros de anais de diferentes eventos sobre anis-
tia política e justiça de transição. Sem fins comerciais ou
lucrativos, todas as publicações são distribuídas gratuita-
mente, especialmente para escolas e universidades.
O projeto “Marcas da Memória” reúne depoimentos, sistematiza
informações e fomenta iniciativas culturais que permitem a toda socieda-
de conhecer o passado e dele extrair lições para o futuro. Reitera, por-
tanto, a premissa que apenas conhecendo o passado podemos evitar sua
repetição no futuro, fazendo da Anistia um caminho para a reflexão crítica
e o aprimoramento das instituições democráticas. Mais ainda: o projeto
investe em olhares plurais, selecionando iniciativas por meio de edital
público, garantindo igual possibilidade de acesso a todos e evitando que
uma única visão de mundo imponha-se como hegemônica ante as demais.
Espera-se, com este projeto, permitir que todos conheçam um
passado que temos em comum e que os olhares históricos anteriormente
reprimidos adquiram espaço junto ao público para que, assim, o respeito
ao livre pensamento e o direito à verdade histórica disseminem-se como
valores imprescindíveis para um Estado plural e respeitador dos direitos
humanos.
Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)16
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 17
Advogados entrevistados
Alcyone Vieira Pinto Barreto
Amadeu de Almeida Weinmann
Antônio Carlos da Gama Barandier
Antônio de Pádua Barroso
Antônio Modesto da Silveira
Arthur Lavigne
Belisário dos Santos Junior
Boris Marques da Trindade
Dyrce Drach
Eny Raimundo Moreira
Fernando Fragoso
Flávio Flores da Cunha Bierrenbach
Flora Strozenberg
George Francisco Tavares
Humberto Jansen Machado
Idibal Almeida Pivetta
Ilídio Moura
José Carlos Dias
José MouraRocha
Luiz Carlos Sigmaringa Seixas
Luiz Eduardo Greenhalgh
Luiz Olavo Baptista
Manuel de Jesus Soares
Marcello Cerqueira
Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach
Maria Regina Pasquale
Mario de Passos Simas
Nélio Roberto Seidl Machado
Nilo Batista
Pedro Eurico de Barros e Silva
René Ariel Dotti
Tales Castelo Branco
Técio Lins e Silva
Virgilio Egydio Lopes Enei
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)18
Advogados falecidos
Aldo Lins e Silva
Antônio Evaristo de Moraes Filho
Augusto Sussekind de Moraes Rego
Bento Rubião
Eloar Guazzelli
Heleno Cláudio Fragoso
Hélio Henrique Pereira Navarro
Heráclito Fontoura Sobral Pinto
Lino Machado
Lysaneas Maciel
Mércia Albuquerque Ferreira
Miguel Aldrovando Aith
Osvaldo Mendonça
Paulo Cavalcanti
Paulo Goldrajch
Raimundo Pascoal Barbosa
Raul Lins e Silva
Rômulo Gonçalves
Ronilda Maria Lima Noblat
Vivaldo Vasconcelos
Wanda Rita Othon Sidou
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 19
LISTA DE ABREVIAÇÕES
EMPREGADAS NAS ENTREVISTAS
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
ABIN – Agência Brasileira de Inteligência
ACO – Ação Católica Operária
ACP – Ato Complementar
AI – Ato Institucional
AIT – Ato Institucional
ALN – Ação Libertadora Nacional
AP – Aliança Popular
APML – Ação Popular Marxista-Leninista
Art. – Artigo
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
CACO – Centro Acadêmico Cândido de Oliveira
CALC – Centro Acadêmico Luís Cárpenter
CBA – Comitê Brasileiro pela Anistia
CCC – Comando de Caça aos Comunistas
CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
CENIMAR – Centro de Informações da Marinha
Cf. – Confira
CIA – Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência)
CIE – Centro de Informações do Exército
CIEx – Centro de Informações do Exército
CISA – Centro de Informações da Aeronáutica
CGI – Comissão Geral de Investigação
CJM – Circunscrição Judiciária Militar
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Contemporânea do Brasil
CPOR – Centro de Preparação de Oficiais de Reserva
CRM – Conselho Regional de Medicina
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)20
CRUSP – Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo
D. – Dom
DCE – Diretório Central dos Estudantes
DEC – Decreto
DEL – Decreto-Lei
DER – Decreto Reservado
DERSA – Desenvolvimento Rodoviário Sociedade Anônima
DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito
DNE – Diretório Nacional dos Estudantes
DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de
Defesa Interna
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
DSN – Doutrina de Segurança Nacional
DSV – Departamento de Operação do Sistema Viário
EBAP – Escola Brasileira de Administração Pública
FAB – Força Aérea Brasileira
FNFI – Faculdade Nacional de Filosofia
GETAT – Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins
HC – Habeas Corpus
HC – Hospital das Clínicas
IAB – Instituto dos Advogados do Brasil
IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
IPM – Inquérito Policial Militar
JUC – Juventude Universitária Católica
LSN – Lei de Segurança Nacional
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MOLIPO – Movimento de Libertação Popular
MR-8 – Movimento Revolucionário Oito de Outubro
NYT – New York Times
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OBAN – Operação Bandeirante
OEA – Organização dos Estados Americanos
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PDC – Partido Democrata Cristão
PDS – Partido Democrático Social
PE – Polícia do Exército
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 21
PIC – Pelotão de Investigações Criminais
PM – Polícia Militar
POC – Partido Operário Comunista
POLOP – Organização Revolucionária Marxista Política Operária
PORRA – Partido Operário Revolucionário Retado e Armado
PRA – Partido de Representação Acadêmica
PRP – Partido Republicano Progressista
PSD – Partido Social Democrático
PSOL – Partido Socialismo e Liberdade
PSP – Partido Social Progressista
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUC – Pontifícia Universidade Católica
RO – Recurso Ordinário
SOPS – Seções de Ordem Política e Social
SNI – Serviço Nacional de Informações
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
STM – Superior Tribunal Militar
TFP – Tradição, Família e Propriedade
TJ – Tribunal de Justiça
TUCA – Teatro da Universidade Católica de São Paulo
UDN – União Democrática Nacional
UEE – União Estadual dos Estudantes
UEG – Universidade do Estado da Guanabara
UFE – União Fronteiriça de Estudantes
UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UJC – União da Juventude Comunista
UME – União Metropolitana dos Estudantes
UnB – Universidade de Brasília
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquisa Filho”
Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USP – Universidade de São Paulo
V. – Vide
VAR-Palmares – Vanguarda Armada Revolucionária Palmares
VPR – Vanguarda Popular Revolucionária
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)22
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 23
APRESENTAÇÃO
O regime militar, instaurado pelo golpe de 1964, marcou-se
pela contínua repressão aos adversários políticos do governo. Para
conferir legitimidade às ações persecutórias do Estado brasileiro de
então, criou-se um robusto aparato jurídico, que sofreu constantes aper-
feiçoamentos em prol do regime, sobretudo com a adoção do AI-5 em 13
de dezembro de 1968 que, dentre outras medidas, suspendeu a garantia
do habeas corpus para os casos de crimes políticos, contra a segurança
nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Em meio a esse contexto, de regras cada vez mais voltadas à
desmobilização de grupos políticos rivais e da sociedade civil em geral,
muitos advogados e advogadas defenderam opositores políticos do regi-
me militar que nominalmente vigeu no Brasil entre 1964 a 1985.
Esses profissionais do direito tinham a difícil missão de fazer
uso do próprio aparato jurídico do regime militar nas defesas de seus
clientes. As perguntas que guiaram a investigação resultante neste livro
foram: em um cenário jurídico de tal maneira desfavorável, como os
advogados e advogadas faziam uso do direito para defender os interesses
dos adversários políticos do regime? Quais instrumentos jurídicos eram
utilizados na ausência do habeas corpus? Como manter-se na profissão
numa área da advocacia que parecia pouco rentável e arriscada?
Zelo, probidade e independência, valores fundamentais a que o
advogado deve se pautar, deveriam estar lado a lado de certa dose de
criatividade e domínio das habilidades técnicas. A edição dos Atos Insti-
tucionais, Atos Complementares e Decretos Reservados (ou Secretos),
cuja natureza normativa e conteúdo regulado eram novidade no meio
jurídico brasileiro, requeria ainda mais agudez e ponderação por parte
dos advogados e advogadas. Relatar, nos ambientes forenses, as violên-
cias e arbitrariedades cometidas contra os seus clientes, exigia firmeza e,
acima de tudo, coragem.
A supressão do habeas corpus para crimes políticos pelo AI-5
tornou a rotina desses profissionais mais dificultosa. Usado para afastar
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)24
ilegalidades no cerceamento do direito de ir e vir, qualquer prisão que
fugisse dos parâmetros legais não teria instrumento jurídico correspon-
dente para coibi-la. Sem essa ferramenta, advogados e advogadas, se-
gundo relatam as entrevistas, adotavam expedientes inominados que, se
funcionassem, levavam a resultadospráticos semelhantes. Em suma:
contornavam óbices processuais de maneira inventiva, garantindo prote-
ção jurídica mesmo àqueles a quem as leis da ditadura militar mais que-
riam perseguir do que proteger.
Ao mesmo tempo, enquanto o regime recrudescia, as leis torna-
vam-se mais rígidas, as denúncias de tortura e violências ocorriam com
mais frequência, e os advogados, nessas circunstâncias, arriscavam-se a
sofrer represálias por defenderem clientes considerados subversivos.
Nesse contexto, as 34 entrevistas, que compõem esta obra, de
alguns dos principais advogados e advogadas que defenderam opositores
políticos durante o regime militar de 1964-1985, trazem relevantes con-
tribuições à construção desse recente capítulo da história nacional. São
relatos de destemor e firmeza na defesa das prerrogativas dos advogados
e dos direitos fundamentais de seus clientes. São, também, testemunhos
de criatividade e destreza no manejo do direito à favor da justiça.
Por fim, esperamos que a leitura seja proveitosa, reveladora, e
que instigue o leitor a pesquisar o tema com profundidade, de modo a
desvelar outros aspectos acerca desse período que precisam ser descor-
tinados. É dessa maneira que se constrói a história do nosso País, se
consolida a democracia, e se descobre a verdade.
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 25
PREFÁCIO
A memória como reparação.
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça integra a es-
trutura do Estado brasileiro desde a aprovação de Lei 10.559/02, que
regulamentou o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-
rias da Constituição da República de 1988.
Sua missão constitucional, portanto, é a de promover políticas
públicas de reparação e memória em torno das violações aos direitos
fundamentais e sobre quaisquer atos de exceção praticadas entre 1946 e
1988.
Trata-se de um espaço institucional de superação da ética do
esquecimento e do sigilo por uma cultura que valorize a transparência e
a verdade histórica.
Para alcançar estes propósitos foi preciso promover uma vira-
da hermenêutica no senso comum em torno do conceito de anistia. Se o
regime autoritário pretendeu utilizá-lo como mecanismo de esquecimento
e impunidade ou como um ato em que o Estado “perdoava” aos perse-
guidos políticos que ele mesmo criminalizou pela Lei de Segurança Na-
cional, por sua vez, na democracia a ideia de anistia é ressignificada.
Na democracia, a anistia constitucional significa memória e
conhecimento dos fatos para que o Estado assuma a sua responsabilida-
de pelo cometimento de graves violações aos direitos humanos e cumpra
sua obrigação de reparar. Nestes termos, a anistia passa a significar o
ato pelo qual o Estado “pede desculpas oficiais” pelos erros que come-
teu no passado a cada um dos ex-perseguidos, presos políticos e familia-
res dos mortos e desaparecidos. A condição de anistiado político embute
o reconhecimento do legítimo direito de resistir contra a opressão.
A Comissão reuniu milhares de páginas de documentação ofi-
cial sobre a repressão e a resistência no Brasil. São centenas de depoi-
mentos escritos e orais documentados. O acervo da Comissão de Anistia
é um privilegiado fundo documental sobre a ditadura brasileira (1964-
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)26
-1985), conjugando documentos oficiais com inúmeros depoimentos e
acervos agregados pelas vítimas. Esse acervo pouco a pouco é disponi-
bilizado a toda a sociedade por meio do Memorial da Anistia Política do
Brasil, sítio federal de memória e homenagem às vítimas, em construção
na cidade de Belo Horizonte.
A necessária reflexão sobre a importância da não repetição dos
atos de arbítrio insere a memória como a melhor arma humana contra a
barbárie.
O exercício da memória é um ato de reparação nos marcos da
Justiça de Transição. Os projetos de memória são ações de reparação
coletiva e têm o claro objetivo de permitir a toda a sociedade conhecer,
compreender e, então, gerar consciência crítica e condenação moral
sobre tais erros.
Uma ética da memória tem sido forjada em um acelerado mo-
vimento global desde o pós-guerra. Uma ética segundo a qual uma grave
lesão aos direitos de qualquer cidadão singular ou a um grupo social –
torturas, genocídios, massacres, desaparecimentos forçados, por exem-
plo – produzidas sistematicamente e independentemente de qualquer
território igualmente ofende a todos. Ignorar esses fatos equivaleria a
nos desumanizarmos.
Partindo destes pressupostos e, ainda buscando valorizar a luta
daqueles que resistiram, a Comissão de Anistia passou, a partir de 2008,
a realizar sessões de apreciação pública, em todo o território nacional,
dos pedidos de anistia, de modo a tornar o passado e o conjunto de vio-
lações acessíveis a todos. As "Caravanas da Anistia” romperam com o
silêncio e medo de discutir publicamente o passado e transferiram o tra-
balho cotidiano da Comissão de Anistia das quatro paredes de mármore
do Palácio da Justiça para a praça pública, para escolas e universida-
des, associações profissionais e sindicatos, bem como a todo e qualquer
local onde perseguições ocorreram. Assim, passou a ativamente conscien-
tizar as novas gerações, nascidas na democracia, da importância de hoje
vivermos em um regime político livre, que deve e precisa ser continua-
mente aprimorado.
O projeto “Marcas da Memória”, como um fundo de apoio às
iniciativas de memorialização produzidas pela sociedade civil, expandiu
ainda mais a política de reparação individual em um processo de reflexão
e aprendizado coletivo, fomentando iniciativas locais, regionais e nacio-
nais que permitam a emergência de olhares plurais. Suas atividades com-
põem audiências públicas, projetos de história oral, publicações acadêmi-
cas, documentários, publicações, exposições artísticas e fotográficas, pa-
lestras musicais, restauração de filmes, preservação de acervos, fixação de
locais de memória, produções teatrais e materiais didáticos.
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 27
É neste contexto que se publica este importante livro como uma
parceria da Comissão de Anistia e das Escolas de Direito da Fundação
Getulio Vargas. Ela retrata o importante papel da advocacia na proteção
dos cidadãos que se viam completamente desamparados pelo Estado que
utilizou deliberadamente mecanismos institucionais para reprimir, per-
seguir, ferir direitos fundamentais e conceder ao autoritarismo contornos
de um regime de legalidade.
Diante de um Estado autoritário legitimado por leis de exceção –
que utilizava o direito e suas ferramentas de forma a construir um aparato
legal racional-positivista em que se apoiavam as mais arbitrárias condutas
– corajosos advogados e advogadas, como se depreende dos relatados ao
longo das diversas entrevistas deste livro, mostram como o tecnicismo do
poder constituído de forma ilegal foi revertido, de maneira criativa, a fa-
vor da proteção da integridade física dos perseguidos políticos.
A advocacia-arte, portanto, envolveu o conhecimento dos me-
canismos legais empregados pelo regime de exceção para torná-los uma
ferramenta de combate à própria arbitrariedade do Estado. É a a ple-
nitude da advocacia para preservar o instituto do direito e da justiça
ameaçado durante os anos de chumbo.
O trabalho exemplar destes advogados e advogadas está aqui
retratado, entre outras razões, para deixar assentadas as escolhas que
fizeram nos momentos mais difíceis ao colocarem em risco suas próprias
vidas para salvar as alheias. Honraram seus diplomas e juramentos.
Daí que a riqueza destes depoimentos reside no fato de não
apenas retratarem o contexto político e social de uma importante época
da história brasileira e da região, mas também transparece as lutas e
utopias daqueles juristas que foram protagonistas na defesa da resistên-
cia às ditaduras, que demonstraram coerência e firmeza em defesados
direitos humanos e da ordem constitucional de 1946 interrompida por
um Golpe contra as instituições democráticas.
Aos que organizaram e trabalharam para este significativo
projeto somados aos que se dispuseram a compartilhar suas memórias
fica um sincero agradecimento da Comissão de Anistia pelo engajamento
ao movimento nacional pró-memória.
Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.
Paulo Abrão
Presidente da Comissão de Anistia
Secretário Nacional de Justiça
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)28
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 29
SUMÁRIO
ADVOCACIA E RESISTÊNCIA: ESTRATÉGIAS JURÍDICAS DE DEFESA
DE PERSEGUIDOS POLÍTICOS EM MEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVA
DA DITADURA DE 1964 – Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz .................. 31
I – Da Advocacia à Resistência: Os Advogados no Contexto da Oposição à
Ditadura Militar ............................................................................................... 32
II – Do Limão à Limonada: As Estratégias de Defesa em Meio à Legislação
Repressiva ............................................................................................................... 40
ENTREVISTAS
ALCYONE VIEIRA PINTO BARRETO .................................................................... 49
AMADEU DE ALMEIDA WEINMANN .................................................................... 57
ANTÔNIO CARLOS DA GAMA BARANDIER........................................................ 78
ANTÔNIO DE PÁDUA BARROSO ............................................................................ 85
ANTÔNIO MODESTO DA SILVEIRA ...................................................................... 114
ARTHUR LAVIGNE .................................................................................................... 136
BELISÁRIO DOS SANTOS JUNIOR ......................................................................... 144
BORIS MARQUES DA TRINDADE........................................................................... 187
DYRCE DRACH ........................................................................................................... 220
ENY RAIMUNDO MOREIRA..................................................................................... 233
FERNANDO FRAGOSO .............................................................................................. 253
FLÁVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH .................................................... 267
FLORA STROZENBERG ............................................................................................ 288
GEORGE FRANCISCO TAVARES ........................................................................... 297
HUMBERTO JANSEN MACHADO ........................................................................... 309
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)30
IDIBAL ALMEIDA PIVETTA..................................................................................... 322
ILÍDIO MOURA............................................................................................................ 358
JOSÉ CARLOS DIAS ................................................................................................... 376
JOSÉ MOURA ROCHA ............................................................................................... 401
LUIZ CARLOS SIGMARINGA SEIXAS ................................................................... 422
LUIZ EDUARDO GREENHALGH ............................................................................. 449
LUIZ OLAVO BAPTISTA ........................................................................................... 491
MANUEL DE JESUS SOARES.................................................................................... 518
MARCELLO CERQUEIRA ......................................................................................... 530
MARIA LUIZA FLORES DA CUNHA BIERRENBACH......................................... 540
MARIA REGINA PASQUALE .................................................................................... 564
MARIO DE PASSOS SIMAS ....................................................................................... 589
NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO..................................................................... 637
NILO BATISTA............................................................................................................. 647
PEDRO EURICO DE BARROS E SILVA .................................................................. 660
RENÉ ARIEL DOTTI ................................................................................................... 686
TALES CASTELO BRANCO ...................................................................................... 719
TÉCIO LINS E SILVA.................................................................................................. 749
VIRGÍLIO EGYDIO LOPES ENEI............................................................................. 773
GLOSSÁRIO.................................................................................................................. 809
1 Personalidades............................................................................................................... 809
2 Fatos ............................................................................................................................. 871
3 Dicionário de Termos e Expressões Jurídicas Empregadas nas Entrevistas.................. 872
PRINCIPAIS LEIS DO PERÍODO DE EXCEÇÃO................................................... 873
LEIS COMPLEMENTARES........................................................................................ 908
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 31
ADVOCACIA E RESISTÊNCIA:
ESTRATÉGIAS JURÍDICAS DE DEFESA
DE PERSEGUIDOS POLÍTICOS EM
MEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVA
DA DITADURA DE 1964
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz
Qual foi o papel do advogado durante a ditadura militar no Brasil?
Como eles defendiam presos políticos mesmo sem previsão legal de ins-
trumentos jurídicos? Esse livro trata sobre essas questões, mais especifi-
camente sobre as estratégias utilizadas pelos advogados para defender
presos políticos durante a ditadura militar1. Nosso principal objetivo é
relatar a experiência de cada advogado e as estratégias de defesa utilizadas.
Embora haja diversos trabalhos sobre o período da ditadura mi-
litar, não há algum que trate de forma tão detalhada sobre as contribui-
ções dos advogados no nível nacional. Entrevistamos, assim, os advoga-
dos e advogadas brasileiros que defenderam presos políticos nessa época,
do norte ao sul do país. São eles: Alcyone Vieira Pinto Barreto, Amadeu
de Almeida Weinmann, Antônio Carlos da Gama Barandier, Antônio de
Pádua Barroso, Antônio Modesto da Silveira, Arthur Lavigne, Belisário
dos Santos Junior, Boris Marques da Trindade, Dyrce Drach, Eny Raimundo
Moreira, Fernando Fragoso, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, Flora
 
1 Para um estudo sobre a utilização dos julgamentos políticos pelos militares como
forma de tentar legalizar a repressão, veja: PEREIRA, Anthony. Political (In)Justice.
Authoritarianism and the Rule of Law in Brazil, Chile, and Argentina. Pittsburgh:
University of Pittsburg Press, 2005. Nesse livro, o autor almeja explicar, através de
registros históricos, como e por que os julgamentos políticos foram iniciados, manti-
dos e abandonados durante as ditaduras militares no Brasil, Argentina e Chile. A ver-
são em português deste livro foi publicada em 2010: PEREIRA, Anthony. Ditadura e
repressão. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)32
Strozenberg, George Tavares, Humberto Jansen Machado, Idibal Almeida
Pivetta,Ilídio Moura, José Carlos Dias, José Moura Rocha, Luiz Carlos
Sigmaringa Seixas, Luiz Eduardo Greenhalgh, Luiz Olavo Baptista, Manuel
de Jesus Soares, Marcello Cerqueira, Maria Luiza Flores da Cunha Bier-
renbach, Maria Regina Pasquale, Mario de Passos Simas, Nélio Roberto
Seidl Machado, Nilo Batista, Pedro Eurico de Barros e Silva, René Ariel
Dotti, Tales Castelo Branco, Técio Lins e Silva e Virgilio Egydio Lopes Enei.
Além deles, Rosa Maria Cardoso teve papel fundamental nesse
período, mas, em virtude de seu trabalho como membro da Comissão
Nacional da Verdade, não pôde gravar entrevista. Ademais, não podería-
mos deixar de registrar a importância para essa luta de alguns advogados
que já faleceram: Aldo Lins e Silva, Antônio Evaristo de Moraes Filho,
Augusto Sussekind de Moraes Rego, Bento Rubião, Eloar Guazzelli, Heleno
Cláudio Fragoso, Hélio Henrique Pereira Navarro, Heráclito Fontoura Sobral
Pinto, Lino Machado, Lysaneas Maciel, Mércia Albuquerque Ferreira,
Miguel Aldrovando Aith, Osvaldo Mendonça, Paulo Cavalcanti, Paulo
Goldrajch, Raimundo Pascoal Barbosa, Raul Lins e Silva, Ronilda Maria
Lima Noblat, Vivaldo Vasconcelos e Wanda Rita Othon Sidou.
Através das entrevistas, ficou claro que esse grupo pequeno de
advogados ia além dos instrumentos legais para, em última análise, salvar
vidas: utilizaram muita criatividade e persistência em suas defesas. Sem
receber honorários na maioria dos casos, eles eram movidos por senso de
justiça e pela vontade de salvar pessoas que nem conheciam. Portanto,
esses jovens advogados, que tinham na época entre 25 e 35 anos, têm
muito a nos ensinar. As suas lições devem servir de exemplo para a socie-
dade brasileira como um todo, e em especial àqueles que já nasceram
num país democrático, a fim de que saibam sobre o nosso passado e vigiem
o nosso futuro.
I DA ADVOCACIA À RESISTÊNCIA: OS ADVOGADOS
NO CONTEXTO DA OPOSIÇÃO À DITADURA
MILITAR
Os advogados, como classe, não se opuseram, de início e por
princípio, à derrubada de João Goulart e à ascensão dos militares ao po-
der, considerando a posição de seu órgão máximo de representação na-
cional. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, uma
semana após o Golpe, fez constar em ata de sua sessão deliberativa uma
nota de regozijo à manobra militar, saudando-a como a erradicação do
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 33
“mal das conjunturas comuno-sindicalistas”, que permitiria a sobrevivên-
cia da Nação Brasileira “sob a égide intocável do Estado de Direito” 2.
Como muitos outros grupos sociais, a reação da OAB Federal foi de
muita cautela, com viés de otimismo, diante das incertezas políticas das
mudanças de então.
A contaminação da classe com o espírito da luta pela redemo-
cratização, a ponto de levar a OAB definitivamente para as trincheiras da
oposição ao regime militar, viria com mais força a partir da fase de recru-
descimento político, na era Costa e Silva. Vindo o AI-5 e sobretudo as
ondas de violência estatal contra a imprensa e os próprios advogados, a
OAB passou a adotar um tom de contraponto mais forte às iniciativas do
regime. Viu-se que a violência dos primeiros meses do governo militar
não era passageira, como muitos esperavam; ao contrário, seu viés era de
alta, como também se perdia de vista a perspectiva de sua duração, nos
ecos da retórica governista da “revolução permanente que legitima a si
mesma” – e que se permitia utilizar da força necessária para seguir em
seu “intento transformador”. Quando Raimundo Faoro tornou-se presi-
dente do Conselho Federal da OAB, em 1977, o órgão contaminou-se de
vez com o espírito da oposição e tornou-se um importante ator na luta
pela redemocratização, aliado a outras organizações da sociedade civil.
Embora em cenários regionais a postura dos órgãos de classe dos advo-
gados possa ter sido diferente3, foi lenta a tomada de posição política
antirregime no nível federal.
Que fatores levaram a essa mudança de postura, da saudação à
espreita cautelosa, daí aos protestos pontuais, e por fim à oposição políti-
ca? As entrevistas e fontes pesquisadas sugerem tratar-se de verdadeiro
movimento bottom up: uma posição política construída a partir do posi-
cionamento de advogados e advogadas que, a cada dia, sentiam-se mais
limitados nas suas possibilidades de atuação profissional. Daí veio a to-
mada de posicionamento de suas entidades de classe em defesa de suas
prerrogativas, muitas vezes a pedido desses advogados que, no dia a dia
dos foros e Auditorias Militares eram diminuídos ou obstaculizados no
exercício de sua profissão, quando não desrespeitados e até violentados.
Advogados e advogadas que fizeram frente à ditadura envolve-
ram-se nesse processo, em sua maior parte, como se envolvem em muitos
 
2 ORDEM dos Advogados do Brasil. Ata da 1115a sessão. 07/04/1964.
3 Alguns entrevistados revelam que, em seus respectivos estados, a posição das seções
estaduais da Ordem dos Advogados teria sido de oposição desde o princípio. Tais
assertivas sugerem possibilidades de variações locais na posição classista dos advoga-
dos, que teriam de ser investigadas documentalmente a fim de se verificar sua veraci-
dade histórica.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)34
outros: a partir de seus clientes e dos casos nos quais se envolvem profis-
sionalmente. Advogados, especialmente os de atuação criminal, repre-
sentam pessoas que estão em apuros perante as autoridades estatais, e os
opositores políticos do regime, do começo ao fim da ditadura militar,
viram-se nessa condição perenemente. Havia, é claro, razões de ordem
moral que os levavam a aceitar tais defesas, muitas vezes mal vistas por
outros colegas de profissão, mas tais razões eram variáveis: uns poucos
viam-se como “causídicos orgânicos”, ou seja, militantes da oposição que
ajudavam à causa como podiam, e o podiam advogando; mas as entre-
vistas mostram que a maioria, embora julgando-se do lado certo da cisão
política da época, tinha absoluta clareza de seus deveres éticos e profissio-
nais em cada defesa de perseguido político, porque eram, afinal, advoga-
dos, não militantes – ao menos enquanto estivessem atuando na defesa de
um constituinte seu. Assim, nem se misturavam na prática de ilegalidades
cometidas por seus clientes – embora os defendessem intensamente con-
tra a responsabilização por esses mesmos atos –, nem tampouco usavam
de sua condição de relativa superioridade técnica em face de seus consti-
tuintes para praticar proselitismo jurídico. Quisesse o acusado expressar
suas convicções subversivas perante o juiz da Auditoria Militar, indican-
do por profissão “revolucionário”4, que o fizesse. O advogado estava ali
para aconselhá-lo quanto às consequências de sua decisão, e não para
impedi-lo de agir segundo suas convicções. Mesmo em processos de na-
tureza política, seguiam sendo apenas advogados, enfim.
Se hoje se fala muito de judicialização da política, pode-se dizer
que, nos anos do regime militar, o movimento contrário ocorreu: a politi-
zação da justiça. Qualquer ordem política que venha em substituição a
uma ordem anterior, especialmente num contexto de ruptura institucional
– e não de uma transição negociada, como a que levou à Constituição de
1988 – precisa construir sua legitimidade. Isso se faz tanto pela vincula-
ção do novo regime à proteção e promoção de valores substantivos de
alto apreço social, como a ditadura militar procurou fazer ao retratar-se
como defensora de nossas tradições cívicas e paladina do combate à cor-
rupção que ela só fez aumentar, como também pelo controle dos aparatos
de poder político daquela sociedade, representados sobretudo pela buro-
cracia estatal, que responde pelo coração e sistema sanguíneo do sistema
jurídico: do Estado e seus órgãos o direito nasce, e por eles se espalha, se
aplica e se faz valer. Quem controlao regular funcionamento da burocra-
 
4 Episódios nesse sentido são relatados, entre outros, nos depoimentos de Idibal Pivetta,
Nélio Machado, Maria Regina Pasquale e Belisário dos Santos Junior. A auto-
qualificação de revolucionário foi feita pelo então estudante Carlos Zarattini, à época
defendido por Idibal Pivetta.
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 35
cia estatal – os órgãos criadores e aplicadores do direito – consegue im-
por seu plano político com ares de normalidade, o que é, por si só, um
fator de sua legitimação; e como Raoul Van Caenegem diz, com simpli-
cidade e precisão, “quem controla o direito controla a sociedade” 5. Por
essa razão os militares avançaram, desde os primórdios do regime, não só
sobre o Legislativo, mas também sobre o Judiciário. Por essa razão, ne-
cessitaram sempre de bons juristas para fundamentar juridicamente seus
atos de ditadura, pois por mais incompatíveis que fossem com o Estado
de Direito e a ordem constitucional vigente6; e também por isso procura-
vam dar roupagem institucional às normas e órgãos de repressão, regula-
mentando e burocratizando a perseguição política.
Ao fazê-lo, porém, os militares sujeitavam a análise de seus atos
à racionalidade jurídica, produto de uma cultura própria e razoavelmente
hermética que muitas vezes impôs revezes imprevistos ao governo. Basta
lembrar-se da consistente atuação do STF, nos primeiros meses do gover-
no militar, no sentido de impedir que os civis acusados de subversão fos-
sem processados perante a Justiça Militar, que pela Constituição então
vigente (1946) guardava competência apenas para casos de segurança
externa, e não interna (art. 108, § 1o). Com base nesse dispositivo, o STF
concedeu ordem de habeas corpus a um professor de Ciências Sociais do
Rio de Janeiro, ainda em 19647. Em 1965, retirou outro pedaço da pre-
tendida competência da Justiça Militar, no célebre caso Miguel Arraes,
pela aplicação de dois princípios de direito processual que, para os juris-
 
5 CAENEGEM, Raoul van. Juízes, legisladores e Professores. Rio de Janeiro: Campus
Elsevier, 2010. p. 1-46.
6 Três exemplos ilustrativos: Francisco Campos e a defesa do Ato Institucional de 9 de
Abril de 1964 (em BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da
história do Brasil, v. 7, p. 485); Carlos Medeiros Silva e a sustentação da constitu-
cionalidade dos atos institucionais (“A Constituição e os Atos Institucionais”, Revista
de Direito Administrativo, v. 121, p. 469-475, jul.-set. 1975; e “Atos Institucionais e
Atos Complementares”, Revista de Direito Administrativo, v. 95, p. 282-289, jan.-
mar. 1969); e Hely Lopes Meirelles e a justificação jurídica do AI-5, publicada dias
após a publicação do ato (“Natureza e conteúdo do Ato Institucional 5”, Revista dos
Tribunais, v. 57, n. 398, p. 419-423, 1968.
7 STF, HC 40.974, Rel. Min. Antonio Villas Boas, j. em 01.10.1964. A postura do STF
foi uma das razões pelas quais os militares viram-se obrigados, no AI-2, a mudar for-
malmente a competência da Justiça Militar, que a partir de então passou a incluir os
crimes contra a segurança nacional, e não mais externa. No plano doutrinário-jurídico,
a necessidade de caracterizar atos pontuais como conectados a contextos mais amplos
de “guerra subversiva”, e portanto ofensivos à segurança nacional, fez surgir a doutri-
na da “segurança integral”, ao qual a Biblioteca Jurídica do Exército dedicou uma
monografia: PESSOA, Mário. Direito da Segurança Nacional. São Paulo: RT, 1971.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)36
tas, são comezinhos. Primeiro: a regra de determinação da competência
processual pela função do acusado (ratione personae) prevalece sobre
aquela que estabelece competência por matéria (ratione materiae), de
forma que mesmo nos crimes militares, o foro por prerrogativa de função
(“foro privilegiado”) deve ser observado. Segundo: a instrução criminal,
isto é, a fase de produção de provas e apuração da responsabilidade do
acusado, estando preso o réu, não pode se prolongar excessivamente, pois
o princípio do devido processo legal compreende um direito à duração
razoável do processo. Miguel Arraes estava preso há um ano e 18 dias
quando o STF mandou soltá-lo8.
A decisão do STF, relatada pelo Ministro Evandro Lins e Silva,
que seria cassado na esteira do AI-5, foi deliberadamente desobedecida
pelos militares, gerando enorme atrito entre o Tribunal e o Executivo.
Pouco tempo depois, outro membro da oposição pernambucana, o depu-
tado comunista Francisco Julião, foi solto pelo Tribunal, que reformou
decisão anterior do Superior Tribunal Militar que negara seu pedido de
liberdade9. A crise dos HCs levou a rusgas entre militares de alta patente
e o presidente do STF, Álvaro Ribeiro da Costa, udenista até então visto
como simpático ao movimento militar10. Ribeiro da Costa disse que os
militares precisavam entender que, num regime democrático, as Forças
Armadas não eram mentoras da nação; Costa e Silva, então Ministro da
Guerra de Castello Branco, retrucou: “o Exército não tem chefe. Não
precisa de lições do STF”11.
Como era possível que os advogados pudessem usar do sistema
jurídico se os militares se pretendiam acima ou à margem do STF, e por
conseguinte de todo o sistema de justiça? Para entendê-lo, é preciso ter
em mente que a lógica da imunidade militar, externada por Costa e Silva,
concorria, dentro das Forças Armadas, com outra visão que se pode cha-
mar de legalista. A visão de Costa e Silva engendrou e alimentou a “ti-
grada”, apelido com o qual Delfim Netto12 designava aqueles que, nos
porões ou nas ruas, agiam como caçadores de subversivos e contavam
com a impunidade de suas ações, confiando-se acima da lei e entendendo
que não deviam obediência a códigos ou a juízes. A banda legalista, por
 
8 STF, HC 42.108, Rel. Min Evando Lins e Silva, j. em 19.04.1965.
9 STF, HC 42.560, Rel. Min. Evandro Lins e Silva (p/o acórdão), j. em 27.09.1965.
10 Para a posição de Ribeiro da Costa e um relato do episódio, v. SILVA, Evandro Lins.
Salão dos passos perdidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira / FGV, 1997. p. 381 e ss.
11 Sobre a contenda entre militares e STF, v. GASPARI, Elio. A Ditadura Envergo-
nhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. p. 271.
12 GASPARI, op. cit., p. 345,
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 37
sua vez, tendia a um acatamento maior a regras, normas e procedimentos,
o que se explica facilmente na mentalidade militar: regras são a base da
hierarquia e da autoridade, elementos constitutivos da estrutural institu-
cional das Forças Armadas13. O ethos usual de um militar é o de respeito
às regras, e não o de seu contorno ou violação.
Justamente porque na lógica oposta valia a força, e não o direito,
os órgãos encarregados da burocracia jurisdicional militar tornaram-se,
como disse José Carlos Dias em sua entrevista, uma espécie de “enterro
de luxo” dos legalistas de alta patente quando a “linha dura” esteve no
controle do governo. Quem crê na força, mas despreza as normas, quer
comandar tropas e não enfrentar a papelada do STM, mesmo com o status
de Ministro. Daí resultou que a Justiça Militar, a mais longa justiça em
funcionamento na história brasileira, teve seu órgão de cúpula em boa
parte preenchido por generais de mentalidade considerada liberal por
alguns entrevistados, embora não por isso progressistas. Ainda que a
historiografia mais recente tenha desmentido a tese de que o STM tenha
sido complacente com acusados de crimes políticos14, os depoimentos de
muitos entrevistados revelam que, embora a Justiça Militar fosse excessi-
vamente comprometida com o regime, ela era palco muitas vezes mais
digno para o exercício da advocacia doque a Justiça Comum: o advogado
era recebido adequadamente, não se lhe cassava a palavra e, não rara-
mente, saía-se vitorioso quando fosse tecnicamente o caso em face das
leis repressivas da época – leis injustas podem ser aplicadas com justiça,
lembremo-nos15.
Segundo muitos advogados e advogadas entrevistados, tais vitó-
rias eram muitas vezes mais fáceis de conseguir na Justiça Militar do que
na Justiça Comum16. Como exemplo, José Carlos Dias cita que preparou
 
13 Sobre a relação entre militares, autoridade e sistema jurídico, remetemos ao depoi-
mento de Flávio Bierrenbach, que além de uma pequena atuação como advogado de
perseguidos políticos nos meses seguintes ao Golpe de 1964, foi indicado, no governo
de Fernando Henrique Cardoso, a Ministro do Superior Tribunal Militar. Confira-se
também sua obra Dois séculos de justiça. São Paulo: Lettera.doc, 2010.
14 Cf. MOREIRA, Angela Domingues. Ditaduta e Justiça Militar no Brasil: a atuação
do Superior Tribunal Militar (1964-1980). Tese (Doutorado) – CPDOC/FGV. Rio de
Janeiro, 2011.
15 HART, Herbert L. A. The concept of law. Oxford: OUP, 1994. p. 160.
16 Ao comparar julgamentos políticos no Brasil, Argentina e Chile, Anthony Pereira con-
clui que somente no Brasil os advogados de presos políticos foram capazes de alterar
significativamente interpretações sobre as leis de segurança nacional. PEREIRA. Op.
cit., p. 12. Ademais, o autor ressalta o índice relativamente alto de absolvição desses
julgamentos nos tribunais militares: 54%, de acordo com a sua amostra, e 48%, se-
gundo outra fonte. Ibid., p. 77.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)38
uma representação ao STM quando soube que Idibal Pivetta havia sido
preso. Nessa representação, ele dava ciência sobre a prisão e ressaltava
que seu único motivo era o de que Idibal era advogado de preso político.
Sem protocolar a representação, José Carlos Dias pediu a palavra assim
que o presidente do STM abriu a sessão e, embora não estivesse inscrito,
teve o aval para fazer a sustentação e, no final, lhe foi concedida a per-
missão para protocolar a representação. Muito menos laudatório foi o
retrato pintado, nas entrevistas, da principal autoridade civil com quem
tinham de lidar, o promotor de Justiça Militar, especialmente no caso dos
entrevistados paulistas.
A impossibilidade de uma relação, mesmo que burocrática e
profissional, entre advogados e o sistema de justiça da época da ditadura
vai se tornando mais aguda à medida que crescem as tentativas de interfe-
rência do governo não só sobre as leis e a justiça, mas sobre os próprios
advogados e seus meios de profissão. O fechamento do cerco à imprensa
constituiu uma importante peça desse quebra-cabeças. Embora houvesse
escolas de jornalismo em funcionamento desde a década de 1940 no
Brasil, foi apenas nas décadas de 1960 e 1970 que o número de escolas
aumentou expressivamente. Isso significa que durante a maior parte do
regime militar, a classe dos jornalistas, assim também a dos escritores de
livros e peças – os profissionais do texto escrito em geral, enfim – era em
grande parte formada de bacharéis em direito, muitos dos quais também
advogados. Os que não eram advogados eram colegas de faculdade de
advogados. Havia, portanto, intensa relação profissional e pessoal entre a
classe dos advogados e a classe dos jornalistas. O recrudescimento e a
generalização da repressão à imprensa eram, portanto, interferência direta
sobre as possibilidades profissionais e materiais de personagens egressos
do mundo jurídico, ou co-habitantes dos mundos do direito e das letras.
Por aí se entende o porquê de a OAB, sempre primeiramente ocupada
com a defesa dos advogados, ter tomado posição institucional aguerrida
contra as investidas do governo em face da imprensa.
Os primeiros estranhamentos mostrados pela OAB diante da
ditadura foram classistas: ainda em 1964, o Conselho Federal da institui-
ção decidiu que seus filiados, cujos direitos políticos haviam sido cassa-
dos pelo governo militar, não estavam impedidos de exercer a profissão17.
A leva de prisões de advogados e advogadas a partir de 1968 e a postura
da OAB em repreensão a essas medidas, protestando publicamente, alian-
do-se a outras instituições de representação – como a Associação Brasi-
 
17 ORDEM dos Advogados do Brasil. História do Conselho Federal. Disponível em:
<http://www.oab.org.br/historiaoab/estado_excecao.htm>. Acesso em: 01 ago. 2013.
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 39
leira de Imprensa – e promovendo desagravos públicos de seus filiados
ofendidos nas suas prerrogativas profissionais, também levou a engaja-
mentos maiores da instituição contra o regime. Aqui, eram sobretudo os
advogados criminalistas as maiores vítimas dos atos de repressão ao re-
gime militar, muitos dos quais entrevistados neste livro. Alguns desses
mesmos advogados, em outras oportunidades, foram os profissionais
designados pelas seccionais estaduais da OAB para atuar em favor de
outros colegas presos. Seus depoimentos mostram bem o sentido que
tinha essa luta: combater o regime por convicções políticas torna-se uma
realidade só muito adiante na ditadura; em seus primeiros anos, a luta era
sobretudo defensiva, buscando proteger a integridade dos advogados e as
possibilidades de sua atuação profissional.
A legislação repressiva, ao impedir a utilização de habeas cor-
pus ou o acesso do advogado a seu cliente, estrangulava não só a oposi-
ção do regime, mas a própria profissão do advogado criminalista. O
mesmo vale para invasão de escritórios ou interceptações de telefones
comerciais e residenciais de advogados, relatadas por muitos dos entre-
vistados. Na medida em que o advogado colocava-se em defesa do acu-
sado de subversão política, oferecia-se como obstáculo à meta governista
de total desarticulação da oposição civil e política ao regime. Era neces-
sário enfraquecer a defesa para atingir o perseguido que ela defendia. Por
essa lógica, advogados e advogadas sofreram violências variadas, de pri-
sões curtas a torturas físicas, narradas nas páginas deste livro por quem as
viveu.
É curioso notar, e as entrevistas o mostram bem, as diferenças
de violência sofridas regionalmente, o que permite traçar hipóteses sobre
as variações regionais da repressão aos advogados. O Rio de Janeiro tinha
uma geração de advogados gabaritados na defesa de acusados políticos,
por força da experiência do Tribunal de Segurança Nacional. Embora
também ali tenha havido violências praticadas contra advogados, com
prisões e invasões a escritórios, esta parece ter ocorrido de forma distinta
em São Paulo, onde a maior parte dos defensores era composta por jovens
recém-formados. Ao menos dois entrevistados paulistas relataram ter
sofrido espancamentos e choques em seus interrogatórios policiais, o que
não apareceu em depoimentos de outras localidades. De toda sorte, o
fenômeno de repressão a advogados e advogadas defensores de acusados
políticos foi nacional e muito duro. Nesse cenário adverso, eram necessá-
rias estratégias criativas, além de coragem, para dar cumprimento à mis-
são confiada em procuração: defender, por todos os meios legais, os me-
lhores interesses de seus clientes.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)40
II DO LIMÃO À LIMONADA: AS ESTRATÉGIAS DE
DEFESA EM MEIO À LEGISLAÇÃO REPRESSIVA
De acordo com o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro
(GTNM-RJ), 1971 a 1973 foi o período com o maior número de desapa-
recidos durante a ditadura militar18. Do total de 125 desaparecidos, 98
desapareceram durante esses anos19. Esse dado coincide com o período de
maior repressão política, que ocorreu de 1969 a 1973, logo após a edição
do AI-5.
O AI-5, de 13 de dezembro de 1968, extinguiu o habeas corpuspara crimes políticos, crimes contra a segurança nacional, a ordem eco-
nômica e social e a economia popular20. Com ele teve início um período
na história do país em que os civis, que foram presos por supostamente
terem cometido esses tipos de crimes, não tinham mais a garantia consti-
tucional contra o constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção.
De acordo com artigo do Jornal do Brasil de 1971, a repressão era um
corolário da violência “terrorista”: tratava-se do preço que precisávamos
pagar para que pudesse haver “evolução para a paz”21.
A situação tornou-se ainda mais grave com a adoção, em março
de 1969, do Decreto-Lei 510/69, que alterou alguns dispositivos da Lei de
Segurança Nacional (Decreto-Lei 314/67). Dentre as alterações, desta-
que-se a possibilidade do indiciado ser mantido até dez dias incomunicá-
vel pelo encarregado do inquérito22. Ademais, o Decreto-Lei 510 au-
 
18 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso (Orgs.).
Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará, 1994. p. 28.
19 Idem.
20 Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. “Art. 10 - Fica suspensa a garan-
tia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a
ordem econômica e social e a economia popular”.
21 Limites da repressão. Jornal do Brasil. 14.01.1971 apud PEREIRA, Anthony. Op.
cit., p. 72.
22 Decreto-Lei 510, de 20 de março de 1969. O art. 47 passa a ter a seguinte redação:
“Art. 47. Durante as investigações policiais, o indiciado poderá ser preso, pelo En-
carregado do Inquérito, até trinta (30) dias, comunicando-se a prisão à autoridade
judiciária competente. Esse prazo poderá ser prorrogado uma vez, mediante solicita-
ção fundamentada do Encarregado do Inquérito à autoridade que o nomeou. § 1º O
Encarregado do Inquérito poderá manter incomunicável o indiciado até dez (10)
dias, desde que a medida se torne necessária às averiguações policiais militares”.
(grifou-se) De forma contrária, o Estatuto da OAB (Lei 4.215/63) previa o direito do
advogado de se comunicar com o seu cliente: “Art. 89. São direitos do advogado:
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 41
mentou as penas de alguns crimes, como o crime de formação ou manu-
tenção de associação que seja prejudicial à segurança nacional. É também
em 1969, com a edição do AI-14, que a pena de morte passou a poder ser
aplicada em casos de guerra “subversiva ou revolucionária”23.
É importante ressaltar que a partir de 1965, com a edição do
AI-224, os civis que haviam supostamente cometidos crimes contra a se-
gurança nacional passaram a ser julgados pela Justiça Militar. Em março
de 1967, com a adoção do Decreto-Lei 314, a segurança nacional passou
a compreender a segurança interna e externa25. Sendo assim, qualquer
ameaça interna à segurança nacional passou a ser julgada pela Justiça
Militar, que antes só poderia julgar civis pela prática de crimes contra a
segurança externa.
 
(…) III – comunicar-se, pessoal e reservadamente, com os seus clientes, ainda quan-
do estes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil ou militar, mesmo inco-
municáveis;”.
23 O AI-14 dá nova redação ao § 11, art. 150, da Constituição de 1967, que passou a
vigorar com a seguinte redação (o art. 150 trata dos direitos e garantias individuais):
“Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) § 11 - Não haverá pena de morte, de prisão
perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica
adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta dis-
porá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso
de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração
Pública, Direta ou Indireta”. (grifou-se)
24 O AI-2 alterou o § 1o, do art. 108, da Constituição de 1946, que passou a vigorar com
a seguinte redação: “Art. 108. A Justiça Militar compete processar e julgar, nos cri-
mes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são, assemelhadas. §
1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para
repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares” (gri-
fou-se). A redação antiga fazia alusão a crimes contra a segurança externa.
25 Decreto-Lei 314, de 13 de março de 1967. “Art. 3º. A segurança nacional compreen-
de, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa e inter-
na, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra re-
volucionária ou subversiva. § 1º A segurança interna, integrada na segurança nacio-
nal, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou
natureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país. § 2º A
guerra psicológica adversa é o emprego da propaganda, da contrapropaganda e de
ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a finalidade de in-
fluenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos es-
trangeiros, inimigos, neutros ou amigos, contra a consecução dos objetivos nacio-
nais. § 3º A guerra revolucionária é o conflito interno, geralmente inspirado em uma
ideologia ou auxiliado do exterior, que visa à conquista subversiva do poder pelo
controle progressivo da Nação”.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)42
Em setembro de 1969 entrou em vigor a nova Lei de Segurança
Nacional, Decreto-Lei 898/69. Essa lei manteve os dispositivos das leis
anteriores e aumentou as penas de determinados crimes, como assalto ou
roubo a bancos: a pena, que antes era de 2 a 6 anos, passou a ser de 10 a
24 anos. Se deste ato resultasse morte, a pena mínima seria de prisão
perpétua e a máxima, pena de morte26. Trata-se da Lei de Segurança Na-
cional que ficou mais tempo em vigor durante a ditadura militar, de se-
tembro de 1969 a dezembro de 1978, quando foi editada uma lei mais
branda (Lei 6.620/ 78).
Assim, durante dez anos27, os advogados defenderam presos
políticos sem poder utilizar legalmente o habeas corpus nos casos de
constrangimento ilegal, pois inexistia mecanismo legal para libertar a
pessoa que estivesse sofrendo constrangimento. Contudo, o habeas cor-
pus foi extremamente importante nos casos de desaparecidos políticos.
Apesar de extinto formalmente, alguns advogados e advogadas entrevis-
tados afirmaram que o habeas corpus continuava a ser utilizado, com o
próprio nome ou sob a denominação de “petição”. Outros ressaltam a
substituição do habeas corpus pelo recurso em sentido estrito, conforme
será visto a seguir.
Especificamente em relação ao habeas corpus, esse foi utilizado
com o principal objetivo de evitar a morte da pessoa desaparecida. Isso
porque, apesar de saberem que o habeas corpus não seria conhecido, a
sua impetração demonstrava que eles estavam cientes do desapareci-
mento de determinada pessoa e, assim, evitava ou reduzia muito a possi-
bilidade de que ela fosse morta. Ademais, o habeas corpus também per-
mitia em muitos casos a localização do preso. A localização dificultava o
assassinato do preso, pois a autoridade competente, que já era identifica-
da, teria que dar explicações sobre a morte. O habeas corpus foi, assim,
fundamental em vários casos para salvar vidas.
Segundo Dyrce Drach, o habeas corpus era o mecanismo exis-
tente para os militares saberem que aquela pessoa já tinha uma advoga-
da e que ela estava acompanhando o desenrolar da situação. Contudo, o
habeas corpus nãoservia para localizar o preso. Para isso, Dyrce lem-
 
26 Decreto-Lei 898, de 29 de setembro de 1969. “Art. 27. Assaltar, roubar ou depredar
estabelecimento de crédito ou financiamento, qualquer que seja a sua motivação:
Pena: reclusão, de 10 a 24 anos. Parágrafo único. Se, da prática do ato, resultar
morte: Pena: prisão perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo”.
27 A emenda constitucional n. 11, promulgada por Geisel em 13 de outubro de 1978,
suspendeu os Atos Institucionais. Essa emenda entrou em vigor em 1o de janeiro de
1979, tendo como uma das medidas a volta do habeas corpus.
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 43
bra que era necessária a ida de quartel em quartel procurando os desapa-
recidos.
Já George Tavares ressalta que o habeas corpus era utilizado
estrategicamente para encontrar o preso e saber se a prisão era por motivo
político. Apesar de o habeas corpus ter sido julgado prejudicado, eles
acabavam localizando o preso. Nessa linha, Nélio Machado lembra que
eles impetravam habeas corpus pois não era possível saber de antemão se
a pessoa era preso político ou não. Assim, comunicava-se o desapareci-
mento a fim de obter informação sobre seu paradeiro.
Fernando Fragoso ressalta que o habeas corpus era utilizado
nesse período para saber se uma pessoa estava ou não presa. Como era
comum que o investigador não comunicasse a prisão do preso, Fernando
lembra que impetrava o habeas corpus apontando todas as autoridades
militares da região como possíveis carcereiros. Essa estratégia fez com
que, em muitos casos, os militares do I Exército, do Comando da Marinha
ou da Aeronáutica fossem forçados a dizer se aquela pessoa estava detida
em suas instalações. Trata-se, nas palavras de Antônio Carlos Barandier,
de uso político do habeas corpus: “o Tribunal solicitava informações e,
assim, agentes da repressão prestavam os esclarecimentos e os advogados
localizavam o preso”.
Nesse sentido, Nilo Batista lembra que indicava no habeas corpus
o CENIMAR, o CISA, o DOI-CODI e o DOPS como autoridades coauto-
ras. Para ele, o habeas corpus, nesse período, “se converteu num macabro
teste de sobrevivência dos presos”, pois a resposta positiva significava
que a pessoa estava viva, ao passo que uma resposta negativa era um mau
sinal – a pessoa poderia já estar morta.
Manuel de Jesus Soares afirma que o habeas corpus era um
“improviso”. Como não havia mecanismo legal para encontrar o preso, o
habeas corpus acabava cumprindo esse papel, pressionando o STM a
adotar uma postura mais “enérgica”. Através dele, quebrava-se a incomu-
nicabilidade do preso, permitindo, assim, a adoção de outras medidas
legais para visitar e entrevistar o preso.
Modesto da Silveira ressalta que quando o advogado tinha um
dado objetivo e concreto, o habeas corpus poderia ser suficiente. Contu-
do, ele optava por adotar uma estratégia “intermediária”: ele ia ao respon-
sável pela prisão e dizia que certa pessoa estava presa naquele local. Em
muitas vezes, essa informação chegava a ele porque os presos gravavam
nas celas seus codinomes. Modesto, assim, ao perguntar a outros presos
por pessoas desaparecidas através de seus codinomes, conseguiu algumas
vezes saber por onde seus clientes haviam passado.
Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (Coords.)44
O habeas corpus também permitia a divulgação internacional
das prisões. Humberto Jansen Machado conta que já conseguiu noticiar
internacionalmente algumas prisões. Ele lembra que tinha diversos car-
tões de correspondentes de jornais estrangeiros e, assim, logo após a lo-
calização do preso, noticiava as prisões para jornais externos, incluindo o
New York Times e o Le Monde.
Outra estratégia utilizada pelos advogados era impetrar um ha-
beas corpus simplesmente com o nome de “petição”. Técio Lins e Silva
lembra que eles inventaram “um habeas corpus sem nome”. Ao ser ques-
tionado pela funcionária do protocolo, Técio dizia que estava protocolan-
do uma “petição”. Como ela afirmava que a petição precisava ter nome,
ele pedia para colocar “Petição n. 1”. A petição, dirigida ao presidente do
STM, comunicava a prisão ilegal de uma pessoa e solicitava informação.
Em seguida, o juiz indeferia alegando que o habeas corpus havia sido
extinto. Técio então solicitava informação sobre o desaparecido e geral-
mente voltava-se com a notícia de que a pessoa estava presa por ser peri-
gosa. A partir daí ela não seria mais morta, ou se fosse, o corpo teria que
aparecer. A péssima notícia era quando Exército, Marinha e Aeronáutica
diziam que o preso não estava com eles.
De acordo com Mario Simas, o advogado tinha que ser criativo.
Era o que ele denominava de advocacia-arte. A “petição”, que comuni-
cava a prisão de uma pessoa, era dirigida ao presidente do STM. Ao rece-
bê-la, ele oficiava ao comando do I Exército (prisão ocorrida no Rio de
Janeiro) ou II Exército (prisão ocorrida em São Paulo). O comandante
enviava uma resposta, dizendo se a pessoa estava ou não presa lá. A res-
posta negativa era um problema, pois poderia significar que a pessoa já
estava morta. Já a resposta positiva oficializava a prisão, tornando mais
difícil que algo mais grave ocorresse com a pessoa. Assim, o objetivo da
petição era alcançado através da legalização da prisão. A partir de então,
tanto os familiares quanto os advogados poderiam visitar o preso. A
identificação e a localização do preso diminuíam os riscos da tortura. No
mesmo sentido, Belisário dos Santos Júnior lembra que os advogados
comunicavam a prisão de seu cliente ao presidente do STM, mas através
da chamada “representação”.
Boris Trindade, por sua vez, conta que impetrava habeas corpus
na Justiça Comum inventando que seu cliente estava preso ilegalmente na
Secretaria de Segurança Pública por ter cometido determinado crime e
pedia informação. Em seguida, o delegado voltava com a informação,
dizendo que a pessoa estava presa no DOPS, por exemplo. Embora tam-
Advocacia em Tempos Difíceis: Ditadura Militar 1964-1985 45
bém não prevista em lei, essa era a estratégia que utilizava para encontrar
o preso.
René Ariel Dotti lembra que, de acordo com o caso, utiliza o
habeas corpus ou o direito de petição. Para ele, o direito de petição era
aludido pelos advogados contra o abuso de autoridade. Assim, outra pos-
sibilidade era, através da “petição”, solicitar a liberdade do preso, uma
vez que a prisão não cumpria os prazos estipulados em lei. Conforme
recorda Mario Simas, o juiz negava a ação dizendo que não havia habeas
corpus. Em seguida, o advogado entrava com um recurso no STM, mas o
juiz escrevia embaixo dizendo que sua decisão não comportava recurso
por falta de previsibilidade legal. Em seguida, o advogado entrava com
uma correição, alegando que o juiz havia cometido um erro ao julgar
improcedente a ação. Nesse caso, o Tribunal conhecia da correição e
mandava subir o recurso em sentido estrito ao STM, recurso esse contra a
decisão que denegou a liberdade. Tratava-se de um caminho difícil, mas
que às vezes permitia a soltura do preso.
 No mesmo sentido, José Carlos Dias conta que entregou uma
petição ao juiz auditor ao saber que um cliente havia sido removido da
prisão Tiradentes para o DOI-CODI. Como seu cliente já havia sido tor-
turado, a ideia de José Carlos Dias era transferir a responsabilidade para a
Auditoria caso algo acontecesse com ele. Como o juiz riscou a parte que
narrava que seu cliente havia sido torturado, o advogado entrou com uma
representação na OAB-SP e acabou sendo censurado por ter contado o
ocorrido.
Uma estratégia de Idibal Pivetta era entregar uma petição no
DOI-CODI da Rua Tutóia, em SP, onde afirmava que seu cliente havia
desaparecido e pedia providências. Apesar de ficarem bastante irritados,
os militares da guarita recebiam a petição. Em seguida, o oficial trazia um
ofício que

Outros materiais