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O Fundamento dos Interditos Possessórios - Jhering

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» 
eac-iitete 
I LEVI CARNEIRO 
O funflamento úos intemictos possessoiios 
© 
^ — Â 
OBRAS DO TRADUCTOR 
R h e t o r i c a e poética—Eio de Janeiro, 1884—Editor Seraphim Jose Alves. 
I n t r o d u c ç ã o à s p r e l e c ç õ e s d e D i r e i t o r o m a n o do Dr. Dutra 
Rodrigues—Rio—Typ. Industrial. 1887. 
A noiva (escorço de um romance naturalista)—S. Paulo, 1888. 
A p o e s i a e a a r t e s o b o ponto d e v i s ta philosophico—Eio— 
Typ. Leuzinger, 1891. 
T r e z e d e Maio , carta republicana endereçada ao Conselheiro João Alfredo 
Corrêa de Oliveira—Eio, 1889. 
O p o v o e o b a n q u e i r o , (paniphleto de propaganda socialista), 8 números 
Eio—Typ. MonfAlverne, 1892. 
E p h e m e r a s (poesias)—líamos de AJmcida &- C . editores- Maranhão, 1894. 
O n a t u r a l i s m o no Brazil—Julio Eamos & C, editores—Maranhão, 189-1. 
Q u e s t õ e s d e D i r e i t o civil , de R. vou Jhering—Laemmert & C. editores 
Eio de Janeiro—S. Paulo e Eecife, 1899. 
A n o v a p h a s e do Dire i to civil , de E. Cimbali—com um prefacio de 
Clovis Beviláqua—Francisco Alves, editor—Rio de Janeiro e 
S. Paulo, 1900. 
O fundamento dos interdictos possessorios, de E. vou Jhering, 
Laemmert & C, editores—Eio Janeiro—S. Paulo e Recife, 1900. 
A P U B L I C A R : 
A s g a r a n t i a s c o n s t i t u c i o n a e s , por Amancio Alcorta—traducçao da 2.1 
edição argentina, com annotaçoes referentes a Constituição e 
direito constitucional hra/.ileiro. e com um prefacio de Ruy 
Barbosa. 
A lei da r a z ã o no t h e a t r o , (estudo critico publicado em parte nas revistas 
Contemporânea, do Eecife, e Théâtral, de Lisboa. 
O Brazi l l i t terario, (2 volumes). 
Estudos jurídicos. 
Estudos de cri t ica l i t terar ia . 
C a r i a t i d e s , (contos e phantasias). 
A p o e s i a m o d e r n a e o s a c t u a e s p o e t a s b r a z i l e i r o s , estudo cri-
tico publicado em parte no jornal fluminense Novidades em 1888. 
•ses* 
RUDOLF VON J H E R I N G 
O FUNDAMENTO 
COIVI UIVI APPENDICE CONTENDO 
O ESTUDO SOBRE O «CORPUS POSSESSIONS». DO AOCTOR, E UMA 
CHITICA DA THEOBIA POSSESSOK1A DO MESMO, PELO DE. JOSEPH DUQUESXE 
TRADUCCÃO DEVIDAMENTE AUTORIZADA 
yídherbal ôe Carvalho 
ADVOGADO HOS AUDITÓRIOS DA CAPITAL FEDERAL 
R I O D E J A N E I R O 
L A E M M E R T & C. — E D I T O R E S 
66, Rua do Ouvidor-, 66 
CASAS MI.IAES EM S. PAULO E BRCIFK 
I 9 O O 
■ 
(f ^ 
4 
C O : Ú ? A : I H I A T Y F C G R A F H I C A ZZ S R A Z I L 
fos preclaros mestres e amigos 
Clovis ^euilaqua 
f[ffonso Celso 
c 
Jsidoro Jv(aríins j-unior 
Dedica 
O Traducior 
INTRODUCÇÃO 
Nenhuma monographia sobre o direito romano des-
pertou tanta admiração e applausos, e tanta opposição 
e doestos como a de SAVIGSY sobre a posse e, a meu 
ver, com toda a razão. 
SAVIGNÍ terá eternamente a gloria de haver res-
taurado na dogmática do direito civil o espirito da 
jurisprudência romana} e qualquer que seja definiti-
vamente o resultado pratico que delle se obtenha, seu 
mérito incontestável não soffrerá detrimento algum. 
Todavia o conhecimento desse mérito não deve e 
nem pôde impedir a sciencia de submetter as opi-
niões de SAVIGNY a um novo exame, e nem mesmo 
reprimir na critica o anathema lançado por PÜCHTA 
num momento de máo humor e despeito produzido pela 
torrente avassalladora da litteratura possessona, contra 
qualquer duvida que se intentasse suscitar; a expe-
riência demonstrou-o e demonstral-o-á sempre. 
Effectivamente a obra de Savigny, mais do que 
qualquer outra, provoca a critica, não em seus deta-
lhes, mas nos fundamentos mesmos das opiniões, e seria, 
Vil I INTHODDCÇAO 
a meu vêr, um symptoina de agonia do sentimento e 
do espirito jurídicos, uma prova de decrepitude, se a 
bciencia. ante os enigmas que a theoria de SAVIGNY 
sobre a posse provocou, se desse por satisfeita. 
Desde o primeiro momento que pude formar um 
juizo scientifico independente, achei-me em desaccordo 
com esta theoria sobre pontos essenciaes. Não obstante, 
julguei não dever expressar em publico a minha opinião, 
se não depois de submettel-a a numerosas investigações. 
Pratiquei taes investigações em larga escala e, 
sem querer pretender que nisso se veja uma garantia 
objectiva da verdade, posso pelo menos garantir que 
nada omitti para conseguil-a. 
 primeira difficuldade que deparei na theoria 
possessoria de SAVIGNY, diz respeito a questão do 
animus âomini e já em 1848 expuz em minhas Kcções, 
o fundo da opinião que se acha desenvolvida no cap. 3.° 
Muitos outros pontos de divergência, occorre-
ram-me em seguida, particularmente na doutrina do 
constitutum possessorium e na questão do fundamento 
da protecçáo concedida á posse. 
Estes pontos foram objecto de estudos que se 
succederão na ordem seguinte: 
I Fundamento da protecçáo possessoria. 
II Natureza jurídica da posse. 
III O animus domini. 
IV O constitutum possessorium. 
CAPITULO I 
Vista de Conjunct*» 
Porque se protege a posse? Ninguém formula se-
melhante pergunta com relação á propriedade, porque, 
pois se a faz com a posse? E' porque a protecção dis-
pensada á posse tem, a primeira vista, algo de extra-
nha e contradictoria. Effecti vãmente a protecção da 
posse implica outrosim a protecção do salteador e do 
ladrão ; ora como é que o direito, que incrimina o 
assalto e o roubo pôde reconhecer e proteger seus 
fructos na pessoa de seus auctores ? Não será isso 
approvar e sustentar com uma mão o que com a 
outra persegue e repelle? 
Quando uma instituição existe ha muitos séculos, 
nenhum homem dotado de espirito imparcial pôde sub-
trahir-se a convicção de que ella se deve basear em 
motivos imperiosos e, de facto, a necessidade de prote-
ger a posse nunca soífreu uma contestação séria. Toda-
via, ainda se está muito longe de um accordo una-
nime sobre os motivos dessa protecção. 
Alguns auctores, especialmente os antigos, evitam 
completamente o problema ; conformam-se, como acon-
tece sempre, com o facto consummado. Mas se algum 
i 
2 O FUNDAMENTO DOS 1NTERD1CTOS POSSEStiORIOS 
facto existe que tenha necessidade de explicação sel-o-á 
este, sem duvida. Assim eomprehendeu-o SAVIGNY e por 
essa razão procurou explical-o. 
A sua solução, porém, não obstante o applauso 
que logo mereceu, não se conseguiu manter e innumeras 
tentativas fizeram-se para resolver a questão de outra 
maneira, e por minha vez. faço a tentativa de uma nova 
solução. 
O problema não é do domínio exclusivo da philo-
sophia ou da sciencia da legislação, como a primeira 
vista parece, pois que tem uma grande importância 
dogmática e espero demonstrar que a sua exacta solução 
é, não somente a primeira condição para a boa intelli-
gencia de toda a tbeoria possessoria, como também 
conduz a importantes resultados práticos. 
A circumstancia de que as soluções dadas até aqui 
a esta questão não foram reunidas em um apanhado 
geral e submettidas a uma critica rigorosa, obriga-me. 
antes de tudo, a emprehender essa tarefa. (1) 
Procurei classificar estas soluções, de modo análogo 
ãs theorias do direito penal, distinguindo assim as 
theorias absolutas e as theorias relativas. 
As theorias relativas da posse procuram o alicerce 
de sua protecção, não na propria posse, mas em con-
siderações, instituições e preceitos jurídicos extranhos a 
ella, que não é protegida senão para dar a outrera a pleni-
tude de seu direito; a posse, por si mesmo éinconcebível. 
(1) Deve-se, todavia, fazer menção especial do BANDA. Dei 
Besits nach ostcrr, Itecht (A posso no direito austríaco). 
VISTA DE C0NJUXCT0 3 
As theorias absolutas, pelo contrarío? tratam de 
conceber a posse em si e por si mesma. A posse não deve 
sua protecção e importância a considerações que lhe 
são extranhas, é por si mesma queella se torna reco­
nhecida juridicamente e o Direito não lhe pôde recusar 
este reconhecimento. 
Uma destas theorias encontra o fundamento juri­
dieo da posse na vontade. (1) A posse é a vontade em 
si, o facto, pois, pelo qual a vontade humana se réalisa 
sobre as cousas. o que deve ser reconhecido e respei­
tado pelo Direito sem indagar se é util ou perigoso ; 
é um direito primordial da vontade de que a posse 
seja reconhecida quer pelo legislador in abstracto, como 
pelo juiz in concreto tantas vezes quantas delia se 
occupem. Em summa. o possuidor pode reclamar o reco­
nhecimento da protecção com o mesmo direito que o 
proprietário. A esta necessidade de protecção posses­
soria. fundada no caracter ethico da vontade, oppõe­se 
outra theoria com a necessidade econômica da posse. 
A posse é tão economicamente necessária como a 
propriedade ; ambas não passam de formas jurídicas sob 
as quaes réalisa­se o destino econômico das cousas para 
satisfazer as necessidades da humanidade. 
E' sob estes dous pontos de vista différentes, que 
em seguida agruparei as opiniões diversas, sem esquecer 
comtudo. que é impossível dar­lhea a precisão e a cla­
reza que distinguem as theorias do direito penal. 
(1) V. do auctor D >■ Bmtzmle (A vontade na posse) 
complemento desta obra. 
4 O FUNDAMENTO DOS INTER Dl CTO S POSSESSOUIOS 
Além disso, a differença tem sido tão pouco accen­
tuada até aqui, que as vezes acham­se em certos auctores 
os échos dos dons systhemas.(l) Quiçá este ensaio con­
tribua, ao menos, para lançar alguma luz sobre este 
ponto, ainda um tanto obscuro. 
1 ■—■ THEORIAS RELATIVAS 
A protecção possessoria não tem o seu fundamento 
na propria posse, mas : 
1.° Na interdicção da violência: 
a) SAVIGNY esclarece especialmente a razão do di­
reito privado que assiste ao possuidor. (A perturbação 
da posse é um delicto contra o possuidor). 
b) RUDORFF, pelo contrario, fixa­se mais no motivo 
juriâico­publico que assiste á communiãaãe. (A per­
turbação da posse é um attentado á ordem juridk­a). 
2.° No grande principio de direito de que « nin­
guém pôde juridicamente vencer a outrem. se não 
tem motivos preponderantes em que funde a sua pre­
rogativa » ( THIBAUT ). 
3.° Na prerogativa da probidade, em virtude da qual 
deve­se suppor. até prova em contrario, que o possuidor 
que pôde ter um direito á posse, tem na realidade esse 
direito (RODER). 
(1) Pu* ii ! \ Yernmchte Scriftm ( Mîscelaneas ), pag. 265; 
TfîENDELEMBmr., Naturrecld auf dem Grunãc der Etl<ik(0 Direito 
natural fundado na ethica). 2' edição. Leipzig, 1868, § 95 : 
G ANS. 
VISTA DE CONJUNCTO 5 
4." Na propriedade, a posse ê protegida : 
a) Como propriedade provarei (ou possível); tal é 
a opinião antiga. 
l>) Como propriedade que começa ( G A H S ) . 
c) Como complemento necessário da protecção da 
propriedade, tal é minha opinião. 
2 — THEORIAS ABSOLUTAS 
À posse é protegida por si mesma attendendo­se 
a que: 
1.° Ella é a vontade em sna real encarnação (GAXS. 
PUCHTA e BRUNS) ; 
2.° F, que «serve, como a propriedade, ao des­
tino universal do patrimônio, á satisfação das necessi­
dades da humanidade por meio das cousas e pelo poder 
livre que sobre ella se exerce. Seu fim é conservar o 
estado de facto das cousas (STAHL). (1) 
(1) O Sr. ADOLPHO POSADA annotando esta parte na edição 
hespanhola deste livro assim se expressa : ■ Póde­se talvez affir­
mar que todas estas theorias, umas mais. outras menos, formu­
lam­se sob a preoccupação natural (pressão) do direito romano. 
Supposta a idea da posse, a dificuldade estrifaa­se para o di­
reito positivo, em determinar adequadamente: 1° que relaçùo 
internas presuppóc a posse: 2o que dados do sentido bastam para 
que esta se revele, e de facto subjeetivo pessoal, passe a ser reco­
nhecida, declarada o protegida socialmente. A questão aqui está em 
saber se a posse consiste na mera possibilidade de dispor do 
objecto (detenção material se se trata de cousas physicas) em 
cujo caso todos os seres possuem, ou se se tem necessidade da 
vontade (animus) de deter o objecto como seu. Indubitavelmente 
quando a posse entra na esphera social, esta ultima condição é 
G O FUNDAMENTO DOS INTBRDICTOS POSSESSORIOS 
necessária, por mais que o alcance dessa intenção tenha sido 
apreciado de modo diverso pelas legislações e pelos auctores, 
pelo que poderia implicar o animus po^denti ou o cnthuus doinini. 
e comtudo limitando a intenção ao mtmiv.s possui nü. a intensi-
dade pela qual elle se determina, deu lugar a critérios diversos, 
especialmente ao amplo objectiva da concepção germânica (a Goweie) 
e ao acanhado objectv-o da concepção romana, e nesta a mera de-
tenção das cousas, a posse ad interdicta o ad usucajrionem. 
Conforme nota ERNESTO LEHR {Tratado dementar de Direito 
civil germânico. Allemanha e Austria), tomo 1°. pag. 14'2, edição 
de 1892, " entre os antigos jurisconsultos aliemães a instituição 
correspondente, com mais ou menos exactidão, ao que chamamos 
hoje posse, designava-se com o nome de üewere. Hste nome do 
mesmo modo que a palavra franceza possession indicava três cousas 
disünctas: 1° o poder de facto que se tinha sobre um immobiliario ; 
2° o direito que nascia desse poder de facto : e 3° o próprio imnio-
biliario sobre o qual recahia esse poder ou esse direito. Como a 
posse, significava um poder, nm direito e a propria eousapossuída». 
Levando-se em conta as exigências cio direito romano, em vir-
tude das quaes a mera detenção não aceusava posse e a Gewere 
sim, vc-se quão different em ente chegou-se a entender o assumpto. 
Esta variedade no modo de entender a posse refiecte-se tam-
bém nas legislações positivas. Actualmentc questiona-se entre os 
tratadistas sobre o alcance dos preceitos do direito romano, po-
dendo vêr-se em VAN WETTEE (Traité de la possession en Droit 
romain) um resumo das diversas opiniões, c quanto as legislações 
que mais ou menos seguiram o direito romano, ora inspirando-se 
totalmente nolle, ora soffrendo sua influencia, nota-we muita diver-
sidade de pareceres. Entre as legislações actuaes vigentes na Alle-
manha é qualificada a posse cum an'mo domini pelo Cod. C'fil 
austríaco (art. -309) e pelo Saxão (art. 186) assim como pelo pro-
jecto do Cod. Civil bávaro (III, 1, art. Io) e pelo primitivo pro-
jecto do Cod. Civil allemão. Em compensação o Cod, Maxim iliano. 
como diz o citado LKHR (pag. 144), chama posse a simples detenção 
de uma cousa « para si », em opposição a detenção sem animo 
algum. O mesmo acontece com o Lanãrecht prussiano que qualifica 
de possuidor aquelle que tem uma cousa, com intenção de dispor 
delia « para si •> distinguindo entre possuidor completo e incom-
pleto. O Landrecht badense não exige do possuidor senão a intenção 
VISTA DE CONJÜNCTO 7 
de dispor da cousa em seu próprio nome e pa ra si . O Codigo 
saxão, não obstante o que ficou dito, concede accões posses­
s o r e a quem quer que t enha a cousa pa ra servir­se delia, ou 
a titulo de garan t i as . E n t r e os principaes códigos suissos, o de 
Berna ( a r t . 349) e o de Zurich ( a r t . 0 4 ) consideram como 
possuidor áquclle que sem o animus âomin­L t em a cousa. como 
por exemplo, o usufruetar io. o colono, o a r r e n d a t á r i o . 
Procura­se nestes códigos dis t inguir a posse que podia implicar 
a propriedade de toda a cousa. o domínio, da posse de um di­
reito, que não suppõe domínio, mas tal ou qual aprovei tam on to 
daquelles que a plena propr iedade ( dirocta e ut i l ) acar re ta . 
No Cod. Xapoleonieo (a r t . "2230), .pretende­se ver na posse o 
animus douma, e I .VIRENT rebatendo TROPLONG cita as seguin­
tes palavras de DOMAT : » que a simples detenção de uma cousa 
não se chama propriamente po^se : não bas ta para possuir ter a 
eousa, é preciso que a t enha em seu p o d e r » . Segundo o mesmo 
LAUKFXI'. OS rodactores do Códigonão reproduziram a distincçâo 
da posse natural e civil (Principes de D oil civil. XXXII. 26;.!). 
Em compensação da definição do Código civil i tal iano ( a r t . 68.">), 
assim como da dos códigos i tal ianos anter iores (Pa rma . Nápoles, 
Albertino). na opinião do professor LOMOXACO, podem­se dis t in­
guir t rês classes de posse : natural legitima e de bòa fé. on antes, 
­impies detenção (garan t ida pelo interdicto de recobrar) a posse 
com animus ãomini c a que se rve de ponto de par t ida e fun­
damento á usucapião propr iamente di ta . 
0 Código civil hespauhol t r a t a em primeiro lugar da posse 
eomo relaçfio jur ídica independente {Direito real) logo após da 
propriedade ( t i t . 5 o do liv. 2 o ) , c respondendo ao cri tério imposto 
pela base I I , dist ingue en t r e posse na tu ra l e civil por este 
modo ( a r t . 430) ­ P o s s e na tura l é a detenção de uma cousa 
ou o goso de u m direito por u m a pessoa . Posse civil é essa mesma 
detenção ou gozo unidos a intenção do haver a cousa ou direito 
eomo seus. .. 
O direito civil brazileiro, Ordenações phillip pinas, (segue a clas­
sificação do direito romano j á conhecida (LAFAYETTE, R I B A S , T E I ­
XEIRA DE F R E I T A S , COELHO DA ROCHA, e tc ) . O projecto do Coãvjo 
■iál brazileiro do D r . COELHO RODRIGUES pre tendendo afastar­se da 
theoria savignyana pa ra adoptai' a de JHEKING reproduzio insen­
BiveJmente a theor ia de SAVIGNY. «A aequsição normal da posso 
8 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS 
resulta, diz elle, (art. 1325): § 1" da manifestação de um poder 
material sobro a cousa e, § 2' da vontade do detentor exercer esse 
poder no seu próprio interesse». 
O luminoso projecto do Código Civil brasileiro do egrégio 
Dr. CLOVIS BEVILÁQUA, é o primeiro, ao que me consta, em que 
a theoria de JHF.IÍIXG é sustentada em sua totalidade, pois o 
Cod. allemão somente em parte adoptou­a. Segundo este código 
o corpus da doutrina savignyana foi conservado e não o animus 
possidenãi. 
Se quiséssemos agora em breves termos syiithetisar o modo 
porque o conceito romano da posse passou ás legislações mo­
dernas, nada seria melhor do que estas palavras do Sr. AZCÁRATK 
em sua importante Historia dei âerecho ãe proprîedad (tom. ■'•". 
pag. 111) <• Eílas conservam, diz elle, o conceito romano da posse : 
dvle.nt.io rei corpovalis animo sibi habendi; dahi os dons requisitos: 
twpus et animus ãominí, isto ê, a posse da cousa e sua retenção 
como dono. Mas afastam­se, por um lado: ao passo que o direito 
romano considera a posse como um poder absoluto análogo a 
propriedade, admittindo somente a que se chama quasi­posse, 
com relação a determinados direitos reaes, os códigos modernos 
reconhecem que acontece­ihes a mesma cousa que ao dominio: e 
por outro lado, em que o primeiro só protege a pow. ariJ {a que 
conduz a usucapião) e a posse ia protegida pelos interdictos ). 
porém não a mera posse, ao passo que muitos dos segundo­
concedem esta protecção, se bem que passageira e provisória, 
afflrmando o principio de que qualquer que seja a natureza da 
posse ninguém pôde perturbal­a arbitrariamente. 
Além disso note­se que uns códigos definem a posse em seu 
sentido mais lato, determinando logo suas varias espécies, entre­
tanto que outros como o de Berna, seguindo os romanos, de­
finem a que tem maior importância jurídica». 
Acerca da differença entre a Gewere germânica e a posse. 
veja­se AHRF^S Eneiji.lopeãie juridique, vol. '2a, AÍIEENS cita a 
propósito ALI.RÉCHT, A posse (Geneve) como base do antigo Direito 
real allemão, e SANDHAS, Ensaios Germanístas. 
CAPITULO II 
A iolerdicçRo da violência como base dos iitlerdieios 
possessore 
O opinião de SAVIGNY ê tão conhecida, que julgo 
apenas necessário transcrever suas proprias palavras: (1) 
«Xâo constituindo a posse por si mesma um direito, a 
sua perturbação não é em rigor um acto contrario ao 
direito ; não sel­o­ia senão quando se violasse a posse 
e um direito qualquer. Ora. isso mesmo é o que acontece 
quando a perturbação da posse é o resultado da vio­
lência ; com effeito sendo injusta toda violência, é contra 
esta injustiça que se dirige o interdicto. Os remédios 
gossessorios suppõeru um acto que, por sua propria 
fôrma, é illegal.—O possuidor tem o direito de exigir 
que ninguém lhe perturbe violentamente.>• •■ Xão ha alii 
a violação de um direito subsistente por si. fora da 
pessoa, mas a modificação prejudicial de um estado 
desta : e se se quer separar completamente e em todas as 
suas conseqüências a injustiça resultante da violência de 
(1) Bechtsãts Besítzes {Direito de posse) 7:i edïc, pags. 30 e 32. 
10 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS 
que a pessoa foi victima, torna-se indispensável restabe-
lecer o estado de facto contra o qual a violência se diri-
gira.» (1) 
A opinião de RUDORFF (2) não se différencia, na 
essência, da de SAVIGNY. AO passo que este reconhece o 
direito á protecção contra a violência, na pessoa do pos-
suidor, e affirma expressamente (pag. 63) que « os inter-
dictos possessorios têm a sua base em considerações de 
direito privado», RUDORFF accentua o caracter publico 
da violência como uma « perturbação á paz e á ordem 
publica», relacionando a protecção possessoria com a 
prohibição de se fazer justiça por suas proprias mãos. 
(pags. 62-64). 
E' claro que mesmo este ultimo ponto de vista 
póde-se conciliar com a protecção ao direito privado do 
possuidor, como prova-o perfeitamente o Decretum Divi 
Afarei. 
Mas, por outro lado, este direito acha-se muito 
restricto, quando se nota que a turbação ou o esbulho 
violento da posse não tem sempre por fim fazer justiça 
por suas proprias mãos, sem fallar de outros casos de 
esbulho illegal da posse (Ciam, 'precário). As duvidas 
que se levantaram contra esta modificação da opinião de 
SAVIGNY (Savigny, obr. cit. Appendice, pag. 575), pare-
cem ter levado o auetor a renuncial-a peremptoriamente, 
(1) S A V I G N Y - llechts des Bcsitzes, p a g . 5, 7 a edie. de R Ü D O E F F . 
Vienna I860, pag. 65 . 
(2) Zeitschr. f. gesch. l í . W. , VII, pag. 90 ü seguintes , {Revista 
histórica de sciencias juridico.s). 
A IXTER.DICÇÃ0 BA VIOLÊNCIA 1 1 
de modo que poderemos nos limitar, (Vaqui em diante, 
ao exame exclusivo da idéa de SAVIGNY. 
Esta idéa indubitavelmente, a primeira vista, seduz 
e attrahe, quando se esquece ou ignora­se o aspecto que 
reveste a posse no direito romano. Em um tratado de di­
reito natural semelhante idéa teria todo o cabimento, (1) 
mas numa obra que pretende expor a tbeoria romana da 
posse, não poderá senão causar uma profunda surpreza. 
por ser inconciliável com esta theoria e prestar­se, sob 
todos os pontos de vista, a contradicções palpáveis. 
A tentativa de réalisai* legislativamente esta idéa. 
engendraria um direito possessorio que não guardaria a 
mais leve semelhança com a posse romana. 
Passo a demonstral­o examinando os principaes pon­
tos da theoria romana da posse. 
1—FALTA DE PROTECÇÃO DA ■• DETENTTO ALIENO NOMINE » 
Se os interdictos possessorios repousam na idéa de 
uma violação de direito commettida contra a pessoa, não 
se percebe a razão porque não podem usar délies aquelles 
que possuem alieno nomine. Que ha de commum entre 
a injustiça contra a pessoa e o modo pelo qual esta 
possue ? 
(1) E mesmo neste presnppos.to será preciso, como nota RANDA 
(obra atada), que o esbulho da posse seja um acto injusto em si. 
« A violência em si não pôde parecer injusta, senão quando lesa 
ura direito. Com effeito, onde nenhum direito é lesado, e ha so­
mente uma troca do estado de facto,.não pôde haver questão cora 
relação a evitar a injustiça da violência e suas conseqüências.') 
1 2 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSOÏLIOS 
Será, por ventura menos lesada pela expulsão de um 
arrendatário do que pela do emphyteuta ? 
A violênciaé sempre violência seja qual fòr a pessoa 
contra quem se exerça. Uma acção que como tal. isto é. 
independentemente da pessoa lesada, encerra em si uma 
injustiça, não pôde ser e deixar de ser injusta segundo 
a diversidade das hypotheses. 
Ouçamos o que diz SAVIGNY a este respeito : « Das 
duas uma. diz elle (pag. 59). ou suppomos que o que 
tem a eousa está de accordo eom o seu verdadeiro pos-
suidor, ou está em opposiçao. No primeiro caso elle não 
tem necessidade de interdictos. pois que os do possuidor 
bastam-lhe. No segundo caso. se quer invocal-os contra 
a vontade do possuidor, quer contra si mesmo, quer contra 
um terceiro, não poderia fazel-o. porque contraveria 
as relações obrigatórias em que se basea a sua detenção 
e que cobrem perfeitamente todos os seus interesses. 
Esta argumentação convencerá alguém ? duvido. 
(Veja-se neste sentido RANDA, obr. cit. nota 3*). SA-
VIGNY ahi perdeu de vista sua idéa propria e pessoal 
dos interdictos possessorios. 
Com effeito. se estes são meios de protecção contra 
a injustiça feita á pessoa, se a relação possessoria não 
tem senão uma importância subordinada, que se reduz 
ao elemento de facto da situação, neste caso não se pôde 
comprehender o motivo porque o detentor deve depender 
do possuidor para ser protegido contra uma injustiça 
que lhe é pessoal. 
E ' perfeitamente indiferente « que os interdictos 
do segundo protejam sufficientemente a ambos, e que 
A INTERDICÇÀO DA VIOLÊNCIA 13 
por isso o detentor não os necessite», desde o momento 
que a perturbação da posse está. não na posse, mas no 
direito da pessoa. A protecção contra a injustiça da per-
turbação não é uma questão de opportunidade ou de ne-
cessidade, mas uma simples conseqüência. O lesado será 
protegido ; se são ambos lesados, ambos devem ser prote-
gidos ; se um só é lesado, somente este deve ser prote-
gido, pois o detentor deve sel-o em todos os casos, 
visto que é elle o primeiro e mais directamente moles-
tado pela violência. 
E' o que acontece com o interdicto quod vi aut 
dam ; se o opus vi aut clam factum lesa igualmente o 
interesse do arrendatário e do arrendador, ambos tem o 
interdicto. (L. 12. quoã vi. 43-24). Ora. se se reflectir 
que este interdicto suppõe um delicto. (1) ver-se-á facil-
mente como deveriam os jurisconsultos romanos decidir, 
se considerassem os interdictos possessorios sob o mesmo 
ponto de vista. 
Se os detentores não têm necessidade de um meio 
de protecção independente, porque o direito romano 
concede-lhes as actionem furti e,t oonorum raptorum ? 
(L. 14, § 2: L. 85 de furt. (47-2); L. 2 § 22, vi bon. 
(47-8). O mesmo motivo pelo qual, segundo SAVIGNY, 
nega-se-lhes os remédios possessorios, deve existir para se 
lhes negar estas duas acções, e não acontece assim, o que 
prova que o direito romano não deixou ver a direcção 
(1) L. 3..pr. ibid, fado tuo d e l i n q ü e n t e s : L. 1. §2. in.iu-
i*iam commmisü. Este interdicto compete até ao filho família. L. íí, 
deO. e A. (44-7) injvna.iv.iin d. quoã ri aut dam. L. Vi, § 2. quod vi. 
1 4 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS 
immeãiata destes delictus contra o detentor, nem a 
necessidade e a importância de conceder-se contra ella 
nma protecção immeãiata. 
E não é somente a lesão pessoal que se toma era 
consideração nestas duas acções, assim como no inter-
dictum quod vi aut clam; mas também o interesse real 
patrimonial da manutenção da relação possessona, que 
se evidencia na posse do detentor, Praeterea, diz a cit. 
L. 14, § 2, Dig. Liv. 47, tit. 2.° de furt.. habent furti 
actionem coloni, quamvis non sint, quia interest eorurn; 
e na citada L. 2, § 22, Dig. Liv. 47, tit. 2.°, vi bon., 
a cotisa recebida por commodate, penhor ou locação 
comprehende-se incorporada em o nosso patrimônio, no 
sentido de que sem ser por sua natureza uma cousa 
in bonis, não se conceitua como acliando-se ex-oonis} 
isto é, ut ex substancia mea res oblata esse propo-
natur. .. at intersit mea earn non auferri. 
Assim acontece quando o locador obtém o interdicto 
de migrando em virtude da retenção das cousas locadas 
ainda mesmo que estejam estas, sob sua posse, por em-
préstimo, aluguel ou deposito, estendendo-se também a 
estas cousas & her éditâtes petitio (L. 2." de migr. (43-32); 
L. 19 pr. v. her. pet. (5-3). 
Quando o possuidor e o detentor não estão de 
accordo, diz SAVIGNY, este ultimo não pôde invocar 
os interdictos porque exorbitaria das relações obriga-
tórias sobre que se apoia a sua detenção. Mas, sup-
pondo-se mesmo que o exercicio dos interdictos contenha 
em si uma usurpação contra o possuidor, que impor-
tância terá ella para o perturbador? 
A INTERDICÇAO DA VIOLÊNCIA 1 5 
Este ultimo não é julgado senão no alcance e na 
medida de seu próprio acto e não pôde allegar um 
direito das relações obrigatórias entre o detentor e o 
possuidor. (1) Se isso em algum caso pudesse succé-
der, seria no da expulsão do arrendador pelo arren-
datário-, porque neste caso, a violação da relação obri-
toria é indubitavel e flagrante; e não obstante o direito 
concede os interdictos ao locatário que se fez possui-
dor (L. 12, devi (43-16), e o terceiro que objectasse, 
segundo SAVIGNY, as relações obrigatórias que existem 
no locador, não seria siquer ouvido. 
(1) a Independentemente do direito romano e de todo o 
direito positivo parece-nos . diz o Sr. A. POSADA, que a opinião, 
de SEEKING corresponde, melhor que a de SAVIQSY, ao conceito 
do direito, considerado es te como relação que sempre se es ta -
belece entre a finalidade racional e a livre conducts dos s e r e s . 
Assim, no caso a que J H E R I N G se refere, a relação jurídica está 
entre o mero detentor e o que a p e r t u r b a : isto ê, que aqui o 
detentor é o que não pôde nem deve consentir a violência 
exercida por um terceiro com relação aoa direitos que tem. e 
o qual, ao violentai-a nega-lhe a condição jur íd ica . A con-
clusão de que o auetor da violência não pôde deduzir u m direito 
das relações obrigatórias que exis tem entre o detentor e o pos-
suidor», indica o profundo senso jurídico de JHERUTO, e não 
obstante as l imitações que ainda se notam em o seu conceito 
do direito que o encara como relação étnica que se apoia na 
intenção reflexiva, rompe cer tos en t raves que impõe o direito 
positivo considerado como direito ob jec t ive real e respei tável 
em si, para não ver o direi to senão na vida e sempre n a cofi-
dueta e em cada relação ; ne s t e caso, na relação especial e con-
creta entre o detentor e o que intenta tu rba l -o (negar o direito) 
na detenção da cousa» 
16 O FUNDAMENTO DOS INTJERDICTOS POSSESSORIOS 
Em samma, póde-se dizer que a tentativa de SA-
VIGNY para refutar as objecções que podem ser dirigidas 
á sua theoria, de falta de protecção ao detentor, é 
totalmente falha. K' uma extranha ironia do destino 
litterario de que o próprio SAVIGNY, a despeito de seu 
extraordinário talento, dá-nos abundantes provas; é uma 
extranha ironia da sorte litteraria. digo, que SAVIGNY, 
o restaurador da theoria romana sobre a posse, tenha 
para elucidar essa mesma theoria, enunciado um pen-
samento que está em contradicção inconciliável com 
semelhante theoria, e que ao mesmo tempo opponha-se 
rudemente contra uma concepção moderna que se pro-
duz na esphera da posse, contendo a realisação histórica 
de sua doutrina: refiro-me ao summarissimum e a actio 
expolii. 
Todo aquelle que lobriga na perturbação e esbulho 
da posse uma injustiça contra a pessoa, deverá forçosa-
mente applaudir esses dons remédios legaes concedidos 
a todo o possuidor, sem attender a qualidade de sua 
posse, e sondal-os alegremente, como realisação de sua 
idéa. Pois bem, SAVIGNY, considera-os como uma aber-
ração scientifica, como um absurdo. 
Além disso, quem assim se expressa e lucta por 
conservar a pureza do direito romano, deveria,como 
ninguém, combater a proposição pela qual, os meios 
de protecção da posse reduzem-se a uma protecção 
tja pessoa. Ora, SAVIGNY, não se limitou somente a 
exprimir semelhante opinião, manteve-a durante meio 
século. 
A INTEE.DIGÇÃO DA VIOLBNCIA 17 
2 - FALTA DE PROTECÇAO DA POSSE PAS COUSAS NÃO 
SUSCEPTÍVEIS OÜ DAS PESSOAS INCAPAZES DE POSSE 
>(j Cousas. Não pôde haver questão de posse nem 
le protecção de posse das cousas extra commerckim. 
Porque razão? Sob meu ponto de vista, será esta ques-
tão resolvida satisfactoriamente nas paginas subse-
quentes. Com effeito, estas cousas não são susceptiveis 
de propriedade, ora a posse não sendo senão a exterio-
ridade da propriedade, deve portanto desapparecer onde 
esta é inconcebível. 
Mas partindo do ponto sustentado por SAVIGNY, 
semelhante proposição não pôde ser esplicada de fôrma 
alguma. Com effeito, se a lesão da posse não adquire im-
portância jurídica, senão quando encerra uma injustiça 
contra a pessoa, a qualidade da cousa não tem valor 
algum; quer seja movei ou immovel, susceptível ou não 
susceptível de propriedade. 
Em rigor isto é tão indifférente como saber se 
um homicídio deu-se perto de uma casa ou de um 
muro, sob um pé de faia ou de carvalho. À ser exacta 
a idéa de SAVIGNY, dever-se-ia applicar á posse a de-
ãsão que contem a L. 13 § 7." (47-10) para a actio 
injuriarum, e que prescinde completamente da quali-
dade jurídica particular da cousa. 
Que se me impeça de fazer uso de minha propria 
cousa ou de uma res publica (in publicum ïavare ant 
in caveat publica seãere, etc.), ou de uma res communis 
nnium (in mari piscari) é-me completamente indiffé-
rente, terei sempre a actio injurarum. 
1 8 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS 
Não se deve dizer: o possuidor de uma cousa res 
extra commereium não tem interesse na cousa, ou com­
me te uma injustiça apossando­se delia, e a injustiça não 
pôde ser protegida ; porque o mesmo pode­se dizer do 
ladrão ou do bandido, (1) e não obstante, concedem­se­
ihes interdictos possessorios. Além disso, se bem que 
não fosse exacto quanto ás res sacrœ e pubïicœ, não se 
pôde dizer o mesmo com relação a todas as res extra 
commereium. Com effeito, a res religiosa acha­se para 
com aquelle a quem pertence (ad quem pertinet) em 
relação análoga ã de propriedade; tão somente essa 
pessoa pôde usar delia para os fins a que se destina 
e tem, como o possuidor, a faculdade de excluir qual­
quer outro. N'uma palavra, tem a esse respeito um 
direito juridicamente reconhecido e protegido. (2) 
Em caso de perturbação violenta dessa relação, 
acham­se reunidas no possuidor as condições que, se­
gando SAVIGNY, bastam para os interdictos possessorios, 
(1) Assim é que não se lhes concede nem mesmo quando 
roubou­se­lhes a elles próprios a cousa, o actio furti (V. a L. 76 
§ Io de furti), (47­2) : si honesta cx causa interest. (V. também 
a L. 12 % Ia ibit., Nemo hnprobitatc sua, consequitnr actionem 
e a aci, ad e.rihendum. L. ■':>. § 11. ad exldb : — A acção de di­
visão de herança não se extende ao adquirido vel vi aut latro­
cínio aut aggressura. L. 4a § 2o. fam. ere.) 10­2). 
(2) Os textos em que me apoio estão em meu Espirito do 
Direito romano, III, pag. 335: póde­se aecrescentar o de ORELLI. 
Corp. inseri., mim. 4358, citado por EUDORFF, a respeito de 
SAVIGNY, lei citada, pag. 604 e na qual se trata de tradição de 
um monumento funerário, (in vacua ni possessionem— ire aut 
mittere). 
A 1NTERDICÇA0 DA VIOLÊNCIA 1 9 
e não obstante, negam­se estes ao interessado (1) con­
cedendo­se­lhe outros meios de protecção. O mesmo 
dá­se entre o pai e o filho. O esbulho de um filho ou 
de um escravo seria para aquelle de igual valor ? 
E, todavia, no caso de esbulho de um escravo conce­
dia­se­lhe o interdiction utrubi, um interdicto possessorio, 
eniquanto que no esbulho do filho devia­se recorrer a 
interdictos especiaes (de liheris exhibenãis et âucendis). 
b) Capacidade de possuir nas pessoas. —Os escravos 
e os filhos famílias são, como se sabe, incapazes de 
possuir em Direito romano. (L. 49. § Io de pos. (41­2). 
Consoante SAVIGNY (pag. 126) «esta verdade resulta 
evidentemente da regra geral, segundo a qual o filho 
família não pôde ter direitos patrimoniaes ••*. Perfeita­
mente, porém como se concilia esta explicação com a 
idéa de SAVIGNY de que na posse não é o patrimônio 
que se protege e sim a pessoa ? Se é certo que o? 
interdictos possessorios nascem da idéa do delicto 
seria absolutamente impossível recusal­os ao filho fa­
mília, pois que lhe assistiria direito a elles pelo 
mesmo motivo da L. 9 de O. e A. (44­7) Suo nomme 
nuUam actionem babei nisi i n j u r i a r e m et q u o d 
Vi a u t c l a m et âepositi et commodaU. 
3 . — PROTECÇÃO DA POSSE DO <■' IXJUSTUS OU MAL.Í! 
FIDEI POSSESSOR ■• 
Eis aqui, a meu ver. uma contradicção insoluvel 
na opinião de SAVIGNY . Nega­se ao ladrão e ao salteador 
(1) Lei 30, § 1° de poss. (41­2), 
20 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSEsSORIOS 
a actio furti e actio legis Aquilœ, (1) como poderá cunce-
der-se-lhes os interdictos possessorios se se vêm nestes 
acções criminaes ? Compare-se o modo pelo qual os 
jurisconsultos nos fragmentos 12, § 1 e fragmentos 
76 § Io, Liv. 44, tit. 7. Furtis actio, diz a L. 12. 
malm fidei possessori non datur, quamvis interest ejus 
rem non suhripi, quippe cum res perieulo ejus sit, sed 
nemo de improbitate suet consequitur actionem et id eo 
soli bonœ fidei possessori, non etiam malm fidei furti 
actio datur, e a L. 76 § 1°, nam licet intersit, funs rem 
salvam esse quia conditone tenetur, tamen cum eo is 
cujus interest furti habet actionem si honesta ex causa 
interest. 
Ainda aqui põe-nos SAVIGNAY a braços com uin 
enigma irresoluvel. não tendo feito tentativa alguma 
para conciliar com sua idéa essas passagens, das quaes 
não obstante, elle mesmo se serve para outros fins 
contra seus adversários, {pag. 65). Se o proprietário 
apodera-se violenta ou clandestinamente da cousa, arre-
batando-a das mãos do malœ fiãei possessor, ou mesmo 
jj se a destroe, este não tem contra elle nem a conãi-
ctio furtiva, porque esta presuppõe a propriedade, nem 
a actio furti, porque esta presume um interesse, nem 
a actio legis Aquilœ, porque esta faz crer um direito 
sobre a cousa ou pelo menos, a bonœ fidei possessio : o 
(1) L. 12 § 1% L, 76, g 1 de furti. (47-2); L. 40 § (3, 
arg.;h. 17 pr. aã kg. Aqu. (9, 2). Porém concedia-sc-lhes as 
acções de contracte», por exemplo, a act. commodaü (L, 13, 1(3 com-
modaü. (13-13) ÍÍ act. âepositi, L. 81, Dep., (1*3-3). 
A INTERDICÇÀO DA VIOLÊNCIA 21 
proprietário, roubado repellirá o acto ece-ãelicto, pre-
valecendo-se simplesmente da sua propriedade. (1) Se. 
pelo contrario, o malœ fidei possessor serve-se de um 
interdieto possessorio. como pôde hoje fazel-o para os 
moveis como para os immoveis, desde que JDSTINIANO 
collocou sob o mesmo plano os interdictos uti possé-
dées e utrubi. a pessoa contra quem se dirige o inter-
dieto não pôde prevalecer-se de sua propriedade e a 
malœ fidei possessio de quem propõe o interdieto não 
será discutida senão para que lhe seja opposta a exce-
ptio vitiosœ jjossessionis. Quem não vê que o ponto de 
vista de apreciação diffère inteiramente nos dous casos"? 
No primeiro prevalece a consideração do delicto ; no 
segundo questão muito diversa. 
-4 — INEXISTÊNCIA DE CRIME EM TODOS OS INTERDICTOS 
POSSESSORIOS. 
Não se pôde reconhecer a existência de um delicto 
senão em um unieo interdieto, no interdieto uncle vi : 
nos outros elle não existe absolutamente. SAVIGNY 
(pag. 31) pretende justifical-o no interdieto de precário 
dizendo que é um acto por si mesmo injusto abusar 
da vontade de outrem. do mesmo modo que é injusto 
recorrei* á violência para se apoderar de uma cousa». 
Mas se isso fosse exaeto também se deveriamchamar 
acções penaes a condictio ex mutuo a adio commodati e a 
'actio pmscrip'is verbis possivel. fundada no Precário. 
(1) Do meeino modo repelle a adio âepositi de CANDI:OU. 
L 31 g 1. Deii., (16-3) i. /'. 
22 O FUNDAMENTO DOS 1NTERDICTOS POSSESSOR!OS 
O interdidum de precário pôde, sem duvida, assu-
mir um caracter delictuoso pelo dolo do preearista(l). 
assim como a reivindicação (pelo dolus prœteritus do 
possuidor); porém esta simples possibilidade não é bas-
tante para converter o interdicto ou a reivindicação 
em acções penaes. Prescindindo dessa circumstancia. 
aquelle derige-se de preferencia contra o herdeiro do 
que contra o testador. (2) 
Poderá se afíirmar que a recusa de restituição da 
cousa, implica necessariamente um dolus ? De modo 
nenhum. Supponhamos, por exemplo, que o herdeiro ou 
o tutor do precarista enlouquece, não tem idéa alguma 
do precário, ou mesmo que o precarista venha a saber 
que elle é o proprietário. Neste caso está elle em seu 
pleno direito de negar a restituição : ideirco quia re-
eeptum est, rei suce precarium non esse. (3) 
Dos dous interdictos retinendœ possessionis, ha um 
o interdicto utrubi com a mesma forma de que se re-
vestia antes de JUSTINIANO, que resiste a todos os es-
forços que se possam fazer para pol-o de harmonia com a 
doutrina savignyana. Sabe-se que o interdicto dirige-se 
(1) Acontece que o herdeiro de quem tem a cousa em pre-
cário, não responde, como nos demais casos, pelo crime do tes-
tador mas pela riqueza. L. 8, § S de free. (43-26). 
(2) L. 8, §. 8 cit. Jicres ejus, qui precário rogava, tenetur 
i/ucin-adnwduiii ipse. 
(8) Lei 4 ~ § 3 , ibid, L. 45, pr. De R. J., (150 — 17): I,. 21, 
de usuc (41—3) ; L. 31, § 1°, Dep. (16 — 3). 
A prova da propriedade estabelecia ipso jure a falta de 
fundamento do interdicto. Veja-se meu Bspitito do Direito Ro-
mano, III, pags. 65 e 66 da ed. allemã. 
A INTERDICÇÃO DA VIOLÊNCIA 2 3 
não somente contra o esbulhador como também contra 
terceiros e até contra o bonce fidei possessor : a única 
condição exigida é que aquelle que intenta o interdicto, 
lenha possuído a cousa por' mais tempo que o esbu-
lhador, desde um anno antes, contado do dia da pro-
positus da acção. SAVIGNY nunca se pronunciou, que 
eu saiba, sobre o modo de conciliar este interdicto com 
a sua opinião ; se o houvesse intentado ter-se-ia con-
vencido da impossibilidade de sua empreza. Nos dous 
pontos de sua obra (pags. 31 e 49) em que deveria 
fazel-o. guarda silencio sobre este interdicto, e quando 
caractérisa os interdicta retinendœ possessionis, insiste 
sobre a condição da lesão violenta da posse (pag. 400) 
e invoca, no que diz respeito ao interãictum utrubi, 
as palavras vim fieri reto do Frag. 1, Dig. Liv. 43, 
rit. 31. 
Quando trata especialmente do interdicto utrubi, 
acerescenta que não acha a seu respeito «nada espe-
cial a notar-se » (1). Mas qual será o pensamento das 
palavras vim fieri veto '? 
Xão era evidentemente necessário que aconte-
cesse uma violência para que se pudesse intentar 
o interdicto, mas que o detentor não resistisse ao 
possuidor quando este quizesse levar comsigo a cousa 
fl) O próprio RÜDORFF que é tao versado no conhecímen todo 
systema formulário romano, e de quem se deveria esperar uma 
demonstração mais concludente da inadmissibilidade deste argu-
mento tirado da formula, não acha nelle nada que dizer : pelo 
menos não encontro observação alguma sua na continuação tia 
pssagem citada (pag. 400, nota). 
2 4 O FUNDAMENTO DOS IKTERDIOTOS POSSESSORIOS 
(quominus is enm dueat), A violência não era. pois. 
uma condição deste interdicto, como não o era para 
os numerosos interdictos não possessorios revestidos da 
mesma formula. De outra fôrma, o pretor em lugar de 
fallar para o futuro, deveria fallar do passado, como 
por exemplo no interdicto quod vi ant clam: quod — 
f a c t u m e s t ou no interdicto unde vi : unde — 
t l e j e c i s t i . 
Ser-me-á permittida toda a concisão sobre o inter-
dicto uti possedetis, em vista das diligentes investiga-
ções de que tem sido objecto nestes últimos tempos, 
especialmente na monumental obra de HERMANN WITTE, 
Das interdiction uti possedetis, Leipzig. 1863, pags. 4(\ 
e seguintes. 
Não é exacto «que a lesão violenta da posse» seja 
uma das condições deste interdicto (SAVIGNY, pag. 400). 
A investigação do juiz nam vis fact sit contra eãiclum 
JPrœtoris refere-se a uma época posterior e não anterior 
ao interdicto. 
Este podia ser invocado, com igual direito, por 
ambas as partes no caso de uma controvérsia possesso-
ria (controvérsia de possess/one) inteiramente pacifica, 
como no caso de dous pretendentes a uma herança, tra-
tando-se de saber qual tinha em primeiro lugar tomado 
posse do acervo hereditário e é precisamente neste 
exemplo que ULPIANO (Frag. Io $ 3 . Liv. 63. tit. 17) 
e GATO (Tit. 4, Frag. 148) fazem seu ponto de partida 
na discussão deste interdicto. 
A prevalecer a opinião de SAVIGNY, quem quizesse 
usar de um interdicto neste caso, não o conseguiria. 
A 1NTERDICÇÃ0 DA VIOLÊNCIA 25 
5—INUTILIDADE DOS 1NTERDICT0S POSSESSORIOS 
CONSIDERADOS COMO ACÇÕES CRIMINAES ESPECIAES AO LADO 
DAS QUE JÁ EXISTEM 
A ser verdade que o pretor quizesse. com os inter-
dictos possessorios, crear somente uma nova espécie de 
acções para o crime, em vão se procuraria justificar a 
sua utilidade, posto que as acções amplamente exis-
tentes são mais que suficientes: — para a turbação na 
posse o interdicto qitod vi aut ciam e a adio inja-
riarum (1) ; para a subtracção da posse, a adio furti, 
que no direito antigo se estendia mesmo aos immo-
veis (2) e compreliendia ás vezes a subtracção clan-
destina (3) e violenta, attingindo até o próprio pre-
carista. (4) 
fi—-CONDIÇÕES PARA A RESTITUIÇÃO DA POSSE 
Ninguém até BRUNS (Das- Redits des Bi'ziise.-- bu Mit-
Walter una inder Gegenwart. pag. 27 e seguintes) es-
tudou e poz era evidencia estas condições, observando 
«que ellas não se conciliam com a theoria de SAVIGNY». 
obr. cit. pag., 416. 
ill Vejam-se exemplos do primeiro na L. ï §§ 5, 6, 9, 10, L li 
etc. Quoã vi (48-24), da segunda na L. 13. § 7 do mj. (47-10; e 
PAULO S. 11. V. ê § 5. 
(2) GELLIO, XI, 18, § 1:5, 
(3) Lei 1, vlbon. (47-8) GATO HI, Wí). 
(4) Confronte-se GELLIO, loco citato com a Lei 66 pr. 67. pr. de 
tot. (47-2). 
2 6 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS 
Neste estudo apparece a posse como objecto e 
fundamento do interdieto, abstraccão feita de qualquer 
idéa de violência. 
Dabi a impossibilidade de sustentar-se que, entre 
os romanos, seja a violência que dá á posse importân-
cia jurídica. 
Para resumir tudo que dicto fica, a tbeoria de 
SA VIGNY attribue ao pretor acções ex-ãelido : 
1.° que eram perfeitamente supérfluas ao lado das 
já existentes no direito civil (n. 5) ; 
2.° que eram recusadas a quem deviam ser conce-
didas, conforme os princípios^ que regem taes acções 
(ns. 1-2) ; 
3." e. vice-versa, que eram concedidas a quem de-
viam ser recusadas pelos mesmos princípios, e final-
mente (n. 2) ; 
i.° que, com uma única excepção. não se descobre 
nellas o mais leve vislumbre de um delicio (n. 4). 
CAPITULO III 
Outras theorias relativas 
l . ° —THEORIA DE TH1ISAUT 
O ponto de partida de THIBAUT. (1) na sua theoria 
sobre a posse, não é o facto puro e simples, mas o 
erercicio do direito (2) considerado coir o uma fôrma es-
pecial do estado de facto. 
Teremos, em seguida, occasião de mostrar o fe-
cundo emprego que se pôde fazer deste ponto de vista 
para intelligencia da theoría da posse. Somente THIBAUT 
fanda a protecção da posse sobre um alicerce pouco 
solido. 
«E ' , diz elle, um principio dominante e necessário 
da razão que ninguém pôde vencer juridicamente ou-
trera, se não militar a seu favor motivos preponderantes 
(1) System des PanâenktenrecJits,8 a edíc. §§ '203-204. Em seu 
trabalho sobre a posse e a usucapião, § 2o, não allega motivo para 
a protecção da posse. 
(2) Veja-se também no mesmo sentido HUFEI.AXD, Ueber den 
âgenthünilichem Geist des romischen HccJ/ts. (Sobre o espirito par-
ticular do Direito romano), 2a parte, secção Ia, pay. 5 e seguintes 
epags. IS e seguintes. 
2 8 O FUNDAMENTO DOS 1XTERDICT0S POSSESSOR10S 
de um direito melhor ; dahi resulta que este estado de 
cousas. puramente de facto em si. reveste a mais alta 
importância jurídica, porque conduz âquella regra de 
que todo o indivíduo que exerce de facto um direito, 
deve ser mantido neste estado de facto até que um 
outro demonstre ter um direito melhor. » 
Mas. se a posse é simplesmente um estado de facto. 
porque é preciso um direito prééminente para fazel-a 
cessar ? 
Um estado de facto apparece e desapparece sem 
que o direito nada tenha a ver com elle. E' um facto 
que minha arvore abriga o visinho do sol. mas quem 
o proteje se eu a quero derribar? E ' um facto para o 
negociante, ter uma grande freguezia. mas que direito 
impede ao seu concorrente de lh'a tirar V Se a cir-
cumstancia de que a posse encerra o exercício de um 
direito não é sufíiciente para lhe dar o caracter de re-
lação jurídica, se ao contrario, é preciso, segundo THI-
BAUT, agrupai-a na mesma linha de todos os estados de 
facto, torna-se forçoso admittir para uns e para outros 
a mesma lei, e dizer que a sua origem, a sua existên-
cia e o seu fim não são senão o effeito da força physica. 
Vencer, na esphera do direito, suppõe certamente 
um direito prééminente, mas trazer esta idéa para o 
terreno do facto, é esquecer o que este seja. Mas admit-
íamos que a preeminencia do direito é o critérium na 
materia sujeita. 
Sendo assim, o locatário expulso por terceiro que 
não tem direito algum nem sobre a cousa, nem á ella. 
possue um direito melhor do que este terceiro, porque 
OUTRAS TI1EORIAS RELATIVAS ^9 
seu estado de facto repousa ao menos .sobre uma con­
cessão obrigatória do verdadeiro proprietário, porque 
razão, pois. se lhe recusa os interdictos possessorios ? 
Ainda mais : se o locatário, a seu turno, subtrahe 
A posse a quem o esbulhou ou a seu herdeiro, por que 
se lhe recusa no processo possessorio. a prova de um 
direito melhor que elle se proponha a offerecer ? 
Dahi resulta que a explicação de THIBAUT, que pa­
rece manter­se unicamente no terreno dos factos invade 
também a esphera do direito, mas não responde nem 
naquelle nem nesta aos princípios que lhes são próprios. 
Se na realidade a posse não é senão um estado 
de facto, nenhum valor jurídico lhe advirá deste outro 
­que força capaz de desfazer um estado de cousas deve 
ser mais forte do que a que o fez ; quem argumenta 
na esphera des factos, só nella colherá proventos. Se, 
ao contrario, a posse é um direito, sob este aspecto ter­
se­á de dar á protecçao possessoria caracter muito di­
verso do que lhe deu o direito romano. Não é possível 
comprehender no mesmo systhema o modo de protecçao 
dada a posse pelo direito romano. 
2.— A OPINIÃO DE RODER (1) 
A opinião de R DER, dando como fundamento dos 
interdictos possessorios o direito primordial de probidade 
{Ba? BeehU der UnbescJwltenheit), que se exprime na 
(1) Grrundzuge ãet ÏÏatitrrechts oãcr Eeehts philosophie, see­
■}'■', pag. 250. 
3 0 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS P0SSESS0R10S 
regra : quilibet prœsumitur ju-4us bonus donee prohetur 
contrariam, encerra os mesmos vicios. 
Em virtude deste direito ( que gosa todo possui-
dor ), deve-se admittir provisoriamente que toda rela-
ção exterior em que elle possuidor esteja para com uma 
pessoa ou cousa e que pôde ter por fundamento e causa 
um direito necessário ao exercício dessa relação, em 
realidade não exista senão em virtude desse direito, 
e que por conseqüência esta relação não é injusta. 
Não se pôde negar á posse a applicação desse direito. 
A insuspeição não está na relação exterior, não é 
a insuspeição da posse, é a insuspeição da pessoa. 
Se a pessoa é insuspeita, pouco importa que seja 
detentor, possuidor ou não possuidor. 
O não possuidor tem tanto direito de ser acredi-
tado pessoalmente como o possuidor, porque esta qua-
lidade se assenta nas qualidades da pessoa e não no 
facto exterior da posse. 
Portanto, se a posse baseia-se na presumpção de 
legitimidade, é preciso que esta presumpção não seja 
effeito unicamente da qualidade da pessoa. E, a não 
ser assim, se o possuidor só tem a tal presumpção da 
insuspeição a seu favor, porque se lhe não pôde tolher 
as provas que tiver a favor da sua posse ? Aqui vem 
a presumpção da suspeição, se o adversário prova ser 
o proprietário e ter o possuidor roubado a cousa. 
Se no processo possessorio não se considera a posse 
como uma relação jurídica independente, mas como 
prova da existência de um direito inteiramente diverso, 
porque se não a eleva também á altura de um direito 
OUTRAS THEORIAS RELATIVAS 3 1 
e não se admitte a respeito delia prova e contra prova. 
Du, em outros termos, porque se não converte o pos­
(essorio em petitorio '? 
A doutrina de RÒDER pôde servir para explicar a 
razão pela qual, no processo reivindicatorio. o possui­
dor fica isento da prova — ainda que esta isenção nada 
tenha de commnm com a posse propriamente dieta ­
sobre a qual ha sempre prova nas acções — mas não 
pó<le explicar o caracter particular da posse, isto é, a 
exclusão da questão de direito no processo da posse. 
Ora, é precisamente neste ponto que se revela o 
.mérito de toda a theoria sobre a posse. 
Partimos da hypothèse de que RODER tomou por 
r.base de sua theoria a noção scientifica commum ou ro 
mana da posse ; que aquelle que, em um tratado de 
philosophia do direito queira crear uma nova theoria 
sobre a posse, o faça, e não serei eu quem conteste 
este direito a quem quer que seja ; mas que esse escrip­
tor diga porque e como se afasta do direito romano, é 
■8 que RUDER não fez. 
Das três opiniões que attribuem a protecção da 
posse á propriedade, a mais antiga funda­se em que 
3*. A POSSE É DMA PROPRIEDADE PROVÁVEL. 
Esta opinião foi muito commum outr'ora. O pró­
prio SAVIGNY (I) não deixou de admittil­a nas 3a. 4a e 
(1) SAVIGNY como um de seus ultimos defensora. HUFELAXD. 
cit., pag. 48: porém alli não se acha e?sa opinião clara­
És accentuada. Veja­se TUXDA. nota 7S. 
32 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSOR!GB 
õ^ edições (I) de sua obra, rejeitando­a na sexta edi­
ção. Na sétima, publicada depois de sua morte, lia ainda 
um additamento de que a presumpção de propriedade 
não é totalmente errônea, pois que sem duvida na 
maioria dos casos os possuidores effectivamente têm di­
reito á posse : não se deve admittil­a, porém, porque 
a tlieoria romana sobre a posse é toda especial. 
A insustentabilidade desta doutrina não está pre­
cisamente no ponto em que SAVTGNY. julga estar ­­­ na 
circumstancia de que o direito romano não reconhece 
tal presumpção. lias, na hypothèse, não ha um pre­
ceito jurídico positivo, e sim uma questão legislativa, 
de que se não occupou detidamente o direito romano 
e a cujo respeito nos podemos servir de qualquer ex­
pressão que traduza exactamente a cousa,* ainda que 
tal expressão seja desconhecida dos romanos. 
A insustentabilidade da doutrina é justamente que 
a sua base, isto é, o pretenso motivo de que a posse é 
uma propriedade provável, carecia de fundamento. Com 
effeito. supponhamos que o legislador diga: presumo que 
o possuidor é proprietário. Todos lhe perguntarão : Em 
>1) § 2° in fine da 5a edic. Í Pergunta­se porque foi intro­
duzida esta espécie de protecção contra a violência, isto é. 
porque o expellido deve obter a restituição da posse (por ac­
caso injusta) que perdeu ; pode­se affirmar com certeza que 
semelhante protecção repousa sobre a presumpçãogeral de que 
o possuidor pôde também ser o proprietário. Nesta relação 
pode­se considerar a posse como uma sombra da propriedade, 
como uma propriedade presumida ; mas isso não se refere senão 
á instituição juridica em geral, não ao motivo jurídico de uma 
protecção concreta qualquer ■ . 
OUTRAS THEORIAS RELATIVAS 3 3 
perguntarão : Em que se funda semelhante presumpção ? 
E' lógico e de bom senso que todo o direito deve ser 
demonstrado ; — que motivo haverá, pois, para que se 
lhe abra uma excepção em materia de propriedade ? 
Para tal não basta para argumento a circumstaneia 
estatistica de que na maioria dos casos o possuidor é 
também o proprietário, assim como a estatistica mor-
tuaria não nos habilita a dizer que tal pessoa morrerá 
de certa idade ou terá ainda tantos annos de vida. 
Afinal esta presumpção deveria logicamente levar a 
conceder-se a quem primeiro se apossa de uma cousa 
— unicamente em razão de sua posse — uma acção in 
rem contra os demais que delia se quizessem apossar 
(acção para proteger a posse anterior). 
Na verdade, uma vez reconhecidamente fundada 
a prestimpção,_ porque reduzil-a somente a um caso? 
Dá-se o mesmo com a presumpção que rejeitamos 
acima da legalidade ou da boa fé do possuidor. O verda-
deiro elemento desta doutrina está no principio de que 
na posse ha uma prova especial e fácil da propriedade 
— neste sentido, chamamos a posse uma propriedade pre-
sumptiva, provisória ou, como SAVIGNY, uma apparencia 
de propriedade :—mas, depois disto comprovado, ainda 
se não firmou a necessidade desta facilitação de prova. 
Nós mesmos procuraremos firmal-a mais adiante. 
Se o fundamento da doutrina acima, segundo a qual 
se protege na posse (1) a propriedade possível, pretende 
(1) Não se acha seientificameate desenvolvida em parte al-
guma : mas apoia-se em expressões oecasiouaes e em matizes 
3 
34 O FUNDAMENTO DOS INTERDIGTOS POSSESSORÍOS 
com isso indicar a causa legislativa da piotecção pos­
sessoria, longe de resolver, aggrava a difliculdade do 
assumpto. 
A differença entre a simples possibilidade da pro­
priedade e a protecção da posse é maior ainda que a 
differença entre esta e a probabilidade da posse. Por­
que razão se protege uma simples possibilidade, quando 
a outros factos se não amplia tal protecção ? A segunda 
opinião que fundamenta a protecção da posse na pro­
priedade é, 
4.° — A OPINIÃO DE G A N S : (1) O QTJE SE PROTEGE 
NA POSSE É O «COMEÇO • DA PROPRIEDADE. 
Um dos effeitos da posse. sabem­n'o todos, é a 
usucapião. (2) 
E' certo que a actio publiciana protege na posse 
ad usucapionem o começo da propriedade. Mas também 
sal effeito só se verifica, como já tivemos occasião de 
notar, na posse ad usucapionem. A posse do malœ fiãei 
possessor (3) por mais largo que seja o tempo da sua 
lingüísticos que não reuni. Não se trata aqui da ■■ possibilidade 
jurídica subjeotiva» de PUCHTA [Curso. § 122) que não é mais 
do que. sob outra forma, a expressão de sua propria opinião. 
(1) System des Bom. Civilrechts, pags. 201­202. T'eber die 
Grundlagp des Sesitzes ( sobre o fundamento de posse). 
(2) RUDORFF no Zeitschríft. f. gescli. R. "W. 
(3) « Parte­se aqui de uma hypothèse infundada, diz o Sr. A. 
POSADA, loc. cit. por se ver a posse como momento tão somente para 
a relação jurídica da propriedade material, sendo assim que possvit 
o meio é o primeiro passo em toda a relação jurídica que se cumpre 
OUTRAS THEORIAS RELATIVAS 35 
continuação, não leva á propriedade, e. no entretanto, 
é uma posse protegida. Esta protecção, e está visto 
justamente a protecção da posse como tal. não pôde, 
pois, ser justiíicada sob o ponto de vista que nos occupa. 
Deveria em seguida expor a minha opinião, mas pre­
firo adial­a ainda e examinar em seguida as theorias 
absolutas. 
■e o qual acarreta em si mesmo, toda uma relação especial do 
direito. Por isto, não se póie fallar de verdadeiro possuidor de 
má fé. Este não possue em rigor juridico, mas detém a cousa e 
a lei não o protege, não pôde proiegel­o como tal, senão quando 
se revele exteriormente como possuidor de boa fé. 
CAPITULO IV 
As ílieorias absolutas 
1 . — A THEORIA DA VONTADE 
Conjunctamente com a doutrina que acabamos de 
expor, GANS apresenta-nos uma outra solução para a 
questão que debatemos. 
A detenção da cousa, diz elle, considerada como 
um acto da vontade, pôde achar-se de harmonia com 
a vontade universal, isto é, com a lei e. neste caso. é 
a propriedade ; ou pôde fundar-se somente na vontade 
particular e neste caso. é a posse e a razão de pro-
tecção da vontade, mesmo nesta ultima applícação é 
que a vontade em si mesma é um elemento substancial 
que demanda protecção ; a vontade particular da pessoa, 
.quando se applica ás cousas, é um direito e como tal 
deve ser considerado. 
POOHTA (l) adoptou a theoria de GANS. como é 
sabido, perfilhou-a até sustentando que a posse é um 
(1) Em sua monograplúa, publicada primeiro no Musmm 
Mhenam, 3o n. 17 e depois reunida em suas Miscclanms com o 
titulo de In welcher Klasse von Iie.ch.lm gchort der Besitz ? (a que 
classe de direito pertence a posse'?). Veja-se também a mono-
graphia publicada pela primeira vez na mesma revista., n. 15, 
3 8 O FUNDAMENTO DOS IX TE RDI CTO S POSSESSORIOS 
direito inhérente a personalidade, necessário mesmo ao 
homem. 
No dizer délie, a vontade de uma pessoa juridica-
mente capaz deve até certo ponto ser reconhecida em 
direito, mesmo antes que se ventile ser ou não ser 
justa, precisamente pela razão de que é a vontade de 
uma pessoa juridicamente capaz e. desse facto, a pos-
sibilidade de ser justa. 
Na posse é protegida, por conseguinte, a possibili-
dade do direito, isto é. a capacidade jurídica : o direito 
de posse não é senão uma espécie particular do direito 
de personalidade, o direito de personalidade applicado 
a submissão natural das cousas. Differ en te m ente de 
GANS e POCHTA que filiam a questão de fundamento 
de protecção da posse a de sua natureza jurídica. 
BRUNS (1) faz da posse em si um estudo especial e 
detido. 
Mas. a primeira vista, elle colloca a questão num 
terreno limitado, restringindo a protecção aos casos 
de violência, perturbação e esbulho. Não seria difflcií 
no dizer delle. adduzir considerações empíricas accei-
taveis para justificar a protecção. mas isto seria adiantar 
pouco uma questão em que a sciencia positivamente 
JJéber die Existem des Bcsílzrechts ( sobre a existência do direito 
possessorio). Não obstante a polemica violenta que sustentava 
contra GANS na primeira dessas dissertações. PUCHTA admitte na 
2- edi.. pag. 265. nota a. que • Gr ANS se expressa no mesmo 
sentido, i 
(1) Reckt des Besitzes ira Mittdalter wnd in der Gegenwart 
(Direito possessorio na idade media e na época actual). 
AS THEORIAS ABSOLUTAS 39 
exige uma necessidade jurídica inhérente á propria 
natureza da posse. 
Dos dois factures da posse — o p o d e r - p l i j -
s i c o e a v o n t a d e o primeiro, como simples es-
tado de facto, não tem a mesma qualidade para uma 
protecção jurídica. Não se dá o mesmo quanto ao se-
gundo. A vontade que se réalisa na posse, posto que 
não gere direito algum e só exista puramente de facto, 
talvez mesmo em palpável contradicção com o direito, 
deve. não obstante, ser protegida em razão mesmo da 
sua natureza. A vontade é em si mesma, em essência, 
absolutamente livre ; o reconhecimento e realísação desta 
liberdade, constituem todo o systhema do direito. O con-
strangimento e a violência, exercidos contra a vontade 
são. pois. em si mesmos (não se attendendo a sua legali-
dade), injustiças contra as quaes se deve proteger a von-
tade. Não é senão, quando a vontade está em opposição 
immediata. directa. com a vontade universal ou o direito 
(lucta contra autoridade do Estado ou de um facto 
contra outro)que ella apparece como injusta e então 
são permittidos contra ella o constrangimento e a vio-
lência. A posse não é. portanto, um direito como a 
propriedade, a obrigação e outros, mas simplesmente 
um facto, com a seguinte particularidade: de que é um 
facto protegido contra a violência, por ser a mani-
festação positiva da vontade de que decorrem muitos 
direitos dignos de consideração. Em summa, vem a ser 
a liberdade e personalidade humana que recebem na 
protecção dada á posse a mais plena consagração 
iuridica. 
40 O FUNDAMENTO DOS ÍNTERDIOTOS POSSESSORIOS 
Vários auctores adheriram a esta doutrina ; (1) ê 
innegavel que ella tem um quer que seja de seductora. 
mas eu a reputo insustentável. Ainda que diffira da 
doutrina de SAVIGNY (2) em dar á prohibição da vio­
lência um fundamento interno, a vontade concreta in­
corporada na posse, emquanto que SAVIGNY a applica 
a posse como um postulado externo da ordem juridica, 
essa doutrina se confunde, entretanto, em ultima ana­
lyse, com a de SAVIGNY. como este mesmo notou com 
muita razão respondendo á PUCHTA (pag. 62). 
Eu também, diz elle, baseio a protecção na in­
violabilidade da pessoa e na relação que se estabelece 
entre ella e a cousa snbmettida ao seu poder.>■ 
Todavia, eu duvido se o facto de transportar 
assim a injustiça da violência da espliera da ordem 
juridica na vontade subjectiva não faz a opinião de 
SAVIGNY, em vez de mais acceitavel. mais errônea 
ainda. 
Em todo caso, é­me mais fácil conceber a prohibição 
da violência sob o ponto de vista da ordem juridica 
objectiva, que sob o ponto de vista da vontade sub­
jectiva. Não se pôde esperar a resolução de uma contro­
vertia sem se estabelecer preliminarmente o ponto de 
vista sob o qual se deve enfrental­a. Esta observação 
tem alto valor para a questão que debatemos porque 
(1) Especialmente RANDA, obr. cit. e também RUDORFP na ul­
tima edição do Tratado de posse a SAVIGNY, pag. 581, WINDSCHEID 
Panãectas, § 148, nota 5. 
(2) Assim o reconhece também WINDSCHEID. loc. cit. 
AS THEORIAS ABSOLUTAS 4 1 
em relação a ella parece que longe se está da com-
prehensão do ponto de vista sob o qual é preciso cada 
um se collocar. 
Ora. é o direito romano que se tem em vista. ora. 
é um direito ideal qualquer que se accommoda as ne-
cessidades de momento. Eis porque me parece oppor-
tuno declarar que toda a discussão que se vai seguir, 
é exclusivamente fundada no direito romano. Se eu 
conseguir, como espero, provar que a tbeoria de meus 
adversários não se pôde conciliar com o direito romano. 
È'aem com sua especial doutrina sobre a posse, nem com 
outras suas doutrinas e princípios, ficará estabelecido 
"que a tal doutrina de meus adversários poderá ter valor 
philosophico. juridico ou legislativo (ainda isto mesmo 
eu contesto mas... concedo), mas não poderá com certeza 
attingir um valor histórico, a autoridade de dogmática 
do direito romano objecto único deste trabalho. 
Estou de accôrdo com os meus adversários para 
admittir que a vontade é a vis agens de todo o direito,. 
privado. Mas a lei fixa a medida e os limites da von-
tade, esta não se faz um poder juridico senão quando 
mantida dentro das raias que lhe são assignadas por 
lei. Não é certo que mesmo fora dessas raias, sem a 
sancção do direito, e mesmo em contradicção manifesta 
com elle, possa a vontade ter efflcacia ; seria pôr-se o 
direito em contradicção comsigo mesmo, dando-lhe effl-
cacia fora dos limites que o próprio direito lhe traça. 
A meu ver não é senão engendrar um enigma, di-
zer-se que o fim do direito que ê — garantir nos limites 
do possível a realisaçáo franca da vontade individual— 
4 2 O FUNDAMENTO DOS 1NTERDICTOS POSSESSORIOS 
tenha como conseqüência que a vontade traduzida em 
acto deva ser juridicamente protegida contra toda a 
aggressão não legitima, ainda quando essa vontade. 
fora da esphera do direito, se mantém num terreno pu-
ramente de facto ►. RANDA. pag. 86 (1) E' preciso dis­
tinguir a personalidade e a relação injustamente con­
stituída entre ella e a cousa. Aquella. a despeito de 
injustamente aggredida. é sempre o que é. não perde 
o direito á protecção jurídica : mas não quer isso dizer 
que a personalidade possa, como um milagroso santo, 
legitimar, restabelecer, justificar o que é illegitimo, du­
vidoso e impuro, e estender o manto da sua protecção 
jurídica sobre todas as relações injustas em que se 
incorpore a vontade. 
Estas relações podem ser inteiramente distinctas 
da personalidade : são seus effeitos, não são a propria 
personalidade —pode­se destruir a obra. (2) sem sequer 
1) Parece­me isso ainda mais incomprehensível ante a saga­
cidade com que o auctor, era continuação a fraqueza da allegação 
de SA VIGNY em favor da qual a subtracção violenta da posse é por 
si mesmo uma injustiça. 
Veja­se mais acima. O seu supposto direito da vontade para 
ser protegido coutra toda violência, ainda mesmo no caso de injus­
tiça, não é outra cousa, com effeito. senão a repetição, debaixo 
de outra fôrma, da opinião de SAVIGXY sobre a interdicção da 
defesa privada, a transformação de um principio juridico objectivo 
em um direito subjectivo. 
(2) B' em virtude disto que a consideração da personalidade 
prohibe ao credor maltratar o devedor fugitivo, mas não confiscar 
as eousas que possa encontrar com elle. L. 10. § 16. quœ infr. 
creã. [42­8). 
AS T1IE0RIAS ABSOLUTAS 43 
offender o artifice. Mas. dir-se-á. o ataque á obra é 
já por si uma injustiça I 
E' precisamente o que contesto-
Essa é a idéa de Savigny sobre a injustiça formal 
de toda a lesão feita á posse, idéa que, a meu ver. não 
resiste a um exame em face do direito romano. 
O Estado pôde concorrer, e effec ti vãmente con-
corre, para prohibir e manter a violência em certos 
limites, ainda que esta seja praticada pela victima do 
roubo ou do assalto contra o ladrão e o salteador. 
Mas não é que o ladrão e o salteador. tenham. 
de par com a absoluta liberdade de sua vontade, um 
direito irrecusável á protecção do goso pacifico do 
producto do seu roubo ou assalto, é que a consideração 
legislativa e política de que a defesa privada é uma 
arma de dous gumes. faz com que seja o Estado o 
distribuidor da justiça. 
Sob o ponto de vista do agente, não posso, no que 
me diz respeito, condemnar a defesa privada e a propria 
historia ahi não chegou senão depois de ter atravessado 
a phase da subjectivídade pura do direito. Que injus-
tiça soffre o salteador se a victima lhe subtrahe a cousa 
roubada na primeira occasiáo que lhe seja possível ? 
A vontade, diz-se. é livre, todo o constrangimento 
é contrario á sua essência. Não será por constrangi-
mento que a auctoridade publica tira violentamente a 
cousa do poder d'aquelle que não tem direito a ella? 
Sim. respondem, mas isto se faz com todas as forma-
lidades jurídicas. Não ha duvida, mas o facto do con-
strangimento não deixa de existir, a vontade, pois, não 
44 O FUNDAMENTO DOS IN TE RDI CTO S POSSESSORIOS 
é tão absolutamente sagrada e inviolável, nem o con-
strangimento tão absolutamente condemnavel. A resis-
tência da vontade illegal contra o direito pôde e deve 
ser destruída pela violência externa ; o meio de attingir 
este fim é uma pura questão de fôrma, cuja solução 
satisfactoria é um dos problemas mais controvertidos 
da administração da justiça. Mas. vejamos o direito 
romano sobre o assumpto. 
Perguntamos :—a defesa privada e a violência são. de 
modo absoluto, injustiça inconciliável coma ideada liber-
dade da vontade, tal qual a concebe o direito romano? 
O direito antigo resolve negativamente esta questão. 
Este direito, longe de condemnar em principio a 
defesa privada, via nella. ao contrario, uma manifesta-
ção natural, uma conseqüência necessária da liberdade 
da vontade, exigindo apenas que esta se mantivesse 
nos justos limitese se exercesse de accôrdo com as 
formulas prescriptas. (!) 
Mas o próprio direito novo. sob a influencia na-
cional antiga, dá á defesa privada extensão que se não 
concilia com a opinião que combatemos. O possessor 
Justus tinha, até JUSTINIANO. O direito de expulsar vio-
lentamente (desde que não fosse á mão armada) o pos-
sessor injustus que reluctava ; também o locador. e. em 
geral, o possuidor podia expulsar o que detinha em 
sen nome (2) e o ausente podia expulsar o que durante a 
(1) T\ meu JSipirito do direito romano. I, § 11. 
(2) Esta conseqüência que eu sempre sustentei, acaba de ser 
amplamente desenvolvida por K. ZIEBARTH. .Die Realexecution xind 
die Obligation. (A execução real e a obrigação), pag. 57 e seg. 
AS THEOK.IAS ABSOLUTAS 46 
sua ausência se apoderara do que lhe pertencia. Como 
conciliar estas theorias com a opinião de que a idéa 
dirigente de toda a theoria possessoría é a inviolabili-
dade ou a liberdade absoluta da vontade ? 
Pouco importa que os jurisconsultes romanos, de 
algum modo enfraquecendo a noção da posse, tenham 
attribuido esses casos, em todo ou em parte, á noção 
da defesa privada : o que é decisivo, é que em todos 
elles a pessoa detém a cousa. e sua vontade de se 
manter nesse estado manifesta-se claramente e de ma-
neira a não permittir duvida pela resistência que fazem. 
Soffrem. portanto, essa injustiça que pretensamente en-
cerra uma lesão absoluta da personalidade e contra a 
qual o direito não pôde deixar de defender quem quer 
que seja. isto é, a violência. E, no entretanto, são obri-
gados a soffrel-a. 
Pelo exposto se vê que o direito romano, longe de 
applicar á doutrina da posse o elemento formal de uma 
injustiça, pousando unicamente na violência, guia-se pelo 
elemento material da relação jurídica que existe entre 
as pessoas. O mesmo acto de violência segundo se com-
mette pro ou contra différentes pessoas, pôde ter apre-
ciações distinctas. derivadas das relações reciprocas 
dessas pessoas. Tudo quanto verificamos em relação á 
posse tem cabimento em relação ao Direito das obri-
A admittir-se a doutrina que combatemos, isto é, 
esse falso ponto de vista sob o qual se considera a 
posse, teríamos que a todo possuidor de cousa alheia, 
ainda o ladrão e o salteador, deveria assistir, contra 
46 O FUNDAMENTO DOS 1NTERD1CT0S P0SSESSORI0S 
a subtracção ou lesão dessa cousa, as acções criminaes 
que aos casos correspondem. E isto se dá? Não! A 
actio legis Aquüice, a condictio furtiva, a actio furti, 
a actio vi bonorum raptorum, não se lhes concede como, 
em geral, a todo o malce Jidei possessor ; e não só se lh'as 
nega contra o proprietário, mas ainda contra terceiros (1) 
Ora a questão de que se traía era mais nítida, em 
direito romano, em relação a taes acções, do que em 
relação aos interdictos possessorios, porque nestes era 
mister resolver ex-professo sobre a natureza delictuosa 
do acto. 
Se é em absoluto um delicto tirar violenta ou clan-
destinamente uma cousa de outrem ou. ainda damnifical-a 
e destruil-a. porque a pessoa lesada não pode lançar mão 
dos competentes remédios de direito ? Notem a flagrante 
contradícção em que cahem os meus adversários ! 
As acções possessorias, cuja natureza criminal é. 
pelo menos, muito problemática, perseguem como delicio 
um acto que tal classificação não tem nas acções. cuja 
natureza criminal ninguém contesta ! 
Temos exemplo na violência, em época anterior ao 
IJecretum Dim Marci : o devedor vexado pelo credor 
por toda a sorte de exigências, ainda as mais brutaes, 
não tinha contra este uma acção criminal, a injustiça 
soffrida pelo credor, característica de violação á sua 
vontade livre, nada importava, em vista do direito ma-
terial do credor. (2) 
(1) Veja para a actio leg. Ag.. 1. 2. S§ 6 e 8. aã. leg. Ag. (9-2). 
(2) Lei 12, § 2, quod met. (4-2) 
AS THEORIAS ABSOLUTAS 4 7 
Do que dicto fica, deveria claramente resultar, ao 
meaos, que não será romana e sim moderna a idéa de 
dar á vontade illegal uma posição inatacável, de que 
não poderá ser desalojada senão juridicamente e preten-
der que a vontade, ainda em contradicção com as leis, 
pôde e deve ser protegida, em consideração a ella propria. 
E' impossível que tal pensamento dominasse os roma-
nos na concepção da posse. 
Para melhor nos convencermos disto, examinemos 
a concepção da posse pelos romanos. Se a relação ex-
terior da posse não tem importância senão pela cir-
cimistancia de que nella se incorpora a. vontade e com 
Blla é lesada ; se por conseguinte, os interdictos pos-
sessorios repousam na idéa da lesão da vontade, pôde 
se perguntar : 
1.° Como se applicam os interdictos nos casos em 
que não se encontra lesão alguma da vontade e, antes, 
se cogita unicamente da existência ou não existência 
da posse ? 
Dous pretendentes a uma só herança, ambos os 
quaes pretendem se apossar da mesma ; chegam, por 
caminhos différentes e ao mesmo tempo, á posse da 
herança: desejam saber qual délies adquiriu a posse, 
se um só délies in soîidum ou ambos conjunctamente. 
Não ha duvida que devem elles discutir a questão per 
meio do interdicto uti possidetis, pois que ninguém vai 
obrigal-os a pratica de uma violência exclusivamente 
para attestar uma violação á vontade. Dous co-possui-
dores estão em desaccôrdo sobre certa reparação a fa-
zer-se e querem provocar uma decisão judiciaria. 
4 8 O FUNDAMENTO DOS 1NTERD1CT0S POSSESSORIOS 
O Frag. 12 Dig., Liv. 10, tit. 3, dá-lhes o in-
terdicto uii possidetis para solução do caso, mas não 
exige a violência como fundamento do interdicto. 
O interdicto utruhi, antes de JUSTINIANO, permittia 
reclamar a posse mesmo contra terceiro possuidor que 
a não recebera de quem a pedia e sim de outra qual-
quer pessoa, por ventura de modo inteiramente legal. 
A idéa de delicto era também tão extranha a este in-
terdicto como à reivinãicatio. 
2." Se é a vontade que se protege, e se a posse 
se apresenta apenas como manifestação da vontade, 
porque se exige nos interdictos a condição da posse. 
quando a vontade do outro modo se manifesta ? 
Um caçador segue uma caça, outro a mata á vista 
delle : porque não se lhe dá uma acção contra este por 
haver frustrado a vontade por elle claramente mani-
festada ? Em um theatro, alguém deixa signal sobre 
uma cadeira : outro, desrespeitando o signal, se apossa 
da mesma. A vontade de se apossar da cadeira por 
quem a assignalára estava francamente manifestada : 
mas quem poderá pensar neste caso em uma acção 
possessoria ? 
Pouco importa que a vontade tenha por fim a de-
tenção permanente ou provisória da cousa. Se a von-
tade por si mesma merece protecção, tanto deve ser 
respeitada em um como em outro caso. 
3.° Quantas cousas incomprehensiveis, pois, mesmo 
na theoria da posse ! Porque deixará de haver posse 
sobre as cousas delia não susceptíveis : porque se nega 
acção ao filho-família, capaz de querer: porque se 
AS THKOIUAS ABSOLUTAS 4 9 
negam os interdictos e até protecção aos que possuem 
em nome alheio ? Em todos estes casos, a vontade é 
incontestável, existe do mesmo modo que no caso do 
ladrão e do salteador, e se para estes, a natureza jurí-
dica de suas relações com a cousa nenhuma influencia 
tem em razão da natureza da vontade, porque não hade 
ser também assim nos outros casos acima referidos ? 
E' com motivos merecedores de piedade ( porque não 
convencem ) que se procura encobrir ou mesmo salvar 
as apparencias de tão palpável contradicção. Não é 
sempre certo que o detentor conheça a vazão porque 
se lhe não reconhece a posse jurídica. 
Um filho-familia que, por noticia certa ou pelo me-
nos digna de fé, de que seu pai falleceu, se considera 
chefe da família, tem sem duvida o animus possidendi, 
entretanto não poderá usar dos interdictos que em tal 
qualidade lhe assistem, se se demonstra que seu pai 
vive ainda.

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