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» eac-iitete I LEVI CARNEIRO O funflamento úos intemictos possessoiios © ^ —  OBRAS DO TRADUCTOR R h e t o r i c a e poética—Eio de Janeiro, 1884—Editor Seraphim Jose Alves. I n t r o d u c ç ã o à s p r e l e c ç õ e s d e D i r e i t o r o m a n o do Dr. Dutra Rodrigues—Rio—Typ. Industrial. 1887. A noiva (escorço de um romance naturalista)—S. Paulo, 1888. A p o e s i a e a a r t e s o b o ponto d e v i s ta philosophico—Eio— Typ. Leuzinger, 1891. T r e z e d e Maio , carta republicana endereçada ao Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira—Eio, 1889. O p o v o e o b a n q u e i r o , (paniphleto de propaganda socialista), 8 números Eio—Typ. MonfAlverne, 1892. E p h e m e r a s (poesias)—líamos de AJmcida &- C . editores- Maranhão, 1894. O n a t u r a l i s m o no Brazil—Julio Eamos & C, editores—Maranhão, 189-1. Q u e s t õ e s d e D i r e i t o civil , de R. vou Jhering—Laemmert & C. editores Eio de Janeiro—S. Paulo e Eecife, 1899. A n o v a p h a s e do Dire i to civil , de E. Cimbali—com um prefacio de Clovis Beviláqua—Francisco Alves, editor—Rio de Janeiro e S. Paulo, 1900. O fundamento dos interdictos possessorios, de E. vou Jhering, Laemmert & C, editores—Eio Janeiro—S. Paulo e Recife, 1900. A P U B L I C A R : A s g a r a n t i a s c o n s t i t u c i o n a e s , por Amancio Alcorta—traducçao da 2.1 edição argentina, com annotaçoes referentes a Constituição e direito constitucional hra/.ileiro. e com um prefacio de Ruy Barbosa. A lei da r a z ã o no t h e a t r o , (estudo critico publicado em parte nas revistas Contemporânea, do Eecife, e Théâtral, de Lisboa. O Brazi l l i t terario, (2 volumes). Estudos jurídicos. Estudos de cri t ica l i t terar ia . C a r i a t i d e s , (contos e phantasias). A p o e s i a m o d e r n a e o s a c t u a e s p o e t a s b r a z i l e i r o s , estudo cri- tico publicado em parte no jornal fluminense Novidades em 1888. •ses* RUDOLF VON J H E R I N G O FUNDAMENTO COIVI UIVI APPENDICE CONTENDO O ESTUDO SOBRE O «CORPUS POSSESSIONS». DO AOCTOR, E UMA CHITICA DA THEOBIA POSSESSOK1A DO MESMO, PELO DE. JOSEPH DUQUESXE TRADUCCÃO DEVIDAMENTE AUTORIZADA yídherbal ôe Carvalho ADVOGADO HOS AUDITÓRIOS DA CAPITAL FEDERAL R I O D E J A N E I R O L A E M M E R T & C. — E D I T O R E S 66, Rua do Ouvidor-, 66 CASAS MI.IAES EM S. PAULO E BRCIFK I 9 O O ■ (f ^ 4 C O : Ú ? A : I H I A T Y F C G R A F H I C A ZZ S R A Z I L fos preclaros mestres e amigos Clovis ^euilaqua f[ffonso Celso c Jsidoro Jv(aríins j-unior Dedica O Traducior INTRODUCÇÃO Nenhuma monographia sobre o direito romano des- pertou tanta admiração e applausos, e tanta opposição e doestos como a de SAVIGSY sobre a posse e, a meu ver, com toda a razão. SAVIGNÍ terá eternamente a gloria de haver res- taurado na dogmática do direito civil o espirito da jurisprudência romana} e qualquer que seja definiti- vamente o resultado pratico que delle se obtenha, seu mérito incontestável não soffrerá detrimento algum. Todavia o conhecimento desse mérito não deve e nem pôde impedir a sciencia de submetter as opi- niões de SAVIGNY a um novo exame, e nem mesmo reprimir na critica o anathema lançado por PÜCHTA num momento de máo humor e despeito produzido pela torrente avassalladora da litteratura possessona, contra qualquer duvida que se intentasse suscitar; a expe- riência demonstrou-o e demonstral-o-á sempre. Effectivamente a obra de Savigny, mais do que qualquer outra, provoca a critica, não em seus deta- lhes, mas nos fundamentos mesmos das opiniões, e seria, Vil I INTHODDCÇAO a meu vêr, um symptoina de agonia do sentimento e do espirito jurídicos, uma prova de decrepitude, se a bciencia. ante os enigmas que a theoria de SAVIGNY sobre a posse provocou, se desse por satisfeita. Desde o primeiro momento que pude formar um juizo scientifico independente, achei-me em desaccordo com esta theoria sobre pontos essenciaes. Não obstante, julguei não dever expressar em publico a minha opinião, se não depois de submettel-a a numerosas investigações. Pratiquei taes investigações em larga escala e, sem querer pretender que nisso se veja uma garantia objectiva da verdade, posso pelo menos garantir que nada omitti para conseguil-a.  primeira difficuldade que deparei na theoria possessoria de SAVIGNY, diz respeito a questão do animus âomini e já em 1848 expuz em minhas Kcções, o fundo da opinião que se acha desenvolvida no cap. 3.° Muitos outros pontos de divergência, occorre- ram-me em seguida, particularmente na doutrina do constitutum possessorium e na questão do fundamento da protecçáo concedida á posse. Estes pontos foram objecto de estudos que se succederão na ordem seguinte: I Fundamento da protecçáo possessoria. II Natureza jurídica da posse. III O animus domini. IV O constitutum possessorium. CAPITULO I Vista de Conjunct*» Porque se protege a posse? Ninguém formula se- melhante pergunta com relação á propriedade, porque, pois se a faz com a posse? E' porque a protecção dis- pensada á posse tem, a primeira vista, algo de extra- nha e contradictoria. Effecti vãmente a protecção da posse implica outrosim a protecção do salteador e do ladrão ; ora como é que o direito, que incrimina o assalto e o roubo pôde reconhecer e proteger seus fructos na pessoa de seus auctores ? Não será isso approvar e sustentar com uma mão o que com a outra persegue e repelle? Quando uma instituição existe ha muitos séculos, nenhum homem dotado de espirito imparcial pôde sub- trahir-se a convicção de que ella se deve basear em motivos imperiosos e, de facto, a necessidade de prote- ger a posse nunca soífreu uma contestação séria. Toda- via, ainda se está muito longe de um accordo una- nime sobre os motivos dessa protecção. Alguns auctores, especialmente os antigos, evitam completamente o problema ; conformam-se, como acon- tece sempre, com o facto consummado. Mas se algum i 2 O FUNDAMENTO DOS 1NTERD1CTOS POSSEStiORIOS facto existe que tenha necessidade de explicação sel-o-á este, sem duvida. Assim eomprehendeu-o SAVIGNY e por essa razão procurou explical-o. A sua solução, porém, não obstante o applauso que logo mereceu, não se conseguiu manter e innumeras tentativas fizeram-se para resolver a questão de outra maneira, e por minha vez. faço a tentativa de uma nova solução. O problema não é do domínio exclusivo da philo- sophia ou da sciencia da legislação, como a primeira vista parece, pois que tem uma grande importância dogmática e espero demonstrar que a sua exacta solução é, não somente a primeira condição para a boa intelli- gencia de toda a tbeoria possessoria, como também conduz a importantes resultados práticos. A circumstancia de que as soluções dadas até aqui a esta questão não foram reunidas em um apanhado geral e submettidas a uma critica rigorosa, obriga-me. antes de tudo, a emprehender essa tarefa. (1) Procurei classificar estas soluções, de modo análogo ãs theorias do direito penal, distinguindo assim as theorias absolutas e as theorias relativas. As theorias relativas da posse procuram o alicerce de sua protecção, não na propria posse, mas em con- siderações, instituições e preceitos jurídicos extranhos a ella, que não é protegida senão para dar a outrera a pleni- tude de seu direito; a posse, por si mesmo éinconcebível. (1) Deve-se, todavia, fazer menção especial do BANDA. Dei Besits nach ostcrr, Itecht (A posso no direito austríaco). VISTA DE C0NJUXCT0 3 As theorias absolutas, pelo contrarío? tratam de conceber a posse em si e por si mesma. A posse não deve sua protecção e importância a considerações que lhe são extranhas, é por si mesma queella se torna reco nhecida juridicamente e o Direito não lhe pôde recusar este reconhecimento. Uma destas theorias encontra o fundamento juri dieo da posse na vontade. (1) A posse é a vontade em si, o facto, pois, pelo qual a vontade humana se réalisa sobre as cousas. o que deve ser reconhecido e respei tado pelo Direito sem indagar se é util ou perigoso ; é um direito primordial da vontade de que a posse seja reconhecida quer pelo legislador in abstracto, como pelo juiz in concreto tantas vezes quantas delia se occupem. Em summa. o possuidor pode reclamar o reco nhecimento da protecção com o mesmo direito que o proprietário. A esta necessidade de protecção posses soria. fundada no caracter ethico da vontade, oppõese outra theoria com a necessidade econômica da posse. A posse é tão economicamente necessária como a propriedade ; ambas não passam de formas jurídicas sob as quaes réalisase o destino econômico das cousas para satisfazer as necessidades da humanidade. E' sob estes dous pontos de vista différentes, que em seguida agruparei as opiniões diversas, sem esquecer comtudo. que é impossível darlhea a precisão e a cla reza que distinguem as theorias do direito penal. (1) V. do auctor D >■ Bmtzmle (A vontade na posse) complemento desta obra. 4 O FUNDAMENTO DOS INTER Dl CTO S POSSESSOUIOS Além disso, a differença tem sido tão pouco accen tuada até aqui, que as vezes achamse em certos auctores os échos dos dons systhemas.(l) Quiçá este ensaio con tribua, ao menos, para lançar alguma luz sobre este ponto, ainda um tanto obscuro. 1 ■—■ THEORIAS RELATIVAS A protecção possessoria não tem o seu fundamento na propria posse, mas : 1.° Na interdicção da violência: a) SAVIGNY esclarece especialmente a razão do di reito privado que assiste ao possuidor. (A perturbação da posse é um delicto contra o possuidor). b) RUDORFF, pelo contrario, fixase mais no motivo juriâicopublico que assiste á communiãaãe. (A per turbação da posse é um attentado á ordem juridka). 2.° No grande principio de direito de que « nin guém pôde juridicamente vencer a outrem. se não tem motivos preponderantes em que funde a sua pre rogativa » ( THIBAUT ). 3.° Na prerogativa da probidade, em virtude da qual devese suppor. até prova em contrario, que o possuidor que pôde ter um direito á posse, tem na realidade esse direito (RODER). (1) Pu* ii ! \ Yernmchte Scriftm ( Mîscelaneas ), pag. 265; TfîENDELEMBmr., Naturrecld auf dem Grunãc der Etl<ik(0 Direito natural fundado na ethica). 2' edição. Leipzig, 1868, § 95 : G ANS. VISTA DE CONJUNCTO 5 4." Na propriedade, a posse ê protegida : a) Como propriedade provarei (ou possível); tal é a opinião antiga. l>) Como propriedade que começa ( G A H S ) . c) Como complemento necessário da protecção da propriedade, tal é minha opinião. 2 — THEORIAS ABSOLUTAS À posse é protegida por si mesma attendendose a que: 1.° Ella é a vontade em sna real encarnação (GAXS. PUCHTA e BRUNS) ; 2.° F, que «serve, como a propriedade, ao des tino universal do patrimônio, á satisfação das necessi dades da humanidade por meio das cousas e pelo poder livre que sobre ella se exerce. Seu fim é conservar o estado de facto das cousas (STAHL). (1) (1) O Sr. ADOLPHO POSADA annotando esta parte na edição hespanhola deste livro assim se expressa : ■ Pódese talvez affir mar que todas estas theorias, umas mais. outras menos, formu lamse sob a preoccupação natural (pressão) do direito romano. Supposta a idea da posse, a dificuldade estrifaase para o di reito positivo, em determinar adequadamente: 1° que relaçùo internas presuppóc a posse: 2o que dados do sentido bastam para que esta se revele, e de facto subjeetivo pessoal, passe a ser reco nhecida, declarada o protegida socialmente. A questão aqui está em saber se a posse consiste na mera possibilidade de dispor do objecto (detenção material se se trata de cousas physicas) em cujo caso todos os seres possuem, ou se se tem necessidade da vontade (animus) de deter o objecto como seu. Indubitavelmente quando a posse entra na esphera social, esta ultima condição é G O FUNDAMENTO DOS INTBRDICTOS POSSESSORIOS necessária, por mais que o alcance dessa intenção tenha sido apreciado de modo diverso pelas legislações e pelos auctores, pelo que poderia implicar o animus po^denti ou o cnthuus doinini. e comtudo limitando a intenção ao mtmiv.s possui nü. a intensi- dade pela qual elle se determina, deu lugar a critérios diversos, especialmente ao amplo objectiva da concepção germânica (a Goweie) e ao acanhado objectv-o da concepção romana, e nesta a mera de- tenção das cousas, a posse ad interdicta o ad usucajrionem. Conforme nota ERNESTO LEHR {Tratado dementar de Direito civil germânico. Allemanha e Austria), tomo 1°. pag. 14'2, edição de 1892, " entre os antigos jurisconsultos aliemães a instituição correspondente, com mais ou menos exactidão, ao que chamamos hoje posse, designava-se com o nome de üewere. Hste nome do mesmo modo que a palavra franceza possession indicava três cousas disünctas: 1° o poder de facto que se tinha sobre um immobiliario ; 2° o direito que nascia desse poder de facto : e 3° o próprio imnio- biliario sobre o qual recahia esse poder ou esse direito. Como a posse, significava um poder, nm direito e a propria eousapossuída». Levando-se em conta as exigências cio direito romano, em vir- tude das quaes a mera detenção não aceusava posse e a Gewere sim, vc-se quão different em ente chegou-se a entender o assumpto. Esta variedade no modo de entender a posse refiecte-se tam- bém nas legislações positivas. Actualmentc questiona-se entre os tratadistas sobre o alcance dos preceitos do direito romano, po- dendo vêr-se em VAN WETTEE (Traité de la possession en Droit romain) um resumo das diversas opiniões, c quanto as legislações que mais ou menos seguiram o direito romano, ora inspirando-se totalmente nolle, ora soffrendo sua influencia, nota-we muita diver- sidade de pareceres. Entre as legislações actuaes vigentes na Alle- manha é qualificada a posse cum an'mo domini pelo Cod. C'fil austríaco (art. -309) e pelo Saxão (art. 186) assim como pelo pro- jecto do Cod. Civil bávaro (III, 1, art. Io) e pelo primitivo pro- jecto do Cod. Civil allemão. Em compensação o Cod, Maxim iliano. como diz o citado LKHR (pag. 144), chama posse a simples detenção de uma cousa « para si », em opposição a detenção sem animo algum. O mesmo acontece com o Lanãrecht prussiano que qualifica de possuidor aquelle que tem uma cousa, com intenção de dispor delia « para si •> distinguindo entre possuidor completo e incom- pleto. O Landrecht badense não exige do possuidor senão a intenção VISTA DE CONJÜNCTO 7 de dispor da cousa em seu próprio nome e pa ra si . O Codigo saxão, não obstante o que ficou dito, concede accões posses s o r e a quem quer que t enha a cousa pa ra servirse delia, ou a titulo de garan t i as . E n t r e os principaes códigos suissos, o de Berna ( a r t . 349) e o de Zurich ( a r t . 0 4 ) consideram como possuidor áquclle que sem o animus âominL t em a cousa. como por exemplo, o usufruetar io. o colono, o a r r e n d a t á r i o . Procurase nestes códigos dis t inguir a posse que podia implicar a propriedade de toda a cousa. o domínio, da posse de um di reito, que não suppõe domínio, mas tal ou qual aprovei tam on to daquelles que a plena propr iedade ( dirocta e ut i l ) acar re ta . No Cod. Xapoleonieo (a r t . "2230), .pretendese ver na posse o animus douma, e I .VIRENT rebatendo TROPLONG cita as seguin tes palavras de DOMAT : » que a simples detenção de uma cousa não se chama propriamente po^se : não bas ta para possuir ter a eousa, é preciso que a t enha em seu p o d e r » . Segundo o mesmo LAUKFXI'. OS rodactores do Códigonão reproduziram a distincçâo da posse natural e civil (Principes de D oil civil. XXXII. 26;.!). Em compensação da definição do Código civil i tal iano ( a r t . 68.">), assim como da dos códigos i tal ianos anter iores (Pa rma . Nápoles, Albertino). na opinião do professor LOMOXACO, podemse dis t in guir t rês classes de posse : natural legitima e de bòa fé. on antes, impies detenção (garan t ida pelo interdicto de recobrar) a posse com animus ãomini c a que se rve de ponto de par t ida e fun damento á usucapião propr iamente di ta . 0 Código civil hespauhol t r a t a em primeiro lugar da posse eomo relaçfio jur ídica independente {Direito real) logo após da propriedade ( t i t . 5 o do liv. 2 o ) , c respondendo ao cri tério imposto pela base I I , dist ingue en t r e posse na tu ra l e civil por este modo ( a r t . 430) P o s s e na tura l é a detenção de uma cousa ou o goso de u m direito por u m a pessoa . Posse civil é essa mesma detenção ou gozo unidos a intenção do haver a cousa ou direito eomo seus. .. O direito civil brazileiro, Ordenações phillip pinas, (segue a clas sificação do direito romano j á conhecida (LAFAYETTE, R I B A S , T E I XEIRA DE F R E I T A S , COELHO DA ROCHA, e tc ) . O projecto do Coãvjo ■iál brazileiro do D r . COELHO RODRIGUES pre tendendo afastarse da theoria savignyana pa ra adoptai' a de JHEKING reproduzio insen BiveJmente a theor ia de SAVIGNY. «A aequsição normal da posso 8 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS resulta, diz elle, (art. 1325): § 1" da manifestação de um poder material sobro a cousa e, § 2' da vontade do detentor exercer esse poder no seu próprio interesse». O luminoso projecto do Código Civil brasileiro do egrégio Dr. CLOVIS BEVILÁQUA, é o primeiro, ao que me consta, em que a theoria de JHF.IÍIXG é sustentada em sua totalidade, pois o Cod. allemão somente em parte adoptoua. Segundo este código o corpus da doutrina savignyana foi conservado e não o animus possidenãi. Se quiséssemos agora em breves termos syiithetisar o modo porque o conceito romano da posse passou ás legislações mo dernas, nada seria melhor do que estas palavras do Sr. AZCÁRATK em sua importante Historia dei âerecho ãe proprîedad (tom. ■'•". pag. 111) <• Eílas conservam, diz elle, o conceito romano da posse : dvle.nt.io rei corpovalis animo sibi habendi; dahi os dons requisitos: twpus et animus ãominí, isto ê, a posse da cousa e sua retenção como dono. Mas afastamse, por um lado: ao passo que o direito romano considera a posse como um poder absoluto análogo a propriedade, admittindo somente a que se chama quasiposse, com relação a determinados direitos reaes, os códigos modernos reconhecem que aconteceihes a mesma cousa que ao dominio: e por outro lado, em que o primeiro só protege a pow. ariJ {a que conduz a usucapião) e a posse ia protegida pelos interdictos ). porém não a mera posse, ao passo que muitos dos segundo concedem esta protecção, se bem que passageira e provisória, afflrmando o principio de que qualquer que seja a natureza da posse ninguém pôde perturbala arbitrariamente. Além disso notese que uns códigos definem a posse em seu sentido mais lato, determinando logo suas varias espécies, entre tanto que outros como o de Berna, seguindo os romanos, de finem a que tem maior importância jurídica». Acerca da differença entre a Gewere germânica e a posse. vejase AHRF^S Eneiji.lopeãie juridique, vol. '2a, AÍIEENS cita a propósito ALI.RÉCHT, A posse (Geneve) como base do antigo Direito real allemão, e SANDHAS, Ensaios Germanístas. CAPITULO II A iolerdicçRo da violência como base dos iitlerdieios possessore O opinião de SAVIGNY ê tão conhecida, que julgo apenas necessário transcrever suas proprias palavras: (1) «Xâo constituindo a posse por si mesma um direito, a sua perturbação não é em rigor um acto contrario ao direito ; não seloia senão quando se violasse a posse e um direito qualquer. Ora. isso mesmo é o que acontece quando a perturbação da posse é o resultado da vio lência ; com effeito sendo injusta toda violência, é contra esta injustiça que se dirige o interdicto. Os remédios gossessorios suppõeru um acto que, por sua propria fôrma, é illegal.—O possuidor tem o direito de exigir que ninguém lhe perturbe violentamente.>• •■ Xão ha alii a violação de um direito subsistente por si. fora da pessoa, mas a modificação prejudicial de um estado desta : e se se quer separar completamente e em todas as suas conseqüências a injustiça resultante da violência de (1) Bechtsãts Besítzes {Direito de posse) 7:i edïc, pags. 30 e 32. 10 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS que a pessoa foi victima, torna-se indispensável restabe- lecer o estado de facto contra o qual a violência se diri- gira.» (1) A opinião de RUDORFF (2) não se différencia, na essência, da de SAVIGNY. AO passo que este reconhece o direito á protecção contra a violência, na pessoa do pos- suidor, e affirma expressamente (pag. 63) que « os inter- dictos possessorios têm a sua base em considerações de direito privado», RUDORFF accentua o caracter publico da violência como uma « perturbação á paz e á ordem publica», relacionando a protecção possessoria com a prohibição de se fazer justiça por suas proprias mãos. (pags. 62-64). E' claro que mesmo este ultimo ponto de vista póde-se conciliar com a protecção ao direito privado do possuidor, como prova-o perfeitamente o Decretum Divi Afarei. Mas, por outro lado, este direito acha-se muito restricto, quando se nota que a turbação ou o esbulho violento da posse não tem sempre por fim fazer justiça por suas proprias mãos, sem fallar de outros casos de esbulho illegal da posse (Ciam, 'precário). As duvidas que se levantaram contra esta modificação da opinião de SAVIGNY (Savigny, obr. cit. Appendice, pag. 575), pare- cem ter levado o auetor a renuncial-a peremptoriamente, (1) S A V I G N Y - llechts des Bcsitzes, p a g . 5, 7 a edie. de R Ü D O E F F . Vienna I860, pag. 65 . (2) Zeitschr. f. gesch. l í . W. , VII, pag. 90 ü seguintes , {Revista histórica de sciencias juridico.s). A IXTER.DICÇÃ0 BA VIOLÊNCIA 1 1 de modo que poderemos nos limitar, (Vaqui em diante, ao exame exclusivo da idéa de SAVIGNY. Esta idéa indubitavelmente, a primeira vista, seduz e attrahe, quando se esquece ou ignorase o aspecto que reveste a posse no direito romano. Em um tratado de di reito natural semelhante idéa teria todo o cabimento, (1) mas numa obra que pretende expor a tbeoria romana da posse, não poderá senão causar uma profunda surpreza. por ser inconciliável com esta theoria e prestarse, sob todos os pontos de vista, a contradicções palpáveis. A tentativa de réalisai* legislativamente esta idéa. engendraria um direito possessorio que não guardaria a mais leve semelhança com a posse romana. Passo a demonstralo examinando os principaes pon tos da theoria romana da posse. 1—FALTA DE PROTECÇÃO DA ■• DETENTTO ALIENO NOMINE » Se os interdictos possessorios repousam na idéa de uma violação de direito commettida contra a pessoa, não se percebe a razão porque não podem usar délies aquelles que possuem alieno nomine. Que ha de commum entre a injustiça contra a pessoa e o modo pelo qual esta possue ? (1) E mesmo neste presnppos.to será preciso, como nota RANDA (obra atada), que o esbulho da posse seja um acto injusto em si. « A violência em si não pôde parecer injusta, senão quando lesa ura direito. Com effeito, onde nenhum direito é lesado, e ha so mente uma troca do estado de facto,.não pôde haver questão cora relação a evitar a injustiça da violência e suas conseqüências.') 1 2 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSOÏLIOS Será, por ventura menos lesada pela expulsão de um arrendatário do que pela do emphyteuta ? A violênciaé sempre violência seja qual fòr a pessoa contra quem se exerça. Uma acção que como tal. isto é. independentemente da pessoa lesada, encerra em si uma injustiça, não pôde ser e deixar de ser injusta segundo a diversidade das hypotheses. Ouçamos o que diz SAVIGNY a este respeito : « Das duas uma. diz elle (pag. 59). ou suppomos que o que tem a eousa está de accordo eom o seu verdadeiro pos- suidor, ou está em opposiçao. No primeiro caso elle não tem necessidade de interdictos. pois que os do possuidor bastam-lhe. No segundo caso. se quer invocal-os contra a vontade do possuidor, quer contra si mesmo, quer contra um terceiro, não poderia fazel-o. porque contraveria as relações obrigatórias em que se basea a sua detenção e que cobrem perfeitamente todos os seus interesses. Esta argumentação convencerá alguém ? duvido. (Veja-se neste sentido RANDA, obr. cit. nota 3*). SA- VIGNY ahi perdeu de vista sua idéa propria e pessoal dos interdictos possessorios. Com effeito. se estes são meios de protecção contra a injustiça feita á pessoa, se a relação possessoria não tem senão uma importância subordinada, que se reduz ao elemento de facto da situação, neste caso não se pôde comprehender o motivo porque o detentor deve depender do possuidor para ser protegido contra uma injustiça que lhe é pessoal. E ' perfeitamente indiferente « que os interdictos do segundo protejam sufficientemente a ambos, e que A INTERDICÇÀO DA VIOLÊNCIA 13 por isso o detentor não os necessite», desde o momento que a perturbação da posse está. não na posse, mas no direito da pessoa. A protecção contra a injustiça da per- turbação não é uma questão de opportunidade ou de ne- cessidade, mas uma simples conseqüência. O lesado será protegido ; se são ambos lesados, ambos devem ser prote- gidos ; se um só é lesado, somente este deve ser prote- gido, pois o detentor deve sel-o em todos os casos, visto que é elle o primeiro e mais directamente moles- tado pela violência. E' o que acontece com o interdicto quod vi aut dam ; se o opus vi aut clam factum lesa igualmente o interesse do arrendatário e do arrendador, ambos tem o interdicto. (L. 12. quoã vi. 43-24). Ora. se se reflectir que este interdicto suppõe um delicto. (1) ver-se-á facil- mente como deveriam os jurisconsultos romanos decidir, se considerassem os interdictos possessorios sob o mesmo ponto de vista. Se os detentores não têm necessidade de um meio de protecção independente, porque o direito romano concede-lhes as actionem furti e,t oonorum raptorum ? (L. 14, § 2: L. 85 de furt. (47-2); L. 2 § 22, vi bon. (47-8). O mesmo motivo pelo qual, segundo SAVIGNY, nega-se-lhes os remédios possessorios, deve existir para se lhes negar estas duas acções, e não acontece assim, o que prova que o direito romano não deixou ver a direcção (1) L. 3..pr. ibid, fado tuo d e l i n q ü e n t e s : L. 1. §2. in.iu- i*iam commmisü. Este interdicto compete até ao filho família. L. íí, deO. e A. (44-7) injvna.iv.iin d. quoã ri aut dam. L. Vi, § 2. quod vi. 1 4 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS immeãiata destes delictus contra o detentor, nem a necessidade e a importância de conceder-se contra ella nma protecção immeãiata. E não é somente a lesão pessoal que se toma era consideração nestas duas acções, assim como no inter- dictum quod vi aut clam; mas também o interesse real patrimonial da manutenção da relação possessona, que se evidencia na posse do detentor, Praeterea, diz a cit. L. 14, § 2, Dig. Liv. 47, tit. 2.° de furt.. habent furti actionem coloni, quamvis non sint, quia interest eorurn; e na citada L. 2, § 22, Dig. Liv. 47, tit. 2.°, vi bon., a cotisa recebida por commodate, penhor ou locação comprehende-se incorporada em o nosso patrimônio, no sentido de que sem ser por sua natureza uma cousa in bonis, não se conceitua como acliando-se ex-oonis} isto é, ut ex substancia mea res oblata esse propo- natur. .. at intersit mea earn non auferri. Assim acontece quando o locador obtém o interdicto de migrando em virtude da retenção das cousas locadas ainda mesmo que estejam estas, sob sua posse, por em- préstimo, aluguel ou deposito, estendendo-se também a estas cousas & her éditâtes petitio (L. 2." de migr. (43-32); L. 19 pr. v. her. pet. (5-3). Quando o possuidor e o detentor não estão de accordo, diz SAVIGNY, este ultimo não pôde invocar os interdictos porque exorbitaria das relações obriga- tórias sobre que se apoia a sua detenção. Mas, sup- pondo-se mesmo que o exercicio dos interdictos contenha em si uma usurpação contra o possuidor, que impor- tância terá ella para o perturbador? A INTERDICÇAO DA VIOLÊNCIA 1 5 Este ultimo não é julgado senão no alcance e na medida de seu próprio acto e não pôde allegar um direito das relações obrigatórias entre o detentor e o possuidor. (1) Se isso em algum caso pudesse succé- der, seria no da expulsão do arrendador pelo arren- datário-, porque neste caso, a violação da relação obri- toria é indubitavel e flagrante; e não obstante o direito concede os interdictos ao locatário que se fez possui- dor (L. 12, devi (43-16), e o terceiro que objectasse, segundo SAVIGNY, as relações obrigatórias que existem no locador, não seria siquer ouvido. (1) a Independentemente do direito romano e de todo o direito positivo parece-nos . diz o Sr. A. POSADA, que a opinião, de SEEKING corresponde, melhor que a de SAVIQSY, ao conceito do direito, considerado es te como relação que sempre se es ta - belece entre a finalidade racional e a livre conducts dos s e r e s . Assim, no caso a que J H E R I N G se refere, a relação jurídica está entre o mero detentor e o que a p e r t u r b a : isto ê, que aqui o detentor é o que não pôde nem deve consentir a violência exercida por um terceiro com relação aoa direitos que tem. e o qual, ao violentai-a nega-lhe a condição jur íd ica . A con- clusão de que o auetor da violência não pôde deduzir u m direito das relações obrigatórias que exis tem entre o detentor e o pos- suidor», indica o profundo senso jurídico de JHERUTO, e não obstante as l imitações que ainda se notam em o seu conceito do direito que o encara como relação étnica que se apoia na intenção reflexiva, rompe cer tos en t raves que impõe o direito positivo considerado como direito ob jec t ive real e respei tável em si, para não ver o direi to senão na vida e sempre n a cofi- dueta e em cada relação ; ne s t e caso, na relação especial e con- creta entre o detentor e o que intenta tu rba l -o (negar o direito) na detenção da cousa» 16 O FUNDAMENTO DOS INTJERDICTOS POSSESSORIOS Em samma, póde-se dizer que a tentativa de SA- VIGNY para refutar as objecções que podem ser dirigidas á sua theoria, de falta de protecção ao detentor, é totalmente falha. K' uma extranha ironia do destino litterario de que o próprio SAVIGNY, a despeito de seu extraordinário talento, dá-nos abundantes provas; é uma extranha ironia da sorte litteraria. digo, que SAVIGNY, o restaurador da theoria romana sobre a posse, tenha para elucidar essa mesma theoria, enunciado um pen- samento que está em contradicção inconciliável com semelhante theoria, e que ao mesmo tempo opponha-se rudemente contra uma concepção moderna que se pro- duz na esphera da posse, contendo a realisação histórica de sua doutrina: refiro-me ao summarissimum e a actio expolii. Todo aquelle que lobriga na perturbação e esbulho da posse uma injustiça contra a pessoa, deverá forçosa- mente applaudir esses dons remédios legaes concedidos a todo o possuidor, sem attender a qualidade de sua posse, e sondal-os alegremente, como realisação de sua idéa. Pois bem, SAVIGNY, considera-os como uma aber- ração scientifica, como um absurdo. Além disso, quem assim se expressa e lucta por conservar a pureza do direito romano, deveria,como ninguém, combater a proposição pela qual, os meios de protecção da posse reduzem-se a uma protecção tja pessoa. Ora, SAVIGNY, não se limitou somente a exprimir semelhante opinião, manteve-a durante meio século. A INTEE.DIGÇÃO DA VIOLBNCIA 17 2 - FALTA DE PROTECÇAO DA POSSE PAS COUSAS NÃO SUSCEPTÍVEIS OÜ DAS PESSOAS INCAPAZES DE POSSE >(j Cousas. Não pôde haver questão de posse nem le protecção de posse das cousas extra commerckim. Porque razão? Sob meu ponto de vista, será esta ques- tão resolvida satisfactoriamente nas paginas subse- quentes. Com effeito, estas cousas não são susceptiveis de propriedade, ora a posse não sendo senão a exterio- ridade da propriedade, deve portanto desapparecer onde esta é inconcebível. Mas partindo do ponto sustentado por SAVIGNY, semelhante proposição não pôde ser esplicada de fôrma alguma. Com effeito, se a lesão da posse não adquire im- portância jurídica, senão quando encerra uma injustiça contra a pessoa, a qualidade da cousa não tem valor algum; quer seja movei ou immovel, susceptível ou não susceptível de propriedade. Em rigor isto é tão indifférente como saber se um homicídio deu-se perto de uma casa ou de um muro, sob um pé de faia ou de carvalho. À ser exacta a idéa de SAVIGNY, dever-se-ia applicar á posse a de- ãsão que contem a L. 13 § 7." (47-10) para a actio injuriarum, e que prescinde completamente da quali- dade jurídica particular da cousa. Que se me impeça de fazer uso de minha propria cousa ou de uma res publica (in publicum ïavare ant in caveat publica seãere, etc.), ou de uma res communis nnium (in mari piscari) é-me completamente indiffé- rente, terei sempre a actio injurarum. 1 8 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS Não se deve dizer: o possuidor de uma cousa res extra commereium não tem interesse na cousa, ou com me te uma injustiça apossandose delia, e a injustiça não pôde ser protegida ; porque o mesmo podese dizer do ladrão ou do bandido, (1) e não obstante, concedemse ihes interdictos possessorios. Além disso, se bem que não fosse exacto quanto ás res sacrœ e pubïicœ, não se pôde dizer o mesmo com relação a todas as res extra commereium. Com effeito, a res religiosa achase para com aquelle a quem pertence (ad quem pertinet) em relação análoga ã de propriedade; tão somente essa pessoa pôde usar delia para os fins a que se destina e tem, como o possuidor, a faculdade de excluir qual quer outro. N'uma palavra, tem a esse respeito um direito juridicamente reconhecido e protegido. (2) Em caso de perturbação violenta dessa relação, achamse reunidas no possuidor as condições que, se gando SAVIGNY, bastam para os interdictos possessorios, (1) Assim é que não se lhes concede nem mesmo quando roubouselhes a elles próprios a cousa, o actio furti (V. a L. 76 § Io de furti), (472) : si honesta cx causa interest. (V. também a L. 12 % Ia ibit., Nemo hnprobitatc sua, consequitnr actionem e a aci, ad e.rihendum. L. ■':>. § 11. ad exldb : — A acção de di visão de herança não se extende ao adquirido vel vi aut latro cínio aut aggressura. L. 4a § 2o. fam. ere.) 102). (2) Os textos em que me apoio estão em meu Espirito do Direito romano, III, pag. 335: pódese aecrescentar o de ORELLI. Corp. inseri., mim. 4358, citado por EUDORFF, a respeito de SAVIGNY, lei citada, pag. 604 e na qual se trata de tradição de um monumento funerário, (in vacua ni possessionem— ire aut mittere). A 1NTERDICÇA0 DA VIOLÊNCIA 1 9 e não obstante, negamse estes ao interessado (1) con cedendoselhe outros meios de protecção. O mesmo dáse entre o pai e o filho. O esbulho de um filho ou de um escravo seria para aquelle de igual valor ? E, todavia, no caso de esbulho de um escravo conce diaselhe o interdiction utrubi, um interdicto possessorio, eniquanto que no esbulho do filho deviase recorrer a interdictos especiaes (de liheris exhibenãis et âucendis). b) Capacidade de possuir nas pessoas. —Os escravos e os filhos famílias são, como se sabe, incapazes de possuir em Direito romano. (L. 49. § Io de pos. (412). Consoante SAVIGNY (pag. 126) «esta verdade resulta evidentemente da regra geral, segundo a qual o filho família não pôde ter direitos patrimoniaes ••*. Perfeita mente, porém como se concilia esta explicação com a idéa de SAVIGNY de que na posse não é o patrimônio que se protege e sim a pessoa ? Se é certo que o? interdictos possessorios nascem da idéa do delicto seria absolutamente impossível recusalos ao filho fa mília, pois que lhe assistiria direito a elles pelo mesmo motivo da L. 9 de O. e A. (447) Suo nomme nuUam actionem babei nisi i n j u r i a r e m et q u o d Vi a u t c l a m et âepositi et commodaU. 3 . — PROTECÇÃO DA POSSE DO <■' IXJUSTUS OU MAL.Í! FIDEI POSSESSOR ■• Eis aqui, a meu ver. uma contradicção insoluvel na opinião de SAVIGNY . Negase ao ladrão e ao salteador (1) Lei 30, § 1° de poss. (412), 20 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSEsSORIOS a actio furti e actio legis Aquilœ, (1) como poderá cunce- der-se-lhes os interdictos possessorios se se vêm nestes acções criminaes ? Compare-se o modo pelo qual os jurisconsultos nos fragmentos 12, § 1 e fragmentos 76 § Io, Liv. 44, tit. 7. Furtis actio, diz a L. 12. malm fidei possessori non datur, quamvis interest ejus rem non suhripi, quippe cum res perieulo ejus sit, sed nemo de improbitate suet consequitur actionem et id eo soli bonœ fidei possessori, non etiam malm fidei furti actio datur, e a L. 76 § 1°, nam licet intersit, funs rem salvam esse quia conditone tenetur, tamen cum eo is cujus interest furti habet actionem si honesta ex causa interest. Ainda aqui põe-nos SAVIGNAY a braços com uin enigma irresoluvel. não tendo feito tentativa alguma para conciliar com sua idéa essas passagens, das quaes não obstante, elle mesmo se serve para outros fins contra seus adversários, {pag. 65). Se o proprietário apodera-se violenta ou clandestinamente da cousa, arre- batando-a das mãos do malœ fiãei possessor, ou mesmo jj se a destroe, este não tem contra elle nem a conãi- ctio furtiva, porque esta presuppõe a propriedade, nem a actio furti, porque esta presume um interesse, nem a actio legis Aquilœ, porque esta faz crer um direito sobre a cousa ou pelo menos, a bonœ fidei possessio : o (1) L. 12 § 1% L, 76, g 1 de furti. (47-2); L. 40 § (3, arg.;h. 17 pr. aã kg. Aqu. (9, 2). Porém concedia-sc-lhes as acções de contracte», por exemplo, a act. commodaü (L, 13, 1(3 com- modaü. (13-13) ÍÍ act. âepositi, L. 81, Dep., (1*3-3). A INTERDICÇÀO DA VIOLÊNCIA 21 proprietário, roubado repellirá o acto ece-ãelicto, pre- valecendo-se simplesmente da sua propriedade. (1) Se. pelo contrario, o malœ fidei possessor serve-se de um interdieto possessorio. como pôde hoje fazel-o para os moveis como para os immoveis, desde que JDSTINIANO collocou sob o mesmo plano os interdictos uti possé- dées e utrubi. a pessoa contra quem se dirige o inter- dieto não pôde prevalecer-se de sua propriedade e a malœ fidei possessio de quem propõe o interdieto não será discutida senão para que lhe seja opposta a exce- ptio vitiosœ jjossessionis. Quem não vê que o ponto de vista de apreciação diffère inteiramente nos dous casos"? No primeiro prevalece a consideração do delicto ; no segundo questão muito diversa. -4 — INEXISTÊNCIA DE CRIME EM TODOS OS INTERDICTOS POSSESSORIOS. Não se pôde reconhecer a existência de um delicto senão em um unieo interdieto, no interdieto uncle vi : nos outros elle não existe absolutamente. SAVIGNY (pag. 31) pretende justifical-o no interdieto de precário dizendo que é um acto por si mesmo injusto abusar da vontade de outrem. do mesmo modo que é injusto recorrei* á violência para se apoderar de uma cousa». Mas se isso fosse exaeto também se deveriamchamar acções penaes a condictio ex mutuo a adio commodati e a 'actio pmscrip'is verbis possivel. fundada no Precário. (1) Do meeino modo repelle a adio âepositi de CANDI:OU. L 31 g 1. Deii., (16-3) i. /'. 22 O FUNDAMENTO DOS 1NTERDICTOS POSSESSOR!OS O interdidum de precário pôde, sem duvida, assu- mir um caracter delictuoso pelo dolo do preearista(l). assim como a reivindicação (pelo dolus prœteritus do possuidor); porém esta simples possibilidade não é bas- tante para converter o interdicto ou a reivindicação em acções penaes. Prescindindo dessa circumstancia. aquelle derige-se de preferencia contra o herdeiro do que contra o testador. (2) Poderá se afíirmar que a recusa de restituição da cousa, implica necessariamente um dolus ? De modo nenhum. Supponhamos, por exemplo, que o herdeiro ou o tutor do precarista enlouquece, não tem idéa alguma do precário, ou mesmo que o precarista venha a saber que elle é o proprietário. Neste caso está elle em seu pleno direito de negar a restituição : ideirco quia re- eeptum est, rei suce precarium non esse. (3) Dos dous interdictos retinendœ possessionis, ha um o interdicto utrubi com a mesma forma de que se re- vestia antes de JUSTINIANO, que resiste a todos os es- forços que se possam fazer para pol-o de harmonia com a doutrina savignyana. Sabe-se que o interdicto dirige-se (1) Acontece que o herdeiro de quem tem a cousa em pre- cário, não responde, como nos demais casos, pelo crime do tes- tador mas pela riqueza. L. 8, § S de free. (43-26). (2) L. 8, §. 8 cit. Jicres ejus, qui precário rogava, tenetur i/ucin-adnwduiii ipse. (8) Lei 4 ~ § 3 , ibid, L. 45, pr. De R. J., (150 — 17): I,. 21, de usuc (41—3) ; L. 31, § 1°, Dep. (16 — 3). A prova da propriedade estabelecia ipso jure a falta de fundamento do interdicto. Veja-se meu Bspitito do Direito Ro- mano, III, pags. 65 e 66 da ed. allemã. A INTERDICÇÃO DA VIOLÊNCIA 2 3 não somente contra o esbulhador como também contra terceiros e até contra o bonce fidei possessor : a única condição exigida é que aquelle que intenta o interdicto, lenha possuído a cousa por' mais tempo que o esbu- lhador, desde um anno antes, contado do dia da pro- positus da acção. SAVIGNY nunca se pronunciou, que eu saiba, sobre o modo de conciliar este interdicto com a sua opinião ; se o houvesse intentado ter-se-ia con- vencido da impossibilidade de sua empreza. Nos dous pontos de sua obra (pags. 31 e 49) em que deveria fazel-o. guarda silencio sobre este interdicto, e quando caractérisa os interdicta retinendœ possessionis, insiste sobre a condição da lesão violenta da posse (pag. 400) e invoca, no que diz respeito ao interãictum utrubi, as palavras vim fieri reto do Frag. 1, Dig. Liv. 43, rit. 31. Quando trata especialmente do interdicto utrubi, acerescenta que não acha a seu respeito «nada espe- cial a notar-se » (1). Mas qual será o pensamento das palavras vim fieri veto '? Xão era evidentemente necessário que aconte- cesse uma violência para que se pudesse intentar o interdicto, mas que o detentor não resistisse ao possuidor quando este quizesse levar comsigo a cousa fl) O próprio RÜDORFF que é tao versado no conhecímen todo systema formulário romano, e de quem se deveria esperar uma demonstração mais concludente da inadmissibilidade deste argu- mento tirado da formula, não acha nelle nada que dizer : pelo menos não encontro observação alguma sua na continuação tia pssagem citada (pag. 400, nota). 2 4 O FUNDAMENTO DOS IKTERDIOTOS POSSESSORIOS (quominus is enm dueat), A violência não era. pois. uma condição deste interdicto, como não o era para os numerosos interdictos não possessorios revestidos da mesma formula. De outra fôrma, o pretor em lugar de fallar para o futuro, deveria fallar do passado, como por exemplo no interdicto quod vi ant clam: quod — f a c t u m e s t ou no interdicto unde vi : unde — t l e j e c i s t i . Ser-me-á permittida toda a concisão sobre o inter- dicto uti possedetis, em vista das diligentes investiga- ções de que tem sido objecto nestes últimos tempos, especialmente na monumental obra de HERMANN WITTE, Das interdiction uti possedetis, Leipzig. 1863, pags. 4(\ e seguintes. Não é exacto «que a lesão violenta da posse» seja uma das condições deste interdicto (SAVIGNY, pag. 400). A investigação do juiz nam vis fact sit contra eãiclum JPrœtoris refere-se a uma época posterior e não anterior ao interdicto. Este podia ser invocado, com igual direito, por ambas as partes no caso de uma controvérsia possesso- ria (controvérsia de possess/one) inteiramente pacifica, como no caso de dous pretendentes a uma herança, tra- tando-se de saber qual tinha em primeiro lugar tomado posse do acervo hereditário e é precisamente neste exemplo que ULPIANO (Frag. Io $ 3 . Liv. 63. tit. 17) e GATO (Tit. 4, Frag. 148) fazem seu ponto de partida na discussão deste interdicto. A prevalecer a opinião de SAVIGNY, quem quizesse usar de um interdicto neste caso, não o conseguiria. A 1NTERDICÇÃ0 DA VIOLÊNCIA 25 5—INUTILIDADE DOS 1NTERDICT0S POSSESSORIOS CONSIDERADOS COMO ACÇÕES CRIMINAES ESPECIAES AO LADO DAS QUE JÁ EXISTEM A ser verdade que o pretor quizesse. com os inter- dictos possessorios, crear somente uma nova espécie de acções para o crime, em vão se procuraria justificar a sua utilidade, posto que as acções amplamente exis- tentes são mais que suficientes: — para a turbação na posse o interdicto qitod vi aut ciam e a adio inja- riarum (1) ; para a subtracção da posse, a adio furti, que no direito antigo se estendia mesmo aos immo- veis (2) e compreliendia ás vezes a subtracção clan- destina (3) e violenta, attingindo até o próprio pre- carista. (4) fi—-CONDIÇÕES PARA A RESTITUIÇÃO DA POSSE Ninguém até BRUNS (Das- Redits des Bi'ziise.-- bu Mit- Walter una inder Gegenwart. pag. 27 e seguintes) es- tudou e poz era evidencia estas condições, observando «que ellas não se conciliam com a theoria de SAVIGNY». obr. cit. pag., 416. ill Vejam-se exemplos do primeiro na L. ï §§ 5, 6, 9, 10, L li etc. Quoã vi (48-24), da segunda na L. 13. § 7 do mj. (47-10; e PAULO S. 11. V. ê § 5. (2) GELLIO, XI, 18, § 1:5, (3) Lei 1, vlbon. (47-8) GATO HI, Wí). (4) Confronte-se GELLIO, loco citato com a Lei 66 pr. 67. pr. de tot. (47-2). 2 6 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSORIOS Neste estudo apparece a posse como objecto e fundamento do interdieto, abstraccão feita de qualquer idéa de violência. Dabi a impossibilidade de sustentar-se que, entre os romanos, seja a violência que dá á posse importân- cia jurídica. Para resumir tudo que dicto fica, a tbeoria de SA VIGNY attribue ao pretor acções ex-ãelido : 1.° que eram perfeitamente supérfluas ao lado das já existentes no direito civil (n. 5) ; 2.° que eram recusadas a quem deviam ser conce- didas, conforme os princípios^ que regem taes acções (ns. 1-2) ; 3." e. vice-versa, que eram concedidas a quem de- viam ser recusadas pelos mesmos princípios, e final- mente (n. 2) ; i.° que, com uma única excepção. não se descobre nellas o mais leve vislumbre de um delicio (n. 4). CAPITULO III Outras theorias relativas l . ° —THEORIA DE TH1ISAUT O ponto de partida de THIBAUT. (1) na sua theoria sobre a posse, não é o facto puro e simples, mas o erercicio do direito (2) considerado coir o uma fôrma es- pecial do estado de facto. Teremos, em seguida, occasião de mostrar o fe- cundo emprego que se pôde fazer deste ponto de vista para intelligencia da theoría da posse. Somente THIBAUT fanda a protecção da posse sobre um alicerce pouco solido. «E ' , diz elle, um principio dominante e necessário da razão que ninguém pôde vencer juridicamente ou- trera, se não militar a seu favor motivos preponderantes (1) System des PanâenktenrecJits,8 a edíc. §§ '203-204. Em seu trabalho sobre a posse e a usucapião, § 2o, não allega motivo para a protecção da posse. (2) Veja-se também no mesmo sentido HUFEI.AXD, Ueber den âgenthünilichem Geist des romischen HccJ/ts. (Sobre o espirito par- ticular do Direito romano), 2a parte, secção Ia, pay. 5 e seguintes epags. IS e seguintes. 2 8 O FUNDAMENTO DOS 1XTERDICT0S POSSESSOR10S de um direito melhor ; dahi resulta que este estado de cousas. puramente de facto em si. reveste a mais alta importância jurídica, porque conduz âquella regra de que todo o indivíduo que exerce de facto um direito, deve ser mantido neste estado de facto até que um outro demonstre ter um direito melhor. » Mas. se a posse é simplesmente um estado de facto. porque é preciso um direito prééminente para fazel-a cessar ? Um estado de facto apparece e desapparece sem que o direito nada tenha a ver com elle. E' um facto que minha arvore abriga o visinho do sol. mas quem o proteje se eu a quero derribar? E ' um facto para o negociante, ter uma grande freguezia. mas que direito impede ao seu concorrente de lh'a tirar V Se a cir- cumstancia de que a posse encerra o exercício de um direito não é sufíiciente para lhe dar o caracter de re- lação jurídica, se ao contrario, é preciso, segundo THI- BAUT, agrupai-a na mesma linha de todos os estados de facto, torna-se forçoso admittir para uns e para outros a mesma lei, e dizer que a sua origem, a sua existên- cia e o seu fim não são senão o effeito da força physica. Vencer, na esphera do direito, suppõe certamente um direito prééminente, mas trazer esta idéa para o terreno do facto, é esquecer o que este seja. Mas admit- íamos que a preeminencia do direito é o critérium na materia sujeita. Sendo assim, o locatário expulso por terceiro que não tem direito algum nem sobre a cousa, nem á ella. possue um direito melhor do que este terceiro, porque OUTRAS TI1EORIAS RELATIVAS ^9 seu estado de facto repousa ao menos .sobre uma con cessão obrigatória do verdadeiro proprietário, porque razão, pois. se lhe recusa os interdictos possessorios ? Ainda mais : se o locatário, a seu turno, subtrahe A posse a quem o esbulhou ou a seu herdeiro, por que se lhe recusa no processo possessorio. a prova de um direito melhor que elle se proponha a offerecer ? Dahi resulta que a explicação de THIBAUT, que pa rece manterse unicamente no terreno dos factos invade também a esphera do direito, mas não responde nem naquelle nem nesta aos princípios que lhes são próprios. Se na realidade a posse não é senão um estado de facto, nenhum valor jurídico lhe advirá deste outro que força capaz de desfazer um estado de cousas deve ser mais forte do que a que o fez ; quem argumenta na esphera des factos, só nella colherá proventos. Se, ao contrario, a posse é um direito, sob este aspecto ter seá de dar á protecçao possessoria caracter muito di verso do que lhe deu o direito romano. Não é possível comprehender no mesmo systhema o modo de protecçao dada a posse pelo direito romano. 2.— A OPINIÃO DE RODER (1) A opinião de R DER, dando como fundamento dos interdictos possessorios o direito primordial de probidade {Ba? BeehU der UnbescJwltenheit), que se exprime na (1) Grrundzuge ãet ÏÏatitrrechts oãcr Eeehts philosophie, see ■}'■', pag. 250. 3 0 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS P0SSESS0R10S regra : quilibet prœsumitur ju-4us bonus donee prohetur contrariam, encerra os mesmos vicios. Em virtude deste direito ( que gosa todo possui- dor ), deve-se admittir provisoriamente que toda rela- ção exterior em que elle possuidor esteja para com uma pessoa ou cousa e que pôde ter por fundamento e causa um direito necessário ao exercício dessa relação, em realidade não exista senão em virtude desse direito, e que por conseqüência esta relação não é injusta. Não se pôde negar á posse a applicação desse direito. A insuspeição não está na relação exterior, não é a insuspeição da posse, é a insuspeição da pessoa. Se a pessoa é insuspeita, pouco importa que seja detentor, possuidor ou não possuidor. O não possuidor tem tanto direito de ser acredi- tado pessoalmente como o possuidor, porque esta qua- lidade se assenta nas qualidades da pessoa e não no facto exterior da posse. Portanto, se a posse baseia-se na presumpção de legitimidade, é preciso que esta presumpção não seja effeito unicamente da qualidade da pessoa. E, a não ser assim, se o possuidor só tem a tal presumpção da insuspeição a seu favor, porque se lhe não pôde tolher as provas que tiver a favor da sua posse ? Aqui vem a presumpção da suspeição, se o adversário prova ser o proprietário e ter o possuidor roubado a cousa. Se no processo possessorio não se considera a posse como uma relação jurídica independente, mas como prova da existência de um direito inteiramente diverso, porque se não a eleva também á altura de um direito OUTRAS THEORIAS RELATIVAS 3 1 e não se admitte a respeito delia prova e contra prova. Du, em outros termos, porque se não converte o pos (essorio em petitorio '? A doutrina de RÒDER pôde servir para explicar a razão pela qual, no processo reivindicatorio. o possui dor fica isento da prova — ainda que esta isenção nada tenha de commnm com a posse propriamente dieta sobre a qual ha sempre prova nas acções — mas não pó<le explicar o caracter particular da posse, isto é, a exclusão da questão de direito no processo da posse. Ora, é precisamente neste ponto que se revela o .mérito de toda a theoria sobre a posse. Partimos da hypothèse de que RODER tomou por r.base de sua theoria a noção scientifica commum ou ro mana da posse ; que aquelle que, em um tratado de philosophia do direito queira crear uma nova theoria sobre a posse, o faça, e não serei eu quem conteste este direito a quem quer que seja ; mas que esse escrip tor diga porque e como se afasta do direito romano, é ■8 que RUDER não fez. Das três opiniões que attribuem a protecção da posse á propriedade, a mais antiga fundase em que 3*. A POSSE É DMA PROPRIEDADE PROVÁVEL. Esta opinião foi muito commum outr'ora. O pró prio SAVIGNY (I) não deixou de admittila nas 3a. 4a e (1) SAVIGNY como um de seus ultimos defensora. HUFELAXD. cit., pag. 48: porém alli não se acha e?sa opinião clara És accentuada. Vejase TUXDA. nota 7S. 32 O FUNDAMENTO DOS INTERDICTOS POSSESSOR!GB õ^ edições (I) de sua obra, rejeitandoa na sexta edi ção. Na sétima, publicada depois de sua morte, lia ainda um additamento de que a presumpção de propriedade não é totalmente errônea, pois que sem duvida na maioria dos casos os possuidores effectivamente têm di reito á posse : não se deve admittila, porém, porque a tlieoria romana sobre a posse é toda especial. A insustentabilidade desta doutrina não está pre cisamente no ponto em que SAVTGNY. julga estar na circumstancia de que o direito romano não reconhece tal presumpção. lias, na hypothèse, não ha um pre ceito jurídico positivo, e sim uma questão legislativa, de que se não occupou detidamente o direito romano e a cujo respeito nos podemos servir de qualquer ex pressão que traduza exactamente a cousa,* ainda que tal expressão seja desconhecida dos romanos. A insustentabilidade da doutrina é justamente que a sua base, isto é, o pretenso motivo de que a posse é uma propriedade provável, carecia de fundamento. Com effeito. supponhamos que o legislador diga: presumo que o possuidor é proprietário. Todos lhe perguntarão : Em >1) § 2° in fine da 5a edic. Í Perguntase porque foi intro duzida esta espécie de protecção contra a violência, isto é. porque o expellido deve obter a restituição da posse (por ac caso injusta) que perdeu ; podese affirmar com certeza que semelhante protecção repousa sobre a presumpçãogeral de que o possuidor pôde também ser o proprietário. Nesta relação podese considerar a posse como uma sombra da propriedade, como uma propriedade presumida ; mas isso não se refere senão á instituição juridica em geral, não ao motivo jurídico de uma protecção concreta qualquer ■ . OUTRAS THEORIAS RELATIVAS 3 3 perguntarão : Em que se funda semelhante presumpção ? E' lógico e de bom senso que todo o direito deve ser demonstrado ; — que motivo haverá, pois, para que se lhe abra uma excepção em materia de propriedade ? Para tal não basta para argumento a circumstaneia estatistica de que na maioria dos casos o possuidor é também o proprietário, assim como a estatistica mor- tuaria não nos habilita a dizer que tal pessoa morrerá de certa idade ou terá ainda tantos annos de vida. Afinal esta presumpção deveria logicamente levar a conceder-se a quem primeiro se apossa de uma cousa — unicamente em razão de sua posse — uma acção in rem contra os demais que delia se quizessem apossar (acção para proteger a posse anterior). Na verdade, uma vez reconhecidamente fundada a prestimpção,_ porque reduzil-a somente a um caso? Dá-se o mesmo com a presumpção que rejeitamos acima da legalidade ou da boa fé do possuidor. O verda- deiro elemento desta doutrina está no principio de que na posse ha uma prova especial e fácil da propriedade — neste sentido, chamamos a posse uma propriedade pre- sumptiva, provisória ou, como SAVIGNY, uma apparencia de propriedade :—mas, depois disto comprovado, ainda se não firmou a necessidade desta facilitação de prova. Nós mesmos procuraremos firmal-a mais adiante. Se o fundamento da doutrina acima, segundo a qual se protege na posse (1) a propriedade possível, pretende (1) Não se acha seientificameate desenvolvida em parte al- guma : mas apoia-se em expressões oecasiouaes e em matizes 3 34 O FUNDAMENTO DOS INTERDIGTOS POSSESSORÍOS com isso indicar a causa legislativa da piotecção pos sessoria, longe de resolver, aggrava a difliculdade do assumpto. A differença entre a simples possibilidade da pro priedade e a protecção da posse é maior ainda que a differença entre esta e a probabilidade da posse. Por que razão se protege uma simples possibilidade, quando a outros factos se não amplia tal protecção ? A segunda opinião que fundamenta a protecção da posse na pro priedade é, 4.° — A OPINIÃO DE G A N S : (1) O QTJE SE PROTEGE NA POSSE É O «COMEÇO • DA PROPRIEDADE. Um dos effeitos da posse. sabemn'o todos, é a usucapião. (2) E' certo que a actio publiciana protege na posse ad usucapionem o começo da propriedade. Mas também sal effeito só se verifica, como já tivemos occasião de notar, na posse ad usucapionem. A posse do malœ fiãei possessor (3) por mais largo que seja o tempo da sua lingüísticos que não reuni. Não se trata aqui da ■■ possibilidade jurídica subjeotiva» de PUCHTA [Curso. § 122) que não é mais do que. sob outra forma, a expressão de sua propria opinião. (1) System des Bom. Civilrechts, pags. 201202. T'eber die Grundlagp des Sesitzes ( sobre o fundamento de posse). (2) RUDORFF no Zeitschríft. f. gescli. R. "W. (3) « Partese aqui de uma hypothèse infundada, diz o Sr. A. POSADA, loc. cit. por se ver a posse como momento tão somente para a relação jurídica da propriedade material, sendo assim que possvit o meio é o primeiro passo em toda a relação jurídica que se cumpre OUTRAS THEORIAS RELATIVAS 35 continuação, não leva á propriedade, e. no entretanto, é uma posse protegida. Esta protecção, e está visto justamente a protecção da posse como tal. não pôde, pois, ser justiíicada sob o ponto de vista que nos occupa. Deveria em seguida expor a minha opinião, mas pre firo adiala ainda e examinar em seguida as theorias absolutas. ■e o qual acarreta em si mesmo, toda uma relação especial do direito. Por isto, não se póie fallar de verdadeiro possuidor de má fé. Este não possue em rigor juridico, mas detém a cousa e a lei não o protege, não pôde proiegelo como tal, senão quando se revele exteriormente como possuidor de boa fé. CAPITULO IV As ílieorias absolutas 1 . — A THEORIA DA VONTADE Conjunctamente com a doutrina que acabamos de expor, GANS apresenta-nos uma outra solução para a questão que debatemos. A detenção da cousa, diz elle, considerada como um acto da vontade, pôde achar-se de harmonia com a vontade universal, isto é, com a lei e. neste caso. é a propriedade ; ou pôde fundar-se somente na vontade particular e neste caso. é a posse e a razão de pro- tecção da vontade, mesmo nesta ultima applícação é que a vontade em si mesma é um elemento substancial que demanda protecção ; a vontade particular da pessoa, .quando se applica ás cousas, é um direito e como tal deve ser considerado. POOHTA (l) adoptou a theoria de GANS. como é sabido, perfilhou-a até sustentando que a posse é um (1) Em sua monograplúa, publicada primeiro no Musmm Mhenam, 3o n. 17 e depois reunida em suas Miscclanms com o titulo de In welcher Klasse von Iie.ch.lm gchort der Besitz ? (a que classe de direito pertence a posse'?). Veja-se também a mono- graphia publicada pela primeira vez na mesma revista., n. 15, 3 8 O FUNDAMENTO DOS IX TE RDI CTO S POSSESSORIOS direito inhérente a personalidade, necessário mesmo ao homem. No dizer délie, a vontade de uma pessoa juridica- mente capaz deve até certo ponto ser reconhecida em direito, mesmo antes que se ventile ser ou não ser justa, precisamente pela razão de que é a vontade de uma pessoa juridicamente capaz e. desse facto, a pos- sibilidade de ser justa. Na posse é protegida, por conseguinte, a possibili- dade do direito, isto é. a capacidade jurídica : o direito de posse não é senão uma espécie particular do direito de personalidade, o direito de personalidade applicado a submissão natural das cousas. Differ en te m ente de GANS e POCHTA que filiam a questão de fundamento de protecção da posse a de sua natureza jurídica. BRUNS (1) faz da posse em si um estudo especial e detido. Mas. a primeira vista, elle colloca a questão num terreno limitado, restringindo a protecção aos casos de violência, perturbação e esbulho. Não seria difflcií no dizer delle. adduzir considerações empíricas accei- taveis para justificar a protecção. mas isto seria adiantar pouco uma questão em que a sciencia positivamente JJéber die Existem des Bcsílzrechts ( sobre a existência do direito possessorio). Não obstante a polemica violenta que sustentava contra GANS na primeira dessas dissertações. PUCHTA admitte na 2- edi.. pag. 265. nota a. que • Gr ANS se expressa no mesmo sentido, i (1) Reckt des Besitzes ira Mittdalter wnd in der Gegenwart (Direito possessorio na idade media e na época actual). AS THEORIAS ABSOLUTAS 39 exige uma necessidade jurídica inhérente á propria natureza da posse. Dos dois factures da posse — o p o d e r - p l i j - s i c o e a v o n t a d e o primeiro, como simples es- tado de facto, não tem a mesma qualidade para uma protecção jurídica. Não se dá o mesmo quanto ao se- gundo. A vontade que se réalisa na posse, posto que não gere direito algum e só exista puramente de facto, talvez mesmo em palpável contradicção com o direito, deve. não obstante, ser protegida em razão mesmo da sua natureza. A vontade é em si mesma, em essência, absolutamente livre ; o reconhecimento e realísação desta liberdade, constituem todo o systhema do direito. O con- strangimento e a violência, exercidos contra a vontade são. pois. em si mesmos (não se attendendo a sua legali- dade), injustiças contra as quaes se deve proteger a von- tade. Não é senão, quando a vontade está em opposição immediata. directa. com a vontade universal ou o direito (lucta contra autoridade do Estado ou de um facto contra outro)que ella apparece como injusta e então são permittidos contra ella o constrangimento e a vio- lência. A posse não é. portanto, um direito como a propriedade, a obrigação e outros, mas simplesmente um facto, com a seguinte particularidade: de que é um facto protegido contra a violência, por ser a mani- festação positiva da vontade de que decorrem muitos direitos dignos de consideração. Em summa, vem a ser a liberdade e personalidade humana que recebem na protecção dada á posse a mais plena consagração iuridica. 40 O FUNDAMENTO DOS ÍNTERDIOTOS POSSESSORIOS Vários auctores adheriram a esta doutrina ; (1) ê innegavel que ella tem um quer que seja de seductora. mas eu a reputo insustentável. Ainda que diffira da doutrina de SAVIGNY (2) em dar á prohibição da vio lência um fundamento interno, a vontade concreta in corporada na posse, emquanto que SAVIGNY a applica a posse como um postulado externo da ordem juridica, essa doutrina se confunde, entretanto, em ultima ana lyse, com a de SAVIGNY. como este mesmo notou com muita razão respondendo á PUCHTA (pag. 62). Eu também, diz elle, baseio a protecção na in violabilidade da pessoa e na relação que se estabelece entre ella e a cousa snbmettida ao seu poder.>■ Todavia, eu duvido se o facto de transportar assim a injustiça da violência da espliera da ordem juridica na vontade subjectiva não faz a opinião de SAVIGNY, em vez de mais acceitavel. mais errônea ainda. Em todo caso, éme mais fácil conceber a prohibição da violência sob o ponto de vista da ordem juridica objectiva, que sob o ponto de vista da vontade sub jectiva. Não se pôde esperar a resolução de uma contro vertia sem se estabelecer preliminarmente o ponto de vista sob o qual se deve enfrentala. Esta observação tem alto valor para a questão que debatemos porque (1) Especialmente RANDA, obr. cit. e também RUDORFP na ul tima edição do Tratado de posse a SAVIGNY, pag. 581, WINDSCHEID Panãectas, § 148, nota 5. (2) Assim o reconhece também WINDSCHEID. loc. cit. AS THEORIAS ABSOLUTAS 4 1 em relação a ella parece que longe se está da com- prehensão do ponto de vista sob o qual é preciso cada um se collocar. Ora. é o direito romano que se tem em vista. ora. é um direito ideal qualquer que se accommoda as ne- cessidades de momento. Eis porque me parece oppor- tuno declarar que toda a discussão que se vai seguir, é exclusivamente fundada no direito romano. Se eu conseguir, como espero, provar que a tbeoria de meus adversários não se pôde conciliar com o direito romano. È'aem com sua especial doutrina sobre a posse, nem com outras suas doutrinas e princípios, ficará estabelecido "que a tal doutrina de meus adversários poderá ter valor philosophico. juridico ou legislativo (ainda isto mesmo eu contesto mas... concedo), mas não poderá com certeza attingir um valor histórico, a autoridade de dogmática do direito romano objecto único deste trabalho. Estou de accôrdo com os meus adversários para admittir que a vontade é a vis agens de todo o direito,. privado. Mas a lei fixa a medida e os limites da von- tade, esta não se faz um poder juridico senão quando mantida dentro das raias que lhe são assignadas por lei. Não é certo que mesmo fora dessas raias, sem a sancção do direito, e mesmo em contradicção manifesta com elle, possa a vontade ter efflcacia ; seria pôr-se o direito em contradicção comsigo mesmo, dando-lhe effl- cacia fora dos limites que o próprio direito lhe traça. A meu ver não é senão engendrar um enigma, di- zer-se que o fim do direito que ê — garantir nos limites do possível a realisaçáo franca da vontade individual— 4 2 O FUNDAMENTO DOS 1NTERDICTOS POSSESSORIOS tenha como conseqüência que a vontade traduzida em acto deva ser juridicamente protegida contra toda a aggressão não legitima, ainda quando essa vontade. fora da esphera do direito, se mantém num terreno pu- ramente de facto ►. RANDA. pag. 86 (1) E' preciso dis tinguir a personalidade e a relação injustamente con stituída entre ella e a cousa. Aquella. a despeito de injustamente aggredida. é sempre o que é. não perde o direito á protecção jurídica : mas não quer isso dizer que a personalidade possa, como um milagroso santo, legitimar, restabelecer, justificar o que é illegitimo, du vidoso e impuro, e estender o manto da sua protecção jurídica sobre todas as relações injustas em que se incorpore a vontade. Estas relações podem ser inteiramente distinctas da personalidade : são seus effeitos, não são a propria personalidade —podese destruir a obra. (2) sem sequer 1) Pareceme isso ainda mais incomprehensível ante a saga cidade com que o auctor, era continuação a fraqueza da allegação de SA VIGNY em favor da qual a subtracção violenta da posse é por si mesmo uma injustiça. Vejase mais acima. O seu supposto direito da vontade para ser protegido coutra toda violência, ainda mesmo no caso de injus tiça, não é outra cousa, com effeito. senão a repetição, debaixo de outra fôrma, da opinião de SAVIGXY sobre a interdicção da defesa privada, a transformação de um principio juridico objectivo em um direito subjectivo. (2) B' em virtude disto que a consideração da personalidade prohibe ao credor maltratar o devedor fugitivo, mas não confiscar as eousas que possa encontrar com elle. L. 10. § 16. quœ infr. creã. [428). AS T1IE0RIAS ABSOLUTAS 43 offender o artifice. Mas. dir-se-á. o ataque á obra é já por si uma injustiça I E' precisamente o que contesto- Essa é a idéa de Savigny sobre a injustiça formal de toda a lesão feita á posse, idéa que, a meu ver. não resiste a um exame em face do direito romano. O Estado pôde concorrer, e effec ti vãmente con- corre, para prohibir e manter a violência em certos limites, ainda que esta seja praticada pela victima do roubo ou do assalto contra o ladrão e o salteador. Mas não é que o ladrão e o salteador. tenham. de par com a absoluta liberdade de sua vontade, um direito irrecusável á protecção do goso pacifico do producto do seu roubo ou assalto, é que a consideração legislativa e política de que a defesa privada é uma arma de dous gumes. faz com que seja o Estado o distribuidor da justiça. Sob o ponto de vista do agente, não posso, no que me diz respeito, condemnar a defesa privada e a propria historia ahi não chegou senão depois de ter atravessado a phase da subjectivídade pura do direito. Que injus- tiça soffre o salteador se a victima lhe subtrahe a cousa roubada na primeira occasiáo que lhe seja possível ? A vontade, diz-se. é livre, todo o constrangimento é contrario á sua essência. Não será por constrangi- mento que a auctoridade publica tira violentamente a cousa do poder d'aquelle que não tem direito a ella? Sim. respondem, mas isto se faz com todas as forma- lidades jurídicas. Não ha duvida, mas o facto do con- strangimento não deixa de existir, a vontade, pois, não 44 O FUNDAMENTO DOS IN TE RDI CTO S POSSESSORIOS é tão absolutamente sagrada e inviolável, nem o con- strangimento tão absolutamente condemnavel. A resis- tência da vontade illegal contra o direito pôde e deve ser destruída pela violência externa ; o meio de attingir este fim é uma pura questão de fôrma, cuja solução satisfactoria é um dos problemas mais controvertidos da administração da justiça. Mas. vejamos o direito romano sobre o assumpto. Perguntamos :—a defesa privada e a violência são. de modo absoluto, injustiça inconciliável coma ideada liber- dade da vontade, tal qual a concebe o direito romano? O direito antigo resolve negativamente esta questão. Este direito, longe de condemnar em principio a defesa privada, via nella. ao contrario, uma manifesta- ção natural, uma conseqüência necessária da liberdade da vontade, exigindo apenas que esta se mantivesse nos justos limitese se exercesse de accôrdo com as formulas prescriptas. (!) Mas o próprio direito novo. sob a influencia na- cional antiga, dá á defesa privada extensão que se não concilia com a opinião que combatemos. O possessor Justus tinha, até JUSTINIANO. O direito de expulsar vio- lentamente (desde que não fosse á mão armada) o pos- sessor injustus que reluctava ; também o locador. e. em geral, o possuidor podia expulsar o que detinha em sen nome (2) e o ausente podia expulsar o que durante a (1) T\ meu JSipirito do direito romano. I, § 11. (2) Esta conseqüência que eu sempre sustentei, acaba de ser amplamente desenvolvida por K. ZIEBARTH. .Die Realexecution xind die Obligation. (A execução real e a obrigação), pag. 57 e seg. AS THEOK.IAS ABSOLUTAS 46 sua ausência se apoderara do que lhe pertencia. Como conciliar estas theorias com a opinião de que a idéa dirigente de toda a theoria possessoría é a inviolabili- dade ou a liberdade absoluta da vontade ? Pouco importa que os jurisconsultes romanos, de algum modo enfraquecendo a noção da posse, tenham attribuido esses casos, em todo ou em parte, á noção da defesa privada : o que é decisivo, é que em todos elles a pessoa detém a cousa. e sua vontade de se manter nesse estado manifesta-se claramente e de ma- neira a não permittir duvida pela resistência que fazem. Soffrem. portanto, essa injustiça que pretensamente en- cerra uma lesão absoluta da personalidade e contra a qual o direito não pôde deixar de defender quem quer que seja. isto é, a violência. E, no entretanto, são obri- gados a soffrel-a. Pelo exposto se vê que o direito romano, longe de applicar á doutrina da posse o elemento formal de uma injustiça, pousando unicamente na violência, guia-se pelo elemento material da relação jurídica que existe entre as pessoas. O mesmo acto de violência segundo se com- mette pro ou contra différentes pessoas, pôde ter apre- ciações distinctas. derivadas das relações reciprocas dessas pessoas. Tudo quanto verificamos em relação á posse tem cabimento em relação ao Direito das obri- A admittir-se a doutrina que combatemos, isto é, esse falso ponto de vista sob o qual se considera a posse, teríamos que a todo possuidor de cousa alheia, ainda o ladrão e o salteador, deveria assistir, contra 46 O FUNDAMENTO DOS 1NTERD1CT0S P0SSESSORI0S a subtracção ou lesão dessa cousa, as acções criminaes que aos casos correspondem. E isto se dá? Não! A actio legis Aquüice, a condictio furtiva, a actio furti, a actio vi bonorum raptorum, não se lhes concede como, em geral, a todo o malce Jidei possessor ; e não só se lh'as nega contra o proprietário, mas ainda contra terceiros (1) Ora a questão de que se traía era mais nítida, em direito romano, em relação a taes acções, do que em relação aos interdictos possessorios, porque nestes era mister resolver ex-professo sobre a natureza delictuosa do acto. Se é em absoluto um delicto tirar violenta ou clan- destinamente uma cousa de outrem ou. ainda damnifical-a e destruil-a. porque a pessoa lesada não pode lançar mão dos competentes remédios de direito ? Notem a flagrante contradícção em que cahem os meus adversários ! As acções possessorias, cuja natureza criminal é. pelo menos, muito problemática, perseguem como delicio um acto que tal classificação não tem nas acções. cuja natureza criminal ninguém contesta ! Temos exemplo na violência, em época anterior ao IJecretum Dim Marci : o devedor vexado pelo credor por toda a sorte de exigências, ainda as mais brutaes, não tinha contra este uma acção criminal, a injustiça soffrida pelo credor, característica de violação á sua vontade livre, nada importava, em vista do direito ma- terial do credor. (2) (1) Veja para a actio leg. Ag.. 1. 2. S§ 6 e 8. aã. leg. Ag. (9-2). (2) Lei 12, § 2, quod met. (4-2) AS THEORIAS ABSOLUTAS 4 7 Do que dicto fica, deveria claramente resultar, ao meaos, que não será romana e sim moderna a idéa de dar á vontade illegal uma posição inatacável, de que não poderá ser desalojada senão juridicamente e preten- der que a vontade, ainda em contradicção com as leis, pôde e deve ser protegida, em consideração a ella propria. E' impossível que tal pensamento dominasse os roma- nos na concepção da posse. Para melhor nos convencermos disto, examinemos a concepção da posse pelos romanos. Se a relação ex- terior da posse não tem importância senão pela cir- cimistancia de que nella se incorpora a. vontade e com Blla é lesada ; se por conseguinte, os interdictos pos- sessorios repousam na idéa da lesão da vontade, pôde se perguntar : 1.° Como se applicam os interdictos nos casos em que não se encontra lesão alguma da vontade e, antes, se cogita unicamente da existência ou não existência da posse ? Dous pretendentes a uma só herança, ambos os quaes pretendem se apossar da mesma ; chegam, por caminhos différentes e ao mesmo tempo, á posse da herança: desejam saber qual délies adquiriu a posse, se um só délies in soîidum ou ambos conjunctamente. Não ha duvida que devem elles discutir a questão per meio do interdicto uti possidetis, pois que ninguém vai obrigal-os a pratica de uma violência exclusivamente para attestar uma violação á vontade. Dous co-possui- dores estão em desaccôrdo sobre certa reparação a fa- zer-se e querem provocar uma decisão judiciaria. 4 8 O FUNDAMENTO DOS 1NTERD1CT0S POSSESSORIOS O Frag. 12 Dig., Liv. 10, tit. 3, dá-lhes o in- terdicto uii possidetis para solução do caso, mas não exige a violência como fundamento do interdicto. O interdicto utruhi, antes de JUSTINIANO, permittia reclamar a posse mesmo contra terceiro possuidor que a não recebera de quem a pedia e sim de outra qual- quer pessoa, por ventura de modo inteiramente legal. A idéa de delicto era também tão extranha a este in- terdicto como à reivinãicatio. 2." Se é a vontade que se protege, e se a posse se apresenta apenas como manifestação da vontade, porque se exige nos interdictos a condição da posse. quando a vontade do outro modo se manifesta ? Um caçador segue uma caça, outro a mata á vista delle : porque não se lhe dá uma acção contra este por haver frustrado a vontade por elle claramente mani- festada ? Em um theatro, alguém deixa signal sobre uma cadeira : outro, desrespeitando o signal, se apossa da mesma. A vontade de se apossar da cadeira por quem a assignalára estava francamente manifestada : mas quem poderá pensar neste caso em uma acção possessoria ? Pouco importa que a vontade tenha por fim a de- tenção permanente ou provisória da cousa. Se a von- tade por si mesma merece protecção, tanto deve ser respeitada em um como em outro caso. 3.° Quantas cousas incomprehensiveis, pois, mesmo na theoria da posse ! Porque deixará de haver posse sobre as cousas delia não susceptíveis : porque se nega acção ao filho-família, capaz de querer: porque se AS THKOIUAS ABSOLUTAS 4 9 negam os interdictos e até protecção aos que possuem em nome alheio ? Em todos estes casos, a vontade é incontestável, existe do mesmo modo que no caso do ladrão e do salteador, e se para estes, a natureza jurí- dica de suas relações com a cousa nenhuma influencia tem em razão da natureza da vontade, porque não hade ser também assim nos outros casos acima referidos ? E' com motivos merecedores de piedade ( porque não convencem ) que se procura encobrir ou mesmo salvar as apparencias de tão palpável contradicção. Não é sempre certo que o detentor conheça a vazão porque se lhe não reconhece a posse jurídica. Um filho-familia que, por noticia certa ou pelo me- nos digna de fé, de que seu pai falleceu, se considera chefe da família, tem sem duvida o animus possidendi, entretanto não poderá usar dos interdictos que em tal qualidade lhe assistem, se se demonstra que seu pai vive ainda.
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