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FACULDADE DE DIREITO PROFESSOR DAMÁSIO DE JESUS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO CONSTITUCIONAL APLICADO RENÊ IARLEY DA ROCHA MARQUES REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E O IDEAL RESSOCIALIZADOR DA PENA À LUZ DA DIGNIDADE HUMANA PIAUÍ 2012 RENÊ IARLEY DA ROCHA MARQUES REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E O IDEAL RESSOCIALIZADOR DA PENA À LUZ DA DIGNIDADE HUMANA Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção de título de especialista em Direito Constitucional Aplicado, sob orientação do Professor Pós Doutor Mário Henrique de Felício Buzzulini. ORIENTADOR: Professor Pós Doutor Mário Henrique de Felício Buzzulini PIAUÍ 2012 CAPÍTULO 4 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO COMO AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (À LUZ DA FILOSOFIA DO DIREITO) 4.1 Antecedentes: Algumas notas sobre a dignidade humana no âmbito da evolução do pensamento ocidental Sem adentrarmos, ainda, o problema do significado que se pode hoje atribuir à dignidade da pessoa humana, cumpre ressaltar, de início, que a ideia do valor intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão. Muito embora não nos pareça correto, inclusive por nos faltarem dados seguros quanto a este aspecto, o fato é que tanto no antigo quanto no novo testamento podemos encontrar referências no sentido de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a conseqüência, lamentavelmente renegada por muito tempo por parte das instituições cristãs e seus integrantes, a exemplo da santa inquisição. No pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas. (SARLET, 2007) Por outro lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo, bem como a ideia de que todos os seres humanos, no que diz respeito a sua natureza, são iguais em dignidade. (Ibid) Assim, especialmente em relação a Roma, notadamente a partir das formulações de Cícero, que desenvolveu uma compreensão de dignidade desvinculada do cargo ou posição social, é possível reconhecer a coexistência de um sentido moral e sociopolítico de dignidade. Durante o período medieval, a concepção de inspiração cristã e estóica seguiu sendo sustentada, destacando-se Tomás de Aquino, o qual chegou a referir expressamente o termo “dignitas humana”, secundado, já em plena Renascença e no limiar da idade moderna, pelo humanista Pico della Mirandola, que, partindo da racionalidade como qualidade peculiar inerente ao ser humano, advogou ser esta a qualidade que lhe possibilita construir de forma livre e independente sua própria existência e o seu próprio destino. Com efeito, no pensamento de Tomás de Aquino, restou afirmada a noção de que a dignidade encontra seu fundamento na circunstância de que o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus, mas também radica na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, de tal sorte que, por força de sua dignidade, o ser humano, sendo livre por natureza, existe em função da sua própria vontade. (Ibid) Já no contexto antropocêntrico renascentista e sem renunciar à inspiração dos principais teóricos da Igreja Católica, Giovanni Pico della Mirandola, no seu opúsculo sobre a dignidade do homem, ao justificar a ideia da grandeza e superioridade do homem em relação aos demais seres, afirmou que, sendo criatura de Deus, ao homem foi outorgada uma natureza indefinida , para que fosse seu próprio árbitro, soberano e artífice, dotado da capacidade de ser e obter aquilo que ele próprio quer e deseja. (Ibid) É com o filósofo iluminista Immanuel Kant que, de certo modo, se completa o processo de secularização da dignidade, que, de vez por todas, abandonou suas vestes sacrais. Construindo sua concepção a partir da natureza racional do ser humano, Kant sinala que a autonomia da vontade , entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana. (Ibid) Com base nessa premissa Kant sustenta que o homem, e duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, por que a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio. (Ibid) É justamente no pensamento de Kant que a doutrina jurídica mais expressiva ainda hoje parece estar identificando as bases de uma fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação da dignidade da pessoa humana. Até que ponto, contudo, tal concepção efetivamente poderá ser adotada sem reservas ou ajustes na atual quadra da evolução social, econômica e jurídica constitui, sem dúvida, desafio fascinante a esse estudo. Se é verdade que as formulações de Kant sobre a dignidade marcaram uma guinada decisiva no âmbito do pensamento filosófico e passaram a influenciar profundamente também a produção jurídica, também é certo que sempre existiram importantes contrapontos , dentre os quais cumpre destacar a noção desenvolvida por Hegel na sua Filosofia do Direito, sustentando, de certo modo, a partir de uma perspectiva escolástica, tal qual encontrada em Tomás de Aquino, que a dignidade constitui também uma qualidade a ser conquistada. Na condição de um dos expoentes do idealismo filosófico alemão do século XIX, Hegel acabou por sustentar uma noção de dignidade centrada na ideia de eticidade, de tal sorte que o ser humano não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento em que assume sua condição de cidadão. Nesta perspectiva, não é a toa que na Filosofia do Direito de Hegel já se faz presente a concepção de que a dignidade é o resultado de um reconhecimento, noção esta consubstanciada na máxima de que cada um deve ser pessoa e respeitar os outros como pessoas. Tal reconhecimento, ainda que experimentado em um contexto concreto e determinado, não se mostra inconciliável com a noção de que o ser humano é como tal reconhecido independentemente das suas relações sociais, já que a capacidade jurídica é igual em e para todas as pessoas. (SARLET, 2007) A despeito de alguns pontos em comum, já perceptíveis a partir desta, sumárias referências, Hegel afasta-se de Kant e, com isso, notadamente ao não fundar a sua concepção de pessoa e dignidade em qualidades inerentes a todos os seres humanos, além de não condicionara condição de pessoa, sujeito e dignidade à racionalidade. Após traçada esta sumária evolução no âmbito da construção de uma concepção filosófica e secularizada de dignidade, que encontrou em Kant o seu mais aclamado expoente, e mesmo considerando a existência de diversos autores de renome, tais como Marx, Merleau – Ponty e Skinner, que tenham negado qualquer tentativa de fundamentação religiosa ou metafísica da dignidade da pessoa humana, bem como apesar das desastrosas experiências pelas quais tem passado a humanidade, de modo especial no século XX, o fato é que a dignidade da pessoa humana continua, talvez mai do que nunca, a ocupar um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico, do que da conta a sua já referida qualificação como valor fundamental da ordem jurídica, para expressivo número de ordens constitucionais, pelo menos para as que nutrem a pretensão de constituírem um Estado Democrático de Direito. (Ibid) Dessa forma, acabamos por recepcionar, especialmente a partir e por meio do pensamento cristão e humanista, uma fundamentação metafísica da dignidade da pessoa humana, que, na sua manifestação jurídica, significa uma última garantia da pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por parte do poder estatal e social. 4.2 A noção de dignidade humana na perspectiva jurídico constitucional: Tentativas de aproximação e concretização Ainda que as considerações até agora tecidas já possam ter lançado alguma luz sobre o significado e o conteúdo da dignidade da pessoa humana, não há como negar, de outra parte, que uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela no mínimo difícil de ser obtida, isto sem falar na questionável viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da pessoa humana hoje. Tal dificuldade, consoante exaustiva e corretamente destacado na doutrina, decorre certamente da circunstância de que se cuida de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua ambigüidade e porosidade, assim como por sua natureza necessariamente polissêmica, muito embora tais atributos não possam ser exclusivamente atribuídos à dignidade da pessoa. Uma das principais dificuldades, todavia, reside no fato de que no caso da dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as demais normas jusfundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana, mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade passou a ser habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, definição esta que, todavia, acaba por não contribuir muito para uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção da dignidade, na sua condição jurídico-normativa. Mesmo assim, não restam dúvidas de que a dignidade é algo real, já que não se verifica maior dificuldade em identificar claramente muitas das situações em que é espezinhada e agredida, ainda que não seja possível estabelecer uma pauta exaustiva de violações da dignidade. Com efeito, não é a toa que já se afirmou até mesmo ser mais fácil desvendar e dizer o que a dignidade não é do que expressar o que ela é. Além disso, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência cuidaram, ao longo do tempo, de estabelecer alguns contornos basilares do conceito e concretizar o seu conteúdo, ainda que não se possa falar, também aqui, de uma definição genérica e abstrata consensualmente aceita, isso sem falar no ceticismo manifesto de alguns no que diz com a própria possibilidade de uma concepção jurídica da dignidade, aspecto que, por sua vez, voltará a ser referido. Nesse contexto, costuma apontar-se corretamente para a circunstância de que a dignidade da pessoa humana não poderá ser conceituada de maneira fixista, ainda não quando se verifica que uma definição desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas, razão pela qual correto afirmar-se que nos deparamos com um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento. (SARLET, 2007) Na tentativa, portanto, de rastrear argumentos que possam contribuir para uma compreensão não necessariamente arbitrária e, portanto, apta a servir de baliza para uma concretização também no âmbito do Direito, cumpre salientar, inicialmente e retomando a ideia nuclear que já se fazia presente até mesmo no pensamento clássico, que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode e deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo, ser criada, concedida ou retirada, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. (Ibid) Não se deverá olvidar que a dignidade, independe das circunstancias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos, mesmo o maior dos criminosos, são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas, ainda que não se portem de maneira igualmente digna nas suas relações com os demais semelhantes. Assim, a dignidade de todas as pessoas, mesmo daquelas que cometem as ações mais indignas e infames, não poderá ser objeto de desconsideração. (Ibid) Aliás, não é outro o entendimento que subjaz ao artigo 1º da Declaração Universal da ONU de 1948, segundo o qual todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade, preceito que, de certa forma, revitalizou e universalizou as premissas basilares da doutrina Kantiana. Por outro lado, há quem aponte para o fato de que a dignidade da pessoa humana não deve ser considerada exclusivamente como algo inerente à natureza humana, isto na medida em que a dignidade possui também um sentido cultural, sendo fruto do trabalho de diversas gerações e da humanidade em seu todo, razão pela qual as dimensões natural e cultural da dignidade da pessoa humana se complementam e interagem mutuamente, refutando-se a tese de que a dimensão ontológica da dignidade possa ser equiparada a uma dimensão por assim dizer biológica. Nesse contexto, assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade. Como prestação imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo portanto dependente da ordem comunitária, já que é de se perquirir até que ponto é possível ao indivíduo realizar, ele próprio, parcial ou totalmente, suas necessidades existenciais básicas ou se necessita, para tanto, do concurso do Estado ou da comunidade, constatação esta que remete a uma conexão com o princípio da subsidiariedade, que assume uma função relevante também nesse contexto.(SARLET, 2007) Desde logo, percebe-se que com o reconhecimento de uma dimensão cultural e prestacional da dignidade não se está a aderir à concepção da dignidade como prestação, ao menos não naquilo em que se sustenta ser a dignidade não um atributo ou valor inato e intrínseco ao ser humano, mas sim, eminentemente uma condição conquistada pela ação concreta de cada individuo, não sendo tarefa dos direitos fundamentais assegurar a dignidade, mas sim, as condições para a realização da prestação. (Ibid) Fechado o parêntese e na perspectiva já sinalizada, sustenta-se que uma dimensão dúplice da dignidade manifesta-se enquanto simultaneamente expressão da autonomia da pessoa humana, bem como da necessidade de sua proteção por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando fragilizada e até mesmo quando ausente a capacidade de autodeterminação. Assim, a dignidade, na sua perspectiva assistencial da pessoa humana, poderá, dadas as circunstâncias, prevalecer em face da dimensão autonômica, de tal sorte que, todo aquele a quem faltarem as condições para uma decisão própria e responsável poderá até mesmo perder o exercício pessoal de sua capacidade de autodeterminação, restando-lhe, contudo, o direito a ser tratado com dignidade. Dworkin acaba portando-se direta e expressamente à doutrina de Kant, ao relembrar que o ser humano não poderá jamais ser tratado como objeto, isto é, como mero instrumento para realização dos fins alheios, destacando, todavia, que tal postulado não exige que nunca se coloque alguém em situação de desvantagem em prol de outrem, mas sim, que as pessoas nunca poderão ser tratadas de tal forma que se venha a negar a importância distintiva de suas próprias vidas. (SARLET, 2007) Kant, como visto, refere expressamente que o homem constitui um fim em si mesmo e não pode servir simplesmente como um meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. O que importa, nesta quadra, é que se tenha presente a circunstância de que a dignidade da pessoa humana implica uma obrigação legal de respeito pela pessoa, traduzida num feixe de deveres e direitos correlativos, de natureza não meramente instrumental, mas sim, relativos a um conjunto de bens indispensáveis ao florescimento humano. Por esta razão é que se impõe o reconhecimento e proteção pela ordem jurídica, que deve zelar para que todos recebam igual consideração e respeito por parte do Estado e da comunidade. O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. 4.3 O princípio da dignidade da pessoa humana como norma (princípio e valor) fundamental na ordem jurídico-constitucional brasileira Tomando como referencial o que já foi exposto e feitas algumas considerações em torno da definição e do conteúdo da noção de dignidade da pessoa humana, importa avaliar seu status jurídico-normativo no âmbito de nosso ordenamento constitucional. Com efeito, se em outras ordens constitucionais , onde igualmente a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão, nem sempre houve clareza quanto ao seu correto enquadramento. Inspirando-se especialmente no constitucionalismo lusitano e hispânico, o constituinte de 1988 preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais, guindando-a, pela primeira vez, à condição de princípio fundamental no artigo 1º, inciso III. Aliás, a positivação na condição de princípio jurídico-constitucional fundamental é, por sua vez, a que melhor afina com a tradição dominante no pensamento jurídico-constitucional luso-brasileiro e espanhol. (SARLET, 2007) Verifica-se que o dispositivo constitucional no qual se encontra enunciada a dignidade da pessoa humana, contém não apenas mais de uma norma, mas que esta, para além de seu enquadramento na condição de princípio fundamental, é também fundamento de posições jurídico-subjetivas, isto é, norma definidora de direitos e garantias, mas também de deveres fundamentais. Na sua perspectiva principiológica, a dignidade da pessoa humana atua como um mandado de otimização, ordenando algo que deve ser realizado na maior medida possível, considerando as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Dentre os fundamentos do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana possui um papel de destaque. Núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo, a dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que irá informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional, sobretudo o sistema de direitos fundamentais. O reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana pelas constituições em diversos países ocidentais tiveram um vertiginoso aumento após a Segunda Guerra Mundial, como forma de reação às práticas ocorridas durante o nazismo e o fascismo e contra o aviltamento desta dignidade praticado pelas ditaduras ao redor do mundo. A escravidão, a tortura e, derradeiramente, as terríveis experiências feitas pelos nazistas com seres humanos, fizeram despertar a consciência sobre a necessidade de proteção da pessoa com o intuito de evitar a sua redução à condição de mero objeto. Tempos depois, com a queda do comunismo, a partir do início da década de 1990, diversos países do leste europeu também passaram a consagrar a dignidade da pessoa humana em seu texto constitucional. (NOVELINO, 2013) Uma das conseqüências da consagração da dignidade humana no texto constitucional é o reconhecimento de que a pessoa não é simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao contrário, deve constituir o seu objetivo supremo, sendo que na relação entre o individuo e o Estado deve haver sempre uma presunção a favor do ser humano e de sua personalidade. O indivíduo deve servir de limite e fundamento do domínio político da República, pois o Estado existe para o homem e não o homem para o Estado. A atuação como elemento informador do conteúdo da Constituição faz da dignidade uma importante diretriz hermenêutica, cujos efeitos se estendem por todo o ordenamento jurídico. Mesmo quando possível o recurso para um direito fundamental específico, ela deve ser considerada como parâmetro valorativo. Como foi dito em tópicos anteriores, a dignidade em si não é um direito, mas um atributo inerente a todo ser humano, independentemente de sua origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outro requisito. O ordenamento jurídico não confere dignidade a ninguém, mas tem a função de proteger e promover este valor. O reconhecimento da dignidade como fundamento impõe aos poderes públicos o dever de respeito, proteção e promoção dos meios necessários a uma vida digna. Em síntese, haverá a violação da dignidade quando uma pessoa for tratada como meio para se atingir um determinado fim, sendo este tratamento fruto de uma expressão do desprezo por sua condição, o que veremos que ocorre com a positivação do Regime Disciplinar Diferenciado na Lei de Execuções Penais Pátria.
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