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1 SEMANA DE CINECLUBISMO, CINEMA E EDUCAÇÃO DE CAMPO GRANDE. I SEMACINE APOSTILA OFICINA DE FORMAÇÃO CINECLUBISTA CAROLINA PARAGUASSÚ DAYER CAMPO GRANDE, 22 DE FEVEREIRO DE 2013. 2 SUMÁRIO 1 - O que é cineclube? .................................................................................................. 4 2 - História do Movimento Cineclubista no Brasil e no Mundo ..................................... 2.1 - Os primeiros anos – as relações entre arte e política 2.2 - A retomada do movimento cineclubista no pós-guerra 2.3 - O Movimento Cineclubista Brasileiro 2.3.1 - Os primeiros cineclubes 2.3.2 - Os anos 50 – a influência católica, o comunismo, a expansão e organização do movimento cineclubista 2.3.3 - A ditadura militar – resistência e cineclubismo popular 2.3.4 - Os anos 80 – agonia do movimento 2.3.5 - O movimento cineclubista brasileiro hoje – a retomada 8 3 - O Mercado Audiovisual ............................................................................................ 13 4 - Como montar e manter um cineclube ...................................................................... 5.1 - Organizando a equipe e a programação 5.2 - Acesso a acervos 5.3 - Organizando a exibição 5.4 - Como fazer a divulgação 5.5 - Estratégias de manutenção 5.6 - Pensando a continuidade e a permanência 16 5 – Trabalhando em Rede: Organizações Estaduais ................................................... 21 6 - Direitos do Público e Direitos Autorais .................................................................... 7.1 - Os Direitos do Público 7.2 - Direitos autorais e Direitos do Público 7.3 - Cineclubes e Direitos do Público 22 7 - Políticas Públicas - mecanismos de apoio à atividade cineclubista ........................ 27 8 - Referências e Sugestões Bibliográficas .................................................................. 30 9- Anexos .................................................................................................................... 32 3 APRESENTAÇÃO DA MINISTRANTE Carolina Paraguassú Dayer Nascida em Goiânia, especialista em Assessoria de Comunicação pela UFG (2008), graduada em Comunicação Social - habilitação em Jornalismo pela PUC-Rio (2005). Atua no audiovisual desde 2001 nas áreas de fotografia, montagem, produção, roteiro, pesquisa e direção. Dirigiu “De Orquídeas e Selos” (doc. RJ/GO, 2005), curta-metragem exibido em diversos festivais pelo Brasil, e “”Resistência.doc” (doc. GO) em fase de captação de recursos para finalização. Entre os filmes que participou, destaque para: “Jungle of my Desire” (montagem – doc./fic. RJ, 2004) de Roberto Athayde, "Sexodrama" (direção de produção | fic. GO, 2006), de Alyne Fratari, “Kalunga” (montagem | doc. GO, 2009), de Luiz Elias, Pedro Nabuco e Sylvestre Campe, “Quadro Negro” (assistente de fotografia | fic. GO, 2010), de Débora Torres. Participou do Júri de Premiação do 2ª MIAU (Mostra Independente do Audiovisual Universitário). É membro da Associação Brasileira de Documentaristas - Seção Goiás (ABD-GO) desde 2005, da qual compôs a diretoria (2008-2009). Em Goiânia, é membro dos Cineclubes Cascavel e Bernardoni. No movimento cineclubista participou da organização de seminários, encontros e reuniões em Goiás, além de ministrar oficinas de formação cineclubista. Nacionalmente, foi convidada para ser monitora do Edital do Cine Mais Cultura no Distrito Federal e eleita para representar Goiás no Conselho de Representantes (2012-2014) do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros (CNC). 4 1 - O QUE É CINECLUBE? Numa época como a nossa, com tantas e aceleradas mudanças, com tantas inovações tecnológicas – especialmente na área do cinema ou audiovisual – tem gente que questiona o nome cineclube. Por causa desse "clube", que parece uma coisa fechada, meio elitista. Mas é preciso entender que quando os cineclubes surgiram, a palavra clube designava o espírito associativo e tinha justamente uma conotação democrática, participativa. Como os clubes operários ou de imigrantes do começo do século passado. Depois disso, 80 e tantos anos de atuação consagraram o termo cineclube, que designa em todo o mundo a nossa atividade. Talvez até um certo prestígio da palavra cineclube, no entanto, fez com que ela passasse a ser usada como rótulo para várias outras atividades, como uma espécie de chancela de qualidade, um instrumento de marketing. O que não corresponde ao verdadeiro sentido do nosso movimento. E prejudica concretamente a nossa atividade, gerando confusão e dificultando, por exemplo, a legalização e regulamentação dos cineclubes. Quando a imprensa e outras instituições formadoras de opinião confundem o Serviço Social do Comércio, um circuito comercial com salas de arte ou mesmo uma cinemateca com os cineclubes, podem, de fato, estar ocultando uma série de conteúdos exclusivos dos cineclubes, escondendo uma visão ideológica que não quer reconhecer certos potenciais "subversivos", transformadores, do cineclubismo. O mesmo acontece quando chamam as rádios comunitárias de rádios piratas. O dicionário define cineclube como uma “associação que reúne apreciadores de cinema para fins de estudo e debates e para exibição de filmes selecionados”, mas a imprensa e o senso comum amesquinham esse sentido e tratam o cineclubismo como uma atividade de mero lazer cultural, fomentada talvez por algum tipo de nerd, um tipo de fanático juvenil amante do cinema. Ou como um sinônimo de sofisticação do consumidor, uma espécie de grife que adorna desde sessões especiais na televisão até salas "diferenciadas" que exibem os filmes com expectativa de público menor. Misturando um pouco de cada, também chamam de cineclube às beneméritas iniciativas de organizações culturais, educacionais, patronais e paternais voltadas ao atendimento de variadas comunidades. É claro que todas essas atividades têm seu lugar, sua necessidade, seu público dentro da sociedade. Mas cineclube é outra coisa. Os cineclubes têm uma história própria, que liga a evolução do seu trabalho às diferentes situações nacionais, culturais e políticas em que se desenvolveram. Há vários tipos de cineclubes, alguns predominam em determinados países, em certas conjunturas. Em situações diferentes suas formas de organização e atuação também variam. Os cineclubes surgiram nitidamente em resposta às necessidades que o cinema comercial não atendia, num momento histórico preciso. Assumiram diferentes práticas conforme o 5 desenvolvimento das sociedades em que se instalaram. Mas assumiram uma forma de organização institucional única que os distingue de qualquer outra. Para começar, e como diz o dicionário, cineclubes são associações. Hoje se diz ONG também, um conceito menos preciso, surgido no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas), que designa organizações não governamentais. Cineclubes, portanto, são associações, organizações que associam pessoas em torno da atuação com cinema. Três características, quando juntas, são exclusivas dos cineclubes e os distinguem de qualquer outra atividade com cinema e, ao mesmo tempo, abrangem uma ampla gama de formas e ações que os cineclubes desenvolveram nos mais diferentes contextos. São elas: 1.O cineclube não tem fins lucrativos. 2.O cineclube tem uma estrutura democrática. 3.O cineclube tem um compromisso cultural ou ético. Essas três "leis" do cineclube excluem todas as outras formas de atividade com cinema que o senso comum e a ausência de reflexão identificam como cineclubes. E permitem, simultaneamente, que identifiquemos uma mesma longa e coerente herança histórica entre instituições que assumiram as mais diversas formas de organização e de atuação mas que são cineclubes. Os "cinemas de arte" têm dono, e seu objetivo maior é o lucro. Cumprem um importante papel no cinema e no mercado, mas são empresas, não associações. Museus, entidades educacionais, assistenciais e outras que exibam filmes, contratam ou nomeiam responsáveis; podem ser iniciativas boas, justas, eficientes e necessárias, mas, a rigor, não são democráticas. Vejam bem, nem toda instituição deve necessariamente ser democrática. Com freqüência, a especialização, a experiência, ou a existência de fins muito precisos, determinam a necessidade de dirigentes escolhidos por outros critérios, que não devem ser considerados antidemocráticos. Por outro lado, a prática da democracia como forma mesmo de organização, estabelece outra dinâmica estrutural, outra forma de atuação. A busca do lucro também, a competição no mercado, foi o que até hoje assegurou o nível de universalidade que o cinema – e outras formas de exibição – atingiram. O cinema comercial, a televisão e, por enquanto em menor medida, a internet, em que pesem seus aspectos negativos, constituem a cultura popular por excelência, e o canal mais amplo – portanto de certa forma mais democrático – de informação e participação do conjunto da população. Assim, o que importa aqui é determinar essa diferença, a particularidade do cineclube, não fazer um juízo ético. A representatividade, a forma de se organizar essa democracia, como em qualquer outra democracia representativa, não costuma ser perfeita: podemos encontrar casos de cineclubes com uma "panelinha" dirigente, assim como os que são geridos, trabalhosamente, por decisões de assembléias bem numerosas. E todo tipo de situação intermediária. Mas, de um jeito ou de outro, 6 os dirigentes são trocados periodicamente, segundo a avaliação de seu desempenho e da direção que imprimem à entidade. É isso que dá aos cineclubes uma grande mobilidade e adaptabilidade, historicamente e nos mais diversos ambientes sociais. Os cineclubes têm essa característica orgânica, a democracia, que lhes permite superar a estagnação. Não ter fins lucrativos é outro elemento fundamental. É claro que a busca do lucro restringe o alcance de qualquer atividade, quando não sacrifica, em maior ou menor grau, sua qualidade. Basicamente os empreendimentos comerciais orientam sua ação pela realização do lucro, eliminando qualquer aspecto que dificulte, postergue ou reduza este objetivo. A tendência predominante na atividade comercial é a repetição das experiências consagradas, lucrativas e a manutenção do status quo. Além disso, apropriação do lucro por uma pessoa ou grupo de pessoas é a base mais fundamental da nossa sociedade de classes. No cineclube, ainda que ele produza superavits financeiros com as suas atividades, esses resultados têm (até por lei) que ser reinvestidos na própria atividade: são, portanto, apropriados pela comunidade. Nesse sentido, o cineclube não é uma instituição tipicamente capitalista. O que nos leva à terceira "lei": organizado com base na mobilização de seus associados em função de um objetivo não financeiro, os cineclubes se voltam para fins culturais, éticos, políticos, estéticos, religiosos. Quase sempre realizam, de alguma forma, mesmo parcialmente, seus objetivos. Ou seja, os cineclubes produzem fatos novos, interferem em suas comunidades, contribuem para mudar consciências e formar opiniões, mobilizam. Não raro, são as sementes que chegam à floração de cineastas e outros artistas; crescem como instituições, transformando- se em museus, cinematecas, centros de produção; criam o caldo de cultura para mudanças culturais, comportamentais, para a geração de movimentos sociais. Os cineclubes produzem e modificam a cultura. Estas três características também estão consagradas na legislação da maioria dos países. No Brasil, desde o final dos anos 60, com a Lei 5.536 (de 21/11/68) e, mais tarde, com as conquistas obtidas pelo movimento cineclubista organizado, com a Resolução nº 30 do Concine (1980), os cineclubes tinham de ser "associações culturais sem fins lucrativos", que aplicassem seus recursos exclusivamente em suas atividades culturais cinematográficas (também definidas na legislação). Um parágrafo, em especial, define com muita clareza o que é não ter fins lucrativos: os cineclubes "não podem distribuir vantagens pecuniárias a sócios, dirigentes ou mantenedores". Ou seja, as entidades podiam gerar e gerir recursos de várias naturezas, desde que os aplicassem exclusivamente nos seus próprios objetivos. Todos, entretanto, que dispusessem de poder dentro da instituição – sócios, dirigentes e mantenedores – não poderiam usufruir desses recursos. A legislação mais recente distingue “vantagem pecuniária” de outros pagamentos – que não seriam “vantagens”, mas justas remunerações quando há trabalho prestado. Isso varia um pouco segundo a forma de associação constituída, mas o pagamento de dirigentes não é estimulado e, havendo remunerações, devem estar de acordo com os padrões regionais similares e são sujeitas a verificação. 7 Recentemente, em dezembro de 2007, a ANCINE – Agência Nacional de Cinema, publicou sua Instrução Normativa nº 63, que reconhece os cineclubes mais ou menos nos mesmos termos da antiga Resolução do CONCINE (Ver anexo 4). Há mais um aspecto fundamental dessas três leis. As duas primeiras identificam todos os cineclubes entre si, excluindo outras formas de organização. Elas são a base fundamental para a estruturação de um movimento, com identidade de organização e interesses iguais. Historicamente as entidades representativas de cineclubes – comissões ou associações municipais, federações regionais, o Conselho Nacional de Cineclubes e a Federação Internacional de Cineclubes - incorporam essas mesmas características fundamentais. Se as duas primeiras características aproximam e identificam os cineclubes, é justamente a terceira que os distingue, que permite que suas formas de atuação possam ser tão diferentes umas das outras, ricas, vivas, criativas. E que os cineclubes tenham tanto em comum, desde o cinema mudo até as formas mais modernas de diálogo do público com a imagem, que estaremos sempre criando. Com projetores a carvão ou imagens digitais, em telas de lençol ou de plasma. Texto adaptado do original “O que é Cineclube?” utilizado pelo CNC. Fonte: http://cineclubes.org.br/tiki/O+QUE+%C3%89+CINECLUBE 8 2 - HISTÓRIA DO MOVIMENTO CINECLUBISTA NO BRASIL E NO MUNDO A documentação bibliográfica sobre a história do cineclubismo é ainda muito incipiente e fragmentada. O texto a seguir tem por objetivo delinear uma breve trajetória do cineclubismo, no mundo e no Brasil. Ao final do texto, apresentamos uma pequena bibliografia complementar para conhecer mais sobre o movimento cineclubista, além de outros textos disponíveis virtualmente. Na parte de anexos da apostila encontra-se, também, uma cronologia detalhada da trajetória do movimento cineclubista no Brasil (Ver anexo 3). 2.1 - Os primeiros anos – as relações entre arte e política Os primeiros movimentos cineclubistas que se tem notícia surgiram na França no começo dos anos 20 do século passado. O CASA, Clube dos Amigos da Sétima Arte, foi criado em 1921, e reunia periodicamente intelectuais e cineastas franceses para discutir cinema. Em 1922, é criado o Clube Francês de Cinema e, em 1924, o CASA e o Clube Francês se fundem e criam o Clube de Cinema da França. Em 1925, nasce a Tribuna Livre do Cinema, que inaugura a tradição cineclubista de sessões semanais seguidas de debate. Nessa época a legislação francesa passa a reconhecer o caráter específico dos cineclubes, reconhecendo seu direito de projetar filmes para associados sem autorização da censura. Esses primeiros cineclubes surgiram do impulso de compreender o cinema, afirmar sua autonomia em relação a outras linguagens e, ao mesmo tempo, resistir a uma padronização imposta pela consolidação do modelo comercial de cinema. O grande motor desses primeiros cineclubes era a necessidade de reunir artistas e críticos em torno de um compromisso essencial com a arte. No entanto, em certos círculos, esses primeiros cineclubes eram vistos como excessivamente burgueses, uma vez que a intelectualidade que os prestigiava não se confundia com um público mais popular, que não freqüentava os cineclubes. Foi nesse contexto que, em 1928, foi criado o cineclube Os Amigos de Spartacus, com a preocupação de levar o cinema de conteúdo crítico e político a um público mais amplo. Registrado como uma sociedade civil independente, com apoio do Partido Comunista Francês, o Spartacus logo se transformaria em uma rede de cineclubes pelos subúrbios operários de Paris e do interior da França. O seu grande sucesso vinha dos filmes soviéticos mas a sua programação era bem ampla, com filmes franceses, alemães, suecos. Sobre o pano de fundo da agitação cultural e política da década de 20, realiza-se na Suíça, em 1929, o 1º Congresso Internacional do Cinema Independente, no histórico castelo de La Sarraz. A principal proposta aprovada no Congresso foi a criação de uma Liga Mundial de Cineclubes, com sede em Genebra, e uma Cooperativa Internacional do Filme Independente. Mas 9 os debates revelaram as grandes divisões ideológicas entre o cinema experimental, como investigação formal, e o cinema de massas. Na América Latina, tivemos o Chaplin Club, no Rio de Janeiro, e o Cine Club Buenos Aires, ambos criados em 1928, e o Cineclub Mexicano em 1931. Com a ascensão dos regimes fascistas começa a desestruturação da atividade cineclubista na Europa. No entanto, na França, circuitos cineclubistas atuam como forma de resistência, onde se destacam cineastas como Jean Renoir e Marcel Carné. Mas a Segunda Guerra Mundial praticamente interrompe as atividades dos cineclubes em todo o mundo. 2.2 - A retomada do movimento cineclubista no pós-guerra Com o final da Segunda Guerra Mundial um processo de reconstrução e transformação toma conta da Europa, acompanhado por uma grande movimentação cultural que inclui a renovação dos cinemas nacionais. O movimento cineclubista volta a crescer: só na França, 20 cineclubes são fundados em 1945, 80 em 46, 130 em 1947, com cerca de 100.000 associados. Em ritmos diferentes, federações nacionais foram criadas em vários países e, em 1947, foi constituída a Federação Internacional de Cineclubes (FICC). A Federação Internacional estabeleceu alguns princípios gerais e fundamentais: o caráter não comercial dos cineclubes, o compromisso com o cinema independente e de experimentação, a disposição de criar uma rede internacional de circulação de filmes. O movimento cineclubista reafirmou seu papel de discussão e de renovação do cinema, e de produção de uma crítica impressa que influenciava o cinema do mundo inteiro. Por essa via, assumia igualmente uma importância política, na defesa do pluralismo, dos cinemas nacionais, na luta contra o colonialismo cultural, pela renovação da linguagem, contra a padronização dos produtos comerciais. A FICC é membro do Comitê Consultivo da UNESCO e hoje agrupa mais de 30 países e 50 Federações Nacionais. O brasileiro Antonio Claudino de Jesus, ex-presidente do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, é o atual presidente da FICC. 2.3 - O Movimento Cineclubista Brasileiro 2.3.1 - Os primeiros cineclubes O Chaplin Club, fundado em 1928 no Rio de Janeiro, é considerado o cineclube pioneiro no Brasil, pois foi o primeiro que constituiu estatutos e manteve uma atividade permanente. O Chaplin Club publicou a revista de ensaios O Fã – com 9 números editados em cerca de dois anos – que além de divulgar a programação do cineclube, promoveu uma intensa discussão estética sobre o cinema. Foi no Chaplin Club que foi exibido, em 1931, o filme Limite, de Mário Peixoto, um marco do cinema brasileiro e mundial. 10 Em agosto de 1940, foi fundado O Clube de Cinema de São Paulo que se propunha a estudar o cinema como arte independente, por meio de projeções, conferências, debates e publicações. As exibições do Clube de Cinema eram na Faculdade de Filosofia e até mesmo nas casas de Paulo Emílio Salles Gomes ou de Lourival Gomes Machado, dois de seus fundadores. 2.3.2 Os anos 50 – a influência católica, o comunismo, a expansão e organização do movimento cineclubista Assim como no resto do mundo, também no Brasil o cineclubismo se expande e se desenvolve enormemente depois de 1945. Enquanto o Clube de Cinema se consolida cada vez mais, começam a surgir cineclubes em outras cidades importantes: Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, entre outras. No mesmo momento, acontece uma importante tomada de posição por parte da Igreja, que terá muita influência no cineclubismo brasileiro dessa e da próxima década. Em 1952, chega ao Brasil uma missão do OCIC – Ofício Católico Internacional do Cinema, para dar cursos e seminários e estimular a formação de cineclubes nas instituições ligadas à Igreja. Surgem dezenas de cineclubes em todo o país, em colégios, seminários, instituições laicas com influência da Igreja, e cria-se uma literatura e um método cineclubista católico. Esse cineclubismo laico tinha, por sua vez, uma forte influência comunista, então corporificada basicamente no Partido Comunista, com algumas dissidências influenciadas pelo pensamento trotskista, e, por outro lado, fundamentalmente a tradição cineclubista francesa, da cinefilia. Os anos 50 são também os anos de organização dos cineclubes como um movimento. Os cineclubes passam a se reunir e surgem as primeiras iniciativas de organização. A partir de 59 passam a ser organizadas as Jornadas Nacionais de Cineclubes, congressos anuais ou bianuais, e em 1961 foi criado Conselho Nacional de Cineclubes. 2.3.3 A ditadura militar – resistência e cineclubismo popular A partir de 1964, com a implantação do regime militar e a limitação da liberdade de expressão, inicia-se um processo de controle de movimentos sociais, operários e estudantis e, após a VII Jornada, realizada em Brasília em 1968, a poucos dias da edição do Ato Institucional 5, os cineclubes também passam a ser perseguidos. Calcula-se que existissem cerca de 300 cineclubes em 1968, agrupados em 6 federações regionais filiadas ao Conselho Nacional de Cineclubes. Em 1969 havia no máximo uma dúzia de cineclubes em funcionamento e quase todas as suas entidades representativas haviam sido desarticuladas. 11 Em 1974 realiza-se a 8ª Jornada Nacional de Cineclubes, em Curitiba. O documento final do Encontro, a Carta de Curitiba, lança as bases programáticas que vão nortear o movimento cineclubista: priorizar o filme nacional pela defesa do cinema brasileiro, compromisso com o público e a democracia. Na 10ª Jornada, em Juiz de Fora, é criada a Dinafilme – Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes, órgão do CNC. O acervo inicial é composto de clássicos em 16mm que pertenciam ao acervo da Cinemateca, cedidos por Paulo Emílio Salles Gomes. Em 1980, O Homem que Virou Suco, melhor filme do Festival de Moscou desse ano, é lançado simultaneamente no circuito comercial pela Embrafilme e nos cineclubes de bairro pela Dinafilme, alcançando mais público nos cineclubes. A Jornada é realizada em Brasília. 2.3.4 Os anos 80 – agonia do movimento As mudanças no modelo de distribuição levam paulatinamente à concentração do mercado, culminando com o fechamento de 70% dos cinemas e uma queda de público equivalente. A crise econômica da dívida externa, a inflação crescente e a introdução dos equipamentos de vídeo doméstico (Betamax, VHS) levaram, até o final da década, à extinção de quase todos os cineclubes 16mm e todas as entidades representativas. Depois de aprovada na Jornada de Campo Grande, em 1981, toma corpo a idéia de criar salas mais "profissionais" em 35mm, para ocupar os espaços deixados livres e a enorme disponibilidade de equipamento dos cinemas fechados. Nessa linha, surge em São Paulo, o Cineclube Bixiga, considerado a origem dos atuais circuitos comerciais de arte. A 22ª Jornada em Campinas comemora os 60 anos do cineclubismo, em 1988, e tenta levantar o moral do movimento. Mas já é tarde: em 1989 realiza-se uma última Jornada em Vitória, ES, e é eleita uma diretoria que mal chega a assumir e já não consegue reunir forças para manter os cineclubes atuando como um movimento. Isolados, os cineclubes 16 mm vão se extinguindo, e os que atuam com projeção em 35 mm, com uma estrutura mais organizada, acabarão sufocados pela força do mercado: ou tornam- se empresas ou são devorados. 2.3.5 O movimento cineclubista brasileiro atual – a retomada Após 14 anos foi organizada, por iniciativa de um cineclubista, então atuando no Ministério da Cultura, Leopoldo Nunes, uma Jornada de Reorganização do Movimento Cineclubista, em Brasília, em 2003. O encontro revelou a existência de vários cineclubes atuando isoladamente, em parte através do formato digital. Constitui-se uma Comissão de Reorganização do Movimento Cineclubista com representantes das várias regiões do País e começa-se a preparar a 24ª Jornada, para o ano seguinte. 12 No final de 2007 a Agência Nacional de Cinema promulga a Instrução Normativa 63, que reconhece e regulamenta a existência dos cineclubes. Nos estados e regiões organizam-se as federações: a Ascine; do Rio de Janeiro; a Federação de São Paulo; a Associação de Cineclubes de Vila Velha (ES), o Conselho de Cineclubes no Ceará; a Federação em Pernambuco, a Federação Paraense, a União Baiana de Cineclubes e a Federação de Cineclubes do RS. A afirmação do movimento e de suas entidades reativa também o diálogo com o governo federal. As principais reivindicações do cineclubismo vão se tornando programas de ação cultural do MINC: edital de distribuição de equipamentos de projeção, em 2006; criação da Programadora Brasil e início de construção do seu catálogo de filmes, em 2007. Atualmente a ação Cine Mais Cultura, do Programa Mais Cultura do Ministério da Cultura, une esses dois projetos em um só pela via da parceria com o CNC, oferecendo, além do equipamento e acervo, a formação cineclubista. O movimento hoje está mais organizado e possui uma impressionante capilaridade, com mais de mil cineclubes atuando em todos os estados brasileiros. 13 3 - O MERCADO AUDIOVISUAL É fundamental que os cineclubes tenham uma noção inicial da estrutura e do funcionamento do mercado audiovisual para que se situem nesse contexto e percebam a importância de seu papel nessa atividade que envolve aspectos culturais, sociais e econômicos. O audiovisual é um campo muito abrangente e em permanente expansão. Compreende produtos feitos por produtoras de cinema, de televisão e de vídeo, em diferentes formatos, que circulam nos espaços tradicionais de exibição como salas de cinemas, emissoras de televisão e exibição doméstica. Mais recentemente, foram desenvolvidas novas mídias, como telefonia móvel e internet, que passaram a veicular obras de ficção, documentais ou experimentais especialmente elaboradas para esses suportes. O Cinema é o elemento pioneiro no campo do audiovisual e consolidou-se como uma atividade econômica de base industrial compreendendo três segmentos interdependentes: 1) Produção – é o segmento responsável por todo o processo de realização do conteúdo, desde a concepção inicial até a finalização do produto que será exibido. No Brasil, para produzir um filme, o criador tem que se constituir como pessoa jurídica (empresa) porque a legislação de regulamentação da atividade, as leis federais de incentivo audiovisual e a rede de distribuição e exibição não reconhecem a figura do produtor pessoa física. 2) Distribuição – é o segmento responsável pela distribuição do conteúdo. No caso do cinema comercial, é o agente que disponibiliza os filmes para os proprietários dos cinemas escolherem o que exibir em suas salas. Seus ativos são os direitos de comercialização do conteúdo. 3) Exibição – é o segmento que compreende os espaços de exibição, ou seja, os donos das salas de cinema. No Brasil, o circuito de exibição é concentrado nos grandes centros urbanos, tendo ocorrido um processo de diminuição acentuada dos chamados “cinemas de rua” e uma tendência crescente de aberturas de salas múltiplas ou complexos de salas construídos dentro de centros comerciais. 3.1 - Aspectos históricos do modelo de negócios O nascimento do cinema coincide com a expansão econômica das nações industrializadas (Imperialismo econômico). Foi a primeira modalidade de tecnologia cultural a ser difundida em todo o planeta. Contudo, a baixa intervenção das nações na regulação interna dessa atividade e na defesa de produtores locais, permitiu a concentração econômica do setor, notadamente na distribuição e na exibição controladas por poucas empresas locais ou internacionais. 14 Como conseqüência, sete empresas norteamericanas controlaram o comércio mundial de cinema, independente de possuírem salas de exibição em outros países. Mesmo com o impedimento no território dos Estados Unidos de uma mesma empresa ser produtora, distribuidora e exibidora de seus filmes (“Paramount Act”-1949), em cada dez ingressos vendidos no planeta Terra, nove entradas são para assistir a filmes “made in USA”, à exceção de Índia, França, Coréia e Irã, países que estimulam e priorizam a produção nacional. Esse diferencial deve-se também ao gasto adicional em comercialização. Um grande produtor gasta, em média, o mesmo valor que investiu na produção para lançar seu filme entre cartazes, anúncios em jornais, trailers em televisão e salas de cinema, o denominado “P&A” (Print & Advertising) ou em uma tradução livre “Cópias e Anúncios”. Para o produtor brasileiro estes custos funcionam como barreira à entrada no mercado ao praticamente impedir o acesso de pequenos produtores às melhores salas dos circuitos de exibição. Além disso, outro fator que afeta a distribuição dos filmes produzidos é a falta de salas de exibição. O mercado brasileiro de exibição compreende um volume de pouco mais de 2.000 salas que, frente ao tamanho da população brasileira, evidencia um grande déficit de locais de exibição. Por outro lado, o acesso do produtor nacional ao mercado doméstico não implica uma lucratividade imediata. Somente 5 a 10% da produção conseguem recuperar o investimento. Agregue-se ainda o padrão de exibição criado no espaço das salas de cinema que privilegia o formato ficcional de longa-metragem em detrimento do documentário e do curta-metragem. A distribuição da renda do filme auxilia na compreensão do que acontece em nosso mercado nacional. Descontados os impostos, de cada ingresso vendido, metade fica com o exibidor e a outra metade com o distribuidor e o produtor. Como, em geral, o distribuidor faz um investimento na comercialização da obra (P&A), esse valor é descontado da receita do produtor até cobrir esses custos (retenção prioritária da renda). Com isto, o produtor raramente consegue recuperar os custos de produção e, mesmo subsidiado, obter uma fonte de receita suficiente para bancar novos filmes. A lógica de mercado vem ao longo do tempo desestimulando as produções de cunho regional, processo que se acentuou com a introdução da televisão entre os anos 1940 e 1960. No caso brasileiro, o modelo adotado concentrou produção, distribuição e exibição de conteúdo televisivo em torno de poucos concessionários. Durante a ditadura militar, a opção pela formação de redes nacionais colaborou com o distanciamento do cinema brasileiro de nossa televisão e impediu a regionalização da produção televisiva. Posteriormente, para fazer frente à concentração dos canais de televisão, à falta de salas de exibição e ao domínio de produções estrangeiras em mercados nacionais, foram criados subsídios para a produção local no Brasil e em outros países de relevo cultural, na forma de editais, leis de incentivo ou fundos de investimento, como forma de proteger a cultura regional e garantir cerca de 50 empregos diretos e 200 indiretos por filme concluído. 15 Hoje, mais de 90% dos lançamentos nacionais obtém recursos através de editais e leis de incentivo, embora o período médio de captação desses recursos para cada filme produzido seja superior a 2,5 anos e apenas 15% dos filmes alcancem renda superior a quatro vezes a captação. Em contrapartida, desde os anos 1980, com o lançamento do vídeo doméstico e da Internet, vivemos um período de transição das tecnologias de exibição que permitem democratizar o acesso aos conteúdos audiovisuais. A modificação desse modelo de negócios culmina com o surgimento das salas de exibição digital, que além de baratearem custos com cópias e lançamentos, permitem o acesso de segmentos de produção até então excluídos das telas, como o documentário e o cinema de linguagem experimental, agregando um novo elemento no cenário que é o transmissor de conteúdo. Neste ponto preciso, os cineclubes utilizam desses novos formatos para revitalizar o circuito de exibição sem fins lucrativos, que decresceu com o fim dos projetores e cópias para distribuição em 16mm. Há mais de 80 anos, com o início dos trabalhos no Brasil de entidades sem fins lucrativos voltadas à exibição cinematográfica, como os cineclubes, cinematecas e associações culturais, criou-se um setor que, ao contrário do cinema comercial (preso a um horário rigoroso e sem intervalos), permite discutir e aprofundar aquilo que vem da tela. Cada filme nacional lançado é um produto único que revela um modo de olhar nossa realidade. Descobrir a originalidade de cada uma dessas obras é a tarefa principal para as exibições sem fins lucrativos, pois cria uma identidade entre o público, a equipe dos cineclubes e a produção nacional, contribuindo para a diversidade e a cidadania cultural. 16 4 - COMO MONTAR UM CINECLUBE 4.1- Organizando a Equipe e a Programação Distribuição de tarefas nas equipes de: - Programação/Curadoria - Produção – captação de filmes, montagem e execução da sessão - Arte – criação de material de divulgação (cartaz, e-flyer, etc) - Divulgação física – através de cartazes, folders no local do Cineclube e em pontos selecionados pela cidade. No caso de escolas, a divulgação dos professores junto aos alunos é fundamental. - Divulgação virtual – envio de material para a imprensa, mailing, listas de e-mails, redes socias. - Registro – ata de assinaturas (para contagem de público e criação de mailing), fotografia, filmagem, reportagens (sobre as sessões em blogs e outros meios). 4.1.1 - Pensando no Público Um aspecto fundamental na atividade de organizar uma programação diz respeito ao envolvimento do público. A organização da programação deve ter sempre em mente o ambiente está inserido, buscando envolver a comunidade de seu entorno. A programação deve despertar o interesse do público para atraí-lo. 4.1.2 - A seleção das Obras A seleção das obras deve acontecer a partir de pesquisa de interesse do público, que pode se dar a partir de múltiplos recortes/abordagens. 4.2 - Acesso a Acervos Onde encontrar as obras audiovisuais para montar uma programação? Para ajudar a solucionar o problema do acesso a acervos, disponibilizamos alguns exemplos de captação de acervo. a. Programadora Brasil, que é um programa da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura realizado pela Sociedade Amigos da Cinemateca sob a coordenação da Cinemateca Brasileira. O catálogo atual conta com 700 filmes e vídeos de todos os cantos do país, organizados em 214 programas (DVDs), contendo encartes, valorizando a diversidade e as informações sobre o cinema brasileiro. Um catálogo que tem como 17 destaque programas com conteúdo destinado a todas as faixas etárias e a qualquer perfil de público. Confira: http://www.programadorabrasil.org.br/; b. A cinemateca do CNC, Conselho Nacional de Cineclubes, que dispõe de mais de 300 títulos. Esse acervo está sendo organizado e catalogado e, em breve, estará disponível no endereço eletrônico www.cineclubes.org.br; c. As federações estaduais de cineclubes e os próprios cineclubes regionais já em funcionamento em todos os estados brasileiros; d. A ABD Nacional, Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas (www.abdnacional.com.br), também tem um projeto de organizar e disponibilizar seu acervo; e. Algumas ABDs estaduais têm feito um levantamento sistemático da produção local e disponibilizado seus acervos, como a ABD do Espírito Santo, por exemplo, que tem formado acervo a partir das mostras Produção Independente, com uma coleção anual de DVDs com a produção de realizadores capixabas; f. O Museu da Pessoa (www.museudapessoa.com.br) disponibiliza seu acervo para os cineclubes; g. Entidades ambientais e de cunho educativo também podem ter acervos que podem ser utilizados pelos cineclubes, dependendo do seu perfil; h. Por fim, no âmbito das redes há a possibilidade de criação de uma rede internacional com outras federações de cineclubes (principalmente com países de língua portuguesa e/ou latinas) que já possuam acervos e licenças para tanto e que tenham interesse em disponibilizar e fazer circular em um intercâmbio internacional, seus conteúdos (por exemplo, ver www.mundokino.net); Há, ainda, a rede de comunicação “CNC diálogo” (aberta a participantes de qualquer cineclube), com mais de 1000 inscritos, onde ocorre uma troca de informações sobre acervos e um diálogo constante sobre assuntos de interesse dos cineclubes. 4.3- Organizando a Exibição 4.3.1 – Infraestrutura Infraestrutura necessária para projeção - Espaço para projeção, podendo ser uma sala de aula. É importante observar a incidência de luz, a acústica do local e a ventilação ou acondicionamento da sala. - Cadeiras, de preferência acolchoadas, - Projetor Digital. - Aparelho de DVD com vídeo componente. 18 - Sistema de som (Caixas de som estilo Home Theater ou mesa de som com caixas amplificadoras). - Tela branca fosca, podendo ser uma parede branca com tinta branca sem brilho. - Extensões elétricas para conexões Infraestrutura necessária para captação de filmes e divulgação - Computador com impressora e acesso à internet banda larga - Telefone para contato com as distribuidoras, realizadores e outras fontes de acervo - Mídias de DVD-R - Caneta para escrever em DVD 4.3.2. Preparação da infraestrutura Após definição da infraestrutura, é importante pensar alguns pontos: - Preparação do local de exibição - A forma de recepcionar e orientar o público - Debate após a sessão - Avaliação das sessões e pesquisas de opinião 4.4 - Como fazer a divulgação - Traçar estratégias de comunicação, podendo utilizar os seguintes instrumentos: a) Material Impresso: Cartazes, Folders, Filipetas, Panfletos, Banner, Adesivos, Faixa, Zine, Camisetas; b) Internet: Mailling List; Sites (Blogs, Sites Institucionais, Sites Parceiros, Sites Hospedeiros), Mídias Sociais (Twitter, Facebook, Orkut, entre outros), Boletim Eletrônico, Grupos de Discussão; c) Comunicação de Massa: Jornal (Release) TV, Rádio, Celular (Ligações e SMS); d) Mídias Alternativas: Carros/Bicicletas de Som, Rádio Comunitárias/Rádio Poste, Agente Comunitário; e) Eventos: Aproveitar eventos culturais/educativos/etc para divulgar ações e/ou programação do cineclube (Congressos, Jornadas, Palestras, Encontros, Oficinas, Festivais, Simpósios, etc.); f) Promoção de eventos vinculados à atividade cineclubista: integrar outras atividades culturais vinculadas à ação cineclubista (Saraus Poéticos, Shows, Gastronomia, Datas Comemorativas, Grupos Sociais, etc.) 19 4.5 - Estratégias de manutenção Os cineclubes existentes e os que estão sendo criados precisam saber seu perfil, objetivos, qual público atendem/atenderão, entre outras questões que são levantadas durante a elaboração do diagnóstico. 4.5.1- Informações do Cineclube 4.5.1.1- O Cineclube - Nome do Cineclube - Organização (que tipo de instituição, se há parcerias, mantenedores, etc) - Histórico das atividades e evolução do cineclube - Finalidades da atuação - Perfil/ Ramo de atuação (ver 5.1.2) - Missão, visão e valores - Situação Financeira Atual 4.5.1.2- Perfil (ramo de atuação) do Cineclube Os cineclubes podem ter ênfase em um ou mais dos possíveis seguintes perfis: a. Formação de público com visão crítica: trata-se de cineclubes que tem como prioridade uma programação mais voltada para o debate e a reflexão de forma mais geral; os temas podem ser variados e estabelecidos de acordo com as orientações da curadoria. b. Fortalecimento das identidades culturais: trata-se de cineclubes vinculados à experiências de Ongs, associações, instituições, ou movimentos sociais cujo objetivo é fortalecer as identidades culturais, tais como as identidades étnicas, de gênero, religiosas, sexuais, de condição social, entre outras. Normalmente possuem uma programação engajada com debate sobre os assuntos abordados; c. Programação voltada ao “entretenimento” e na formação de público: trata-se de Cines que apostam numa programação mais lúdica e quem tem como principal objetivo o “entretenimento”; d. Debates de linguagem audiovisual: que se interessam em exibir filmes que busquem experimentações na linguagem audiovisual ou estejam inseridos em movimentos estéticos do cinema; demandam cursos, oficinas e palestras no campo da linguagem audiovisual. e. Programações voltadas para uma determinadas faixas etária: que buscam uma programação para qualificar um público específico, como por exemplo, jovens, crianças, adultos, terceira idade. 20 4.5.2- Diagnóstico Para estabelecer o diagnóstico, alguns pontos precisam estar claros para a equipe, o que facilitará a realização da atividade cineclubista. A seguir, uma sugestão de organização das informações para a equipe e para apresentação do cineclube, caso este se inscreva em editais e/ou busque a captação de recursos: a) Apresentação - Descrição sumária dos objetivos e das características principais do cineclube - Indicação da equipe e divisão de tarefas - Determinar ações necessárias - Investimentos necessários - Resultados esperados b) Público - Características dos público - Políticas de comunicação com esse público c) Programa de Atividades e de Sessões d) Determinação dos recursos necessários - Recursos humanos - Recursos materiais - Recursos financeiros e) Custo - Criar um orçamento detalhado f) Conclusões - Dados para avaliação do projeto - Listar quais são as ameaças (localização, iluminação e clima inadequados, dificuldade de acesso, mudanças de governo,) e as oportunidades enfrentadas pelo Cineclube - Listar quais são as fraquezas e as forças que o Cineclube possui - Justificativas de suas vantagens e contrapartidas - Análise de sua relevância para a comunidade na qual atua - Análise de sua contribuição para o desenvolvimento da comunidade, sociedade e país 4.6 – Pensando a continuidade e a permanência A atividade cineclubista deve buscar sua auto-sustentabilidade. Para tanto, os cineclubes podem buscar patrocínios direto e/ou indireto, além de outras formas de obtenção de receitas. 21 5 – TRABALHANDO EM REDE: ORGANIZAÇÕES ESTADUAIS O número de cineclubes vem crescendo gradativamente. Atualmente, a partir da reorganização do movimento cineclubista, existem organizações estaduais. Como exemplo, temos Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Pernambuco, Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Sul. As entidades têm autonomia própria e estruturam-se de acordo com as necessidades particulares de seus estados. Todas elas estão atentas para o trabalho em conjunto com o CNC, pois desta forma suas atividades serão potencializadas e, assim, as demandas locais poderão ser mais facilmente abordadas e solucionadas. Dentre essas demandas destacam-se, normalmente, as políticas públicas municipais e estaduais, as parcerias construídas e a divulgação e distribuição otimizada (formação de redes e circuitos de exibição). De forma geral, as organizações estaduais têm seguido uma composição bastante tradicional na estruturação de suas diretorias. Comumente, a organização recebe a designação de Federação e tende a preservar o quarteto Presidente, Vice-presidente, Secretário e Tesoureiro. A Federação de Cineclubes do Estado de São Paulo segue fielmente esta estrutura. Na Federação Capixaba de Cineclubes, somado à estrutura tradicional, temos o Diretor de Divulgação e Promoção, que tem como função dar visibilidade à comunidade e à imprensa através das ações promovidas pela Federação e pelos cineclubes a ela filiados. Já a Federação Pernambucana de Cineclubes, além de preservar os cargos tradicionais, também possui Diretor de Comunicação (equivalente ao Diretor de Divulgação e Promoção) e Diretor de Regionalização (revelando o caráter prioritário dado à promoção e articulação do cineclubismo em todo o estado). Apesar de apresentar outro nome para a organização estadual, o Conselho Cearense de Cineclubes repete a estrutura clássica acrescida de Diretor de Comunicação e Diretor de Projetos e Relação com Outras Entidades – pessoa designada para supervisionar a formulação e execução de projetos, além de estabelecer diálogo com entidades de interesse para a concretização dos mesmos. Uma nova proposta vem da Associação de Cineclubes do Rio de Janeiro ao se organizar na forma de Diretoria Colegiada, promovendo uma estrutura horizontal que procura destacar a funcionalidade de cada cargo, bem caracterizados em seus títulos: Diretor de Relações Institucionais, Diretor Administrativo, Diretor Financeiro, Diretor de Formação e Projetos, Diretor de Acervo e Difusão, e Diretor de Comunicação. Independente de qual estrutura as novas organizações estaduais sigam, o mais importante é que se formem e se articulem, consolidando assim personalidades coletivas, na medida em que são amparadas pela institucionalidade do coletivo de cineclubes. Só assim o movimento poderá ter a voz necessária ao diálogo com as diversas instâncias políticas em cada região do país, e ao mesmo tempo alimentar politicamente o movimento nacional. 22 6- DIREITOS DO PÚBLICO E DIREITOS AUTORAIS Não apenas cineclubes de todo o Brasil, mas também prefeituras, escolas, e todo tipo de organização social que emprega o audiovisual como suporte em suas atividades, vivem em desinformação e preocupação, sem saber se estão atuando legalmente ou cometendo algum crime ao exibirem um filme. Uma intensa campanha contra a pirataria, alegando usurpação de direitos autorais em todas as atividades não autorizadas por – isto é, não pagas a - determinadas empresas, criou uma enorme confusão e a reprodução desinformada de mitos e medos. As fitas de vídeo e os DVDs de filmes trazem uma severa advertência, avisando que a exibição daquele material, fora do âmbito para o qual foi alugado, constitui crime segundo o Artigo 184 do Código Penal9. Qualquer cópia de filme traz esse aviso, mesmo que se trate de uma obra realizada há mais de 70 anos, quando todo e qualquer filme torna-se de domínio público – e ninguém pune a empresa que emprega meios audiovisuais para divulgar uma mentira que, inclusive, a beneficia: ela certamente não paga direitos pela distribuição comercial desse material. Mas a coisa é mais grave, a referida “advertência” não menciona a expressão “com intuito de lucro direto ou indireto”, que acompanha cada um dos incisos que definem violações do direito autoral. Também não menciona que não constitui violação quando se tratar de cópia em “um só exemplar, para uso do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto”. Em sua campanha feroz, as empresas distribuidoras e seus sindicatos internacionais (Motion Pictures Association of America) fazem uma pequena “adaptação” no texto da lei, para seu próprio benefício, e divulgam essa versão com a maior disfaçatez. caradura. Mais grave ainda: essas empresas criam organizações voltadas para divulgação desses interesses, atuando em escolas e outras instituições públicas, formando uma falsa “consciência” de propriedade, preferencialmente junto às crianças e jovens. E, de outro lado, promovem o treinamento de forças policiais, que acompanham em ações de invasão de espaços variados, apreensão e destruição de equipamentos e mesmo prisões de pessoas. O que se traduz por uma escandalosa privatização da ação do Estado, seja no plano da Educação ou no campo da ação repressiva policial. Colocando tudo isso numa perspectiva mais teórica e histórica, podemos resumir que os direitos autorais são muito importantes, pois servem para assegurar a autoria de qualquer obra – os aspectos morais do direito de autor – e a sua propriedade sobre a utilização econômica de sua criação – os aspectos ditos patrimoniais dos direitos autorais. Os direitos morais são pessoais e intransferíveis: referem-se ao direito de associar a obra ao nome do seu criador, à incolumidade e à difusibilidade, por exemplo. Os direitos patrimoniais podem ser transferidos, e dizem respeito ao usufruto econômico e à comercialização da obra. Os direitos autorais, cujas origens podem ser traçadas até a Antiguidade, começaram a ser mais sistematizados a partir da generalização dos princípios da Revolução Francesa e do crescimento da indústria da edição. 23 De início visava-se proteger os escritores, muito explorados pelos monopólios de edição concedidos pela coroa e, posteriormente, pelo crescimento das casas editoras. Mas o direito autoral é concebido dentro de uma tradição de que a cultura é um bem público, propriedade de todos: a exceção se justificava pontualmente, face a uma situação de exploração indevida dos autores. Concomitantemente com o direito autoral se consolida a noção de domínio público, que limita o direito do autor no tempo13, preservando a noção mais ampla do interesse geral e da cultura como patrimônio da humanidade. O entendimento moderno, que vem desde a Declaração dos Direitos do Homem, recentemente foi confirmado pela Convenção Internacional da Diversidade Cultural, e busca balancear a proteção dos direitos patrimoniais com as necessidades da diversidade cultural da humanidade. Idêntico princípio está consagrado na Constituição brasileira, que submete e limita até o princípio geral da propriedade privada à primazia do bem comum. Assim, a situação concreta dos cineclubes, hoje, é a seguinte: pelo espírito da Lei, podem exibir quaisquer filmes, desde que sua atividade seja efetivamente e exclusivamente cultural e sem fins lucrativos. No entanto, como lembramos anteriormente, as grandes empresas de distribuição mantêm importantes iniciativas de monitoramento e repressão a exibições de produtos cujos direitos patrimoniais lhes pertencem. A exibição desses filmes coloca o cineclube em risco de ser processado ou de ter seus parceiros – outras entidades, órgãos públicos locais, apoiadores – intimidados pelas agências representantes das empresas e seus sindicatos estrangeiros. Ou seja, cada cineclube tem que avaliar a conveniência de assumir o risco de vir a ser processado, ou ter suas relações com seus parceiros abaladas por ameaças das empresas distribuidoras e seus representantes. Esse risco está, geralmente, diretamente ligado ao tipo de divulgação que o cineclube faça de suas sessões, ao nível de exposição midiática de suas atividades. 6.1 - Os Direitos do Público Como vimos dizendo, os cineclubes representam, desde que surgiram, a forma de organização do público para participar do processo audiovisual. Assim, em todo o mundo, o movimento cineclubista está permanentemente envolvido numa campanha pelo reconhecimento e regulamentação dos direitos do público. O texto fundador dessa campanha internacional é a Carta de Tabor. A Carta dos Direitos do Público foi aprovada por unanimidade numa assembléia geral da Federação Internacional de Cineclubes – FICC, realizada na cidade de Tabor em 1987. Tabor ficava, então, na Tchecoslováquia, hoje República Tcheca. Embora tenha suscitado bastante agitação e sido objeto de discussões em alguns países, além de apresentada em encontros e reuniões importantes, com autoridades da União Européia, a grande campanha por esses direitos pouco compreendidos não prosperou. Por quê? 24 Principalmente porque, assim como no Brasil, também no resto do mundo o cineclubismo experimentou um importante refluxo nos anos do auge da onda da globalização. E especialmente na Europa, onde a FICC era mais forte e institucionalmente mais presente. Já neste século, com a reestruturação da entidade mundial cineclubista em bases mais amplas – e o grande trabalho de organização que isso tem representado, agora em todos os continentes – a Carta ficou meio esquecida. A 1ª. Conferência Mundial de Cineclubismo, realizada em fevereiro de 2008 na Cidade do México, promoveu uma ampla discussão sobre o sentido do cineclubismo, sua memória, história, marco legal, desafios, responsabilidades. Foi nesse contexto que, na exposição feita pelo presidente do Conselho Nacional de Cineclubes, Antonio Claudino de Jesus, foi recuperada a Carta de Tabor. Rapidamente, a absoluta atualidade das proposições da Carta, assim como a clareza e síntese com que define os direitos do público – representados no plano do audiovisual pelos cineclubes – se impôs aos participantes da Conferência, tornando-se resolução unânime a reafirmação da Carta e o imediato início de campanhas pela sua divulgação e adoção em todos os países. 6.2 - Direitos autorais e direitos do público No Brasil os direitos autorais (Lei 9.610 de 1998) são divididos entre direitos morais e direitos patrimoniais e pertencem ao autor estes direitos sobre a obra que criou (Art. 22). Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis (Art. 27). Eles garantem ao autor, dentre outros, o direito à paternidade da obra e de conservar sua integridade. Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores apenas estes dois (Art. 24). No campo audiovisual, cabe exclusivamente ao diretor o exercício dos direitos morais (Art. 25). Os direitos patrimoniais versam sobre o direito à exploração econômica da obra pelo autor, que pode ser total ou parcialmente transferida a terceiros, por ele ou por seus sucessores, de forma temporária ou até mesmo definitiva (Art. 49). Assim, surgem três grupos que têm interesse na questão dos direitos autorais: os autores; os produtores e distribuidores da obra; e a coletividade. O produtor é a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado. Distribuição é a colocação à disposição do público do original ou cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse (Art. 5º). Na cadeia audiovisual, os produtores viabilizam as obras arregimentando pessoas responsáveis pela parte técnico-artística e financiadores, por isso são os titulares dos direitos 25 patrimoniais. Uma vez que detêm os direitos de utilização da obra, estas são licenciados aos distribuidores para que circulem. Ou seja, os direitos patrimoniais compreendem os benefícios econômicos de seus detentores, que vêm a se concretizar com a disponibilização – mediante pagamento - da obra ao público. Contudo, há tempo determinado para a exploração econômica da obra, seja quem for seu beneficiário: o prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre obras audiovisuais e fotográficas é de setenta anos, a contar de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua divulgação (Art. 44). Decorridos os setenta anos, a obra passa a pertencer ao domínio público. Quando os direitos autorais são invocados para restringir a circulação de obras e bens culturais; quando seus resultados econômicos não são auferidos pelos autores, mas por empreendimentos que os obrigam, através de tortuosos instrumentos, a alienar sua própria criação; quando, enfim, esses mesmos empreendimentos submetem toda a sociedade a uma seleção da informação, da comunicação, da cultura, não é apenas o público que está sendo lesado nos seus direitos mais fundamentais, mas igualmente os autores, substituídos por poderes e interesses econômicos que, como é notório, não são os seus. Os direitos autorais só se realizam integralmente na relação bilateral entre autores e público, quando se completa o processo de comunicação. 6.3 - Cineclubes e Direitos do Público Desde que surgiram, no início do século passado, os cineclubes foram as únicas instituições a questionar a uniformização e a unilateralidade do discurso cinematográfico hegemônico. Apenas os cineclubes têm por objetivo a organização do público para a sua participação no processo integral da comunicação audiovisual. Apenas os cineclubes se estruturam, se enraízam, de maneira sistemática e permanente, nas diferentes comunidades em que se encontra o público. No campo dos meios e produtos audiovisuais, os cineclubes são os representantes do público. 6.3.1 - Os cineclubes brasileiros e a Carta dos Direitos do Público O movimento cineclubista brasileiro conquistou recentemente o reconhecimento mínimo de sua institucionalidade, através da edição da Instrução Normativa nº 63, da Agência Nacional de Cinema - ANCINE. Importante passo na nossa trajetória institucional, a Instrução, contudo, apenas estabelece as características básicas dos cineclubes para o registro optativo na ANCINE; não está no seu escopo mais do que isso. 26 A Carta dos Direitos do Público, produzida pelo movimento cineclubista internacional, aponta justamente para a definição concreta dos direitos dos cineclubes – enquanto representantes do público – e abre uma perspectiva programática para o cineclubismo brasileiro. Dentro da Campanha pelos Direitos do Público, organizada pelo CNC, a Carta pode indicar um caminho para a proposição de uma legislação digna desse nome para o cineclubismo, uma oportunidade para a consolidação dos seus direitos – os direitos do público do audiovisual – junto aos diferentes níveis de governo e um avanço importante e fundamental para a maioria da população desprovida, nos sentidos mais básicos, de todo direito como público: 1. O direito de acesso ao conhecimento, à cultura, à informação verdadeira, o que significa que devem haver medidas de restrição ao monopólio da circulação da cultura e do conhecimento, principalmente quando sem fins lucrativos, e também instrumentos de controle e retificação da informação tendenciosa; 2. O direito de se expressar e de ser ouvido, ou seja, a necessidade de criação de canais efetivos de expressão e a garantia de sua acessibilidade em bases iguais à de outros meios de comunicação; 3. O direito de participar da elaboração e da administração das políticas de comunicação e cultura, fazendo-se representar nos órgãos decisórios e de controle e tendo participação na indicação dos responsáveis pelas políticas e programas que atingem os interesses do público; 4. O direito de se organizar, que inclui o dever do Estado de proteger e estimular – com políticas e programas concretos – as organizações do público, que têm também o direito de se organizar em bases internacionais. Fonte: http://cineclubes.org.br/tiki/CINE+MAIS+CULTURA_MANUAL+DE+FORMA%C3%87%C3%83O+ CINECLUBISTA_LEGISLA%C3%87%C3%83O+E+DIREITOS+DO+P%C3%9ABLICO 27 7- POLÍTICAS PÚBLICAS - MECANISMOS DE APOIO À ATIVIDADE CINECLUBISTA O governo de estado seja ele nacional, estadual ou municipal, é que detém majoritariamente o poder e o domínio sobre as políticas públicas mais representativas e de maior impacto sobre a sociedade. Entretanto, na maior parte da composição das políticas desses governos e em sua execução atual, o que menos se percebe é a participação popular efetiva e voltada à democratização plena da cultura, ainda que nos últimos anos alguns dos órgãos governamentais, incluindo o Ministério da Cultura, tenham se voltado a políticas culturais mais progressistas. Uma das direções naturais do movimento cineclubista é a interação interinstitucional com as diversas organizações políticas voltadas ao âmbito público. Nesse sentido, o movimento historicamente faz suas demandas nacionalmente ou regionalmente ao poder público. É o caso da criação da ação Cine Mais Cultura. Norteado por demandas apresentadas em diálogos com a sociedade civil, em especial o CNC, o Ministério da Cultura, sob orientação do Programa Mais Cultura, promove a ação Cine Mais Cultura. Através de editais e parcerias diretas, a iniciativa disponibiliza equipamento audiovisual de projeção digital, obras brasileiras do catálogo da Programadora Brasil e oficina de capacitação cineclubista, atendendo prioritariamente periferias de grandes centros urbanos e municípios, de acordo com os indicadores utilizados pelo Programa Territórios da Cidadania. Os editais têm como foco pessoas jurídicas sem fins lucrativos e, conforme seus objetos, visam contemplar entidades tais como bibliotecas comunitárias, pontos de cultura, associações de moradores ou até mesmo escolas e universidades da rede pública bem como prefeituras, com o objetivo de favorecer o encontro e a integração do público brasileiro com a produção audiovisual de seu país. Ao todo existem mais de 60 leis de incentivo à cultura no território brasileiro. Tratam-se de recursos públicos indiretamente transferidos do patrocinador ao patrocinado (proponente) através do Estado, o que implica em uma sistemática de prestação de contas de todas as despesas efetuadas mediante a emissão de notas fiscais ou recibos de pagamento com identificação do beneficiário. Esse procedimento exige, portanto, organização e cuidado dos proponentes, sobretudo em localidades onde o grau de informalidade econômica é maior. A lei de incentivo mais conhecida é a Lei nº 8.313/91, também chamada de Lei Rouanet, em referência ao então Ministro da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet, que encaminhou o projeto de Lei ao Congresso Nacional. Por este mecanismo, as empresas ou pessoas físicas que tenham imposto de renda a pagar, podem abater respectivamente 4% ou 6% desse valor a pagar, sob a forma de patrocínio ou doação, mediante desembolso em favor de projetos culturais aprovados na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) do Ministério da Cultura. Este princípio norteou as demais leis de incentivo regionais à Cultura. 28 Anualmente são apresentados mais de 18 mil projetos no âmbito da lei federal de incentivo à cultura sendo que, em sua maioria, observa-se a ausência de um projeto consistente e viável por parte do proponente, que costuma dar mais atenção ao mero preenchimento de planilhas com dados do projeto. Um dos motivos apontados também para o baixo índice de patrocínio efetivo tem a ver com o fato de que a decisão da concessão de patrocínio fica a critério dos setores de marketing das empresas. Em algumas leis regionais inclusive essa vinculação é explicitada, o que resulta em grande quantidade de eventos de divulgação de marcas mascarados de atividades culturais. Ao apresentar um projeto associado ao cineclube, a equipe deve atentar em formular claramente o que pretende fazer, de que forma, onde e como, com detalhamento de todos os custos que envolvem a execução desse projeto. É importante lembrar que o patrocínio é sempre temporário o que implica em pensar em estratégias de permanência, apoiadas em um processo contínuo de planejamento para assegurar novas possibilidades de patrocínio para suceder aquelas que estão próximas de terminar e assim evitar uma descontinuidade que pode comprometer a atividade do cineclube. De toda forma cabe ressaltar que, em alguns aspectos, o tipo de relacionamento que cúpulas de movimentos sociais, órgãos estatais, ONGs e fundações privadas mantêm entre si, no que se refere ao modelo de financiamento que vem sendo crescentemente adotado por estas novas organizações, pode constituir dado preocupante. É compreensível que a criação de condições concretas para se travar as lutas exija o emprego de certa quantia de recursos, e que, a princípio, obter a concessão para gerir generosas quantias apareça sempre como uma tática a ser considerada. Contudo, há de se estar alerta às situações em que os movimentos sociais ficam inteiramente dependentes desta forma de financiamento, utilizando-as sem qualquer estratégia mais consistente e, sobretudo, relegando para segundo plano a invenção de formas autônomas de se manter. (PASSA PALAVRA, 2010) Obter recursos do aparelho do Estado, em princípio, não é um atestado de cooptação ou de burocratização de um movimento. Parafraseando algumas das organizações piqueteras mais radicais e autônomas a respeito do repasse dos planes trabajar pelo governo argentino a estas organizações, trata-se de retirar do Estado, à força, aquilo que o Estado tomou do povo. O problema todo consiste em saber, porém, em quais condições os recursos são conseguidos, e por intermédio de quem. Se são impostas exigências de favorecimento político, ou se a atribuição dos recursos visa claramente ao arrefecimento das mobilizações, então, evidentemente, trata-se de cooptação e do enfraquecimento do movimento, tal como aconteceu quando alguns cineclubes brasileiros (de 35mm) na década de 90 se viram em face a acordos com bancos, sob a exigência de abrirem mão da perspectiva de não terem “fins lucrativos”. Além disso, é importante saber se não há intermediários que se impõem nas negociações e diálogos, como políticos partidários e organizações especializadas voltadas ao mercado, quando a 29 aquisição de recursos pode alimentar as relações clientelistas e o fortalecimento dos “gestores” dos movimentos sociais. Na reconquista dos recursos, apropriados pelo Estado, por parte das bases sociais mobilizadas, não há fórmulas infalíveis de imunização contra os espectros da cooptação e da burocratização das lutas. O que pode ser possível é a salvaguarda de dois princípios básicos: 1) o tradicional princípio do controle direto da base sobre os eventuais delegados escolhidos para as negociações, além da sua permanente rotatividade; 2) que a liberação dos recursos não esteja vinculada a uma exigência de edulcoramento da radicalidade do movimento. (TEIXEIRA, 2010) Tendo como referência essas reflexões, podemos dizer que o movimento cineclubista em sua representação localizada através dos coletivos de cineclubes – associados ou não em formas institucionais – pode ter como objetivo tanto lutar pela criação de mecanismos de fomento à atividade cineclubista, quanto participar efetivamente da construção da política pública voltada à democratização efetiva da cultura e especificamente do audiovisual, sem nunca abrir mão da perspectiva autônoma intrínseca à atividade cineclubista. 7.1 – Criação e Adequação das Políticas Públicas O movimento cineclubista deve buscar a participação nas formulações e adequações das políticas públicas. Dessa maneira, é natural que políticas do estado que atendam aos direitos do público, apoiando e fortalecendo os cineclubes, surgirão e se adequarão somente se os governos forem demandados nesse sentido. Atualmente entende-se que, para uma distribuição mais justa dos recursos do orçamento para a política cultural, deve-se buscar a setorização dos editais provenientes das leis de incentivo e dos fundos de cultura. A setorização permite a análise, mais detida e mais justa, das necessidades e demandas de cada setor do campo audiovisual, em cada localidade e no momento em que a criação da política pública deverá atender esse local. Para que essa análise mais detida e mais justa das demandas dos setores da criação cultural ocorra, é necessária também a participação popular nas instâncias deliberativas e nas comissões de análise dos projetos culturais, ou seja, nos conselhos de cultura municipais e estaduais. Para que isso ocorra, e para que tais conselhos não se vejam reféns da vontade política exclusiva do governo e dos setores da sociedade a ele ligados, os movimentos sociais e as entidades representativas da cultura devem estar alerta e em constante demanda pela organização e regulamentação paritária dos conselhos. Para mais exemplos de aplicação dessas demandas, disponibilizamos exemplos de editais públicos de fomento ao audiovisual, com abertura à atividade cineclubista. Os exemplos estão recortados nas partes que dizem respeito à natureza do Edital/Lei e na descrição dos setores a serem contemplados. (Ver anexo 5) 30 8 - REFERÊNCIAS E SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS Sítios na internet • www.cineclubes.org.br • www.cineclube.utopia.com.br Bibliografia Primária • CARTA DOS DIREITOS DO PÚBLICO, “CARTA DE TABOR”. 1987. Disponível em http://cineclubes.org.br/direitosdopublico/ • CRONOLOGIA DO MOVIMENTO CINECLUBISTA BRASILEIRO. Disponível em http://cineclube.utopia.com.br/ • INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 63, DE 02 DE OUTUBRO DE 2007 . Disponível em http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=18064&sid=808 Bibliografia Secundária • CLAIR, Rose. Cineclubismo: memórias dos anos de chumbo. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2008. • GATTI, André. “Cineclube”. In: RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe (orgs.) Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2000. • ____________. "Cineclubismo, Cinematecas, Entidades Culturais Cinematográficas: os casos de São Paulo e Rio de Janeiro (1928-2008)". In: Plano B, n. 03, São Paulo: TZ Editora, outono 2009. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Summus, 2003. • LEÃO, Beto.: “Centenário do Cinema em Goiás: (1909 – 2009)”. Goiânia – GO. Kelps, 2010. • LISBOA, Fátima Sebastiana Gomes. “O cineclubismo na América Latina: idéias sobre o projeto civilizador do movimento francês no Brasil e na Argentina (1940-1970)”. In: CAPELATO, Maria Helena; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos e SALIBA, Elias Thomé. História e Cinema – Dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007. • MACEDO, F.: “O Modelo Brasileiro de Cinema: um estrangeiro em nossas telas”. In Moraes, G. (org.). O cinema de amanhã. Brasília, DF: Congresso Brasileiro de Cinema/Coalizão Brasileira pela Diversidade Cultural, p. 53-71. 2008. Disponível em http://cineclubes.org.br/tiki/O+MODELO+BRASILEIRO+DE+CINEMA 31 • MALUSÁ, Vivian. “O Cineclube do Centro Dom Vital: Católicos e cinema na capital paulista”. In: MCHADO JR., Rubens; SOARES, Rosana de; ARAÚJO, Luciana Corrêa de. (orgs.) Estudos de Cinema Socine, VIII. São Paulo: Annablume; Socine, 2007. • PASSA PALAVRA: Entre o fogo e a panela: movimentos sociais e burocratização. Com a reprodução integral de algumas passagens. Passa Palavra, 22 de agosto de 2010. Disponível em: http://passapalavra.info/?p=27717 • PIMENTEL NETO. João Baptista. “Cineclubes: uma rede em defesa dos Direitos do Público”. In: MORAES, Geraldo (org.) O Cinema de Amanhã. Brasília: Congresso Brasileiro de Cinema; Coalização Brasileira pela Diversidade Cultural, 2008. • RIBEIRO, José Américo. O Cinema em Belo Horizonte: do cineclubismo à produção cinematográfica na década de 60. Belo Horizonte, Editora UFMG, 1997. • TEIXEIRA, Eduardo Tomazine: A burocratização do ponto de vista das organizações libertárias, também com partes reproduzidas integralmente. 20 de outubro de 2010. Disponível em: http://passapalavra.info/?p=30556 • VIEIRA, João Luiz. “Chaplin Club” In: RAMOS, Fernão e MIRANDA, Luiz Felipe (orgs.) Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Senac, 2000. • XAVIER, Ismail Norberto. Sétima arte: um culto moderno. São Paulo: Perspectiva, 1978. 32 9 - ANEXOS Anexo 1 a - CARTA DOS DIREITOS DO PÚBLICO OU “CARTA DE TABOR” A Federação Internacional de Cineclubes (FICC), organização de defesa e desenvolvimento do cinema como meio cultural, presente em 75 países, é também a associação mais adequada para a organização do público receptor dos bens culturais audiovisuais. Consciente das profundas mudanças no campo audiovisual, que geram uma desumanização total da comunicação, a Federação Internacional de Cineclubes, a partir de seu congresso realizado em Tabor (República Tcheca), aprovou por unanimidade uma Carta de Direitos do Público, chamada Carta de Tabor: Carta dos Direitos do Público 1 - Toda pessoa tem direito a receber todas as informações e comunicações audiovisuais. Para tanto deve possuir os meios para expressar-se e tornar públicos seus próprios juízos e opiniões. Não pode haver humanização sem uma verdadeira comunicação. 2 - O direito à arte, ao enriquecimento cultural e à capacidade de comunicação, fontes de toda transformação cultural e social, são direitos inalienáveis. Constituem a garantia de uma verdadeira compreensão entre os povos, a única via para evitar a guerra. 3 - A formação do público é a condição fundamental, inclusive para os autores, para a criação de obras de qualidade. Só ela permite a expressão do indivíduo e da comunidade social. 4 - Os direitos do público correspondem às aspirações e possibilidades de um desenvolvimento geral das faculdades criativas. As novas tecnologias devem ser utilizadas com este fim e não para a alienação dos espectadores. 5 - Os espectadores têm o direito de organizar-se de maneira autônoma para a defesa de seus interesses. Com o fim de alcançar este objetivo, e de sensibilizar o maior número de pessoas para as novas formas de expressão audiovisual, as associações de espectadores devem poder dispor de estruturas e meios postos à sua disposição pelas instituições públicas. 6 - As associações de espectadores têm direito de estar associadas à gestão e de participar na nomeação de responsáveis pelos organismos públicos de produção e distribuição de espetáculos, assim como dos meios de informação públicos. 7 - Público, autores e obras não podem ser utilizados, sem seu consentimento, para fins políticos, comerciais ou outros. Em casos de instrumentalização ou abuso, as organizações de espectadores terão direito de exigir retificações públicas e indenizações. 8 - O público tem direito a uma informação correta. Por isso, repele qualquer tipo de censura ou manipulação, e se organizará para fazer respeitar, em todos os meios de comunicação, a pluralidade de opiniões como expressão do respeito aos interesses do público e a seu enriquecimento cultural. 9 - Diante da universalização da difusão informativa e do espetáculo, as organizações do público se unirão e trabalharão conjuntamente no plano internacional. 10 - As associações de espectadores reivindicam a organização de pesquisas sobre as necessidades e evolução cultural do público. No sentido contrário, opõem-se aos estudos com objetivos mercantis, tais como pesquisas de índices de audiência e aceitação. Tabor, 18 de setembro de 1987 Cidade do México, 28 de fevereiro de 2008 33 Anexo 2 b - O MODELO BRASILEIRO DE CINEMA - UM ESTRANGEIRO EM NOSSAS TELAS MACEDO, Felipe. 2008. http://cineclubes.org.br/tiki/O+MODELO+BRASILEIRO+DE+CINEMA O cinema nacional foi expulso das telas do País no início da segunda década do século passado, tornando-se definitivamente um turista acidental nas praias do imaginário popular brasileiro. Durante décadas, na nossa mentalidade colonizada, estimulada por ampla propaganda e pela complacência quase absoluta das elites econômicas - e mesmo da intelectualidade – a ausência pouco menos que total do cinema brasileiro nas salas de exibição, e posteriormente nos lares, foi encarada como “natural”, decorrente de nossas fraquezas atávicas. Nos anos 30, com a sonorização, dizia-se que nosso idioma não ficava bem no cinema. Nos tempos em que o musical e a comédia popular ganhavam espaço na concorrência com o similar americano, logo ganhavam o estigma da vulgaridade, identificada com a nossa (in) capacidade de criação, e eram prontamente repudiados pela intelligentsia.
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