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HISTÓRIA DO DIREITO: Da Baixa Idade Média à Modernidade

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������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������DA BAIXA IDADE MÉDIA À MODERNIDADE: permanência e ruptura do direito
	Somente se pode compreender a transição do medievo para a modernidade, no que se refere ao direito, se o fenômeno jurídico e o pensamento jurídico são vistos distintamente, e então inter-relacionados. Isto porque, como se verá à frente, enquanto no plano fenomênico prosseguem o estudo e a recepção do direito romano, a redação e homogeneização dos costumes e o crescimento da atividade legislativa, podendo-se notar uma continuidade, no que tange ao pensamento jurídico a Modernidade começa com uma grande ruptura – como, a propósito, ocorre com o pensamento, em geral – que leva ao Jusracionalismo.
A influência crescente do Direito Romano comentado: formam-se os direitos romano-germânicos
Desde o século XII, a par da influência geral do Direito Romano comentado nas universidades ter sido exercida através da disseminação de seus ex-alunos, que viriam a atuar como advogados e pareceristas, além de ocupar cargos nas administrações locais, notariados, representações diplomáticas, etc, alguns outros mecanismos de penetração deste ser comentados, por seu impacto na vida jurídica européia. É o caso da via legislativa e dos processos de compilação dos costumes locais, que começam a realizar-se à mesma época do surgimento das universidades e que se prolongam por toda a Baixa Idade Média, chegando à Modernidade avançada. Vejamo-los.
Na transição da Alta para a Baixa Idade Média (sec. XI-XII) começa a intensificar-se o processo de centralização política, a realizar-se progressivamente até que se formem os estados nacionais europeus (o primeiro, Portugal, data de fins do sec. XII, enquanto os últimos, Itália e Alemanha, do sec. XIX). Carlos Magno, o rei dos francos que fundara o Sacro Império Romano trezentos anos antes, fora precursor deste impulso que, a partir de então, passara a se alimentar de outros fatores para tornar-se, afinal, uma tendência inexorável. São eles, dentre outros, o fortalecimento de nobres locais e a imposição de seu poder, pela força, a rivais menos fortes, com a conseqüente ampliação dos territórios sob seu domínio; a expansão do comércio por regiões cada vez maiores, com a realização de feiras e, na sua esteira, o surgimento das atividades bancárias (letras de câmbio); a urbanização crescente, impulsionada pela concentração populacional em torno dos novos centros comerciais e manufatureiros; a diversificação das atividades econômicas, além do comércio e a manufatura, surgindo as corporações de ofício e as ligas de comércio.
Neste ambiente, em que a diversificação social aumenta progressivamente e novas relações jurídicas surgem, reclamando a atuação da jurisdição, surgem problemas tais como a necessidade de se estabelecer procedimentos jurisdicionais (já que a jurisdição leiga e simplista das pequenas comunidades não se mostra adequada ao ambiente urbano e a comunidades mais heterogêneas), bem como de se fixar as fontes de direito costumeiras e, ainda mais, de homogeneizá-las e ampliá-las. Isto porque, para as pequenas comunidades, o conhecimento do direito costumeiro é intuitivo, mas o mesmo não ocorre em comunidades maiores e mais heterogêneas, as cidades; além disso, nestes novos núcleos transitam habitantes de origens diversas, o que significa dizer-se que oriundos de tradições diversas (de hábitos diversos, inclusive costumes jurídicos). Some-se a isto o fato de que o pluralismo jurídico na Idade Média não se refere apenas a um grande número de ordenamentos territoriais diversos, mas também a ordenamentos atrelados a critérios diferentes, tais como a profissão (para os membros de uma corporação de ofício, ou os membros da Igreja), sociais ou estamentais (para os nobres, para o clero, para os servos) ou étnicos (para os judeus – ver n’O Mercador de Veneza’, de W. Sheakspeare). Tudo isto torna mais necessária a homogeneização e explicitação dos conteúdos normativos vigentes bem como a fixação de procedimentos jurisdicionais. E sobre todos estes motivos, lembre-se de que a centralização política, com a ampliação dos territórios sob domínio de chefes políticos mais poderosos, depende do direito para consolidar-se, já que este é um instrumento de disciplina social muito eficaz; portanto, estes líderes irão realizar compilações (que a despeito disto, já vinham sendo realizadas por iniciativa privada) e, num segundo momento, legislar, introduzindo conteúdo normativo novo a vigorar lado a lado com costumes já tradicionalmente incorporados ao ambiente local.
As compilações medievais (e modernas) realizar-se-ão, portanto, não simplesmente como processos de transcrição (fixação em texto escrito) de costumes orais, mas também de homogeneização destes costumes de origens diversas (oriundos de comunidades antes separadas, agora unidas sob uma mesma liderança). Quem realizaria o trabalho? Redatores treinados no Direito Romano, naturalmente, pois são os únicos que possuem formação jurídica, e que portanto fariam tais compilações em latim, utilizando termos de Direito Romano para fazê-lo na falta de terminologia germânica adequada, já que os costumes germânicos, expressos oralmente, utilizam linguagem mais coloquial. Este é um dos principais modos de o Direito Romano infiltrar-se no direito germânico, mediante as compilações dos direitos locais e regionais. Além disto, deverá estabelecer-se uma ordem para os tópicos (temas, institutos) serem escritos; recorrer-se-á, para isto, à ordem já estabelecida pelos comentadores em textos sobre Direito Romano - a forma dos textos, incluindo divisões que expressam similaridades e diferenças entre institutos, moldará também conteúdos de direito.
Os novos soberanos locais e regionais (e mesmo nacionais, a partir de Portugal) também quererão legislar, para consolidar seu domínio e reorganizar seu espaço e a própria estrutura da administração. Também aqui serão chamados a participar redatores de formação em Direito Romano, que, não comprometidos com a fidelidade ao conteúdo dos costumes (já que aqui a intenção não é transcrever o que já existe, mas criar direito), terão maior liberdade para expressar conteúdos normativos, fazendo uso mais alargado de categorias de Direito Romano tais como sistematizadas pelos comentadores, bem como dos próprios conteúdos normativos atribuídos a elas, segundo o conteúdo harmonizado pelo trabalho unificador dos glosadores.
À medida que os processos de centralização política se intensificam, mais compilações se fazem e mais se legisla, o que vai promovendo uma infiltração progressivamente mais intensa do Direito Romano nos antigos direitos germânicos (o direito costumeiro), ou seja, no direito das pequenas comunidades rurais, os direitos construídos espontaneamente no interior da vida feudal nos primeiros séculos do medievo. Desta fusão surge a designação que até hoje ainda se usa para caracterizar o direito continental europeu (família romano-germânica), bem como os sistemas jurídicos de países da América Latina (incluindo o Brasil) e outros tributários da tradição continental européia.
A Modernidade e o direito comum europeu: ciência e jusracionalismo
O início da Modernidade não representa uma ruptura no que se refere aos processos descritos no item anterior; diversamente, há uma continuidade e intensificação deles, sobretudo com o advento dos estados absolutistas. O enfraquecimento da Igreja após a Reforma Protestante facilita a consolidação da centralização política, o que alimenta os processos descritos no item acima; mas a ausência de unidade no discurso religioso abre espaço para que uma nova forma de compreender o mundo se firme: a científica.
Há, pois, uma ruptura filosófica, que na política e no direito manifestam-se como uma intenção de se refundar as bases da organização da convivência humana. Na filosofia política elabora-se o discurso contratualista (Pufendorf, Hobbes, Locke). Este discurso, embora faça referência
a uma transição da ausência da organização política para a sua presença, corporificada no Estado, na verdade não se reporta à pré-história; refere-se, sim, à sociedade politicamente atomizada, muito dividida, do medievo feudal, criticando-a, e a seguir defende a possibilidade de se reconstruir as bases da convivência em uma sociedade politicamente organizada em que o poder é centralizado. Como o direito é o instrumento, por excelência, da política, para funcionar como catalisador da idéia contratualista, precisa transformar princípios políticos fundamentais em regras de convivência – jurídicas – a serem impostas aos membros de tais sociedades. O modo de fazer isto torna-se o problema básico do pensamento jurídico da época, a que vem em auxílio a disciplina cartesiana (René Descartes) da razão. Constroi-se, pois, a ideia jusracionalista de que se pode produzir sistemas jurídicos completos e coerentes, baseados em alguns poucos princípios ou máximas de direito, de conhecimento e validade universais, a partir dos quais todas as regras de direito necessárias poderiam ser deduzidas, pela via da lógica. Tal esquema se adapta perfeitamente ao método cartesiano (tais princípios se apresentam como as verdades autoevidentes que, segundo esse método, formam a base incontestável de todo conhecimento válido). Mas que relação este esquema guarda com o Direito Romano? Como o único direito que, a esta época, se entende como de validade universal, respeitado por sua coerência, qualidade técnica, bem como pelo fato de ter sido vigente por um milênio no Ocidente, é o Direito Romano, é a ele que se vai recorrer. Ademais, a despeito de os próprios romanos terem sido avessos à elaboração e utilização de princípios gerais de direito, por entenderem-nos excessivamente abstratos e de difícil aplicação a casos concretos, os glosadores de várias gerações se haviam esmerado em construir tais máximas jurídicas com pretensão de validade universal, e advogados e pareceristas formados no estudo do Direito Romano as vinham utilizando por séculos. Estes princípios, máximas ou brocardos jurídicos, bem como trechos de conteúdo mais genérico do Corpus Iuris, exerceriam a função reclamada pelos jusracionalistas, para encabeçarem, como axiomas inquestionáveis, os sistemas jurídicos construídos dedutivamente, aplicáveis na reconstrução política das sociedades modernas. Os princípios do Direito Romano são vistos como princípios de Direito Natural.
O Direito Romano, então, comentado pelos glosadores e pós-glosadores, infiltrado no direito germânico pelas vias das variadas práticas profissionais dos seus estudantes, pela atuação dos compiladores de costumes e dos legisladores, que até então fornecera o molde (forma) para estes esquemas e emprestara seu conteúdo quando o direito germânico apresentava lacunas na sua aplicação a novas relações sociais, passa a funcionar como base lógica de sistemas inteiros (jusracionalistas) que, contudo, somente na Codificação encontrariam a sua aplicação concreta. Vamos a ela.
A codificação:
No século dezoito o Direito Romano foi envolvido pelo movimento intelectual denominado Iluminismo. A filosofia do direito natural defendeu, então, que um sistema completo de leis poderia ser criado de modo simples e racional, eliminando as complexidades existentes na lei anterior, sendo a vontade do soberano a única condição para torná-lo vigente. Os governantes da época encontravam-se preocupados em consolidar o poder sobre seus vários domínios, os quais apresentavam uma combinação específica de direito germânico e Direito Romano, e viam, portanto, na imposição de um código único, uma maneira eficaz de unificá-los. Eles também viam a codificação como um modo de limitar a independência das cortes e tribunais, cujos juízes frequentemente representavam os interesses da aristocracia provincial. A codificação também foi um pleito dos pensadores mercantilistas, que argüiam que a multiplicidade de leis e costumes esparsos dificultava o exercício do comércio, o qual seria então beneficiado pela existência de um direito uniforme.
O conceito oitocentista de código não traduzia meramente o resultado da compilação escrita do direito preexistente em uma ordem clara e sistematizada; tampouco seria o resultado de uma atividade legislativa exercida ao longo do tempo. Ele representava a possibilidade de realização concreta do ideal jusracionalista: um direito inteiramente pensado por uma razão metódica, deduzido de princípios universais (de aplicação pretensamente possível a qualquer tempo e em qualquer lugar) de direito, verdadeiro “direito natural escrito”. Um código deveria ser promulgado para substituir todo o direito preexistente que se houvesse tornado ultrapassado, mediante a adoção de novas regras, adequadas às novas demandas da sociedade da época. É importante observar que, examinando as várias manifestações concretas da idéia de codificação, percebe-se que nem todos os projetos de códigos eram estritamente fieis ao molde jusracionalista; muitos deles incorporavam costume e leis preexistentes. Contudo, mesmo estes projetos beneficiaram-se do argumento jusracionalista, ainda quando de fato pudessem dele se desviar. Afinal, no panorama normativo da época, em que as jurisdições estatais viam-se às voltas com uma profusão de fontes cujas regras sobrepunham-se, a idéia de que todo o direito aplicável a qualquer caso que viesse às mãos dos juízes pudesse ser encontrado em um único documento era por demais atraente.
1ª Codificação: os projetos iniciais de codificações baseiam-se no esquema das Institutas e retêm conteúdo de direito romano; alguns são aprovados com mais forte teor romanístico, outros não. Nessa primeira fase (2ª metade do sec. XVIII), destacam-se os projetos do código bávaro, prussiano (Allgemeines Landrechte) e austríaco.
2ª Codificação: aprova-se o Code Napoleón (Código Civil Francês, de 1804) e, na esteira das invasões francesas dos primeiro anos do sec. XIX, espalha-se a influência do código. Na França, produzem-se os outros códigos (Penal, Comercial, Processo Civil e Penal), segundo a divisão das ordenanças reais da época de Colbert. O conteúdo de direito romano se concentra nos códigos civis (daí o uso da designação). Desenvolve-se o pensamento jusfilosófico exegético (Escola da Exegese), que recomenda, atendendo ao princípio da separação dos poderes, obediência estrita dos juízes aos códigos; o juiz, assim, fica proibido de interpretar a lei codificada e de decidir qualquer caso segundo parâmetros normativos externos ao código.
3ª Codificação: para ser bem compreendida, é preciso conhecer, antes, o movimentado ambiente jusfilosófico do sec. XIX, em que se embatem a Codificação e a Escola Histórica Alemã, de início, e depois esta e o Pandectismo. A partir da obra de Thibaut, defendendo a idéia de um código para a Alemanha (ainda não um Estado unificado),a E HA e os romanistas (liderados por Savigny) iniciam o ataque à idéia da codificação por motivos diversos. A EHA valoriza o elemento histórico e regional na formação do direito – o costume, portanto - em detrimento do uso da lei ou mesmo do direito romano; já os romanistas, ou pandectistas, entendem que é através do uso do direito romano comentado e adaptado à Alemanha do sec. XIX que o direito alemão terá significativo desenvolvimento, como ocorrera com o direito romano clássico da época dos grandes juristas (de meados da república romana ao início do império). Os pandectistas sistematizam o direito romano ao mais alto nível de sofisticação, transmutam a ideia jusracionalista de sistema normativo para a de sistema conceitual, desenvolvem ainda mais as classificações advindas do direito romano e influenciam a estrutura dos códigos vindouros; estruturam, ainda, o estudo universitário do direito. Sua influência está presente na legislação e doutrina de todos os países que adotam o direito romano-germânico no século XX. 
A codificação se impôs como fenômeno, tendo insucesso apenas nos sistemas da “common law”. Se por um lado a existência da codificação
empobreceu o estudo do direito (na França deixa-se de estudar direito para se estudar o código),por outro, ela possibilitou a concentração do conteúdo normativo, facilitando seu acesso, sua consulta. De outro lado, a reação historicista e pandectista aos códigos provocou uma enorme expansão do conhecimento jurídico-científico, com repercussões que ainda se percebem e que ainda mantêm a Alemanha no centro do pensamento dogmático no direito ainda hoje. Essas discussões, portanto, trouxeram enormes benefícios para o direito, além de terem moldado o ensino jurídico, nos sistemas continentais, nos últimos 150 anos.
É importante advertir que a mera exegese dos códigos resulta em uma formação de pouco alcance e efetividade atualmente, pois a lei muda, hoje, com uma velocidade que desafia o estudante e prático diariamente, tornando-se clara a necessidade de que a teoria estruture e molde o ensino jurídico, permitindo àqueles uma melhor adaptação ao dinamismo da legislação. Por outro lado, é clara a confluência dos sistemas continentais (romano-germânicos) e dos anglo-americanos no que se refere às fontes, já que aqui a jurisprudência se torna cada vez mais importante na argumentação jurídica e, lá, cresce em volume e abrangência o “statute law” (o direito legislado, ou a lei).

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