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93 História, solo, fogo e fitofisionomias Heloisa Sinátora Miranda Margarete Naomi Sato Departamento de Ecologia Universidade de Brasília Brasília, DF Capítulo 4Capítulo 4Capítulo 4Capítulo 4Capítulo 4 Efeitos do fogo na vegetação lenhosa do Cerrado FO TO : A LD IC IR S C A R IO TCapítulo 4Capítulo 4Capítulo 4Capítulo 4Capítulo 4 Efeitos do fogo na vegetação lenhosa do Cerrado Heloisa Sinátora Miranda Margarete Naomi Sato Departamento de Ecologia Universidade de Brasília Brasília, DF FO TO : A LD IC IR S C A R IO T 94 Henriques História, solo, fogo e fitofisionomias 95 INTRODUÇÃO As formas fisionômicas mais comuns do Cerrado caracterizam-se por possuir um estrato rasteiro bastante desenvolvido, constituído princi- palmente por gramíneas, e um estrato lenhoso não muito denso, onde as copas das árvores não formam um dossel contínuo (Ribeiro & Walter, 1998). A vegetação apresenta fenologia marcadamente sazonal, havendo grande produção de biomassa durante a estação chuvosa (outubro a maio). Na estação seca, as gramíneas, em sua maioria, estão inativas e a maior parte de sua biomassa aérea seca morre favorecendo a ocorrência de incêndios (Klink & Solbrig, 1996). O registro mais antigo de fogo na região do Cerrado data de 32000 A.P. (Ferraz-Vicentini, 1993), provavelmente sendo de origem natural. Registros mais recentes, 13700 A.P. e 8600 A.P., são apresentados por Oliveira (1992) e Coutinho (1981), podendo ser de origem natural ou antrópica (Salgado- Labouriau & Ferraz-Vicentini, 1994). Estudos recentes realizados por Ramos Neto & Pivello (2000), no Parque Nacional de Emas (GO), mostram que incêndios de Cerrado iniciados por raios ocorrem de setembro a maio, no final da estação seca e durante a estação chuvosa. As queimadas destinadas ao preparo da terra para o plantio de grãos ou ao manejo de pastagens naturais ou plantadas são, geralmente, realizadas durante a estação seca (Coutinho, 1990). Embora, a vegetação lenhosa do Cerrado apresente características adaptativas ao fogo (Eiten, 1994; Coutinho, 1990), as queimadas durante a época seca podem resultar em mudanças mais significativas na estrutura e composição florística da vegetação do que as queimadas provocadas na época chuvosa. Apresentamos neste capítulo uma revisão dos dados disponíveis na literatura sobre os efeitos do fogo na vegetação lenhosa do Cerrado. Nesta discussão, a expressão queimada está restrita àquelas prescritas e os termos fogo ou incêndio se referem às queimadas não prescritas ou de origem desconhecida. Diferentes tipos de danos na vegetação lenhosa têm sido relatados, principalmente nos padrões repro- dutivos, no recrutamento e estabele- cimento de novos indivíduos e taxas de mortalidade. Estes serão os efeitos do fogo abordados neste capítulo. 96 Miranda & Sato FLORAÇÃO Uma intensa floração após a passagem do fogo tem sido amplamente relatada para a vegetação do estrato rasteiro do Cerrado (Freitas, 1998; Haddad & Válio, 1993; César, 1980; Coutinho, 1976). Todavia, poucos são os estudos sobre a resposta imediata da vegetação lenhosa. Miranda (1995) em estudo da fenologia de um cerrado sensu stricto, em Alter-do-Chão (PA), registrou que imediatamente após um incêndio não houve alteração significativa na floração do estrato arbóreo. Um mês antes da ocorrência do fogo havia oito espécies em floração, e cinco espécies um mês após a queima. Para Byrsonima crassifolia houve uma pequena redução do número de indivíduos em floração após a queima e Himatanthus falax floresceu mais intensamente, com cerca de 26% dos indivíduos apresentando flores. Todavia, cerca de 60% dos indivíduos com flor apresentavam mais de 5m de altura, sendo portanto, bem maiores que a altura média das chamas (Frost & Robertson, 1987) e altos, o suficiente, para não permanecerem, por um período muito longo, expostos à coluna de ar quente. Para queimada de campo sujo, Freitas (1998) registrou a floração de Erythroxylum suberosum, Stryphnodendron adstringens, Byrsonima coccolobifolia, Byrsonima verbascifolia e Palicourea rigida entre 14 e 94 dias após queimadas experimentais. Efeitos do fogo na produção de flores no período seguinte à ocorrência de incêndios ou queimadas têm sido relatados com maior freqüência. O fogo parece não alterar a produção de flores de Kielmeyera coriacea, Roupala montana e Stryphnodendron adstringens. Landim & Hay (1996) observaram que, um ano após a ocorrência do fogo, não há diferença significativa na produção de botões florais e flores de K. coriacea entre uma área protegida de queima e outra queimada no final da estação seca. Felfili et al. (1999) em estudo de longa duração sobre fenologia de S. adstringens, não observaram diferença significativa para a produção de flores, um ano após um incêndio em área de cerrado sensu stricto. Ao comparar resultados obtidos em uma área de cerrado sensu stricto protegida de queima por mais de sete anos e áreas queimadas há um, dois e três anos, Hoffmann (1998) mostra que o período após queima não resultou em diferenças significativas na produção de flores de R. montana, embora tenha ocorrido uma redução na porcentagem de indivíduos com flores. Miyanishi & Kellman (1986) observaram que o máximo da floração de Miconia albicans ocorreu no terceiro período reprodutivo após a passagem do fogo, enquanto Hoffmann (1998) e Sanaiotti & Magnusson (1995) observaram a produção máxima de flores ao final de um período de dois anos após a queima. Piptocarpha rotundifolia apresenta uma resposta positiva à ocorrência de queimadas, sendo o número de capítulos produzidos no primeiro ano após a queimada, significativamente maior do que em uma área sem queima (Hoffmann, 1998). Embora sem registrar as espécies, Miranda (1995) relata que um ano após um incêndio em cerrado sensu stricto o número de espécies em floração não diferiu significativamente do registrado antes da ocorrência do fogo. Os diferentes efeitos do fogo na produção de flores podem estar refletindo a fenofase da espécie no momento da queima: danos parciais, como morte de ramos resultando na diminuição no porte do indivíduo; ou a ocorrência de morte total da parte aérea, com investimento preferencial na 97 Fogo e vegetação lenhosa produção de rebrotas, ao invés de em órgãos reprodutivos (Medeiros, 2002; Hoffmann, 1998). PRODUÇÃO DE FRUTOS E DE SEMENTES Na vegetação do Cerrado, algumas espécies apresentam frutos tolerantes às altas temperaturas durante a passagem da frente de fogo (Cirne, 2002; Landim & Hay, 1996; Coutinho 1977), porém muitas sofrem um efeito negativo (Felfili et al., 1999; Miranda, 1995; Sanaiotti & Magnusson, 1995). Landim & Hay (1996) observaram que para indivíduos de K. coriacea, com altura entre um e três metros, o fogo danificou cerca de 60% dos frutos, enquanto que em uma área protegida contra a queima apenas 8% dos frutos apresentavam dano. Cirne (2002) mostrou que os frutos de K. coriacea são eficientes na proteção das sementes durante queimadas. A temperatura máxima externa dos frutos pode atingir valores entre 390oC a 730oC, dependendo da sua posição na copa, enquanto que no interior do fruto a temperatura máxima é da ordem de 62oC, sendo de cerca de 100s a permanência de temperatura superior a 60oC, não afetando a viabilidade das sementes. O autor também registrou um aumento significativo na deiscência de frutos após a passagem do fogo, confirmando que o fogo promove a abertura de frutos de algumas espécies do Cerrado, como já reportado para Anemopaegma arvenses, Gomphrena macrocephala, Jacaranda decurrens e Nautonia nummularia, espécies anemocóricas do estrato herbáceo-subarbustivo (Coutinho, 1977). Sanaiotti & Magnusson (1995) apresentam resultados sobre o efeitode diferentes regimes de queima (duas queimadas anuais, dois anos sem queima e mais duas queimadas anuais) na produção de frutos em árvores e arbustos em um cerrado na Amazônia. Os diferentes regimes de queima resultaram em diferentes efeitos na produção de frutos para as espécies arbóreas e arbustivas. Considerando as espécies arbóreas presentes na área, Anacardium occidentale, Byrsonima coccolobifolia, B. crassifolia, Myrcia sp., Pouteria ramiflora e Simarouba amara, os autores concluíram que o fogo não alterou o número de espécies frutificando, quando comparado ao período sem queima. Sanaiotti & Magnusson (1995) atribuem essa resposta à altura das copas, geralmente acima 1,5m (evitando a ação direta das chamas), e à eficiente proteção oferecida pela casca espessa destas espécies. Não foi observado um único padrão de produção de frutos pós-fogo para as espécies arbustivas. Algumas espécies não tiveram a produção de frutos alterada pela queimada, outras apresentaram um atraso no período de frutificação ou somente produziram frutos no ano seguinte à ocorrência do fogo, e algumas espécies, como conseqüência da grande redução da parte vegetativa, necessitariam de três ou mais anos para retornar a situação pré-fogo. Em um estudo sobre o sucesso reprodutivo de Byrsonima crassa, após a ocorrência de um incêndio no final da estação seca em área de cerrado sensu stricto, Silva et al. (1996) concluíram que o fogo estaria estimulando a produção de botões e frutos. Hoffmann (1998) observou que os frutos e sementes de Miconia albicans, Myrsine guianensis, Roupala montana, Periandra mediterranea, Rourea induta e Piptocarpha rotundifolia foram danificados por uma queimada ocorrida no final da estação seca. Todas as 98 Miranda & Sato espécies, exceto P. rotundifolia, apresentaram um declínio na produção de sementes como resposta à queimada. Segundo o autor, o decréscimo no número de sementes é conseqüência da redução no tamanho dos indivíduos e do investimento em reprodução vegetativa. Andrade (2002), em estudo sobre a recuperação do banco de sementes no solo de uma área de cerrado sensu stricto queimada em agosto, no meio da estação seca, determinou que 10 meses após a queima o número de sementes viáveis de M. albicans era de 40 sementes/m2, quatro vezes maior do que o determinado no dia anterior à queimada. Felfili et al. (1999), em estudo sobre fenologia de Stryphnodendron adstringens, observaram que um incêndio ocorrido no final da estação seca, afetou a produção de frutos. A frutificação ocorreu no segundo ano após o incêndio e o número de frutos produzidos foi a metade daquele registrado no período pré-fogo. Miranda (1995) em estudo da fenologia de um cerrado sensu stricto registrou que, um mês após a ocorrência de um incêndio, houve uma redução de 33% no número de espécies com frutos, e que após um ano, apenas sete das 19 espécies inventariadas apresentavam frutos. Embora esses estudos avaliem efeitos do fogo na produção de frutos e sementes para várias espécies lenhosas do Cerrado, há ainda a necessidade de estudos de longa duração para melhor avaliação desses efeitos quando associados às variações temporais na fenologia das espécies. SOBREVIVÊNCIA DE PLÂNTULAS E INDIVÍDUOS JOVENS Embora na literatura sobre estratégias reprodutivas da vegetação do Cerrado seja dada ênfase para a reprodução vegetativa de um grande número de espécies lenhosas (Rizzini, 1971; Ferri, 1961), Kanegae et al. (2000), Braz et al. (2000), Nardoto et al. (1998), Oliveira & Silva (1993) reportam que as plântulas de espécies lenhosas do Cerrado são capazes de sobreviver ao estresse imposto pela longa estação seca. Durante esse período, o fogo também pode representar mais um fator a dificultar o estabelecimento das plântulas (Braz et al., 2000; Oliveira & Silva, 1993). Hoffmann (1996) investigou o efeito de diferentes regimes de queima no estabelecimento de plântulas de Brosimum gaudichaudii, Guapira noxia, Kielmeyera coriacea, Miconia albicans, Myrsine guianensis, Periandra mediterranea, Roupala montana, Rourea induta e Zeyheria montana. Para isso, o sucesso no estabelecimento foi comparado entre uma área de cerrado sensu stricto protegida de queima por mais de sete anos, e áreas queimadas há um ano, dois anos, e na estação seca anterior. Os resultados mostram que, para todas as espécies, o estabelecimento de plântulas foi menor na área recentemente queimada do que nos outros tratamentos, mas que não houve diferença significativa no estabeleci- mento entre a área protegida e aquelas queimadas há um e dois anos. Oliveira & Silva (1993) em estudos sobre biologia reprodutiva de K. coriacea mostraram que apenas 5% das plântulas morreram como conseqüência do fogo acidental que ocorreu na primeira estação seca após o estabelecimento. Os autores atribuem a alta taxa de sobrevivência dessa espécie ao rápido desenvolvimento do sistema radicular, acumulando água e reservas de amido, nos primeiros estádios de desenvol- vimento da plântula. Braz et al. (2000), em estudo sobre estabelecimento e 99 Fogo e vegetação lenhosa desenvolvimento de plântulas de Dalbergia miscolobium, em uma área de cerrado sensu stricto, também determinaram baixa taxa de mortalidade (14%) após um incêndio, no final da estação seca e seguinte ao estabe- lecimento. As plântulas sobre- viventes rebrotaram a partir da base, ocorrendo crescimento acentuado da parte aérea nos primeiros meses após o fogo, resultando em um incremento de 5,5cm na parte aérea ao final da estação chuvosa. Para Blepharocalyx salicifolius, Matos (1994) determinou após queimadas prescritas, taxas de mortalidade de cerca de 90% para plântulas e 50% para os indivíduos jovens. As rebrotas a partir da base foram da ordem de 10% e 4% para plântulas e para juvenis, respectivamente. O tamanho crítico para sobrevivência de juvenis foi estimado em 50cm de altura e 0,6cm de diâmetro basal. Para plântulas de M. albicans, Miyanishi & Kellman (1986) determinaram mortalidade de 40% após queima, e estabeleceram a altura crítica para tolerância ao fogo como sendo entre 4,3 e 7,5cm. Hoffmann (1998) observou que queimadas bienais resultavam em altas taxas de mortalidade para plântulas e vergônteas de cinco espécies lenhosas do Cerrado. Para plântulas de M. albicans a mortalidade foi de aproximadamente 100%, 86% para M. guianensis, 64% para R. montana, 50% para P. mediterranea e de 33% para R. induta. Entretanto, para vergônteas de M. guianensis, R. montana e R. induta, com diâmetro entre 1,7 e 2,4mm, foi observada alta taxa de sobrevivência. Esses estudos mostram que o estabelecimento e desenvol- vimento das plântulas estão relacionados ao intervalo entre queimas, com queimadas freqüentes favorecendo a reprodução vegetativa. Com curtos intervalos entre queimadas, as plântulas não se desenvolvem o suficiente para atingir o tamanho crítico de escape ao fogo, e as sucessivas rebrotas resultam em exaustão dos órgãos de reserva (Whelan, 1995). TAXAS DE MORTALIDADE E SOBREVIVÊNCIA DE REBROTAS Embora muitas espécies do Cerrado apresentem características morfológicas de resistência ao fogo - como casca espessa, proteção de gemas e órgãos subterrâneos - e fisiológicas como a translocação de nutrientes para tecidos subterrâneos no início da seca (Coutinho, 1990), diferentes tipos de danos na vegetação lenhosa têm sido relatados. Esses danos são classificados como leves, com chamuscamento e queda das folhas, ou morte dos ramos mais finos (Ramos, 1990); severos, que incluem a morte da parte aérea com rebrota basal e(ou) subterrânea (“topkill”); ou permanentes, resultando na morte do indivíduo (Sato, 2003; 1996; Rocha e Silva, 1999; Souza & Soares, 1983). O conjunto desses danos resulta na alteração da composição de espécies e na estrutura da vegetação (Sato, 2003; Satoet al., 1998). A rápida recuperação pós-fogo, via rebrotas na parte epigéia, a partir de raízes gemíparas ou da parte basal do tronco tem sido amplamente reportada na literatura (Sato, 2003; 1996; Rocha e Silva, 1999; Cardinot, 1998; Coutinho, 1990; Ramos, 1990; Souza & Soares, 1983). Para espécies lenhosas de campo sujo, Rocha e Silva (1999) mostrou que, após três queimadas bienais, cerca de 35 a 65% dos indivíduos apresentaram exclusivamente rebrotas na parte epigéia e que apenas 19% dos indivíduos apresentavam rebrotas basais ou 100 Miranda & Sato subterrâneas. Para o cerrado sensu stricto, Sato (1996) observou que, após duas queimadas bienais, cerca de 66% da vegetação lenhosa apresentou rebrota na parte epigéia e 20% rebrotas basais ou subterrâneas. Para cerradão, após um incêndio em área que estava protegida contra o fogo por 50 anos, Souza & Soares (1983) observaram um padrão inverso, 3% dos indivíduos apresen- taram rebrotas na parte epigéia e 77% exclusivamente rebrotas basais. Queimadas recorrentes podem ter um grande impacto na sobrevivência de rebrotas. Medeiros (2002) mostrou que cerca de 60% das rebrotas que morrem em conseqüência de queimadas apresentam altura de até 60cm, que corresponde à zona de temperaturas máximas determinadas para queimadas de Cerrado (Sato, 1996; Miranda et al., 1996; 1993). Medeiros (2002) mostrou também que cerca de 70% dessas rebrotas apresentam diâmetro basal entre 0,5 e 1,5cm, indicando que as rebrotas não apresentam uma proteção efetiva da casca contra as altas temperaturas. Rocha e Silva & Miranda (1996) e Guedes (1993) determinaram uma espessura mínima de 6 a 8mm para que a casca ofereça uma proteção efetiva ao câmbio durante queimadas de Cerrado. Nos ramos mais baixos, nas rebrotas ou nos indivíduos jovens que não apresentem casca espessa, a temperatura no câmbio pode ultrapassar 60oC por períodos longos o suficiente para causar a morte do tecido (Rocha e Silva & Miranda, 1996; Guedes, 1993). O efeito de duas queimadas anuais em indivíduos de pequeno porte, isto é, entre 20 e 100cm de altura e diâmetro basal maior que 1,5cm, foi investigado por Armando (1994) para nove espécies lenhosas em área de cerrado sensu stricto. As duas queimadas resultaram em uma redução de cerca de 4% no número de indivíduos. O autor mostrou também que ocorreu uma redução da ordem de 10cm na altura dos indivíduos, indicando que queimadas freqüentes podem atrasar o crescimento dos indivíduos retardando a passagem para o estádio reprodutivo. Ramos (1990) observou que indivíduos lenhosos com altura até 128cm e com diâmetro, a 30cm do solo, menores de 3cm são seriamente danificados durante queimadas. Sato (1996), em estudo sobre mortalidade da vegetação lenhosa em cerrado sensu stricto, mostrou que após uma queimada os indivíduos com altura entre 30 e 200cm, foram aqueles que apresentaram maior taxa de mortalidade (40%) e que, como conseqüência dos danos sofridos, uma queimada realizada dois anos depois, fez com que a mortalidade para os indivíduos com altura inferior a 2m aumentasse para cerca de 70%. Sato (2003) calculou taxas de mortalidade para a vegetação lenhosa de cerrado sensu stricto submetida a queimadas prescritas nos meses de junho, agosto e setembro. Após cinco queimadas bienais a mortalidade foi de 39% na área queimada em junho, e cerca de 45% nas áreas queimadas em agosto e setembro. Ao considerar o total de caules destruídos (“topkill” + mortos) estes valores passam a ser da ordem de 44% para a área queimada em junho, 59% para a queimada em agosto e 75% para a queimada em setembro, indicando um efeito diferenciado do fogo na vegetação lenhosa em relação à época da queima, isto porque várias espécies lenhosas do Cerrado renovam as folhas, florescem ou frutificam durante a estação seca (Oliveira & Gibbs, 2000). Para campo sujo, Medeiros (2002) mostrou que três queimadas anuais 101 Fogo e vegetação lenhosa realizadas no meio da estação seca, após 25 anos de proteção contra o fogo, resultaram na morte de 37% dos indivíduos lenhosos presentes na área e 77% de caules destruídos. Rocha e Silva (1999) em estudo sobre o efeito de diferentes regimes de queima na vegetação lenhosa de campo sujo mostrou que, após proteção contra fogo por 18 anos, três queimadas bienais em meados da estação seca, reduziram em 20% o número de indivíduos lenhosos na área de estudo e, em área adjacente, submetida a duas queimadas qua- drienais, a mortalidade foi de 21%. Entretanto, ao considerar o número de caules destruídos o autor obteve valores da ordem de 33% para a área sob regime bienal e de 54% para a área sob regime quadrienal. A diferença no número de caules destruídos apresentados por Medeiros (2002) e Rocha e Silva (1999) pode ser consequência do limite mínimo adotado para o diâmetro dos indivíduos inventariados. Medeiros (2002) incluiu todos os indivíduos com diâmetro igual ou superior a 2,0cm, enquanto que Rocha e Silva (1999) adotou 5,0cm como diâmetro mínimo. Estes estudos mostram que, embora a vegetação lenhosa apresente adaptações de proteção contra o fogo, queimadas sucessivas com intervalos de um a quatro anos, comuns na região do Cerrado (Coutinho, 1990; 1982), resultam em altas taxas de mortalidade e de “topkill” com alterações significativas na estrutura da vegetação. A alteração na estrutura e composição da vegetação resultante de queimadas sucessivas foi investigada por Andrade (2002) em estudo do banco de sementes do solo em uma área de cerrado sensu stricto submetida a quatro queimadas bienais e em outra protegida do fogo por 25 anos. A autora mostra que o banco de sementes nas duas áreas é significativamente diferente. O banco de sementes viáveis de mono- cotiledôneas da área queimada apresentou cerca de 103 sementes/m2 enquanto que o da área protegida apenas 23 sementes/m2. Já o banco de sementes de dicotiledôneas foi maior na área protegida (23 sementes/m2) do que na área queimada (6 sementes/m2). O favorecimento das gramíneas também foi observado por Sato (2003) ao mostrar que após 18 anos de proteção contra o fogo, as gramíneas representavam cerca de 45% do total de biomassa do estrato rasteiro, e que após cinco queimadas bienais passaram a representar cerca de 70%. Estes estudos indicam que a alteração na estrutura da vegetação lenhosa resultante de queimadas sucessivas, via altas taxas de mortalidade e “topkill”, resultam em sistemas com fisionomias mais abertas, com o favorecimento das gramíneas em relação às lenhosas. O que por sua vez, pode tornar o sistema mais susceptível a queimadas durante a estação seca dificultando a regeneração do sistema para sua forma fisionômica pré-fogo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora ainda não tenhamos informação sobre a frequência de eventos de incêndios naturais no Cerrado, vários estudos mostram que o fogo vem ocorrendo há milhares de anos. Estudos recentes mostram também que os incêndios causados por raios ocorrem preferencialmente no período de transição entre a estação seca e chuvosa e, em maior frequência, durante a estação chuvosa. Porém, com a ocupação do Cerrado para fins agropastoris o regime natural de queima tem sofrido alterações, com as queimadas sendo realizadas durante a estação seca e com intervalo entre queima de um a quatro anos. O conhecimento sobre os efeitos 102 Miranda & Sato do fogo na vegetação lenhosa do Cerrado, sintetizado nesta revisão, sugere que estas alterações no regime de queima resultam em fisionomias mais abertas como consequência das altas taxas de mortalidade, alterações nas taxas de recrutamento e favorecimento da vegetação do estrato rasteiro. Embora a literatura sobre o assunto seja considerável, fica evidente o pequeno número de espécies estudadas, quanto à resposta ao fogo, em relação à alta diversidade de espécies lenhosasdeste Bioma. Poucos são os estudos de longa duração que analisam o efeito do fogo em populações e comunidades e raros aqueles que investigam os efeitos do fogo no funcionamento do sistema, quer seja na taxa de absorção de carbono ou de uso de água (Breyer, 2001; Santos, 1999; Silva, 1999; Miranda et al., 1997), bem como estudos relacionados à recuperação do sistema. Portanto, é necessário ampliar o número de espécies estudadas, iniciar estudos sobre recuperação de áreas submetidas a queimadas freqüentes e também sobre aqueles relacionados aos processos e funcionamentos do sistema, para que o fogo, como ferramenta de manejo, possa ser utilizado com critério e segurança para a manutenção da diversidade da vegetação lenhosa do Cerrado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andrade, L. A. Z. 2002. Impactos do fogo no banco de sementes do solo de cerrado sensu stricto. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. Armando, M. 1994. 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