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1 UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL LUCIDIO NERI CORRÊA TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PELO PAGAMENTO DAS VERBAS TRABALHISTAS INADIMPLIDAS PELA EMPRESA PRESTADORA DOS SERVIÇOS Ijuí (RS) 2012 2 LUCIDIO NERI CORRÊA TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PELO PAGAMENTO DAS VERBAS TRABALHISTAS INADIMPLIDAS PELA EMPRESA PRESTADORA DOS SERVIÇOS Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DECJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais Orientador: MSc. JOÃO MARIA MENDONÇA Ijuí (RS) 2012 3 4 Dedico este trabalho a todos que de uma forma ou outra me auxiliaram durante estes anos da minha caminhada acadêmica. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem. Ao meu orientador, pela sua dedicação e disponibilidade. Aos professores que se dispuseram a passar-me com entusiasmo seus conhecimentos e experiências. A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu muito obrigado! 6 “Boas pessoas não precisam de leis para obrigá-las a agir responsavelmente, enquanto as pessoas ruins encontrarão um modo de contornar as leis.” Platão 7 RESUMO O presente trabalho de pesquisa monográfica tem como objetivo realizar um estudo a respeito da Administração Pública pelo pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa prestadora de serviços em casos de terceirização. Primeiramente, analisa-se o instituto da terceirização de serviços, apresentando considerações a respeito de seu conceito doutrinário e das delimitações promovidas pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Nessa trilha, examinam-se as hipóteses de terceirização lícita e ilícita e os efeitos jurídicos correspondentes. Seguindo o raciocínio, discorre-se a respeito da terceirização no âmbito da Administração Pública e a responsabilidade desta quanto aos encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa prestadora dos serviços, sob a ótica publicista e trabalhista. Adiante, expõe-se a controvérsia havida entre o disposto no inciso IV da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e a previsão inserida no artigo 71, § 1º, da Lei de Licitações. Palavras-Chave: Terceirização. Responsabilidade. Verbas Trabalhistas. Administração Pública. 8 ABSTRACT This monographic research work aims to conduct a study regarding the Public Administration for the payment of money by defaulting labor service company in cases of outsourcing. First, we analyze the institution of outsourcing services, with considerations about its doctrinal concept of boundaries and promoted by Precedent 331 of the Superior Labor Court. Accordingly, we examine the assumptions outsourcing lawful and unlawful and the corresponding legal effects. Following the reasoning, talks up about outsourcing in the public administration and the responsibility of the labor charges as defaulted by the company providing the services, from the perspective publicist and labor. Ahead, exposes the controversy that took place between the provisions of clause IV of Precedent 331 of the Superior Labor Court and prediction inserted in Article 71, § 1 of the Procurement Law. Keywords: Outsourcing. Responsibility. Labor funds. Public Administration. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................... ........10 1 A TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS E A SÚMULA 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 1.1 Conceito de terceirização de serviços para o Direito do Trabalho e primeiros passos da regulamentação do instituto..............................................................................................12 1.2 Terceirização ilícita e lícita...............................................................................................15 1.3 Efeitos jurídicos decorrentes da terceirização ilícita.....................................................22 1.3.1Tomador pertencente ao setor privado............................................................................22 1.3.2Tomador pertencente ao setor público............................................................................23 1.4.Responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços na terceirização ....25 2 A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TOMADORA DE SERVIÇOS 2.1 A prática da terceirização de serviços no âmbito da Administração Pública.............28 2.2 Responsabilidade da Administração pública sob a ótica publicista.............................31 2.2.1 Noções gerais acerca da responsabilidade subsidiária do Estado................................31 2.2.2 A previsão do art. 71, § 1, da Lei 8.666 de 21.6.93........................................................33 2.3 Fundamentos da responsabilidade subsidiária da Administração Pública sob a ótica jus laboral................................................................................................................................35 2.3.1 Direitos fundamentais do trabalhador e princípio da proteção....................................35 2.3.2 Culpa in eligendo e culpa in vigilando...........................................................................40 2.3.3 Responsabilidade objetiva...............................................................................................47 2.3.4 Abuso de direito...............................................................................................................49 CONCLUSÃO.........................................................................................................................51 REFERÊNCIAS......................................................................................................................54 10 INTRODUÇÃO A terceirização de serviços é uma atividade muito utilizada atualmente, sendo praticada por empresas privadas e também pelos entes componentes da Administração Pública Direta e Indireta. Sob a ótica jus laboral, a terceirização trata-se de um fenômeno representativo da flexibilização típica de emprego e, muitas vezes, utilizada de modo fraudulento, com propósito exclusivo de obtenção de mão de obra por menor preço. Por isso a preocupação do Direito do Trabalho com a sua regulamentação, e com a proteção do trabalhador inserido nessa relação trilateral. A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho atualmente é o instrumento por meio do qual são definidos os aspectos considerados essenciais em relação à terceirização dos serviços. A presente pesquisa tem como objetivo analisar um dos aspectos presentes na referida Súmula, qual seja, a imputação de responsabilidade subsidiária à Administração Pública tomadora de serviços pelo pagamentodas verbas trabalhistas devidas aos empregados terceirizados em caso de inadimplemento por parte da empresa prestadora. O tema a ser estudado é um dos mais relevantes e controvertidos em matéria de terceirização. Ocorre que, se de um lado a doutrina e a jurisprudência trabalhista defendem de maneira veemente a existência da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, de outro lado, essa responsabilidade é rechaçada pela Administração e também esse é o entendimento de muitos doutrinadores na área do Direito Administrativo. A polêmica, esclareça-se desde já, será analisada sob o prisma jus laboral. Pretende-se demonstrar a pertinência dos fundamentos com os quais se pretende dar suporte à previsão de responsabilidade dos entes estatais tomadores de serviços. Entretanto, não será excluído desse estudo o posicionamento publicista acerca do tema, através da exposição 11 argumentativa e dos elementos normativos invocados pela Administração Pública em defesa de sua tese Porém, antecipando o enfrentamento da essência da questão, se faz necessário tecer algumas considerações acerca da terceirização de serviços propriamente dita. A qual será apresentada na primeira parte deste trabalho. Primeiramente, serão apresentados os conceitos definidos pela doutrina trabalhista a esse instituto jurídico, para, a seguir, expor a sequência cronológica que permeia a sua evolução normativa, desde as primeiras previsões legais de contratação de mão de obra e serviços por empresa interposta até o advento da Súmula 331. Baseado no disposto na Súmula e nas construções doutrinárias que a respeito dela se desenvolveram, pretender-se-á buscar definir e diferenciar o que configura uma terceirização lícita e uma terceirização ilícita para, em seguida, expor os efeitos jurídicos decorrentes de uma ou outra hipótese. A segunda parte do trabalho, por sua vez, tratará da responsabilidade da Administração Pública enquanto tomadora de serviços terceirizados. Inicialmente, será feita uma análise das previsões normativas existentes que regulam a contratação de empresas prestadoras de serviços pela Administração Pública. Na sequência, será apresentada a visão publicista a respeito da responsabilidade subsidiária dos entes estatais, especialmente no que tange à invocação do art. 71,§, 1º, da Lei de Licitações, que apresenta uma previsão contrária ao quem dispõe a Súmula 331, a qual isenta a Administração Pública de responsabilidade por encargos trabalhistas devidos e não adimplidos pela empresa prestadora. Finalmente, será analisado o tema sob a ótica jus laboral. Momento em que serão expostos os principais fundamentos que alicerçam e que dão legitimidade à atribuição da responsabilidade subsidiária aos tomadores de serviços pertencentes à Administração Direta e Indireta, quais sejam: os direitos fundamentais do trabalhador, o princípio da proteção, a culpa in eligendo, a culpa in vigilando, a responsabilidade objetiva e o abuso de direito. 12 1 A TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS E A SÚMULA 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 1.1 Conceito de terceirização de serviços para o Direito do Trabalho e primeiros passos da regulamentação do instituto Para o Direito do Trabalho, a relação de emprego tradicional é a relação bilateral, envolvendo dois sujeitos: empregado e empregador, em que o vínculo empregatício se dá pelas regras dispostas no art. 3º da CLT (BRASIL, 2012) cujas características são: subordinação, pessoalidade, não-eventualidade e onerosidade. Contudo, leciona Sérgio Pinto Martins (2011, p. 26) que tal relação tem-se modificado de forma expressiva nos últimos anos, em virtude de uma série de fatores: inovação tecnológica, alterações na metodologia de produção, mudança nos métodos utilizados na gestão da mão de obra. A partir desse contexto as empresas, com a necessidade de aperfeiçoar a produção, minimizando custos e maximizando os lucros, a fim de adequar-se ao processo econômico competitivo é que surgem os debates sobre a flexibilização da relação de emprego típica e, consequentemente, sobre a terceirização. Segundo conceito de Maurício Godinho Delgado (2009, p. 407), terceirização é um “fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação jus trabalhista que lhe seria correspondente”, inserindo-se “o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços jus trabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente.” De acordo com o mesmo autor, a terceirização caracteriza-se por ensejar: [...] uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços, a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmado com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes à empresa tomadora de serviços que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido. DELGADO (2009, p.407). Lívia Mendes Moreira Miraglia (2008, p.122) ensina que: 13 [...] a terceirização é uma forma de organização empresarial que visa a descentralizar as atividades acessórias da empresa tomadora, delegando-as a uma empresa prestadora de serviços, com a qual se forma o vínculo empregatício dos obreiros contratados (terceirizados), os quais, contudo, laboram dentro e em prol do empreendimento principal. Martins (2011, p.10) se refere à terceirização como: [...] possibilidade de contratar terceiro para realização de atividades que geralmente não constituem o objeto principal da empresa. Essa contratação pode compreender tanto a produção de bens como serviços, como ocorre na necessidade de contratação de serviços de limpeza, de vigilância ou até de serviços temporários. Segundo Zéu Palmeira Sobrinho, citado por Diogo Palau Flores Santos (2010, p. 19) a terceirização pode ser definida como: [...] a estratégia empresarial que consiste em uma empresa transferir para outra, e sob o risco desta, a atribuição, parcial ou integral, da produção de uma mercadoria ou a realização de um serviço, objetivando – isoladamente ou em conjunto – a especialização, a diminuição de custos, a descentralização da produção ou a substituição temporária de trabalhadores. No entendimento de Karen Artur (2007, p.71-72), terceirização de serviços implica na existência de dois contratos ao mesmo tempo, entretanto com natureza distinta: o contrato civil de prestação de serviços entre a empresa prestadora e tomadora dos serviços, que pode ser negociado entre as partes, e o contrato de trabalho firmado entre trabalhador e a empresa prestadora dos serviços, que analisa o contrato de acordo com as normas do Direito do Trabalho. A terceirização, no Direito do Trabalho brasileiro, é um fenômeno relativamente novo, entretanto, nas últimas três décadas do século XX, o tema vem apresentando abrangência e dimensões relevantes. Bem retrata a CLT (BRASIL, 2012) o quanto o assunto é atual, já que em sua redação original, datada da década de 1940, fez menção a apenas duas figuras delimitadas de subcontratação de mão de obra: a empreitada e a subempreitada (art.455), englobando também a figura da pequena empreitada (art. 652, “a”, III), nada mencionando acerca da terceirização propriamente dita. Tais figuras, no dizer de Delgado (2009, p. 408), seriam apenas “referências incipientes a algo próximo ao futuro fenômeno terceirizante.” 14 Mas ao final da década de 1960 e início dos anos 70, o ordenamento jurídico passou a tratar com mais atenção a questões relacionadas ao fenômeno da terceirização, regulamentando algumas atividades terceirizadas por meio do Decreto-Lei nº 200/67, art.10,§ 7º (BRASIL, 2012), e da Lei nº 5.645/70, art. 3º, parágrafoúnico (BRASIL, 2012). Todavia, as referidas leis regulavam apenas o segmento estatal do mercado de trabalho (Administração Direta e Indireta da União, Estados e Municípios). Objetiva-se, a partir desses dispositivos, estimular a prática da descentralização administrativa, através da contratação de serviços meramente executivos ou operacionais perante empresas componentes do segmento privado da economia (DELGADO, 2009, p. 408). De acordo com Arnaldo Sussekind (2010, p. 228), na década de 70 surgiram diplomas normativos que previam e regulamentavam a contratação de mão de obra por empresa interposta, a Lei nº 6.019/74, denominada Lei do Trabalho Temporário e a Lei nº 7.102/83, que estabeleceu normas relativas aos serviços de vigilância em estabelecimentos bancários e de transporte de valores, possibilitando que eles fossem executados de forma permanente por empresas especializadas. Mesmo sendo restritas as formas legais de contratação de mão de obra e de serviços por empresa interposta, aos poucos essa prática tornou-se comum no meio produtivo brasileiro. Com o avanço significativo dessa forma laborativa, a jurisprudência trabalhista, nos anos de 1980 a 1990, passou a enfrentar o tema, trazendo uma multiplicidade de interpretações. Diante de tal fato e com objetivo de buscar assimilar a inovação sociotrabalhista ao cenário normativo existente no país, levou o Tribunal Superior do Trabalho a editar duas súmulas acerca da matéria: a de n.º 256, de 1986 e a de n.º 331, de 1993, sendo esta última uma revisão da primeira 1 (DELGADO, 2009, p. 409). Constava da Súmula 256 o seguinte: Trabalho Temporário e Serviço de Vigilância – Contratação de trabalhadores por empresa interposta. 1 Paralelamente às regulamentações provenientes dos Poderes: Legislativo e Judiciário, a terceirização também é objeto de construção normativa do Poder Executivo. Trata-se da Instrução Normativa nº 3, de 1º de setembro de 1997, do Ministério do Trabalho e Emprego, que dispõe sobre a fiscalização do trabalho em empresa de serviços a terceiros e empresas de trabalho temporário. (BRASIL, 2012) 15 Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis n.ºs 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e 7.102, de 20 de junho de 1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços. (BRASIL, 2012). A partir de edição da Súmula 256/86 do TST (BRASIL, 2012), a contratação de mão de obra e serviços por empresa interposta, apresentava caráter de legalidade, somente aquelas previstas nas Leis nº 6.019/74 (BRASIL, 2012), e 7.102/83 (BRASIL, 2012), respectivamente. As demais formas passaram a ser consideradas ilegais, se praticadas, trazendo como consequência a formação de vínculo empregatício diretamente com o pretenso tomador dos serviços. A Súmula 256 foi revisada, mas serviu de fundamento para legislação que a sucedeu, tendo como premissa que a terceirização deve ser exceção nas relações de produção no país, devendo prevalecer à fórmula celetista como regulador das relações laborativas, imperando a relação de emprego bilateral típica como regra, conforme Delgado (2009, p. 415) e Vólia Bonfim Cassar (2011, p. 512). O que será constatado mais adiante é que tal premissa se mostra fundamental para uma adequada interpretação e aplicação do regramento peculiar que disciplina a matéria, demonstrado claramente, em sua essência, na Súmula 331 do TST (BRASIL, 2012). Ademais, a Súmula 256 já previa aquilo que, ainda hoje, é considerado o desdobramento natural da terceirização tida por ilegal, qual seja, a instituição de vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços. 1.2 Terceirização lícita e ilícita Nos anos que se seguiram à edição da Súmula 256 pelo TST (BRASIL, 2012), intensificou-se a prática da terceirização no cenário empresarial. Com isso, a necessidade de flexibilizar as normas estabelecidas na referida Súmula tornaram-se prementes e oportunas, a fim de adequar às necessidades da sociedade e das empresas modernas. Aliada a tudo isso, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, alterou o ordenamento jurídico, 16 trazendo de forma expressa a vedação da admissão de trabalhadores por entes estatais, sem prévia realização de concurso público (art. 37, II e § 2º) 2 Foi nesse cenário que, em 1993, O TST editou a Súmula 331 3 , que passou a regular a terceirização nos seguintes termos: Contrato de Prestação de Serviços – Legalidade I – A contratação de trabalhadores Por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7. 102, de 20.06.1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial. (BRASIL, 2012), grifo do autor. Com a edição da Súmula, expandiram-se as possibilidades das empresas valerem- se da contratação de serviços por empresa interposta, não somente os serviços de vigilância, mas, serviços de conservação e limpeza e outros especializados ligados à atividade-meio do tomador passaram a ser permitidos. Em todos esses casos, a terceirização será considerada lícita. Cassar (2011, p. 517-518) traz o seguinte entendimento em relação à licitude e ilicitude da terceirização dos serviços: [...] as terceirizações devem ser classificadas não como lícitas e ilícitas, mas como regulares ou irregulares, porque não há lei que a proíba. Terceirização regular/irregular é gênero, da qual a legal/ilegal é mera espécie. Assim, a terceirização legal é a autorizada por lei. Já a regular é a terceirização de mão de obra ligada à atividade-meio, quando ausentes os requisitos do vínculo de emprego entre trabalhador e o tomador, ou quando a Administração Pública contratar por licitação em caso de necessidade, desde que não seja fraude ao concurso público. 2 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e também, ao seguinte: II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexibilidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvada as nomeações para o cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; § 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei. (BRASIL, 2012). 3 Em vigor a partir da Resolução nº 23/1993, DJ 21, 28.12.1993. 17 Irregular, por sua vez, é a terceirização que, embora a lei não proíba, viola princípios básicos de Direito do Trabalho ou regras administrativas. Sobre o assunto, orienta Martins (2011, p. 159): A terceirização legal ou lícita é a que observa os preceitos legais relativos aos direitos dos trabalhadores, não pretendendo fraudá-los, distanciando-se da existência da relaçãode emprego. A terceirização ilegal ou ilícita é a que se refere à locação permanente de mão de obra, que pode dar ensejo a fraudes e a prejuízos aos trabalhadores. Esse novo modelo, como era de se esperar, trouxe algumas dificuldades. Primeiramente, surge a necessidade de especificar as espécies de serviços qualificados como especializados e os ligados à atividade-meio do tomador. A definição trazida pela doutrina para a atividade-meio, de forma genérica, são aquelas não essenciais, que não estão ligadas ao objeto central da empresa tomadora dos serviços, são as atividades de apoio, mas, necessárias à realização da atividade empresarial. São as atividades de suporte, que facilitam o desenvolvimento da atividade-fim da empresa tomadora dos serviços (MARTINS, 2011, p. 130). Delgado (2009, p. 418) define atividade-meio como sendo: [...] aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, [...] atividades meramente instrumentais, de estrito apoio logístico ao empreendimento. Conforme Süssekind (2010, p. 230): A jurisprudência tem admitido a terceirização dos serviços de restaurante ou de preparação de alimentação; de segurança; de conservação e limpeza; de conservação e assistência a máquinas, elevadores e outros equipamentos; de assistência médica, jurídica; de transporte; de seleção e treinamento de pessoal. A respeito das atividades-fim das empresas, Delgado (2009, p.418), define como: [...] as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. 18 Martins (2011, p. 130) conceitua atividade-fim como aquela “que diz respeito aos objetivos da empresa, incluindo a produção de bens ou serviços, a comercialização, etc. É a atividade central da empresa, direta, de seu objeto social.” Verifica-se pelas definições acima que a caracterização do serviço como atividade-meio depende do caso concreto, uma vez que dependerá, sempre, da identificação do objeto social da empresa tomadora. 4 No entender de Jorge Souto Maior (2008, p.143) o critério adotado pela Súmula 331 para diferenciar terceirização lícita de terceirização ilícita – “atividade-meio” – partiu de pressuposto impreciso, provocando o aparecimento da insegurança e dúvida jurídica. O mesmo autor questiona: O serviço de limpeza, por exemplo, normalmente apontado como atividade-meio, seria mesmo uma atividade meio? E, em se tratando de um hospital, o serviço de limpeza pode ser conduzido a um segundo plano de importância? Por outro lado, o que seria, concretamente, atividade-fim? Em uma empresa que produz refrigerantes, pode-se vir a dizer que é a produção de refrigerante que constitui a atividade-fim, mas onde começa e onde termina o processo produtivo? E quais são, concretamente, as tarefas que lhe integram? Engarrafar o líquido; colocar a tampinha na garrafa; por as garrafas em engradados; fazem parte da atividade-fim? (MAIOR, 2008, p. 143). Assim sendo, Maior (2008, p.144) conclui que: No fundo a grande verdade é que o fim das empresas é obtenção do lucro. Tudo o mais é meio para se atingir o mesmo fim. Neste sentido, todas as atividades permanentes de uma empresa interligam-se de forma indissociável e possuem igual relevância, no contexto mais amplo da estrutura empresarial formada, para obtenção do empreendimento. Outro critério que está disposto na Súmula 331 é o da especialização para e a execução de determinados serviços passíveis de terceirização. 4 Outra abordagem válida utilizada na busca por uma definição do que seja atividade-fim e atividade-meio baseia-se na distinção entre atividade preponderante e atividade complementar, utilizada pela CLT para fins de enquadramento sindical. Consta do art. 581, § 2º, que “entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam exclusivamente em regime de conexão funcional”. (BRASIL, 2012). 19 Dessa forma, é necessário que a empresa prestadora dos serviços desenvolva uma atividade empresarial própria, ou seja, especializada no serviço que se propõe a prestar: vigilância, limpeza e conservação, conserto de máquinas, etc. (MAIOR, 2008, p. 149). Segundo Alice Monteiro de Barros (2011, p. 357), somente uma empresa especializada em determinada atividade é capaz de prestar um serviço com maior rapidez, melhor tecnologia e a preços mais acessíveis, satisfazendo as necessidades da empresa tomadora. Dessa forma, será atingido o verdadeiro objetivo da terceirização, que é justamente possibilitar que a empresa tomadora, ao delegar a outrem a execução de atividade-meio, concentre seus esforços naquilo que é sua vocação principal, com o fim de aperfeiçoar sua atividade produtiva. Portanto, a contratação de empresa que não seja especialista em nenhuma atividade, ou seja, que tenha por objeto a prestação de quaisquer serviços configura-se prática ilícita, porque visa a “mera intermediação da força de trabalho”, em fraude à legislação trabalhista, não produzindo nenhum efeito real em termos de eficiência produtiva, (MIRAGLIA, 2008, p. 158). Outro requisito que a Súmula 331 estabelece como fundamental para a qualificação da terceirização como lícita é a ausência de pessoalidade e subordinação direta na relação havida entre o trabalhador e o tomador dos serviços. Por pessoalidade, entende-se a característica da relação de emprego que determina que a prestação do trabalho deva ser sempre realizada pela pessoa contratada, com exclusão de qualquer outra. Sobre o ponto, Delgado (2009, p. 418), destaca: [...] que a jurisprudência admite a terceirização apenas enquanto modalidade de contratação de prestação de serviços entre duas entidades empresariais, mediante a qual a empresa terceirizante responde pela direção dos serviços efetuados por seu trabalhador no estabelecimento da empresa tomadora. A subordinação e a pessoalidade desse modo terão de se manter perante a empresa terceirizante e não diretamente em face da empresa tomadora dos serviços. Conforme a Súmula 331, também a subordinação direta não se harmoniza com a lógica da terceirização de serviços. 20 De acordo com Sussekind (2010, p. 237), subordinação é “o instrumento jurídico, em virtude da qual um empregador contrata o trabalho alheio, prescinde do estado de dependência econômica do trabalhador, para que haja relação de emprego.” A subordinação, do ponto de vista da titularidade, pode ser qualificada como direta e indireta. Segundo Cassar (2011, p. 268): Quando uma ordem é feita diretamente pelo patrão, pelos sócios ou diretores da empresa, a subordinação é direta, Isto é, sem intermediários. Assim, o sócio que trabalha no negócio comanda seus empregados diretamente. Quando entre o empregado e o patrão existirem intermediários, prepostos, empregados de confiança que recebem e repassam a ordem ou quando a ordem chega ao trabalhador por intermédio de terceiros, trabalhadores ou não, a subordinação será chamada indireta. A ideia passada pela Súmula foi a de determinar que somente a empresa contratada possa exercer poder de mando em face do trabalhador, jamais a empresa tomadora. Miraglia (2008, p. 154-155), em relação à subordinação direta, entende que o poder diretivo do trabalhadorcabe à empresa prestadora. Por conseguinte, o obreiro não poderá ser duplamente subordinado, ainda que na prática isso venha ocorrendo, sujeitando-se ao poder de mando exclusivamente de seu real empregador. O tomador de serviços não pode exercer o poder de direção e nem mesmo o poder disciplinar sobre os trabalhadores terceirizados. Dessa forma, torna-se ilícita a terceirização onde o empregado da empresa prestadora subordina-se direta ou indireta às ordens da empresa tomadora dos serviços. Para Delgado (2009, p. 419), configurando esta situação: Determina a ordem jurídica que se considera desfeito o vínculo laboral com o empregador aparente (entidade terceirizante), formando-se o vínculo jus trabalhista do obreiro diretamente com o tamador de serviços (empregador oculto ou dissimulado). Por fim, a que se observar que, no caso do trabalho temporário, diferentemente, a Lei nº 6.019/74 prevê a direta inserção do obreiro no estabelecimento do tomador de serviços, 21 substituindo trabalhador permanente deste ou exercendo serviço acrescido extraordinariamente. Nesse caso, a lei autoriza que o trabalhador por ela regulado se integre, plenamente, pelo período temporário, da dinâmica estabelecida pela entidade tomadora Delgado (2009, p. 419). Nesse caso, a empresa tomadora exerce de forma direta o poder de comando sobre o trabalhador temporário, sozinha ou conjuntamente com a empresa contratada. A diferença mais expressiva que caracteriza o trabalho temporário dos demais meios de terceirização sem dúvida é a permissão expressa na lei nº 6.019/74 (BRASIL, 2012), onde a pessoalidade e subordinação do trabalhador em relação ao tomador dos serviços são previstas pela mesma sem que gere o vínculo empregatício. Nesse sentido, Miraglia (2008, p. 169), expressa que, “o trabalhador temporário forma vínculos de pessoalidade e subordinação com a empresa tomadora, de modo que a relação de emprego só não se concretiza em virtude de expressa determinação normativa.” Continuando no assunto, Sussekind (2010, p. 228), menciona que a lei nº6. 019/74 estabeleceu uma dinâmica baseada numa relação triangular, “na qual a empresa fornecedora de mão de obra delega o poder de comando à sua cliente, a fim de que esta dirija a prestação de serviços dos empregados que estão vinculados àquela, mas se obrigam a trabalhar para terceiros.” Também é necessário observar o fato de que o trabalho temporário tem prazos definidos pela legislação, como bem define Cassar (2011, p. 520): A Lei nº 6.019/74 permite somente contratos de curta duração (três meses) com possibilidade de prorrogação por outros três meses, desde que autorizados pelo órgão competente, para atender a necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou acréscimo extraordinário. Entretanto, mesmo que a contratação temporária apresente uma situação triangular, ela não deve confundir-se com a terceirização. Nesse sentido, a lição de Cintia Machado de Oliveira e Leandro do Amaral Dorneles de Dorneles (2011, p. 94): Nesta [terceirização], há delegação de poder de comando da tomadora para prestadora, que admite, dirige e assalaria os empregados que prestarão serviços à 22 tomadora, no contrato temporário, não há delegação de poder de comando, pois a empresa tomadora exerce-o diretamente ou o divide com a empresa de trabalho temporário. Na terceirização, o empregado atua somente em atividades-meio, enquanto que, no trabalho temporário, a prestação de serviços cabe em qualquer tipo de atividade. Ainda, a terceirização é ilimitada no tempo, enquanto que o contrato de trabalho temporário dura a rigor, no máximo, três meses. Ademais, a contratação temporária é considerada uma excepcionalidade, enquanto a terceirização é um mecanismo permanente de utilização para desenvolvimento das atividades empresariais. 1.3 Efeitos jurídicos decorrentes da terceirização ilícita A Súmula 331 também tratou de mencionar quais os efeitos jurídicos decorrentes de uma terceirização ilícita, mas tais efeitos dependerão, todavia, da qualificação do ente tomador dos serviços: setor privado ou estatal. 1.3.1 Tomador pertencente ao setor privado Inicialmente, será analisada a hipótese de ser privada a empresa tomadora dos serviços. Conforme os incisos I e II da Súmula 331 (BRASIL, 2012), se uma empresa do setor privado contrata obreiros por meio de uma empresa interposta para a execução de um serviço que não seja o de vigilância, conservação, limpeza ou outro especializado ligado à atividade-meio ou, ainda, se sua relação com o trabalhador apresenta as características de subordinação direta e da pessoalidade, a consequência imediata será a formação de vínculo empregatício com trabalhador, ou seja, no caso da empresa privada, a ilicitude da terceirização provoca a extinção do vínculo laboral com o empregador aparente, (empresa interposta). Com isso, formando o vínculo empregatício diretamente com o empregador oculto ou dissimulado (empresa tomadora dos serviços). A respeito do ponto, salienta Martins (2011, p. 164) que, “atos fraudulentos, que tenham por escopo mascarar a relação de emprego, são tidos como nulos a teor do art. 9º da CLT. Presente os requisitos do trabalho subordinado, reconhece o vínculo empregatício”. 23 Nesse sentido Miraglia (2008, p. 153) entende que. A terceirização “lícita” é forma excetiva de contratação de mão de obra, haja vista o padrão genérico manter-se dentro da fórmula empregatícia clássica. Já a terceirização “ilícita” se enquadra no art. 9º da CLT, como forma de burla à aplicação da legislação trabalhista. Segue a autora, argumentando que: [...] a terceirização trabalhista não pode ser utilizada para fins fraudulentos ou com intuito exclusivo de mascarar a existência de relação empregatícia. Muito menos, permite-se que a terceirização seja instrumento de mitigação dos direitos trabalhistas e de aviltamento das condições de trabalho do obreiro terceirizado. (MIRAGLIA, 2008, p.154.) Se reconhecido o vínculo, deve incidir sobre o contrato de trabalho todas as normas pertinentes a efetiva categoria profissional, a fim de que se possam corrigir as distorções havidas, garantindo ao empregado o direito à isonomia salarial com os demais empregados da tomadora que exercem a mesma função (DELGADO, 2009, p. 419). Segundo Miraglia (2008, p. 165), a empresa contratada, que se prestou a fraude, não fica isenta de responsabilidade. Será chamada a responder pelos encargos trabalhistas de forma solidária a empresa tomadora, na forma análoga prevista no Código Civil, previsto no art. 942. 1.3.2 Tomador pertencente ao setor público De acordo com o inciso II da Súmula 331, se a empresa tomadora é componente da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, não ocorrerá a formação do vínculo empregatício com esta, mesmo que seja irregular a terceirização, devido à necessidade para a investidura em cargo ou emprego público de aprovação prévia em concurso público conforme preceitua o art. 37, II e § 2º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2012), sendo nulos os atos que contrariarem tal preceito legal. Entretanto, essa regra tem validade apenas para os casos em que o vínculo seja posterior à vigência da Constituição Federal de 1988. Para os vínculos cuja formação é anterior a 5 de outubro de 1988, incide o disposto na OJ 321 SDI-1 do TST: 24 VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PERÍODO ANTERIOR A CF/1988. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis n.s 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços, inclusive ente público, em relação ao período anterior a vigência daCF/88. (BRASIL 2012) Assim resta identificar quais serão os efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento da terceirização ilícita em relação ao período pós-promulgação da Constituição Federal de 1988. Verificada a ilicitude da terceirização, seja porque a atividade desenvolvida pelo obreiro não seja a de vigilância, conservação ou limpeza, nem se qualifique como especializada e ligada à atividade-meio da tomadora, seja porque, existe pessoalidade ou subordinação direta ou indireta na relação havida entre empregado e tomadora, o trabalhador permanecerá vinculado à empresa prestadora, que será a responsável principal pelas obrigações trabalhistas, sendo imputada à Administração Pública a responsabilidade subsidiária ou solidária, dependendo do entendimento que se adote por estas obrigações. Também, dependendo do caso, o empregado poderá pleitear equiparação salarial com os empregados da tomadora que exercem as mesmas funções, nos temos da OJ 383 SDI- 1 do TST; in verbis: TERCEIRIZAÇÃO EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA ISONOMIA ART. 12 “A”, DA LEI 6.019 DE 03.01.1974. A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com a Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que, presentes Á igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974. (BRASIL 2012). Pela legislação vigente e pelos julgados da Justiça do Trabalho, estão bem definidas as diferenças entre os tomadores de serviços pertencentes ao setor privado e ao público, não ensejando maiores discussões a respeito desse tema. Também entre os doutrinadores os pensamentos seguem na mesma direção. 25 1.4 Responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços na terceirização lícita A Súmula 331 do TST trata da responsabilidade da empresa tomadora dos serviços pelas obrigações trabalhistas inadimplidas pela empresa prestadora, em casos de terceirização ilícita. O inciso IV do enunciado, que sofreu modificação recentemente, estipula o seguinte 5 : IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e contem também do título executivo judicial. (BRASIL, 2012,) grifo nosso. Estabelece a Súmula que, a empresa tomadora seja privada, seja componente da Administração Pública Direta e Indireta, deve ser responsabilizada subsidiariamente pelas verbas trabalhistas no caso de não serem estas pagas pela empresa prestadora dos serviços. Segundo Martins (2011, p. 137) é denominada responsabilidade subsidiária aquela que vem em reforço ou em substituição, conferindo uma espécie de benefício de ordem, onde somente em caso de não-pagamento da verba trabalhista por parte do empregador a empresa tomadora será chamada a pagar, desde que tenha participado do processo judicial movido pelo empregado, na qualidade de reclamada. Entretanto, a lei não prevê expressamente a responsabilidade subsidiária, a mesma decorre de orientação prevista na Súmula 331, inciso IV do TST. Tratando do tema, Cassar (2011, p.539-540) relata que: A pedra de toque para responsabilizar os contratantes é o art. 9º da CLT, que considera praticado em fraude à lei todo ato que vise impedir ou desvirtuar a aplicação dos direitos previstos na CLT. Dessa forma, empregador que sonega direitos trabalhistas de seu empregado comete ato ilícito, e o tomador dos serviços abusa do direito de terceirizar, pois deveria fiscalizar o cumprimento do contrato e escolher melhor as empresas intermediadoras de mão de obra. De acordo com o art. 5 Alteração dada pela Resolução nº 96/2000, DJ 18,19 e 20.09.2000. 26 187 do CC, o abuso do direito equipara-se ao ato ilícito que é o fato gerador da responsabilidade civil (arts. 186 c/c 942 do Código Civil). Por este motivo, mesmo nos casos de terceirização regular o tomador responde subsidiariamente. No pensamento de Delgado (2009, p. 433): O entendimento jurisprudencial sumulado claramente percebe a existência de responsabilidade do tomador de serviços por todas as obrigações laborais decorrentes da terceirização (ultrapassando a restrição de parcelas contida no texto da Lei n. 6.019/74). Apreende também a nova súmula a incidência da responsabilidade desde que verificado o inadimplemento trabalhista por parte do contratante formal do obreiro terceirizado (tornando despicienda, assim, a verificação de falência - rectius: insolvência - da empresa terceirizante). Interpreta, por fim, essa súmula que a responsabilidade de que se fala na terceirização é do tipo subsidiário (aqui reduz a súmula examinada a garantia solidária insculpida na Lei 6.019/74. Enquanto Barros (2011, p.360-361) trata do assunto esclarecendo que: O responsável subsidiariamente deverá arcar, em regra, com o pagamento de todas as parcelas que sejam, inicialmente, de responsabilidade do devedor principal. Ainda que ausente a culpa, sua posição assemelha-se à do fiador ou do avalista; não tendo havido o adimplemento da obrigação pelo devedor principal, incide, automaticamente e sem quaisquer restrições, a plena responsabilidade daquele que, em última análise, figura na relação jurídica única e exclusivamente para garantir a integral satisfação do credor. A empresa tomadora que adimplir as verbas trabalhistas em função da responsabilidade subsidiária terá o direito de regresso contra a prestadora, uma vez que se aplicaria, por analogia, a previsão do parágrafo único do art. 455 da CLT 6 , que se refere ao empreiteiro principal e ao subempreiteiro (MARTINS, 2011, p. 139). No tocante à responsabilidade subsidiária da empresa tomadora do setor privado, não existe maior discussão quanto à sua aplicabilidade. Entretanto, para Maior (2008, p. 147-168), a responsabilidade prevista na Súmula não deveria ser subsidiária. Para o doutrinador a responsabilidade deveria ter sido a solidária, mais condizente com os princípios protetivos do Direito do Trabalho. 6 Art. 455. Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro. Parágrafo Único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para garantia das obrigações previstas neste artigo. (BRASIL, 2012). 27 A previsão de responsabilidade subsidiária da tomadora componente da Administração Pública pelo pagamento das verbas trabalhistas, sem dúvida, ensejou grande debate, como será visto na segunda parte deste trabalho de pesquisa. 28 2 A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TOMADORA DE SERVIÇOS 2.1 A Prática da terceirização no âmbito da Administração Pública A terceirização de serviços, no âmbito da Administração Pública, foi regulamentada a partir da década de 1960, com o surgimento do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, (BRASIL, 2012) que dispõe sobre a organização da Administração Federal e estabeleceu diretrizes para a reforma administrativa.7 Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, (2011, p. 2220) mesmo que não se tenha utilizado do termo terceirização propriamente dito, o referido decreto-lei autorizou a prática desta no setor público, prevendo a possibilidade de a Administração desobrigar-se da execução de tarefas executivas mediante à execução indireta, ou seja, por intermédio da contratação com terceiros. Pretendeu-se propiciar à Administração uma forma de desincumbir-se de certas tarefas, evitando com isso um crescimento elevado da máquina administrativa. Nesse sentido, no § 7º do art. 10 do referido decreto-lei, dispõe: Art. 10 A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmensurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. (BRASIL, 2012) Conforme assevera Miraglia (2008, p. 173) a permissão para a contratação de empresa terceiras para execução de serviços, que não correspondam atividade-fim da Administração Pública, deu-se baseado na necessidade de desafogar a máquina estatal, com uma intervenção estatal restrita, além de menor onerosidade do setor público. Posteriormente, a Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970, (BRASIL, 2012) veio esclarecer, muito embora, não tenha apresentado um rol expressivo, entretanto, apresentou uma forma exemplificativa de quais espécies de atividades poderiam ser objeto de execução 7 O Decreto-Lei 200/67 ainda está em vigor. 29 indireta, ou seja, de execução por empresas contratadas junto à iniciativa privada. Assim dispõe o parágrafo único do art. 3º da referida lei: Art. 3º, parágrafo único. As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o artigo 10, § 7º, do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967 8 (BRASIL, 2012) O rol de atividades elencadas nesse dispositivo, como se vê, diz respeito a atividades de apoio, instrumentais, acessórias, confirmando que a terceirização de serviços, tal qual no setor privado, na administração pública, só pode ocorrer em relação a atividades- meio. Recentemente, surgiu o Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997, (BRASIL, 2012) tratando especificamente a respeito da contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. 9 Nele prevendo aqueles que podem e aqueles que não podem ser objeto de execução por terceiros, enfatizando, novamente, que somente são passíveis de terceirizar as atividade-meio no âmbito da pessoa jurídica, confira-se: Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência objeto de execução indireta. § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quanto se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal. (BRASIL, 2012) O dispositivo não deixa dúvidas de que apenas atividades caracterizadas e especificadas como atividade-meio é que podem ser objeto de execução indireta, ou seja, podem ser terceirizadas. Sendo assim, confirma-se que a terceirização autorizada no setor público é aquela mediante a qual se contrata a prestação de um serviço, e não se traduz em mero fornecimento de mão de obra, com vistas a burlar a exigência constitucional de contratação por concurso público. 8 A Lei nº 5.645/70 continua em vigor, mas o parágrafo único do art. 3º foi revogado pela Lei 9.527/97. 9 O Decreto nº. 2.271/97 continua em vigor 30 Nesse sentido, escreve Di Pietro (2011, p.219) que: No âmbito da Administração Pública Direta e Indireta a terceirização, como contrato de fornecimento de mão de obra [...] não tem guarida, nem mesmo com base na Lei nº 6.019, que disciplina o trabalho temporário, porque a Constituição, no art. 37, inciso II, exige que a investidura em cargos, empregos ou funções se dê por concurso público. A única hipótese em que se poderia enquadrar a contratação temporária, sem concurso, seria aquela prevista no art. 37, inciso IX, da Constituição, que prevê a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Mas esse dispositivo não é autoaplicável. Ele só pode ser aplicado quando disciplinado em lei de cada ente governamental, essa lei é que dirá como se fazer a contratação e as hipóteses em que ela será possível. A contratação desses serviços pela Administração Pública se dará, segundo o disposto no art. 37 10 , XXI, da Constituição Federal, por meio de licitação, que hoje é regulamentada pela Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 2012). Porém, a que se ressaltar que não tem fundamento jurídico, no direito brasileiro, a terceirização que tenha por objeto determinado serviço como um todo. Afinal, como visto, só será lícita a terceirização quando implicar a contratação de empresa para prestação de serviços acessórios, de apoio, não vinculados a atividade essencial da empresa. Desta forma, a concessão de serviços públicos não pode ser considerada uma forma de terceirização. (DI PIETRO, 2011, p. 224) Diferente é o pensamento de Martins (2011, p. 153-154) entendendo como legal a terceirização pela Administração Pública realizada para execução de forma indireta de obras e serviços como um todo, mediante concessão e permissão. Para Cassar (2011, p. 536-537), a contratação de terceiros pela Administração Pública através de concessão 11 e permissão 12 é uma forma de terceirização amparada na Lei nº 8. 987/95, (BRASIL, 2012) que regulamenta o art. 175 da Constituição Federal. 10 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderás da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 11 CONCESSÃO é um contrato administrativo em que a Administração Pública permite que outrem execute um serviço, uma obra pública ou use um bem público, mediante sua própria conta e risco, no prazo e em condições 31 Dessa forma, concessão de serviços públicos é o instituto por meio do qual o Estado, após o devido processo licitatório, atribui o exercício de um serviço público a terceiro, que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco,remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. (MELLO, 2005, p.662) Segundo Di Pietro (2011, p.224), a concessão tem por objeto a delegação a uma pessoa jurídica, de todo o conjunto de atividades indispensáveis à realização do serviço público, não apenas uma determinada atividade ligada a ele. Assim sendo, o Estado delega não apenas atividades-meio, mas inclui também a atividade-fim de determinado serviço público. Ante ao exposto, a concessão não pode ser considerada uma modalidade de terceirização. A concessionária é que terá a possibilidade de terceirizar querendo, determinadas atividades ligadas ao objeto da concessão, desde que, obviamente seja atividade-meio. 2.2 Responsabilidade da Administração Pública sob a ótica publicista 2.2.1 Noções gerais acerca da responsabilidade do Estado Conforme leciona Caio Mário da Silva Pereira, (2002, p.128), na origem do Direito Público em geral, vigia o princípio da irresponsabilidade do estado. Dentro da ideia de estado soberano, entendia-se que não caberia reparação de danos causados pelo poder público. O Estado era órgão gerador do direito, cabendo-lhe a tutela deste, ao exercer essa tutela, o Estado não atentaria contra a ordem jurídica, pois, sendo ele próprio o direito, jamais praticaria injustiças. Para Odete Medauar (2009, p. 377), inúmeras concepções justificavam tal isenção, dentre as quais, o monarca ou o Estado não erram; o Estado atua para atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; a soberania do Estado impede que seja reconhecida sua responsabilidade perante um indivíduo. estabelecidas, com tarifa ou outra forma de remuneração. É permitida através de licitação, na modalidade de concorrência (art. 2º, II, da Lei 8.987/95). 12 PERMISSÃO é a delegação a título precário da prestação de serviços públicos à pessoa física ou jurídica, mediante licitação, por sua conta e risco (art. 2º, IV da Lei 8.987/95). 32 Mas com o crescente reconhecimento dos direitos dos indivíduos perante o Estado e com a propagação da ideia de submissão do Estado ao direito, essa teoria perdeu a preponderância. Na segunda metade do século XIX, passou a ser admitida a responsabilidade do Estado, expandindo-se cada vez mais, de tal sorte que evolui de uma responsabilidade subjetiva, isto é, baseado na culpa, para uma responsabilidade objetiva, vale dizer, ancorada na simples relação de causa e efeito entre o comportamento administrativo e o evento danoso. (MELLO, 2005, p. 932). A responsabilidade subjetiva se faz presente, quando o agente pratica uma ação ou omissão culposa. Enquanto a responsabilidade objetiva, por sua vez, no conceito de Mello (2005, p. 935-936) é: a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano. Portanto, quando se fala em responsabilidade objetiva, não se leva em conta o dolo ou culpa do agente, nem tampouco o mau funcionamento ou falha da Administração. Para configurá-la basta existir, apenas, a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão administrativa e o dano sofrido pela vítima. (MEDAUAR, 2009, p. 376). A responsabilidade objetiva da Administração Pública está prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal, in verbis: Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Da leitura do dispositivo legal conclui-se que não só as pessoas jurídicas componentes da Administração Direta podem ser responsabilizadas objetivamente, mas também as componentes da Administração Indireta, bem como as pessoas de direito privado prestadores de serviços públicos, tais como: as permissionárias e concessionárias de serviços. Essa situação se dá em função da teoria do risco integral, que representa um sentido absoluto da responsabilidade da Administração, para levá-la a ressarcir todo e qualquer dano relacionado a suas atividades. (PEREIRA, 2002, P.130). 33 A responsabilidade objetiva surgirá em decorrência de um dano provocado por um ato lícito ou por um ato ilícito. Em relação aos atos lícitos, a responsabilidade fundamenta-se na denominada teoria do risco, que encontra amparo legal no art. 927, parágrafo único do Código Civil: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2012). A aplicação da teoria do risco em relação à Administração Pública é evidente, a tal ponto de denominá-la, nesta seara de teoria do risco administrativo, importando ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Conforme a lição de Pereira (2002, p. 131): Basta comprovar a existência de uma falha objetiva do serviço público, ou o mau funcionamento deste, ou uma irregularidade anônima que importa em desvio da normalidade, para que fique estabelecida a responsabilidade do Estado e a consequente obrigação de indenizar. Não se trata de averiguar se o procedimento do agente foi culposo, porém de assentar que o dano resultou do “funcionamento passivo do serviço público.” A teoria é expressão concreta do princípio da igualdade, como leciona Mello (2005, p. 937), considerando que visa a garantir uma equânime repartição dos ônus decorrentes de atos ou efeitos lesivos, de forma a evitar que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. 2.2.2 A previsão do art. 71, § 1º, da Lei de Licitações A responsabilidade subsidiária dos entes componentes da Administração Pública Direta e Indireta tomadores de serviços, prevista no inciso IV da Súmula 331, sempre foi refutada pela Administração Pública. Como visto anteriormente, a Administração Pública, quando tenciona contratar uma empresa privada para prestar determinado serviço, deve fazê-lo por meio de uma 34 licitação. A licitação é regulamentada pela Lei nº 8.666/93, (BRASIL, 2012) cujas regras gerais aplicam-se à Administração Direta e Indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A referida lei, em seu art. 71, § 1º, na redação dada pela Lei nº 9.032/95, (BRASIL,2012) prevê que a Administração Pública não se responsabilizará pelo pagamento de encargos trabalhistas, fiscais e comerciais inadimplidos pela empresa contratada. Confira-se: Art. 71 O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. §1º A inadimplência do contratado, com referências aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere a Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. Ou seja, o referido dispositivo apresenta tratamento completamente diferente à situação, e é com base nele que a Administração Pública sempre resistiu a sujeitar-se à responsabilização subsidiária prevista na Súmula 331. Utiliza-o como primeiro e maiorargumento defensivo em todas as reclamatórias movidas por empregados terceirizados que, diante do não pagamento das verbas trabalhistas a que têm direito, pela empresa que os contratou, buscam seu adimplemento em face do ente público tomador. No entendimento de Mello (2005. p. 660), o contratado: [...] é responsável tanto pelos danos que cause à administração ou a terceiros, em decorrência de culpa ou dolo na execução do contrato – não lhe valendo como escusa ou atenuante à fiscalização que sofre - quanto pelos encargos trabalhistas, fiscais, comerciais e previdenciários resultantes da execução do contrato, havendo quanto a estes últimos (previdenciários) responsabilidade solidária. Então, o posicionamento da Administração Pública é no sentido de que o disposto na Lei de Licitações torna sem efeito qualquer manifestação do Tribunal Superior do Trabalho que a contrarie. Sustenta que uma súmula não se sobrepõe a um dispositivo legal, bem como que o art. 71,§ 1º é uma normativa constitucional e, por isso, não pode-lhe negar vigência. 35 Contudo, como a seguir será visto, a doutrina trabalhista enumera uma série de fundamentos que justificam e legitimam a imputação da responsabilidade subsidiária à Administração Pública, respaldando a previsão inserida na súmula 331. 2.3 Fundamentos da responsabilidade subsidiária da Administração Pública sob a ótica jus laboral Diversos são os fundamentos elencados pela doutrina trabalhista a demonstrar a atribuição de responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo pagamento das verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa prestadora de serviços. 2.3.1 Direitos fundamentais do trabalhador e princípio da proteção À Administração Pública, lhe é imputado a responsabilidade pelo pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas pela empresa prestadora de serviços tendo, como fundamento primeiro e maior que legitima e valida todos os demais, quais sejam: os direitos fundamentais do trabalhador e o princípio da proteção. O valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana são fundamentos constitucionais da República Federativa do Brasil, conforme previsto no art. 3º, III e IV, da Constituição Federal. Consequência disso é o fato de os direitos dos trabalhadores possuírem, em nosso ordenamento jurídico, Status de direitos fundamentais. 13 O núcleo essencial no sistema jurídico é estabelecido pelos direitos fundamentais. Vinculam tanto o Poder Público como os entes privados, todos estão obrigados a respeitá-los. Possuem aplicabilidade imediata e não podem ser abolidos nem mesmo por emenda constitucional. Os direitos fundamentais se refletem em todos os campos de relações existentes na vida em sociedade, alcançando também, dessa forma, as relações trabalhistas. 13 Com efeito, estão elencados no art. 7º da Constituição federal, o qual está inserido no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). 36 Em face de atenção especial concedida ao trabalhador pela Constituição, considerando-se a premissa da hipossuficiência do empregado perante o empregador, o princípio da proteção do trabalhador tem inquestionável aplicabilidade no direito do trabalho. Segundo Luiz de Pinho Pedreira Machado (1999) citado por Sussekind (2010, p. 116) o princípio da proteção do trabalhador é aquela em virtude do qual “o direito do trabalho, reconhecendo a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação jurídica de trabalho, promove a atenuação da inferioridade hierárquica e intelectual dos trabalhadores”. Em relação à terceirização de serviços, a observância do princípio da proteção do trabalhador tem especial razão de ser, em virtude dos potenciais prejuízos que a sua prática pode acarretar ao empregado. Um deles é a redução do ordenado do trabalhador terceirizado. Com efeito, em tese, as empresas repassam a outras a realização de serviços acessórios para poderem voltar-se com mais dedicação à realização da atividade-fim do seu empreendimento e com isso melhorar a eficiência produtiva e a qualidade dos seus produtos, na prática, contudo, em regra geral as empresas utilizam a terceirização pretendendo simplesmente à redução dos custos de produção. Tendo esse objetivo, as tomadoras obviamente buscarão no mercado empresas que prestem serviços por preços menores, e as prestadoras, consequentemente, em função da competitividade, ofertarão seus serviços por preços cada vez mais reduzidos. Para suportar essa redução de preço sem abrir mão do seu lucro, as prestadoras acabam diminuindo a remuneração dos seus empregados de modo que, sem sombra de dúvidas, são estes que acabam por pagar a conta da terceirização. (MAIOR, 2008, 144-145). A terceirização, conforme Maior (2008, p. 145) nos termos regulados pela Súmula 331 do TST significou: Uma espécie de “legalização” da redução dos salários e da piora das condições de trabalho dos empregados, pois os trabalhadores deixam de ser considerados empregados das empresas onde há a efetiva execução dos serviços e passam a ser tratados como empregados da empresa que fornece a mão de obra, com óbvia redução dos salários que lhes eram pagos, o que permite, também, nova redução cada vez que se altera a empresa prestadora de serviços, sem que haja, concretamente, solução de continuidade dos serviços executados pelos trabalhadores. 37 Além do mais, existe o prejuízo no que diz respeito à perda da identidade do trabalhador terceirizado, consequência direta de uma das características mais elementares da terceirização, qual seja, a inexistência de pessoalidade entre o operário e a empresa tomadora. Os trabalhadores terceirizados são introduzidos na estrutura empresarial da tomadora como simples ferramentas a serem utilizados para chegar a um fim, a esta não interessa quem seja o trabalhador, mas somente que alguém execute o serviço contratado. A tomadora determina como quer que a tarefa seja executada e, se não estiver satisfeita com o desempenho do empregado designado pela prestadora, pode pedir a esta, a qualquer momento, que providencie a sua substituição. Assim, a rotatividade de mão de obra é intensa, de modo que os empregados terceirizados não criem vínculos com a empresa tomadora, não se incluem efetivamente na estrutura do empreendimento, não fazem parte dos planos de carreira e como não são empregados efetivos, na maioria das vezes lhes é negado participar dos treinamentos e programas de incentivo desenvolvidos pelas empresas tomadora. (MIRAGLIA, 2008, 129) Seguindo nessa direção, também se verifica que, a partir da terceirização, certas atividades antes executadas pela empresa tomadora passam a ser descentralizadas, de modo que categorias profissionais fechadas e definidas são eliminadas. Como consequência, o trabalhador terceirizado perde sua referência sindical, ou seja, não consegue mais identificar a categoria a qual pertence. (MIRAGLIA, 2008, p. 114). Ademais, continua Miraglia (2008, p. 129) não raro se revela existente o problema da discriminação, gerada no ambiente interno da empresa tomadora, entre os trabalhadores terceirizados e os empregados efetivos. Nas palavras de Cassar (2011, p. 512) essa discriminação é consequência do fato de que a lei não regulamenta essa questão. Não exige isonomia de tratamento entre os trabalhadores terceirizados e aqueles pertencentes aos quadros da empresa terceirizante. Assim, a título exemplificativo, o trabalhador terceirizado poderá ter que cumprir carga horária de oito horas dentro do ambiente da tomadora, se assim for acordada com a sua empregadora, a empresa prestadora dos serviços, ainda que os empregados da tomadora cumpram uma jornada diária de seis horas. Conforme ensina Maior (2008, p. 145-146), “o fenômeno da terceirização tem servido para alijar o trabalhador aindamais dos meios de produção”, já que ele “não se insere 38 no contexto da empresa tomadora, é sempre deixado meio de lado, até para que não se diga que houve subordinação direta entre a tomadora dos serviços e o trabalhador”. Dessa forma, o trabalhador terceirizado não se insere nos planos e programas de segurança no trabalho desenvolvidos pela tomadora, também não tem representação sindical no ambiente de trabalho (empresa tomadora), o que o leva a sujeitar-se a laborar nas condições que lhe são apresentadas, sem qualquer possibilidade de rejeição institucional. O meio ambiente do trabalho é deixado de lado, trazendo como consequência o aumento das doenças do trabalho. Conclui Maior (2008, p. 146) que: Levando mais a fundo as observações sobre o fenômeno e considerando que não cabe ao direito adaptar-se às injustiças e sim servir como instrumento efetivo de combate a todo tipo de redução da dignidade humana, considero, presentemente, que não há mesmo como possa o Direito do Trabalho abarcar a terceirização. O padrão jurídico de terceirização criado pelo TST a partir da edição da Súmula 331 visa unicamente atender a uma reivindicação empresarial, apresentando como resultado um desvirtuamento da função histórica do direito do trabalho, qual seja a proteção do trabalhador. A terceirização não produz nenhum efeito real em termos de eficiência produtiva, servindo apenas como modelo de precarização das condições de trabalho. A terceirização, na prática, comporta uma imensa gama de desvantagens ao trabalhador: redução de postos de trabalho, aumento da carga da subordinação, destruição do sentimento de classe, degradação das condições de higiene e segurança e redução de valores salariais. (MAIOR, 2008, p. 144- 145). Ante o exposto, não há dúvida, o trabalhador inserido no contexto da terceirização necessita ser protegido de maneira eficaz. Não pode ser deixado ao desamparo legal frente à inadimplência do seu empregador quando é sabido que existe um terceiro que se beneficiou dos seus serviços prestados e possui capacidade de pagar o que lhe é devido. Nas palavras de (MAIOR, 2008, p. 149): A implantação da terceirização, que se vende como “técnica administrativa”, não pode, em hipótese alguma, representar a impossibilidade dos trabalhadores adquirirem e receberem integralmente os seus direitos trabalhistas pelos serviços que prestaram. 39 Um direito fundamental do trabalhador é o recebimento do salário, devendo o mesmo ser garantido de todas as formas possíveis. Este, sem dúvida, é um fim a ser garantido pelo Estado que deve encontrar meios que propiciem a plena efetivação desse direito fundamental. Pretender ele esquivar-se da responsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas devidas ao empregado terceirizado contraria, portanto, uma finalidade que lhe compete perseguir, o que deslegitima completamente a sua pretensão. O empregado tem no salário o seu meio de sobrevivência e seu recebimento é o motivo pelo qual ele aceita prestar sua força de trabalho em favor de outrem. O não pagamento do ordenado afeta a dignidade do trabalhador, pois, via de regra, ele tem apenas na remuneração de seu labor os recursos necessários para assegurar a sua subsistência. Sendo a dignidade da pessoa humana fundamento da República Federativa do Brasil, nenhuma razão invocada pela Administração Pública para justificar sua irresponsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas àquele que trabalhou no seu estabelecimento e em seu benefício será suficiente para afastar sua obrigação. Existe a previsão do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, é verdade, mas o desrespeito ao princípio da proteção do trabalhador não é algo mais repreensível do que o desatendimento daquele dispositivo? Sussekind (2010, p.112), leciona que: A afronta a um princípio constitucional “implica fragmentação da própria Constituição, afigurando por isso mesmo uma inconstitucionalidade de efeito muito mais grave do que a violação de uma simples norma, mesmo constitucional.” É habitual a Administração Pública alegar que a regra de irresponsabilidade prevista na Lei de Licitações, por achar-se esta, em consonância com o interesse público, pois visa à proteção do patrimônio estatal ao evitar que se efetue pagamento duplicado pelo mesmo serviço prestado. Ocorre que o interesse público não justifica que o Estado atue de modo a ferir o núcleo essencial de direitos fundamentais dos trabalhadores, ferindo a dignidade da pessoa humana. Ademais, se é verdade que o empregado terceirizado prestou seus serviços na esfera estatal o fez em benefício de toda coletividade. 40 Afinal, permitir que o trabalhador fique desamparado frente a uma situação de inadimplência, por parte da empresa que o contratou, contraria toda uma estrutura jurídica de proteção ao empregado, afrontando um direito fundamental, qual seja o recebimento de uma remuneração pelos serviços prestados. 2.3.2 Culpa in eligendo e culpa in vigilando Ao contratar empresas do setor privado para prestação de serviços, a Administração Pública o deve fazer por intermédio de licitação. Nesse sentido, a lição de Mello (2005, p.492): Ao contrário dos particulares, que dispõem de ampla liberdade quando pretendem adquirir, alienar, locar bens, contratar a execução de obras ou serviços, o poder público, para fazê-lo, necessita adotar um procedimento preliminar rigorosamente determinado e preestabelecido na conformidade da lei. Tal procedimento denomina- se licitação. No entendimento de Medauar (2009, p. 184) licitação, de acordo com a legislação brasileira é: O processo administrativo em que a sucessão de fases e atos leva à indicação de quem vai celebrar contrato com a administração. Visa, portanto, a selecionar quem vai contratar com a Administração, por oferecer proposta mais vantajosa ao interesse público. A decisão final do processo licitatório aponta o futuro contratado. Tal procedimento pauta-se na ideia de competição, “a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessárias ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir”. (MELLO, 2005, p. 492). As aptidões e os atributos exigíveis no processo licitatório são aqueles referentes à qualificação técnica e econômica do proponente que se revelam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações assumidas, nos termos do art. 37, XXI, da Constituição Federal. Assim sendo, é através do processo licitatório que a Administração Pública tem a possibilidade e o dever de averiguar os requisitos necessários conforme expressa a lei, dentre esses está a idoneidade econômica do proponente. Nesse aspecto, cabe a ela não somente exigir a apresentação de documentos que atestem a inexistência atual de débitos de qualquer ordem em nome do proponente, mas também verificar se este ordinariamente cumpre 41 zelosamente com suas obrigações perante terceiros e empregados, obrigações estas de cunho civil, tributário, previdenciário e trabalhista, ou seja, certificar se a empresa possui histórico de boa pagadora. Descumprindo esse dever de cuidado na escolha da empresa a ser contratada, incorrerá a Administração Pública na denominada culpa in legendo. (DELGADO, 2010, p.441 e MARTINS, 2011, p. 150-151). Em relação ao tema, Maior (2008, p. 151) entende que: (...) a lei trabalhista fixou o padrão jurídico da solidariedade nas relações de trabalho, na medida em que conferiu ao trabalhador o direito de ação em face do tomador dos serviços – empreiteiro – e sem benefício de ordem, pois o que se garantiu e este foi a ação regressiva contra o prestador – subempreiteiro. Nesse sentido, a seguinte ementa: “Destituída a intermediadora de mão de obra de idoneidade econômica e financeira, tem-se a empresa tomadora do serviço como responsável solidária pelos ônus do contrato de trabalho,
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