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Pro-posiçOes,Y. 12,n. 2-3 (35-36),jul.-noy.2001 A perspectivagenéticaemPsicologia:aspectos dasteoriasde Wallone Piaget LuciBanks-Leitel Resumo: A dimensão"genética"emPsicologiaé levadaemcontapor diferentes pesquisadorese não apenaspor aquelesexplicitamenteligados ao campo da PsicologiaGenética.Este textoanalisaprincipalmentepontosdaspesquisasde Wallon e Piaget, salientando que a dimensão genética está estreitamente relacionadaaos objetivosvisadospor cadateoria,bem como a outrosaspectos de seusquadrosteóricosrespectivos. Palavras-chave: Psicologia;genética;Wallon;Piaget Abstract: The geneticdimensionin Psychologyis takeninto considerationby differentresearchersand not only by thoseexplicitlylinked to the domain of GeneticPsychology.This articleanalysessomeaspectsof Wallon'sand Piaget's research,pointing out that the geneticfeatureis closelyrelatedto the aimsof eachtheoryas well as otherdimensionsof their theoreticalframeworks. Key-words: Genetic; psychology;Wallon; Piaget. o qualificativogenéticoque acompanhainúmerostrabalhosrealizadospor psicólogoseeducadorestemsidofreqüentementeempregadotantonaáreaacadê- micacomonadiscussãodequestõesrelativasàspráticaspedagógicas.Entretanto, porexistirempoucasanálisesquecolaboremparasuacompreensãoemPsicologia, não é incomum verificar-seum uso inadequadoou equivocadodessetermo, assimilando-o,por exemplo,ao "genético"tal comotratadoem Biologia. Primeiramente,cabelembrarque,emborao campoda PsicologiaGenética tenhasido exploradoprincipalmentepor Wallon (1879-1962)e Piaget(1896- 1980) bem como seuscolaboradorese/ou discípulos, trabalhos de outros pesquisadoreslevam em conta uma dimensãogenética.Essa dimensão, em Psicologia,tem como característicaessencial,o estudode condutasou funções I GrupodepesquisaPensamentoe Unguagem.ProfessoradaFaculdadedeEducaçào/UNlcAMP. 170 Pro-posiçOes,v. 12,n.2-3 (35-36),jul.-nov.2001 deformaa priorizarsuasmudanças,transformaçõesemesmosuasorigens,nãose limitandoassimao estudodasmesmasemsuaformaou "estado"final, acabadoe estático.Os estudosrealizadosemumaperspectivagenéticapartemdopressuposto quesó sepodecompreendera naturezade um comportamentose levarmosem contasuahistória,suagênese.Emborao termogênesesejamuitasvezesutilizado comosinônimode"desenvolvimento",prevalecenesteúltimo,a idéiadeum des- dobramentoemtodasuaextensão,dealgojá pré-formado(Martí, 1991:capo1). Entreospesquisadoresqueadotaramumaperspectivagenéticaemseustrabalhos, encontram-seVygotsky (1896-1934)que enfatizaexplicitamenteo estudode aspectosfilogenéticose ontogenéticosde funçõestaiscomo a linguagemoral e escrita,memória,atençãoe o próprio pensamentoe, os que são considerados precursoresdessesgrandesteóricos- James Mark Baldwin (1861-1934) nosEstados Unidos,PierreJanet(1859-1947)eAlfredBinet(1841-1911)naFrança,eClaparede (1873-1940)na Suíça- precursoresessesqueexerceramconsiderávelinfluência nostrabalhosdosgrandesnomesdaPsicologiadoséculoXX. Nestebrevetexto,tentaremosretraçarpontosdos trabalhosdeWallon e de Piagetquepossamauxiliara ver comoa questãoda gênesesurgenessesimpor- tantesautores.Claro estáqueessecomponentesópodeserentendidoquandose consideranão apenasoutrasdimensõesda obra, mastambémos objetivosque animaramo conjuntode investigaçõesdecadaum dessespesquisadores. 1.Wallon 1.1Fundamentos EsseautorquetantocontribuiuparaostrabalhosemPsicologiaemseupaís, tem merecido certo destaqueentre nós nos meios educativos e entre os pesquisadorese estudiososem Psicologia.Nascido na França,cursouMedicina e Filosofia na bem conhecidaEscolaNormal Superior,em Paris, cidadeonde viveu toda sua vida. Exerceu atividades de médico em diversos campos - psiquiatra, neurologia - principalmente nos hospitais de Paris, vindo a se interessarpelasquestõesda Psicologia.Nessecampo,além de ter ministrado cursosde Psicologiada Criança em famosasinstituiçõescomo a Sorbonnee o CollegedeFrance,fundouo LaboratóriodePsicobiologiada Criançaquevisava arealizaçãodetrabalhosdepesquisaeo atendimentodecriançasditas"anormais". Longe de se mostraralheio aos problemasda áreaeducativa,participou do movimentoda EscolaNova e presidiuumacomissãoqueelaborouumareforma de ensino denominadaLangevin-Wallon que nunca foi implantada;aliás, ele assinalaque são os problemas pedagógicosque desencadearamtrabalhos 171 Pro-posiçOes.v. 12.n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 importantesna áreada Psicologia,lembrandoos estudosdeBinet eSimon assim como os de Decroly na Françae os do entãoInstitutoJean-JacquesRousseau, em Genebra,Suíça com pesquisadorescomo Claparede,Bovet e Piaget (cf. Préface,1941). Em seustrabalhos,Wallon critica as posiçõesidealistasda Psicologiada introspecção,ainda bastanteem vogana virada do séculoXIX para o XX, o positivismode Comte, e asconcepçõesreducionistasque remetema explicação do psiquismoao organismo.Elegeo materialismodialéticocomo fundamento epistemol6gicode sua Psicologiao que o aproximade Vygotsky,seu contem- porâneorusso,emboranãotenham,aoqueparece,tidoconhecimentodostrabalhos um do outro. 1.2 Oestudodapsícogênese No quediz respeitoà psicogênese,nota-seemWallon,umapreocupação tantocomasorigens- fatoquetransparecejá nostítulosdeseuslivrosLes originesdu caracterechezl'enfant(1934),Origensdopensamentona criança (1989 /1945) - como com a evolução de processos psíquicos, com particular ênfaseaos aspectosqualitativos das mudançase transformações.Para ele, a PsicologiaGenética"estudaa evoluçãoda vida psíquicaatravésde suasetapas sucessivas"(Wallon 1986/1951: 182) Entretanto,Wallon assinalaque o estudocientífico da criançatem sido realizadopararesponderquestõesrelativasàsmudançasqueexplicamapassagem ao estadoadulto, com ênfasepa~ticular,para o aspectointelectual dessas transformações.Assim sendo, a criança é consideradacomo uma obra em construção(un chantier=canteirode obras)mas,lembra-nosele,em cadaetapa de seu desenvolvimento,a dita criança funciona como uma construção já terminada,com seusobjetivos,e os meiosde quedispõemparaatingi-Ios;daí a necessidadedeseconsideraresseduploaspecto:o primeiro,relativoà construção emandamentona qualsedefineumaetapacomoum "vir a ser",é do interesse da PsicologiaGenética,enquantoque o segundodiz respeitoà Psicologiada Criança e visaconhecera infânciae as especificidadespr6priasde cadaetapa (Nadel-Brulfert, 1986).Da preocupaçãode Wallon com o estudoda criança, decorremimplicaçõesimportantesna maneirade abordara psicogêneseentre asquaisassinalamosduas:(a) a buscaemestudaro desenvolvimentocomo um todo integrado que abarque diferentes camposfuncionais - motricidade, afetividade,inteligência- relativosàs atividadesinfantis.Trata-seportanto de abordarapsicogênesedapessoaem estreitadependênciacomo o(s) meio(s)no qualelaseinsere;(b) o abandonode umaposição"adultocêntrica"queestudaa criançacomparando-oao adultoou tendoestecomoreferênciaepor issomesmo 172 Pro-posiçOes.v. 12.n. 2-3 (35-36).jul.-nov. 2001 caracterizandoascondutasinfantisemtermosde insuficiênciase falhas.Segundo Wallon, tal posturaobscurecea apreensãodaspeculiaridades,especificidades da criançaem cadaetapa. Além de elegera perspectivagenéticacomo métodode trabalho,Wallon tambémrecorreàs análisescomparativascom referênciasa trabalhosrealizados em outroscamposde estudo:Patologiae Neurologia,camposnos quais traba- lhara,PsicologiaAnimal, com especialinteressepelostrabalhoscom chimpanzés realizadospor Kõhler, Antropologiareferindo-senotadamenteaostrabalhosde Lévy-Bruhlqueforaseuprofessor.Entretantoéno campodaPsicologiadaCrian- ça, com a amplautilizaçãodo materialcoletadoem estudoslongitudinaispor pioneirosdessaáreacomoStern,Preyer,Bühler,Guillaume,queWallon encontra um terrenofértil paraprocederàssuaspr6priasanálises(Galvão,1995:capo1). Para dar conta do desenvolvimento,Wallon identifica etapasou estágios quese sucedemem uma ordemnecessáriae secaracterizampor umaatividade dominanteou função predominante;aquelaque predominouem um estágio serásubstituídapor outra no estágiosubseqüente.O desenvolvimentonão se dá, portanto,de forma linear por adiçãode sistemasmaiscomplexos,ou pelo acréscimodenovascompetênciasmasháumareformulação,um remanejamento ligadoa mudançasdeobjetivosou deutilizaçãodamesmafunçãoOs momentos de passagemde uma etapaà outra sãofreqüentementemarcadospor crisese conflitos, sejade ordem ex6gena,sejade naturezaend6gena;os conflitos são consideradospor Wallon comopropulsoresdo desenvolvimento(Galvão,1995: capo3; 2001, nestevolume). Em síntese,a descriçãodos estágiosse efetua caracterizando-seessasdescontinuidades,conflitos, crisese transformações. Levando-seem contataiscaracterísticasnãoé de se estranharque esseses- tágiossejamdescritosde forma descontÍnuae assistemáticae não de maneira homogêneacomoem Piageta quemWallon, aliás,critica.Em geral,eleprocede a partir de um tipo de atividademostrandosuascaracterísticasem diferentes idadese assinalandoas relaçõesdessaatividadecom outras.Pode-se,resumi- damente,falar em cinco estágios,a saber:impulsivo-emocionalque abrangeo primeiroano de vida, sensório-motoreprojetivoquevai atéos trêsanos,estágio dopersonalismodos três aos seis anos, estágiodo pensamentocategorialdos seisanos aos doze anos, e da adolescência.Na sucessãode estágios,há uma alternânciaentreo afetivoeo cognitivo,ousejadepredominânciafUncional,sendo queadominânciado afetivoécaracterizadapelasrelaçõescomo mundohumano, correspondendoàsetapasdeconstruçãodo eu(cf. 1.3)enquantoqueo cognitivo se volta à elaboraçãodo real e do mundo do conhecimento(Wallon, 1941: Conclusion; Galvão, 1995:capo3). 173 Pro-posições,v. 12,n.,2-3(35-36).jul.-nov.2001 1.3A importânciado outrona gênesedapessoa Na impossibilidadedesintetizarumaabordagemcomplexa,caracterizadapor nuancesematizesvariados,eapenasparailustraraabordagemgenéticadesseautor, vejamosalgunspontos de suaexplicaçãosobrea gênesedapessoa,pois estaé, simultaneamente,um todoqueintegraosdiferentescamposfuncionais(cf. 1.2)mas elamesmaéumcampofuncional. Em trechosde seuslivrose em seubelo artigo"A importânciado outrona consciênciado eu" (1986/1946),Wallon nos fornecealgunselementosrelativos à constituiçãodo eu psíquico pelo outro,pelo socius. Segundoele, o homemé biologicamentesociale o recém-nascido,um ser cujatotalidadedasreações"descontínuase esporádicas(...)devesercompletada, compensada,interpretada" (Wallon 1986/1946:161). Isso significa que a necessidadedo outroestáinscritano orgânico,necessidadeessaque articulao quea criançafaz com as interpretações,modulaçõestrazidaspelo seuentorno. Nos primeirosmesesde vida, no qual a criançaé constantementemanipulada pelo outro, há uma indiferenciaçãoeu-outro,um estadode simbioseafetiva com o meio. Wallon salienta,entretanto,a reciprocidadede basepuramente emotivaqueseestabeleceentreo bebeeos queo rodeiamdandocomoexemplo a precocidadedo sorrisoda criançaem respostaao sorrisoda mãe. É apenasa partir de um ano que seinicia a práticada alternância,instau- rando-sea dualidadeeu-outro,eu-meio;nessemomento,a criançaé alterna- damenteora autor em relaçãoao outro, ora objetodo outro como na açãode dar e receberum tapa,por exemplo.Entretanto,nãohá estabilidadedo eu face ao outro,o que é indispensávelà consciênciado eu. Essesjogosdealternânciapreparamum novo períodono qual o eu toma posiçãofaceao outro,coma conseqüenteinstauraçãodeumacrise:adaoposição ou crisedapersonalidadequese inicia por voltados trêsanosindo atéos cinco anos;considerando-seque a criançase afirma,opondo-sea tudo, é freqüentea ocorrênciadeconflitoscom seusparese comos adultos.Essaatitudesecaracte- riza muitasvezespelo desejode posse,sendoqueo teu,o meucaracterizauma nítida distinção1 posiçãodos personagens.O eu-outrotornam-secomplemen- tares.No decorrerdo tempo,o outropassaa ter substitutos:o espectador,o interlocutor,o companheiro,o parceiroe, maistarde,principalmentena ado- lescência,o grupo. A partirdeumaconsciência"nebulosanasuaorigem",forma-se"um núcleo decondensação,o eumastambémum sub-euou o outro"(ibid: 164).Wallon nos advertetambémparao fato de que esseoutro,nosacompanha,como "parceiro permanentedo euna vidapsíquica"é o quesenotaemmomentosde indecisão elou deliberaçãode algo importanteem adultos,em quesurgemdiálogosmais 174 Pro-posições,v. 12,n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 ou menosexplícitosentreo eue um oponente,fatoquelembraasconversasda criançaconsigomesmapor volta dos três anos (ibid: 165). O outrosubsiste, portanto,sob a forma de um interlocutorabstratonos discursosinternos de cadaum, sobretudoem momentosde conflito. Por esseesboço, delineia-se que a constituição do eu psíquico e sua delimitaçãoé um processolento que passapor diferentesetapas,tendo como condição prévia, a constituição do eu corporal,ou seja, uma integraçãode diferentesimpressõessensoriaisligadasaoterritórioorgânicocoma conseqüente diferenciaçãoentreo que pertenceao mundo exteriore os limites do próprio corpo (Galvão, 1995:50-51). 2.Piaget 2.1Umpoucodehistória. Como é notório, o problemacentraldo conjunto da obra piagetianaé de naturezaepistemológica.Biólogo de formação,preocupadodesdea adolescência comquestõesde ordemfilosófica,decidebastantejovem"consagrarminhavida à explicaçãobiológicado conhecimento"(Piaget,1966:132). Em uma atitude já bastantecrítica em relação às especulaçõesfilosóficas, ao concluir seu doutoradoemBiologiaem 1918,buscaum campoquelhe permitisseencontrar fatosque serviriamde basepara a construçãode sua teoria epistemológica. Depoisdecurtaestadana cidadede Zurich, emsuaSuíçanatal,ondefreqüenta laboratóriosde Psicologiae a clínica psiquiátricade Bleuler,Piagetdirige-sea Paris onde, além de seguir na Sorbonne cursos de grandes filósofos da época - Delacroix, Lalande, Brunschicg - aprende a interrogar doentes no hospital psiquiátricodeSainte-Anne.Entretanto,éno laboratóriodeSimon,colaborador de Binet - psicólogo que havia elaborado testesde inteligência para crianças - que uma oportunidade única é abertaa estejovem, ávido por um trabalho experimental:a de trabalharcom criançasparisiensesem uma escolada rua Granges-aux-Belles.A árduatarefaque lhe foi solicitada- a padronizaçãode testesde inteligênciae maisespecificamentedos testesdo Burt - logo foi por ele transformadaem um trabalhofecundoque deu início a uma correntede pesquisasqueele iria implementare aprimorarduranteváriasdécadas.Ao invés de simplesmentepadronizaros testesde formaa determinarem qual idadeas criançassãocapazesderespondercorretamenteperguntascomoa bemconhecida "Edith é maisloira queSuzannee maismorenaqueLili; qualé a maisloira das três?"passoua "travarcom meussujeitos,conversasdo tipo de interrogatórios clínicos,com a finalidadede descobriralgosobreos processosde raciocínioque seencontravampor detrásdasrespostascorretas,e com um interesseparticular 175 Pro-posiçOes,v. 12,n. 2-3(35-36),jul.-nov.2001 pelosque escondiamas respostaserradas"(ibid: 135).Ao publicar artigosem importantesrevistasa respeitodessesprimeirostrabalhos,Piagetcomeçaa ser lido e (re)conhecidopelospesquisadoresem Psicologia.Entre eles,encontra-se seucompatriotaEdouardClaparede,pesquisadorno campodapsicologiae edu- cação,diretorefundadorem1912do InstitutoJean-JacquesRousseauque,entusias- madopelo trabalhode Piaget,convida-oa trabalharcomodiretorde pesquisas, nessainstituição. Aceitando esseconvite, abria-seao jovem pesquisadoras possibilidadesideaisparalevaravantesuasinvestigações,umavezque,ligadaao Institutoencontrava-sea"MaisondesPetits",umaespéciedeescolaexperimental freqüentadapor criançaspequenas.Ao se instalarem Genebra,Piagetpensava dedicar"algunsanospreliminares"ao estudodo pensamentoinfantil, obtendo assimos dadosde que necessitavaparaa elaboraçãode seutrabalhoem Epis- temologia.Como sesabe,Piagettrabalhoudutanteváriasdécadasem pesquisas nessedomínio, contandocomum grandenúmerodecolaboradorese, apenasem 1955,fundaenfimo CentreInternationald'EpistémologieGenétique,algunsanosapós terpublicadoostrêsvolumesdesualntroductionà IaEpistémologieGénétique(1950). NesseCentre,Piaget realizoupesquisasem verdadeiroespíritode investigação interdisciplinarpois alémde psicólogos,lá sereuniramdurantemaisdevinte e cinco anos,pesquisadoresprovenientesde distintasáreas- Matemática,Física, Filosofia,Lógica,BiologiaeCiênciasSociais-comafinalidadedeestudarquestões epistemológicasde interessecomum. 2,2Epistemologiae Psicologiagenética da inteligência Para abordarproblemasde ordem epistemológica,Piaget coloca sob um novoângulo,as clássicasquestõesfilosóficas:"o queé o conhecimento?"como conseguimosconhecero que conhecemos?",transformando-apara "como se passade um estadode conhecimentode menorvalidadeparaoutro de maior validade?"considerando-secomo de maiorvalidadeo que é admitidoe fixado pelacomunidadecientífica.Com asquestõesassimreformuladas,Piagetelaborou umaepistemologiaelamesmagenéticaprecisandoque"o própriodaepistemologia genéticaédeprocurardescobrirasraízesdasdiversasvariedadesdeconhecimento desdesuasformasasmaiselementaresedeseguirseudesenvolvimentoaosníveis ulterioresatéinclusiveo pensamentocientífico"(Piaget,1970:6).Paraa realização desseprojeto,Piagetlançoumãodedoismétodosprincipais:o métodohistórico- crítico e o psicogenético.O métodohistórico-críticoconsistebasicamenteem procurarnahistóriadaCiência,elementosquecontribuamparaapreendercomo noçõescientíficas - por exemplo, o número, a noção de espaço- seconstituíram, desdesuasprimeirasmanifestaçõesatéo momentoatual.Emboraessemétodo estabeleçaa ascendênciade certosconceitos,estenão permiteque se conheça nem estágiosiniciais nem o nascimentodessesconceitos,uma vezque o pen- 176 Pro-posiçOes.v. 12.n. 2~3(35-36).jul.-nov.2001 samentocientíficoé frutodaelaboraçãodementesadultas.Ora, éessalacunaque serápreenchidapelosfatoscoletadosatravésda investigaçãoem Psicologia,ou maisespecificamente,pelo métodopsicogenético.Ao secompreenderesseobjetivo básico,entendemostambémporquePiagetdirecionouseutrabalhoao estudoda "construçãode todasasnoçõesessenciaisou categoriasdo pensamentodasquais sepoderetraçara gêneseno decorrerdo desenvolvimentointelectualdo indiví- duo,entreo nascimento~a idadeadulta"(Piaget,1973:22).De fato,grandeparte daspesquisasquePiageteseuscolaboradoresempreenderamemumaperspectiva psicogenéticafoi constituídapor estudosexperimentaisvoltadosa temascomo número,espaço,tempo,causalidade,objetopermanente,velocidade,quantidades físicas,acasoe probabilidades,lógicaelementar(classese relações)e lógicado adolescente,bem como estudossobrea memória,percepção,imagemmental. Além destes,tambémrealizou,principalmentena décadade setenta,na última etapade sua vida, um grandenúmerode pesquisasno Centre,a respeitodo funcionamento cognitivo estudandoentão mecanismoscomo a tomada de consciência,a contradição,a generalização,as correspondências,e efetuando estudossobrea equilibraçãoe a abstraçãoreflexiva.Vale notar,portanto,que o projetoepistemológicode Piagetteveimplicaçõesno estudoda psicogênese,ou melhor,na formade abordarasquestõesdessaárea.Destacam-se,as seguintes: 1) no quediz respeitoaosestudossobreasaquisiçõesde noçõesou ascate- goriasdepensamento,o interessenãorecai,comopensamalguns,sobreacriança ouadolescenteenquantosujeitopsicológicomasnaprocuradoquehádecomum, o quehá deconvergentenasrespostasparasedescrevero sujeitoepistêmicoque é umacriança/ adolescentereferencial. 2) contrariandoos métodosde pesquisascomumenteutilizadosno campo da psicologiaaté os dias de hoje, a psicologiagenéticaenfatizao estudode processose nãoderesultados.EssapreocupaçãolevouPiagetaadaptaro método clínico que apresentacomo característicaessencial,a análisequalitativa de respostaso que abre possibilidadesamplaspara o estudo dessesprocessos (Domahidy-Dami & Banks-Leite, 1987). 3) com as questõesnorteadase delimitadaspelo projeto epistemológico, entende-seporqueas questõesde ordemcognitivasemantiveramcomoalvo de atençãopredominante,essencial,e as questõesrelativasao "afetivo"e à esfera moral tenham merecido um tratamento menos importante e até mesmo secundáriopor partede Piaget2. Piagetescreveuumimportantelivrosobreojulgamentomoral(1932)queatéhojeconstituium pontodereferênciabásicoporaosquetrabalhamsobreasbematuaisquestoeséticas:arespei- todoafetivoesobrea relaçãoentreoafetivoeocognitivo.PiagetministrouaulasnaSorbonne. emParis(1954)e teceu.emváriasocasiOes.consideraçOesvariadasqueseencontramem textosesparsos. 177 Pro-posições,v. 12,n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 2,3Ospilaresda teoria:o aspectogenético-estrutural Alémdadimensãogenética,o interacionismo,o construtivismoeo estrutura- lismoconstituemfundamentosbásicosdaobrapiagetiana.Destes,o maisconhecido ediscutidoentrenóséo construtivismo,oradefendido,oracriticadopor leitorese pesquisadoresdedistintasáreasque,geralmente,sereferemmaisàsinvestigações realizadaspor seguidoresdePiagetqueassumemumaposição"construtivista"do queaostrabalhosdePiagetelemesmo.A respeitodo interacionismo,emboraesta sejaumadasdimensõesimportantesda teoriapiagetiana,tantona suavertente epistemológicacomonapsicológica,háindicaçõesdequeteriasidomaispostulada teoricamentedoquedefatoexploradapelograndenúmerodetrabalhosexperimentais efetuadospor Piagetesuaequipe(cf. Ducret,1984;Banks-Leite,1991). As dimensõesgenéticae estrutural,por suavez,aparecemcomo intrinseca- menterelacionadase ocupandode maneiracentralo programade pesquisas empreendidopela Escolade Genebra,sobretudodosanos20 ao 60 do último século. Como sabemos,os famososestágiospiagetianosnão sãocortesarbitrários, nemtampoucoa simplesmarcado aparecimentode tal ou tal condutamasse caracterizampor formasdeorganizaçãoquepossibilitamqueo sujeitoestabeleça umarelaçãocomo realdeum determinadomodo;taisformasdeorganizaçãose apresentamcomoestruturasquetendemasercadavezmaisestáveis,equilibradas. Embora se fale comumente em quatro estágios- o sensório-motor, dividido em seissub-estágios,o pré-operatórioque,porsuavez,sedivideemperíodosimbólico e intuitivo, o das operações concretas e das operações formais - apenas três estruturasforambemdefinidase formalizadaspor Piagetesuaequipe,razãopela qualsedizque,rigorosamentefalando,sóexistemtrêsestágios(cf.Coll & Gillieron, 1987).As trêsestruturassão:ogrupodedeslocamentosevidenciadanosensóriomo- tor,oagrupamentonoestágiodasoperaçõesconcretaseogrupoINRC nasoperações formais.De fato,parasefalaremestágiodeve-sepoderidentificaressaformade organização,ou seja,a estruturasubjacentea diferentescondutas;é necessário tambémsemostrarcomo umaestruturaderivade outraquea precedeuemum nível anteriorde desenvolvimento,superando-ae integrando-a.E, além dessa hierarquizaçãoe integraçãodasestruturas,háumaordemseqüencialconstantena construçãodasmesmas.O casoda seriaçãonospermiteentenderessascaracte- rísticas:seapenasno estágiodasoperaçõesformais,graçasà lógicaproposicional, essencialmenteverbal,o adolescenteconsegueresolvera questãoacimaexposta a respeitoda cor dos cabelosde Lili, Edith e Suzanne,no operatórioconcreto, a criançade 7-8 anosjá procedea umaseriaçãodevaretasde formaoperatória; essascondutas,por suavez,têmsuaorigemno sensóriomotor,quandoa criança apresentaesboçosdeseriaçãodeblocosdediferentestamanhoscolocadosaoacaso 178 Pro-posiçOes.v. 12.n. 2~3(35-36).jul.-nov.2001 um sobreoutros formando uma pirâmide.As estruturasoperatóriasformais remontampois a estruturasanteriores,superandoe englobandoas estruturas quea precedem;ao mesmotempo,nãose pode"saltar"umaetapaindo-sedo sensório-motordiretamenteao formal,por exemplo. Outra pesquisapiagetiananos permitiráentendermelhor a relaçãoque as condutastêmcom umaestruturacaracterísticade um estágio.Tomemosa bem conhecidaexperiênciasobreaconservaçãodasubstância(Piaget& Inhelder,1941), na qual perguntamosà criança,apóster constatadocom ela que "há a mesma quantidadede massinha"em duasbolasde mesmotamanho,sea quantidadese transformaou sepermaneceinalterada,ao modificarmosa formade umadelas, alongando-aou dividindo-aempedacinhos.As respostasencontradasemcrianças dediferentespartesdo mundosãobemconhecidas:antesdos7-8 anos,ascrianças negama equivalênciade quantidadequandoumadasbolinhasfoi alteradae a partir dessaidade surgemrespostasde conservaçãocom seusargumentosde identidade,reversibilidadee compensação.Tais respostasconstituemum indício dequea criançaestáno estágiodasoperaçõesconcretaspois elassecaracterizam por uma estrutura,no casoo agrupamento.O que deveefetuarmentalmenteosujeito para responderas questõessobrea quantidadede massasegundoum postuladodeconservação?Eleconsideraaaçãodireta(transformaçãodabolinha) esuainversa(voltaaoestadoinicial)comoumaoperaçãoexecutadanosdoissentidos, ouseja,umaoperaçãoreversível.Elecompensaasrelaçõesenvolvidas- ocomprimento eaaltura,umabolagrandeversusváriasbolinhas,etc.,eefetuaumaoperaçãoidêntica expressanos argumento "é a mesmamassinha;não se tirou nada, nem se acrescentounada".Enfim, o queverificamoséqueo sujeitorealizaaçõesinterio- rizadasquetêmcaracterísticasbemdefinidaseaestruturadeagrupamentointerpreta e formalizaem termoslógicos,tais ações(Piaget,1947:capo2). As estruturas representamportanto, as possibilidadesde agir e operarsobreo real, são as capacidadesou "competências"do sujeito,descritase interpretadassoba forma deum sistema. O importanteéqueparaPiaget,estruturaegênesesãodimensõesquecaminham juntaseelesepronunciouváriasvezesaesserespeito.Valelembrarque,emalguns períodosdo séculoXX, particularmentenadécadadesessenta,houveum intenso debateemtornodo estruturalismo,envolvendopesquisadoresdediferentesáreas. Foi, de fato, outro ilustre suíço - Ferdinand de Saussure- que, em Lingüística, introduziua idéiade estrutura(termoessequenãoutilizou)ao tratarda língua comosistema.Além de Piaget,em Psicologia,outrosnomesimportantescomo Lévy-StraussemAntropologia,Bourbakyem Matemática,Lacanem Psicanálise empregarama noçãode estruturaemseustrabalhos.Em um encontrorealizado emParisa respeitodeestruturalismoe gênese,Piagetdefiniu bemessasnoções: "definireiestruturaemsuaformamaisampla,comoumsistemaqueapresentaleis 179 Pro-posições, v. 12.n. 2-3 (35-36).jul.-nov.2001 oupropriedadesdetotalidadecomosistemas(..)taisleisdetotalidadesãodistintas dasleisou propriedadesquepertencemaoselementosprópriosdo sistema".Por suavez,"gêneseé um certotipo detransformaçãoquepartedeum estadoA para um estadoB, sendoestemaisestáveldo queA" (Piaget1975/1966:67-68). É nessemomentoque Piagettambémcomentae criticaos trabalhosque trazema idéiadeestruturasemgênese- casodateoriadaGestalt,por exemplo- eos que tratamda gênesesemestrutura,que é o casode grandeparte de teoriasdo desenvolvimentopsicológico,inclusiveateoriapsicogenéticadeWallon. 3.ConsideraçOesfinais Por essabrevesíntesede algunsaspectosdas teoriasde Wallon e Piaget, ilustramoscomo cadaum abordaa dimensãogenéticae comoestaserelaciona com outros pontos de suasformulaçõesteórico-metodológicas. Se, paraambos,a adoçãode umaperspectivagenéticasignificaenfatizaro estudode mudançase transformaçõesprópriasao desenvolvimentohumano, cada quadro teórico se propôs atingir objetivos bastantedistintos: Wallon procurourealizarum estudobastanteabrangente,qual sejao dapsicogêneseda pessoa,tentandointegrardiferentescamposfuncionais;enfatizouigualmenteo estudo da criança, considerando o significado e as implicações de formas específicasde funcionamento em cada etapa. Piaget, orientado por uma preocupaçãoepistemológica,restringeseu trabalho ao estudoda gênesedo conhecimentoou do desenvolvimentocognitivo. Além disso,encontramosemWallon um conceitode etapaou "'idades"que nãoseatrelamà idéiadeestruturaou outro elementointerpretativodascaracte- rísticasde cadaestágio.Ao contrário,em Piaget,o aspectogenéticose associa intrinsecamenteao estruturalpois todaestruturatemumagênesee todagênese partedeumaestruturaedesembocaemoutraestrutura(Piaget,1975/1966:71-73).Em relaçãoàs questõesde ordemcognitiva,uma perspectivaestruturalistapermite determinaros limites inferiorese superioresdaspossibilidadesdo sujeito para cadaproblemae a cadanível de desenvolvimento,alémde sugerircomparações entrecondutasqueaparentementenãotêmligaçõesentresi (Inhelderetalii, 1987/ 1976). Porúltimo,noquediz respeitoaosfatoresquepermitementenderasmudanças própriasàgênese,vimoso quantoWallonenfatizao "social"comoconstitutivodo eu,ouseja,dagênesedapessoahumana,"social"essequeadquiredistintasfacetas. Em Piaget,sabe-sea importânciaatribuídaà equilibração,quejuntamentecom outros três fatoresfreqüentementerealçadospelos psicólogos- maturação, experiênciafísica e transmissãosocial - é o que permite a passagemde um estágioaoutroedáumadireçãoaodesenvolvimento.A respeitodaequilibração,é 180 Pro-posições,v. 12,n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 importantesalientar-seque,emborasejaummecanismodeorigemendógena,este nãoédeterminadoporfatoreshereditáriosnoquediz respeitoaosconteúdosouao acabamentodasestruturas.Poressarazão,asexplicaçõespiagetianasdagênesedas estruturasnãodevemserconfundidascom aspropostasdasteoriasinatistasou preformistastãoemmodanosdiasatuais(Piaget,1936:Conclusões). Referênciasbibliográficas Banks-Leite,L. As dimensõesinteracionistaeconstrutivistaemVygotskyePiaget. 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