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IESB- PENAL I - 1ª aula

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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA
CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
PROF. PAULO EMÍLIO
DIREITO PENAL I –
AULA I
I – DA CONCEPÇÃO DE DIREITO
PENAL
De início, devemos recordar o conceito de Direito, a par das inúmeras discussões acerca da imprecisão do conceito e mesmo acerca da sua cientificidade.
Neste ponto, temos presente a definição de FRANCO MONTORO�, abrangente das diversas acepções do termo cinco sentidos básicos, quais sejam:
1) o direito enquanto norma ou lei (Dogmática jurídica);
2) direito como ciência (epistemologia jurídica);
3) direito enquanto acepção de justo (viés axiológico);
4) direito enquanto faculdade (teoria dos direitos subjetivos);
5)direito como fato social (campo sociológico).
 
De outro lado, merece menção a clássica definição do saudoso Professor Miguel Reale�, que conceitua o direito como “ordenação heterônoma e coercível da conduta humana”. Donde se vê que a heteronomia e a coercibilidade se apresentam como características elementares da definição. Heterônomo porque imposto pelo Estado (na clássica distinção operada por Kant, em que a Moral é autônoma porque a validação de suas normas se dá pelo próprio indivíduo, que as aceita ou não; conquanto o Direito é heterônomo porque as suas regras devem ser observadas pelos indivíduos, independente de sua concordância). Coercível porque se expressa por meio de normas cogentes, de observância obrigatória, sob pena de resultar na aplicação de sanção legítima por meio do instrumento estatal.
Deve-se relembrar, ainda, que o Direito enquanto ciência normativa (dever-ser), rege-se pela lei da imputação, segundo a qual: “dado determinado fato, deve ser determinado comportamento. Não ocorrendo tal comportamento, deve ocorrer a sanção, ou a conseqüência do não atendimento à prescrição normativa”�.
O Direito Penal (positivo), na definição de Bettiol1 “é o complexo de normas positivas que disciplinam a matéria dos crimes e das penas”. Nesse conceito clássico, entendemos que deva se acrescentar, além das penas, as medidas de segurança (que são impostas aos inimputáveis em razão da prática de um crime), à vista de que a sua aplicação também importa na restrição da liberdade, constituindo-se, pois, afeto ao objeto do Direito Penal.
Na precisa lição de Frederico Marques�, o Direito Penal é: “o conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena, como conseqüência, e disciplina, também, outras relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade de medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado”.
Assim, vemos que é o segmento do ordenamento jurídico que tem a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves, capazes de colocar em risco a própria convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes as respectivas sanções, além de estabelecer as regras de aplicação sistemática das normas penais. (Ou seja, formam o Direito Penal positivo tanto a normas que descrevem crimes, como as demais que definem a tentativa, o crime culposo, e as causas de exclusão da antijuridicidade, por exemplo).
Por fim, cabe dizer que o Direito Penal abrange, ainda, os princípios insertos no Código Penal e na Constituição Federal que visam estabelecer limites à aplicação das penas e os critérios de vigência das normas penais, tais como: o princípio da reserva legal, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, o princípio da proporcionalidade entre o crime e a penas, dentre outros que serão oportunamente abordados neste Curso.
Nesse passo, basta, por ora, verificar o teor do artigo 1º do Código Penal, que dispõe:
“Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Tal disposição comporta o princípio da reserva legal.
Com tais considerações, pode-se concordar integralmente com o amplo conceito talhado por Paulo Queiroz�, segundo quem podemos conceituar Direito Penal: “sob o aspecto formal, como o conjunto das normas jurídicas que, materializando o poder punitivo do Estado, definem as infrações penais (crimes – ou delitos – e contravenções), com a indicação das sanções correspondentes (penas, medidas de segurança ou outra conseqüência legal) fixam, simultaneamente, os princípios e garantias fundamentais do cidadão perante o exercício desse poder, ao tempo em que cria os pressupostos da punibilidade e delimita o nível de participação da vítima no conflito”.
A ciência penal, por sua vez, tem por objeto as normas penais positivas, buscando a razão, a essência e o alcance das normas jurídicas. Vai além, procurando estabelecer critérios de justiça igualitária.
Assim, de pronto, identificamos dois aspectos do conceito de Direito Penal, que merecem análise:
- DIREITO PENAL POSITIVO – é o conjunto de normas positivadas, incriminadoras ou não, que tratam dos crimes e contravenções e das penas e medidas de segurança. Em suma, é a legislação penal em vigor. Cabe antecipar que as normas penais não se restringem as normas penais ao Código Penal, uma vez que as encontramos em outras leis (tais como Código do Consumidor, Lei de Licitações, etc).
- DIREITO PENAL SUBJETIVO – Uma vez que ocorra a infração à norma penal prevista em abstrato (integrante do Direito Penal Objetivo), reunindo-se os elementos configuradores do crime, nasce, de pronto, o direito de punir (jus puniendi) do Estado.
- O Jus Puniendi é direito exclusivo do Estado e contrasta com o direito subjetivo de liberdade de cada cidadão (Status Libertestado de liberdade), que é o direito de somente ser punido nos casos expressamente previstos como crime ou contravenção�.
I.I – CARACTERÍSTICAS (OU CARACTERES) DO DIREITO PENAL.
Ultrapassadas as lições acerca do conceito e dos aspectos do Direito Penal, cabe estudar quais são as características que apresenta.
1) DIREITO PÚBLICO
2) FRAGMENTÁRIO
3) SANCIONATÓRIO
1) É ramo do Direito Público, uma vez que suas normas são indisponíveis e, ainda, por ser o Estado o titular exclusivo do Jus Puniendi, figurando como sujeito passivo constante nas relações jurídico-penais.
2) É fragmentário, porque não constitui sistema exaustivo de proteção aos bens jurídicos, sendo pelo contrário, o último setor jurídico de proteção (ultima ratio). 
FRAGMENTARIEDADE. – Direito Penal deve incriminar apenas as ofensas a bens jurídicos fundamentais
SUBSIDIARIEDADE – função meramente suplementar do Direito Penal.
INTERVENÇÃO MÍNIMA.
Segundo Fernando Capez�, o caráter fragmentário aponta que o Direito Penal somente pode intervir quando houver ofensa a bens fundamentais para a subsistência do corpo social, daí decorre que o Direito Penal é também subsidiário, pois exerce uma função meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de suas sanções quando os demais ramos do direito não se mostrem suficientemente eficazes na defesa dos bens jurídicos. Esse caráter conduz, ainda, à intervenção mínima.
A subsidiariedade, portanto, sobressai do fato de que o Direito Penal serve-se como reforço à proteção conferida aos mesmos bens jurídicos pelas demais áreas do Direito.
Assim, a vida, a liberdade e a propriedade, por exemplo, enquanto bens jurídicos, recebem limites, propriedades e proteção do Direito Civil (na medida em que ali se prevêem normas destinadas a definir e proteger tais bens jurídicos). Ao Direito Penal, portanto, caberá a última proteção, a ser aplicada nos casos de ataques mais extremados àqueles mesmos bens jurídicos.
Valendo-nos do exemplo, em relação à posse e propriedade de bens, o Direito Civil outorga ao proprietário ou possuidor o direito de reivindicação, de valer-se dos interditos possessórios, e outros direitos inerentes à proteção da posse. O Direito Penal, por sua vez, estabelece, quanto ao mesmo bem jurídico (propriedade) as sanções decorrentes das maiores violações, no momento em que prevê o crime de furto, de roubo (bens móveis) – art. 155 e 157 do CP – e esbulho possessório (imóveis) – art. 161, II do CP.
Nas palavrasde Guilherme Nucci�, “o direito penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentário, ou seja, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade, passíveis de causar distúrbios de monta à segurança pública e à liberdade individual. Outras questões devem ser resolvidas pelos demais ramos do direito, através de indenizações civis ou punições administrativas” 
Assim, vale a análise da recente descriminalização do adultério. É certo que já não persistia a necessidade de tipificação do adultério como crime, uma vez que o Direito Civil já dispunha de medidas eficazes de preservação da fidelidade conjugal e, por fim, da instituição jurídica do casamento. Por tal razão, veio a lume a Lei 11.106/2005, revogando o crime de adultério, anteriormente previsto no art. 240 do Código Penal.
Diga-se, por fim, que o caráter subsidiário do direito penal deve ser preservado, sobretudo na medida em que se sabe que tal ramo do direito constitui a forma mais violenta de intervenção do Estado na vida dos cidadãos, na medida em que pode tolher a sua liberdade de locomoção.
Tais discussões têm se revelado pertinentes e atuais na prática diária dos Tribunais, levando, dentre outros efeitos, à discussão da efetividade de aplicação de penas em crimes de pequena monta (crime de bagatela), para se concluir que tais infrações, por sua pouca repercussão, devem ser punidas somente por outras áreas do Direito (ponto para reflexão e discussão: furto de 01 frasco de xampu).
Do que se viu, pode-se inferir que o Direito Penal que preserve suas características de fragmentariedade e subsidiariedade devem ser minimamente intervencionista (isto porque, o legislador penal somente se importará em criminalizar as condutas socialmente mais lesivas). Todavia, em que pese o Direito Penal Brasileiro ter a tradição de ser minimamente intervencionista, em tempos recentes, temos visto maior intervencionismo, com o aumento da definição de crimes pelo legislador.
Em resumo: Do caráter fragmentário do Direito Penal decorre que:
a) A lei penal deve incriminar apenas as condutas que agridem o bem jurídico de forma mais grave;
b) Nem todas as condutas ilícitas à luz de outros ramos do direito devem ser tipificadas crime, apenas as mais graves.
c)A lei penal não deve incriminar condutas que: não tenham conteúdo material de crime, ações que sejam meramente imorais, como a homossexualidade ou o incesto, por exemplo (quanto ao conteúdo material de crime, voltaremos mais adiante).
- Temos também que o Direito Penal é sancionatório, na medida em que complementa a eficácia da proteção dos bens jurídicos, estatuídas por outros ramos do Direito (definidos, portanto, por normas extra-penais). Ou seja, os ilícitos penais comumente serão ilícitos também em outras áreas do Direito. Ilustrando, coloca-se que a criminalização do furto é complemento à tutela que o direito civil defere à propriedade.
III – DA FUNÇÃO ÉTICO-SOCIAL DO
DIREITO PENAL.
A função do Direito Penal é a de proteger os valores fundamentais para determinada sociedade. Bens jurídicos de maior relevância, tais como: a vida humana, a liberdade e a propriedade são resguardadas por essa seara do Direito.
Toda ação humana pode ser observada por dois prismas valorativos distintos. Pode ser observada em face da lesividade do resultado (desvalor do resultado) e sob o espectro da reprovabilidade da ação em si mesma (desvalor da ação). O Direito Penal estabelece o juízo de valor através da observação da ação e do resultado.
Por estabelecer e sancionar as lesões contra os deveres éticos e sociais, o Direito Penal revela outra função, que é a de formação do juízo ético da própria sociedade e o de controle social, na medida em que o detentor do poder político pode, observados os limites e garantias fundamentais, eleger comportamentos que pretenda promover e outros que pretenda reprimir.
Assim, temos todos a clara noção de que a conduta de “matar alguém” é crime, pois fomos educados a isso desde a infância e, ainda, porque em todas as nações civilizadas, o homicídio indiscriminado é crime. Os crimes “mais novos” demandam certo tempo até formarem o juízo claro em todos os cidadãos, isso ocorre até mesmo entre técnicos especializados. 
Resumindo: as funções do Direito Penal são: 1) a de maior proteção dispensada aos bens jurídicos mais valiosos; 2) manutenção da paz social; 3) formação do senso ético da sociedade.
IV.A – O DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
O constituinte de 1988 estabeleceu o perfil político do Brasil como o de um Estado Democrático de Direito. Está na nossa Constituição:
“Art 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania.
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana.
IV – os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa.
V – o pluralismo político”.
O que isso quer dizer? Quer dizer que o Brasil adota o modelo político de Estado Democrático de Direito e, de tal configuração, decorrem diversas garantias e liberdades a todo e qualquer cidadão.
Há muito tempo atrás, o que ocorria? Ou se nascia nobre ou se nascia pobre. O nobre tinha direito de ir à ópera, de ir aos banquetes, de cortejar as belas moçoilas. O pobre não tinha direito algum e ficava ao bel-prazer do monarca ou, na Idade Média, do senhor feudal, sem qualquer garantia. O monarca e o senhor feudal podiam determinar a pena de morte, a expropriação de bens, sem qualquer controle de tais vontades. Pressupunha-se que o monarca era investido de seus poderes por meio de designação divina e, portanto, inquestionável.
Com a Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, operou-se uma reviravolta. A base da economia não se limitava à agricultura, mas expandia-se para a manufatura nas fábricas e a população voltava-se para os grandes centros urbanos. Assim, ocorreu que os proprietários de terras (nobres) empobreciam e os comerciantes (burgueses) enriqueciam dia-a-dia.
Nesse clima histórico surgiram pensadores políticos como ROUSSEAU�, LOCKE� e MONSTEQUIEU�, com suas célebres teorias, de ordem contratualista (segundo a qual o Estado se forma por meio de um Contrato Social, ou seja, um pacto entre todos os seus integrantes, consubstanciado na figura estatal). Por ser decorrência de contrato (acordo de vontade de todos os homens), atuava como forma de limitação ao poder absoluto do monarca e seu séqüito. Concluíram os pensadores que o ser humano tinha direitos inerentes à sua própria natureza, que não poderiam ser desconsiderados solenemente pelo monarca, (direitos naturais ou jusnaturalismo e direitos humanos), como, por exemplo, o direito à vida, à propriedade e à liberdade, e o princípio do nullum crime sine lege.
Nesse mesmo contexto, começam a surgir as Constituições escritas, como forma de selar o referido contrato social e, ainda, as Declarações de Direitos, como forma de erigir os direitos ínsitos à condição humana e que, portanto, deviam ser obrigatoriamente observados em qualquer nação e por todos os Estados.
A burguesia enxergou na nova filosofia política, exatamente o que ansiava: limitação dos poderes do monarca. De que forma? Adotando-se o critério da igualdade formal: “todos são iguais perante a lei”.Essa é a essência do Estado de Direito – o império das leis.
Nesse quadro, válida foi a contribuição de Montesquieu que idealizou a divisão dos Poderes do Estado, conforme as funções precípuas. Assim, o Poder do Estado deveria ser exercido paralelamente por órgãos encarregados das funções Executiva, Legislativa e Judiciária, em um sistema de freios e contrapesos, de forma que nenhum dos Poderes pudesse se sobrepor aos demais.
Todavia, o Estado de Direito, como concebido, não impunha qualquer limite ao conteúdo material às leis que fossem validamente produzidas pelo órgão competente (Legislativo). Assim, não vedava que o poder político estipulasse determinados comportamentoscomo crime, desde que se observasse a necessidade da edição de Lei. A mera subsunção formal ao tipo legal gerava a aplicação eficaz da sanção, independente do conteúdo da norma penal. No Estado de Direito primava-se pela igualdade formal de todos perante a lei tão somente, de modo a impor que a lei devesse se dirigir de forma geral e impessoal a todos os seus destinatários. Todavia, ocorre que as normas embora genéricas e impessoais, podem ser socialmente injustas quanto ao seu conteúdo.
Assim, como afirmado por Capez o Estado de Direito “é expressão que caracteriza garantia inócua de que todos estão submetidos ao império da lei, cujo conteúdo fica em aberto, limitados apenas à impessoalidade e à não-violação das garantias individuais mínimas”.�
O Estado Democrático de Direito compõe, nessa sucessão histórica, um passo subseqüente na evolução do conceito de Estado de Direito, na medida em que impõe a observância valores e a busca de metas quanto à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, determinando que, além da submissão de todos ao império da mesma lei, as leis penais devem ter conteúdo material e adequação social, descrevendo como infrações penais somente fatos que lesam ou colocam em perigo bens jurídicos fundamentais para a sociedade, sem o quê a norma se configurará como atentatória aos princípios básicos da dignidade humana (Art. 1º, inciso III da CF/88).
O exemplo é de Fernando Capez: “imaginemos um tipo com a seguinte descrição: “manifestar ponto de vista contrário ao regime político dominante. Pena – 6 meses a 1 ano de detenção”. Ainda que formalmente válido e veiculado em lei, materialmente esse tipo não poderia subsistir por ferir o princípio da dignidade humana, uma vez que de tal comportamento não se percebe qualquer lesividade a bem jurídico. Permito-me aludir a outro exemplo. Imagine-se o legislador tipificasse como crime “Ser professor do IESB. Pena - reclusão de 3 a 15 anos e multa”. Da mesma forma, a lei seria formalmente válida, mas não haveria conteúdo material de crime na conduta tipificada, uma vez que a conduta (ser professor do IESB) não tem qualquer potencial de lesividade a qualquer bem jurídico, sendo, ao contrário, um comportamento que deva ser incentivado e não reprimido.
IV. B) PRINCÍPIOS TRADICIONAIS APLICÁVEIS AO DIREITO PENAL. 
Há outros princípios, tradicionalmente reconhecidos pela doutrina penalista, e que convolam garantias individuais dos cidadãos em face ao Estado, dentre os quais cumpre destacar:
Princípio do “non bis in idem” – proíbe que qualquer pessoa seja processado e punido pelo mesmo fato criminoso. Assim, por exemplo, o autor de um homicídio somente pode ser julgado e punido uma única vez, dentro das penas estipuladas no art. 121 do Código Penal.
Princípio da legalidade – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (Art 1º, CP e Art 5º, XXXIX, CF)
Princípio da anterioridade – lei penal que defina crime somente pode ser aplicada aos fatos que ocorram após o início da sua vigência
Princípio da Personalidade ou responsabilidade pessoal – A punição, em matéria penal, não pode ultrapassar a(s) pessoa(s) do(s) delinqüente(s) (Art 5º, XLV, CF)
Princípio da individualização da pena – Significa que a pena não pode ser padronizada, mas deve atender à exata medida da gravidade do fato criminoso que praticou, variáveis dentro dos limites de pena previsto no dispositivo legal (norma penal incriminadora) 
IV. C) O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E PRINCÍPIOS DELE DECORRENTES.
Como visto, a forma de Estado Democrático de Direito se funda, dentre outros, no princípio da dignidade humana.
Tal princípio, de formulação ainda em estágio de definição, já é tido por uns como “valor supremo da democracia”�, mas que pode ser melhor identificado nas lições do Prof. Luís Roberto Barroso�, nestes termos: “O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a este princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar.”
 Assim, de fato, julgamos correta a corrente que proclama a relevância do princípio da dignidade humana na interpretação e aplicação do Direito Penal em consonância com a Constituição e com o Estado Democrático de Direito. Nessa concepção, o Estado, como figura política, e o Direito têm função meramente instrumental, na medida que devem se valor como meio de consecução e promoção da justiça social e da dignidade humana; e garantista, de forma que deva observar e velar pelas garantias e liberdades individuais, servindo-se como um agente promotor do bem-estar social.
Vale antecipar que do princípio da dignidade humana, como carro-chefe, decorrem diversos outros princípios, tais como: legalidade, insignificância, alteridade, lesividade, dentre outros.
Sobre o princípio da insignificância, vimos que, por seu caráter subsidiário, o Direito Penal não deve se ocupar de lesões mínimas aos bens jurídicos tutelados, ou seja, não deve se ocupar de miudezas, reveladas por ações que possam ser sancionadas, de forma eficiente, por outras áreas do direito. Assim, portanto, submeter o agente que subtrai, sem qualquer violência, um frasco de xampu, à sanção prevista no art. 155 do Código Penal é tido por submetê-la a constrangimento violador de sua dignidade humana.
De se dizer que a jurisprudência nacional já se consolidou no sentido de reconhecer a plena existência do referido princípio, como se vê claro no acórdão proferido no HC 92.463 do Supremo Tribunal Federal, a seguir:
“Princípio da insignificância — Identificação dos vetores cuja presença legitima o reconhecimento desse postulado de política criminal — Conseqüente descaracterização da tipicidade penal em seu aspecto material — Delito de furto simples, em sua modalidade tentada — Res furtiva no valor (ínfimo) de R$ 20,00 (equivalente a 5,26% do salário mínimo atualmente em vigor) — Doutrina — Considerações em torno da jurisprudência do STF — Pedido deferido. O princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal. O princípio da insignificância — que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal — tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado — que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada — apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O postulado da insignificância e a função do direito penal: de minimis, non curat praetor. O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor— por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes — não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social." (HC 92.463, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-10-07, DJ de 31-10-07)
Quanto ao princípio da alteridade, colhe-se que a conduta tida por crime deva implicar na ofensa de bem titularizado por outra pessoa ou pela coletividade. Por esse mesmo motivo, não se pode incriminar condutas, ainda que lesivas, se atacam somente bem jurídico do próprio agente. (Ninguém pode ser punido por ter feito mal a si só) Por tal diretiva, não se criminaliza (nem se poderia fazê-lo), por exemplo, a tentativa frustrada de suicídio.
Do influxo desse novo princípio sobre o nosso Direito Penal, muito se discutiu recentemente acerca do uso de entorpecentes, na medida em que alguns grupos de pressão concluíram o simples uso de tóxico não seria comportamento que transcendesse a pessoa do usuário. Houve, de início forte resistência em se acolher tal argumento, à vista de que o porte de entorpecente, destinado ao uso do próprio portador (anteriormente previsto no art. 16 da Lei 6.368/76) teria o condão de colocar em risco a saúde pública e a paz social, enquanto bens jurídicos da coletividade, o que importa em dizer que havia, sim, alteridade a justificar a criminalização de tal conduta.
Válido anotar, todavia, que o próprio STF, atento ao referido princípio da alteridade, considerou não caracterizar crime a conduta do agente que imediatamente após receber a droga de terceiro, a consome prontamente. Na hipótese, decidiu-se que: “não constituído delito de posse de droga para uso próprio a conduta de quem, recebendo de terceiro a droga, para uso próprio, incontinenti a consome.”�. De todo modo, o que se assiste nos dias presentes é que tal posição tocou fundo no próprio legislador, de forma que se editou nova legislação (Lei 11.343/2006, art. 28), em que se expeliu a possibilidade da imposição de privação de liberdade ao porte destinado somente ao consumo pessoal do próprio agente.
Princípio da lesividade ou ofensividade: Segundo tal princípio, não há crime quando a conduta, ainda que descrita na norma penal, não tenha resultado em lesão ou ao menos perigo real, concreto e efetivo ao bem jurídico. [Por tal princípio, não se admitiria a existência de crimes de perigo abstrato, onde o perigo ao bem jurídico é presumido na norma e independe de comprovação.]
A adoção de tal princípio pelo nosso ordenamento penal ainda é controversa, carente de limites bem traçados de sua aplicação.
Houve, inclusive, recente julgado do Supremo Tribunal que surpreendeu por aplicar tal princípio em um caso concreto. “Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, ainda que de forma individual, a inconstitucionalidade da criminalização da conduta consistente em porte de arma de fogo desmuniciada. (art. 10 caput e § 4º da Lei 9.437/97) (vide STF, RHC 81.057) (Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena - detenção de um a dois anos e multa) Tratava-se de pessoa, já anteriormente condenada por crime contra o patrimônio, que trazia consigo arma de fogo desmuniciada à cintura, sem a licença da autoridade competente.No referido julgamento, o STF discutiu, com posições fundamentadas em ambos os lados, se a conduta de portar arma sem munição, desde que não exista munição disponível ao alcance do agente, não traduzia lesividade a qualquer bem jurídico, e, portanto, a referida conduta não teria conteúdo material de crime.
Vê-se do voto do Min. Sepúlveda Pertence “30. Se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo. 31. Ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica”.
___________________________________
De tudo o que se viu acerca do Direito Penal e do Estado Democrático de Direito, podemos sintetizar:
1) O Direito Penal Brasileiro somente pode ser concebido à luz do perfil constitucional do Estado Democrático de Direito, por força da previsão inserta no art. 1º, III da Constituição Federal.
2) Do Estado Democrático de Direito, temos que deve ser observado o princípio da dignidade humana, de modo que a incriminação que não observe tal princípio será materialmente inconstitucional.
3) Da dignidade humana, derivam outros princípios constitucionais, cuja função é limitar a liberdade de seleção típica (incriminação) pelo legislador, buscando, com isso, a observância do conteúdo material do crime (conduta que apresente lesividade efetiva ou potencial a um bem jurídico fundamental e, em conseqüência, seja potencialmente lesiva à ordem e paz sociais).
4) Tais contornos tornam o tipo legal uma estrutura bem distinta da concepção meramente descritiva, adotada no século passado (de modo que a incriminação de um fato comporta uma discussão axiológica ou valorativa).
� MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, passim
� REALE. Miguel. Lições Preliminares de Direito, 6ª edição, São Paulo:Saraiva, 1979, p. 49
� GUERRA. GUSTAVO RABAY. Repensando a Pesquisa em Direito”
� Tratado de Direito Penal, Ed. Bookseller, 1997, p. 24
� Direito Penal – Parte Geral, Ed. Saraiva, pp. 04-05.
� Nos crimes de ação privada, não é o direito de punir que é transferido ao particular, mas apenas o direito de perseguir em juízo (jus persequendi in juditio), pois o poder de punir é indelegável, sendo, repita-se, privativo do Estado.
� In ‘Curso de Direito Penal’ – Parte Geral, vol. 1, pp. 4 e ss.
� NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 2ª edição, São Paulo: Ed. RT, p. 71. Válido anotar que o referido autor entende a fragmetariedade como princípio de Direito Penal, e não como uma de suas características, classificação com a qual não concordamos. De todo modo, tal variação em nada afeta a sua conceituação, aqui referida.
� ROSSEAU, Jean Jacques. “Do Contrato Social”
� LOCKE. Jonh. “Segundo Tratado sobre o Governo”
� MONTESQUIEAU. O Espírito das Leis
� op. cit. p. 09
� V. SILVA, José Afonso da.
� BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 6, setembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 25 de janeiro de 2005
� STF, 1ª Turma, HC 189/SP. DJU 09-03-2001, p. 103

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