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Os Nu´meros Reais III NA 3 Notas de Aula 3 – Os Nu´meros Reais III Introduc¸a˜o O principal objetivo destas NA3 e´ apresentar mais uma diferenc¸a im- portante entre o conjunto dos nu´meros racionais Q e o conjunto dos nu´meros reais R. A saber, Q e´ um conjunto infinito e enumera´vel enquanto que R e´ um conjunto infinito e na˜o enumera´vel. Como consequeˆncia desses resulta- dos tem-se que o conjunto dos nu´meros irracionais, geralmente denotado por R \Q ou R−Q, e´ infinito e na˜o enumera´vel. (1) Estas NA3 cobrem a maioria dos resultados apresentados da Aula 3 do Mo´dulo 1 do livro-texto, Ana´lise Real. Conjuntos Finitos e Infinitos Enumerar ou contar os elementos de um conjunto e´, sob a perspectiva matema´tica, estabelecer uma correspondeˆncia biun´ıvoca entre um subcon- junto do conjunto entre os nu´meros naturais e os objetos do tal conjunto. Definic¸a˜o 3.1 1. Diz-se que o conjunto vazio ∅ tem 0 elementos. 2. Dado n ∈ N, diz-se que um conjunto A possui n elementos quando existe uma bijec¸a˜o (2) do subconjunto Nn := {1, 2, . . . , n} de N em A. Se A possui n elementos, diz-se que n e´ a cardinalidade de A e denota-se, n = #(A). 3. Um conjunto e´ dito finito quando e´ vazio ou possui n elementos, para algum n ∈ N. 4. Um conjunto A e´ dito infinito se ele na˜o e´ finito. Como a inversa de uma bijec¸a˜o e´ uma bijec¸a˜o, segue que o conjunto A tem n elementos se, e somente se, existe uma bijec¸a˜o de A sobre Nn. Do mesmo modo, como a composisa˜o de duas bijec¸o˜es e´ uma bijec¸a˜o, tem-se que um conjunto A tem n elementos se, e somente se, existe uma bijec¸a˜o de A sobre um outro conjunto B que possui n elementos. Ale´m disso, um conjunto 1O primeiro matema´tico a publicar este resultado foi Georg Cantor (1845-1918). 2Revise os conceitos de func¸a˜o, func¸a˜o injetiva, func¸a˜o sobrejetiva e func¸a˜o bijetiva (bijec¸a˜o) em algum livro de Ca´lculo ou de A´lgebra. 1 CEDERJ Elementos de Ana´lise Real Os Nu´meros Reais III C e´ finito se, e somente se, existe uma bijec¸a˜o de C sobre um conjunto D que e´ finito. Uma vez apresentada a definic¸a˜o matema´tica do que significa um con- junto ter n elementos e´ preciso, antes de mais nada, que se verifique a unici- dade deste n, isto e´, que se garanta que um mesmo conjunto na˜o possui, de acordo com a definic¸a˜o, mais de um valor para a sua cardinalidade. Ale´m disso, e´ preciso mostrar que a definic¸a˜o acima implica que N e´ infinito, uma noc¸a˜o primitiva, aceita e comentada desde o in´ıcio da viveˆncia escolar, que deve ser corroborada pelo conceito acima estabelecido. Teorema 3.1 (Unicidade) Se m,n ∈ N e m < n enta˜o na˜o existe bijec¸a˜o f : Nm → Nn. Em particular, se A e´ finito enta˜o o nu´mero natural #(A) e´ u´nico. Prova: Sejam m,n ∈ N, com m < n. Supo˜e-se por absurdo, que existe uma bijec¸a˜o f : Nm → Nn. Enta˜o, o conjunto C dos n ∈ N para os quais existem m < n e uma bijec¸a˜o entre Nm e Nn e´ na˜o-vazio. Pelo Princ´ıpio da Boa Ordenac¸a˜o (3) esse conjunto possui um menor elemento n0. Assim, existem m0 < n0 e uma bijec¸a˜o f : Nm0 → Nn0. Claramente n0 > 1, pois do contra´rio na˜o haveria m ∈ N com m < n0. Se f(m0) = n0 enta˜o f |Nm0−1 e´ uma bijec¸a˜o entre Nm0−1 e Nn0−1, o que contradiz o fato de n0 ser o menor elemento de C. Por outro lado, se f(m0) 6= n0, toma- se m1 ∈ Nm0 tal que f(m1) = n0 e n1 ∈ Nn0 tal que f(m0) = n1. Define-se g : Nm0 → Nn0 pondo g(m0) = n0, g(m1) = n1, e g(m) = f(m), para todo m ∈ Nm0 \ {m1, m0}. Claramente, g e´ uma bijec¸a˜o, dado que f o e´. Enta˜o, tem-se que g|Nm0−1 e´ uma bijec¸a˜o entre Nm0−1 e Nn0−1, o que da´ novamente uma contradic¸a˜o e prova a primeira parte do teorema. Quanto ao fato de o nu´mero #(A) ser u´nico, se isso na˜o fosse verdade existiriam m, n ∈ N, com m < n, e duas bijec¸o˜es f : Nm → A e g : Nn → A. Nesse caso, f ◦ g−1 seria uma bijec¸a˜o de Nm sobre Nn o que contradiz a parte ja´ provada do teorema. Logo, o nu´mero #(A) e´ u´nico. Teorema 3.2 O conjunto N dos nu´meros naturais e´ um conjunto infinito. Prova: Supo˜e-se por absurdo que N e´ finito. Nesse caso existe m ∈ N e uma bijec¸a˜o f : Nm → N. Seja n := f(m). Define-se g : N → N \ {n} pondo g(k) = k, se k < n, e g(k) = k + 1, se k ≥ n. Enta˜o g e´ uma bijec¸a˜o (por 3Se A ⊂ N e A 6= ∅ enta˜o A possui um menor elemento. A demonstrac¸a˜o deste resultado pode ser vista no Mo´dulo 1, Aula 2, pa´gina 32. CEDERJ 2 Os Nu´meros Reais III NA 3 queˆ?). Por outro lado, como f e´ bijec¸a˜o, enta˜o h := f |Nm−1 e´ uma bijec¸a˜o entre Jm−1 e N \ {n}. Logo, g −1 ◦ h e´ uma bijec¸a˜o de Nm−1 sobre Nm o que nos da´ uma contradic¸a˜o em vista do Teorema 3.1. Logo, N e´ um conjunto infinito. O pro´ximo resultado estabelece algumas propriedades elementares dos conjuntos finitos e infinitos. Teorema 3.3 (a) Se A e´ um conjunto com m elementos, B e´ um conjunto com n elementos e A ∩ B = ∅ enta˜o A ∪B tem m+ n elementos. (b) Se A e´ um conjunto com m elementos e C ⊂ A e´ um conjunto com 1 elemento enta˜o A \ C e´ um conjunto com m− 1 elementos. (c) Se C e´ um conjunto infinito e B e´ um conjunto finito enta˜o C \ B e´ um conjunto infinito. Prova: (a) Seja f uma bijec¸a˜o de Nm sobre A e g uma bijec¸a˜o de Nn sobre B. Define-se h : Nm+n → A ∪ B pondo h(i) := f(i), para i = 1, . . . , m, e h(i) = g(i − m), para i = m + 1, . . . , m + n. Voceˆ podera´ verificar sem dificuldade que h e´ uma bijec¸a˜o de Jm+n sobre A ∪ B. � A prova de (b) segue direto de (a). A prova de (c) segue tambe´m de (a), mas por contradic¸a˜o, supondo por absurdo que C e´ um conjunto infinito, B e´ um conjunto finito e que C \ B e´ um conjunto finito. Os detalhes das demonstrac¸o˜es sa˜o deixados como exerc´ıcio (veja Exerc´ıcio 2). O fato de um subconjunto de um conjunto finito ser tambe´m um con- junto finito e´ intuitivamente o´bvio mas precisa ser demonstrado, partindo-se da definic¸a˜o dada acima. Como se pode constatar, a prova, embora simples, requer um pouco mais de trabalho que o esperado. Teorema 3.4 Suponha que A e B sejam conjuntos e que A ⊂ B. (a) Se B e´ um conjunto finito enta˜o A e´ um conjunto finito. (b) Se A e´ um conjunto infinito enta˜o B e´ um conjunto infinito. Prova: (a) Se A = ∅ enta˜o como se sabe A e´ finito e nada ha´ para demonstrar. Suponha enta˜o que A 6= ∅. A prova sera´ feita pelo Princ´ıpio de Induc¸a˜o Matema´tica - PIM sobre o nu´mero de elementos de B. Se B tem 1 elemento enta˜o o u´nico subconjunto na˜o-vazio de B e´ ele pro´prio. Logo A = B e, portanto, A e´ finito. 3 CEDERJ Elementos de Ana´lise Real Os Nu´meros Reais III Suponha que todo subconjunto de um conjunto com n elementos e´ finito; essa e´ a proposic¸a˜o P [n] do PIM. Portanto, suponha que seja va´lida, por hipo´tese. Prova-se-a` a validade de P [n+1], isto e´, que todo subconjunto de um conjunto com n+1 elementos e´ finito. Seja, enta˜o, B um conjunto com n + 1 elementos, A ⊂ B e seja f : Jn+1 → B uma bijec¸a˜o. Se f(n + 1) /∈ A enta˜o A ⊂ B1 := B \ {f(n + 1)} e, pelo item (b) do Teorema 3.3, B1 tem n elementos. Logo, pela hipo´tese de induc¸a˜o P [n], nesse caso A e´ finito. Por outro lado, se f(n + 1) ∈ A enta˜o A1 := A \ {f(n + 1)} e´ subconjunto de B1 que tem n elementos. Logo, A1 e´ finito. Mas enta˜o, pelo item (a) do Teorema 3.3, A = A1 ∪ {f(n+ 1)} e´ finito. � A afirmac¸a˜o (b) e´ a contrapositiva de (a). Recorde-se que a contrapo- sitiva de uma proposic¸a˜o da forma p ⇒ q e´ a proposic¸a˜o ∼ q ⇒∼ p e que essas duas proposic¸o˜es sa˜o equivalentes, isto e´, possuem tabelas-verdade ideˆnticas. Conjuntos Enumera´veis Definic¸a˜o 3.2 Diz-se que um conjunto A e´ enumera´vel se ele e´ finito ou se existe uma bijec¸a˜o f : N → A. No segundo caso, diz-se que A e´ infinito enumera´vel,para enfatizar o fato de o conjunto ser infinito, que decorre imediatamente da existeˆncia da referida bijec¸a˜o e do fato de que N e´ infinito. A bijec¸a˜o f de N sobre A e´ chamada uma enumerac¸a˜o dos elementos de A e, denotando-se ak = f(k), pode-se escrever A = {a1, a2, a3, . . .}. Diz-se que um conjunto A e´ na˜o-enumera´vel se ele na˜o e´ enumera´vel. Como consequeˆncia da Definic¸a˜o acima tem-se que os conjuntos infini- tos podem ser divididos em duas classes complementares: a dos que sa˜o enu- mera´veis e a dos que sa˜o na˜o-enumera´veis. Pelas propriedades das bijec¸o˜es, e´ claro que A e´ infinito enumera´vel se, e somente se, existe uma bijec¸a˜o de A sobre N. E tambe´m, A e´ infinito enumera´vel se, e somente se, existe uma bijec¸a˜o de A sobre um conjunto B que e´ infinito enumera´vel. De modo mais geral, A e´ enumera´vel se, e somente se, existe uma bijec¸a˜o de A sobre um conjunto B enumera´vel. Exemplos 3.1 (a) O conjunto P = {2n : n ∈ N} dos nu´meros naturais pares e´ infinito enumera´vel, ja´ que f : N → P definida por f(n) = 2n, para n ∈ N, e´ uma bijec¸a˜o de N sobre P. Do mesmo modo, o conjunto dos nu´meros naturais ı´mpares I = {2n−1 : n ∈ N} e´ infinito CEDERJ 4 Os Nu´meros Reais III NA 3 enumera´vel, ja´ que g : N→ I definida por g(n) = 2n− 1 e´ uma bijec¸a˜o de N sobre I. (b) O conjunto Z dos nu´meros inteiros e´ enumera´vel. De fato, pode-se descrever uma enumerac¸a˜o para Z de modo esquema´tico na forma 0 ↑ 1 , −1 ↑ 2 , 1 ↑ 3 , −2 ↑ 4 , 2 ↑ 5 , −3 ↑ 6 , 3 ↑ 7 , · · · . Isto e´, o 1 e´ levado em 0, os nu´meros naturais pares sa˜o levados sobre os inteiros negativos e os nu´meros naturais ı´mpares sobre os inteiros positivos, ou seja, os nu´meros naturais. A func¸a˜o correspondente, f : N→ Z, e´ definida de modo expl´ıcito por f(k) = (k−1) 2 se k e´ ı´mpar, −k 2 se k e´ par. Na˜o e´ dif´ıcil mostrar que f e´ uma bijec¸a˜o. (c) A unia˜o de dois conjuntos enumera´veis disjuntos e´ um conjunto enu- mera´vel. De fato, sejam A e B conjuntos enumera´veis, com A∩B = ∅. Se A e B sa˜o finitos A∪B e´ finito pelo Teorema 3.3 e, portanto, e´ enu- mera´vel. Se um deles, por exemplo, A e´ finito, com A = {a1, . . . , ap} e o outro, B e´ infinito enumera´vel, com B = {b1, b2, b3, . . . } enta˜o define- se uma bijec¸a˜o f : N → A ∪ B pondo f(k) := ak, para k = 1, . . . , p, e f(k) := bk−p, para k > p. Portanto, A∪B e´ infinito enumera´vel. Final- mente, se A e B sa˜o infinitos enumera´veis, com A = {a1, a2, a3, . . . } e B = {b1, b2, b3, . . . }, define-se uma bijec¸a˜o f : N → A ∪ B pondo f(k) = a(k+1)/2, se k e´ ı´mpar, e f(k) = bk/2, se k e´ par. De modo esquema´tico representa-se essa enumerac¸a˜o na forma a1 ↑ 1 , b1 ↑ 2 , a2 ↑ 3 , b2 ↑ 4 , a3 ↑ 5 , b3 ↑ 6 , · · · Teorema 3.5 Todo subconjunto A de N e´ enumera´vel. Prova: Se A e´ finito enta˜o A e´ enumera´vel, por definic¸a˜o, e nada ha´ para provar. Se A e´ infinito, define-se uma bijec¸a˜o f de N sobre A pondo f(1) := a1, onde a1 e´ o menor elemento de A, f(2) := a2, sendo a2 o menor elemento de A\{a1}, e assim por diante. Isto e´, supondo que f(1) := a1, . . . , f(n) := an tenham sido definidos, com a1 < a2 < · · · < an, define-se f(n + 1) := an+1, onde an+1 e´ o menor elemento de A \ {a1, . . . , an}. Afirma-se que f : N→ A 5 CEDERJ Elementos de Ana´lise Real Os Nu´meros Reais III assim definida e´ uma bijec¸a˜o. De fato, f e´ injetiva pois f(m) < f(n), se m < n. Em particular, f(N) e´ um conjunto infinito enumera´vel pois f e´ uma bijec¸a˜o de N sobre f(N). Por outro lado, se houvesse a ∈ A tal que a /∈ f(N) enta˜o a seria necessariamente maior que todos os elementos de f(N) e, portanto, ter´ıa-se f(N) ⊂ Na, o que, pelo Teorema 3.4(a), contradiz o fato de f(N) ser infinito. O resultado a seguir mostra que subconjuntos de conjuntos enumera´veis tambe´m sa˜o conjuntos enumera´veis. Teorema 3.6 Suponha que A e B sa˜o conjuntos e que A ⊂ B. (a) Se B e´ enumera´vel enta˜o A e´ enumera´vel. (b) Se A e´ na˜o-enumera´vel enta˜o B e´ na˜o enumera´vel. Prova: (a) Se B e´ finito enta˜o A e´ finito, pelo Teorema 3.4(a), e portanto, e´ enumera´vel. Suponha enta˜o que B e´ infinito enumera´vel. Nesse caso, existe uma bijec¸a˜o g : B → N. Pondo h := g|A tem-se que h e´ uma bijec¸a˜o de A sobre um subconjunto de N, isto e´, h e´ uma bijec¸a˜o de A sobre um conjunto enumera´vel, pelo Teorema 3.5. Logo, A e´ enumera´vel. � A afirmac¸a˜o (b) e´ equivalente a (a) pois e´ a sua contrapositiva. Teorema 3.7 As seguintes afirmac¸o˜es sa˜o equivalentes. (a) A e´ um conjunto enumera´vel. (b) Existe uma sobrejec¸a˜o de N sobre A. (c) Existe uma injec¸a˜o de A para N. Prova: (a)⇒(b) Se A e´ finito, existe uma bijec¸a˜o f de algum conjunto Nn sobre A e enta˜o define-se g : N→ A por g(k) := f(k), para k = 1, . . . , n, f(n), para k > n. Enta˜o, g e´ uma sobrejec¸a˜o de N sobre A. Se A e´ infinito enumera´vel enta˜o existe uma bijec¸a˜o f de N sobre A, a qual e´, em particular, uma sobrejec¸a˜o de N sobre A. � (b)⇒(c) Se f e´ uma sobrejec¸a˜o de N sobre A, define-se g : A → N pondo g(a) igual ao menor elemento do conjunto na˜o-vazio de nu´meros naturais CEDERJ 6 Os Nu´meros Reais III NA 3 f−1(a) := {n ∈ N : f(n) = a}. Como f(g(a)) = a, segue que g e´ injetiva (por queˆ?). � (c)⇒(a) Se g e´ uma injec¸a˜o de A para N enta˜o g e´ uma bijec¸a˜o de A sobre g(A) ⊂ N. Pelo Teorema 3.6(a), g(A) e´ enumera´vel, donde se conclui que o conjunto A e´ enumera´vel. Teorema 3.8 O conjunto N× N e´ infinito enumera´vel. Prova: Lembre-se que N × N consiste de todos os pares ordenados (m,n) com m,n ∈ N. Obte´m-se uma enumerac¸a˜o para os elementos de N × N de modo esquema´tico na forma: (1, 1) ↑ 1 , (1, 2) ↑ 2 , (2, 1) ↑ 3 , (1, 3) ↑ 4 , (2, 2) ↑ 5 , (3, 1) ↑ 6 , (1, 4) ↑ 7 , · · · , no sentido crescente da soma m+ n e de m (Fig. 3.1). (2,3) (1,2) (1,3) (1,4) (1,1) (2,1) (2,2) (3,1) (4,1) (3,2) Figura 3.1: Enumerac¸a˜o de N× N pelo processo diagonal A fo´rmula expl´ıcita para a bijec¸a˜o de N sobre N × N representada es- quematicamente acima pode ser vista, por exemplo, nas pa´ginas 50 e 51 do Mo´dulo 1 do Cederj. Uma outra forma de mostrar que N×N e´ enumera´vel e´ a seguinte. Re- lembre que, um nu´mero natural e´ dito primo se os u´nicos nu´meros naturais dos quais ele e´ mu´ltiplo sa˜o o 1 e ele pro´prio. Pode-se provar sem dificuldade 7 CEDERJ Elementos de Ana´lise Real Os Nu´meros Reais III que todo nu´mero natural admite uma u´nica decomposic¸a˜o em fatores primos (veja Exerc´ıcio ??, abaixo). Observe enta˜o que a func¸a˜o g(m,n) := 2m3n e´ uma injec¸a˜o de N × N para N, como consequeˆncia da unicidade da decom- posic¸a˜o dos nu´meros naturais em fatores primos. Assim, pelo Teorema 3.7(c), N×N e´ enumera´vel. Observa-se que, como e´ usual, escreve-se de forma mais simples, g(m,n) em vez de g((m,n)). Teorema 3.9 O conjunto dos nu´meros racionais Q e´ infinito enumera´vel. Prova: Lembre-se de que Q e´ definido por Q = {m n : m,n ∈ Z, n 6= 0 } . Ja´ provou-se que Z e´ (infinito) enumera´vel e, portanto, Z \ {0} tambe´m o e´, pelos Teoremas 3.6(a) e 3.3(c). Assim, existem bijec¸o˜es g1 : N → Z e g2 : N → Z \ {0}. Enta˜o, G((j, k)) = (g1(j), g2(k)) e´ uma bijec¸a˜o de N × N sobre Z×(Z\{0}) (por queˆ?). Como N×N e´ enumera´vel, enta˜o Z×(Z\{0}) e´ enumera´vel. Portanto, existe uma bijec¸a˜o h1 : N→ Z× (Z \ {0}). Agora, a func¸a˜o h2 : Z × (Z \ {0}) → Q definida por h2(m,n) = m/n e´ uma sobrejec¸a˜o de Z × (Z \ {0}) sobre Q (por queˆ?). Logo f := h2 ◦ h1 e´ uma sobrejec¸a˜o de N sobre Q. Pelo Teorema 3.7(b) conclui-se queQ e´ enumera´vel. Como Q conte´m N e este u´ltimo e´ infinito, segue tambe´m que Q e´ infinito. A Figura 3.2 representa o esquema do processo diagonal para enu- merac¸a˜o dos elementos de Q implicitamente empregado na prova anterior. O pro´ximo resultado estabelece que a unia˜o de uma colec¸a˜o (possivel- mente infinita) enumera´vel de conjuntos enumera´veis e´ tambe´m um conjunto enumera´vel. Teorema 3.10 Se Am e´ um conjunto enumera´vel para cada m ∈ N enta˜o a unia˜o A := ∞⋃ m=1 Am e´ enumera´vel. Prova: Em vista do Teorema 3.7, precisa-se apenas mostrar que existe uma sobrejec¸a˜o de N sobre A. Para cada m ∈ N, seja gm uma sobrejec¸a˜o de N sobre Am; tal sobrejec¸a˜o existe ja´ que Am e´ enumera´vel. Define-se g : N× N→ A por g(m,n) = gm(n). Afirma-se que g e´ uma sobrejec¸a˜o (fac¸a como exerc´ıcio). Como N × N e´ enumera´vel, existe uma bijec¸a˜o e, portanto, uma sobrejec¸a˜o f : N→ N× N, CEDERJ 8 Os Nu´meros Reais III NA 3 1 4 2 1 2 2 2 3 3 1 3 2 4 1 1 1 1 2 1 3 Figura 3.2: Enumerac¸a˜o de Q pelo processo diagonal. donde g ◦ f e´ uma sobrejec¸a˜o de N sobre A. Aplicando o Teorema 3.7 outra vez, conclui-se que A e´ enumera´vel. Observe que o caso da unia˜o de uma colec¸a˜o finita de conjuntos enumera´veis A1, . . . , An decorre do que acabou de ser provado; basta fazer Ak = An, para k = n+ 1, n+ 2, . . . . O pro´ximo teorema e´ devido a G. Cantor, a quem tambe´m deve-se a ideia genial do “processo de diagonalizac¸a˜o”para mostrar que N × N e Q sa˜o enumera´veis. Teorema 3.11 (Teorema de Cantor) Se A e´ um conjunto qualquer enta˜o na˜o existe nenhuma sobrejec¸a˜o de A sobre o conjunto P(A) de todos os sub- conjuntos de A. Prova: Suponha que g : A → P(A) e´ uma sobrejec¸a˜o. Para cada a ∈ A, g(a) e´ um subconjunto de A e, portanto, a pode ou na˜o ser um elemento de g(a). Enta˜o, define-se o conjunto D := {a ∈ A : a /∈ g(a)}. Como D e´ subconjunto de A e, por conseguinte, D ∈ P(A), e como g e´ sobrejec¸a˜o, enta˜o D = g(a0) para algum a0 ∈ A. Deve-se ter a0 ∈ D, ou a0 /∈ D. Se a0 ∈ D, enta˜o, como D = g(a0), a0 ∈ g(a0), o que contradiz a definic¸a˜o de D. Da mesma forma, se a0 /∈ D, enta˜o a0 /∈ g(a0) e, pela definic¸a˜o de D, deve-se ter a0 ∈ D, o que tambe´m nos da´ uma contradic¸a˜o. Portanto, na˜o pode existir uma tal sobrejec¸a˜o. 9 CEDERJ Elementos de Ana´lise Real Os Nu´meros Reais III OTeorema de Cantor implica, em particular, que P(N) e´ na˜o-enumera´vel, ja´ que na˜o pode existir uma bijec¸a˜o de N sobre P(N). A Na˜o-Enumerabilidade dos Reais Para finalizar estas NA03 enuncia-se e mostra-se o resultado citado como meta na Introduc¸a˜o. A prova da na˜o-enumerabilidade de R e´ um elegante argumento “diagonal” devido a Cantor. Para demonstrar que R na˜o e´ enumera´vel basta mostrar que o intervalo [0, 1] = {x ∈ R : 0 ≤ x ≤ 1} e´ na˜o enumera´vel (por queˆ?). Teorema 3.12 O intervalo unita´rio aberto I := {x ∈ R : 0 ≤ x ≤ 1} na˜o e´ enumera´vel. Prova: A demonstrac¸a˜o sera´ feita por reduc¸a˜o ao absurdo. Assim, suponha que [0, 1] e´ enumera´vel. Portanto, ha´ uma bijec¸a˜o f de N sobre [0, 1] definida por f(n) = an. Ou seja, [0, 1] = {a1, a2, a3, . . .}. (1) Seja b1 ∈]0, 1[ e b1 6= a1. Enta˜o a1 na˜o pode pertencer simultaneamente aos dois seguintes intervalos [0, b1] e [b1, 1]. (2) Seja [α1, β1] aquele dentre os intervalos de (2) ao qual a1 na˜o pertence. Seja b2 ∈]α1, β1[ e b2 6= a2. Enta˜o a2 na˜o pode pertencer simultanea- mente aos dois seguintes intervalos [α1, b2] e [b2, β1]. (3) Da´ı, seja [α2, β2] um dos intervalos de (3) no qual a2 na˜o pertence. Observe pela construc¸a˜o acima que [α1, β1] ⊃ [α2, β2], que a1 /∈ [α1, β1] e a2 /∈ [a21, β2]. Fac¸a uma figura na reta real para ter uma noc¸a˜o geome´trica desses intervalos! Repetindo o procedimento acima indefinidamente, constroem-se inter- valos [αi, βi] com i = 1, 2, 3, . . . , tais que [α1, β1] ⊃ [α2, β2] ⊃ [α3, β3] ⊃ . . . ⊃ [αn, βn] ⊃ . . . · Ale´m disso, para todo i = 1, 2, 3, . . . , tem-se que ai /∈ [αi, βi]. Mas, pelo Teorema dos Intervalos Encaixantes, importante consequeˆncia do Axioma do CEDERJ 10 Os Nu´meros Reais III NA 3 Supremo que sera´ provado nas Notas de Aula 05, existe pelo menos um real ρ ∈ [αi, βn] ⊂ [0, 1] para todo i ∈ N. Portanto, ρ 6= ai para todo i ∈ N. Assim, ρ na˜o esta´ inclu´ıdo na enumerac¸a˜o de [0, 1] fixada em (1). Tem-se enta˜o uma contradic¸a˜o. Logo, o intervalo [0, 1] e´ naˆo enumera´vel. Observac¸a˜o 3.1 Sendo R na˜o enumera´vel e Q enumera´vel conclui-se que R\Q e´ na˜o enumera´vel. De fato, se R\Q fosse enumera´vel e sendo R = Q∪ (R\Q) enta˜o R seria enumera´vel, pois a unia˜o de dois conjuntos enumera´veis e´ enumera´vel. Isto e´ contradiz o Teorema3.12. Logo, R\Q na˜o e´ enumera´vel. Exerc´ıcios 3.1 1. Prove que um conjunto A e´ finito se, e somente se, existem um conjunto finito B e uma bijec¸a˜o de A sobre B. 2. Deˆ os detalhes da prova das partes (b) e (c) do Teorema 3.3. 3. Seja A := {1, 2} e B := {a, b, c}. (a) Determine o nu´mero de injec¸o˜es diferentes de A para B. (b) Determine o nu´mero de sobrejec¸o˜es diferentes de A para B. 4. Exiba uma bijec¸a˜o entre N e todos os nu´meros ı´mpares maiores que 11. 5. Exiba uma bijec¸a˜o entre N e um seu subconjunto pro´prio. 6. Prove que A e´ enumera´vel se, e somente se, existe uma bijec¸a˜o de A sobre um conjunto B enumera´vel. 7. Deˆ um exemplo de uma colec¸a˜o enumera´vel de conjuntos finitos cuja unia˜o na˜o e´ finita. 8. Prove que a func¸a˜o g : N × N → A, definida na demonstrac¸a˜o do Teorema 3.10 e´ de fato uma sobrejec¸a˜o. 9. Prove que o conjunto dos nu´meros primos e´ infinito enumera´vel. (Dica: Para provar que esse conjunto e´ infinito, argumente por contradic¸a˜o.) 10. Obtenha uma representac¸a˜o N = A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ An ∪ · · · tal que os conjuntos A1, A2,. . . , An, . . . sejam infinitos e dois a dois disjuntos. 11. Use o Princ´ıpio da Induc¸a˜o Matema´tica para provar que, para todo n ∈ N, se A tem n elementos enta˜o P(A) tem 2n elementos. 12. Prove que a colec¸a˜o F(N) de todos os subconjuntos finitos de N e´ enu- mera´vel. 11 CEDERJ Elementos de Ana´lise Real Os Nu´meros Reais III 13. Inspirado pela demonstrac¸a˜o do Teorema de Cantor, prove que o con- junto das func¸o˜es f : N→ {0, 1} e´ na˜o-enumera´vel. CEDERJ 12
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