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USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS - OLHAR ANTROPOLÓGICO

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1 
USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS: O uso de medicamentos a partir do 
olhar antropológico. 
 
Prof. Dr. Orenzio Soler 
Pesquisa-Ação: Farmácia-Social 
Departamento de Medicamentos. Faculdade de Farmácia. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
orenziosoler@gmail.com 
https://sites.google.com/site/petpirai/o-projeto-1 
 
Medicamentos: bem sanitário versus bem econômico 
 
O uso de substâncias com objetivos terapêuticos praticamente acompanham a história 
da humanidade. Já há mais de 3.500 anos, o Papiro de Ebers relacionava mais de 700 produtos 
medicinais e os textos mais antigos sobre os fármacos chineses parecem ter sido compilados 
aproximadamente em 200 a.C (COHN, 1991; PELLEGRINO, 1976). Ainda de acordo com os 
autores recém referidos, na Europa, as ervas mais antigas que se tem conhecimento foram 
compiladas por Diocles de Karistos e por Teofrasto de Éfeso, no século IV a.C. Dentro do 
modelo de assistência à saúde excessivamente medicalizado e mercantilizado que se 
desenvolveu no mundo ocidental contemporâneo, os medicamentos continuaram a ocupar um 
espaço importante no processo saúde/doença, sendo, hoje, praticamente impossível pensar a 
prática médica ou a relação médico/paciente/farmacêutico sem a presença desses produtos. 
 
Segundo Soler (2004), no discurso da biomedicina, a doença se apresenta como o 
resultado da ação de agentes específicos em locais específicos do organismo podendo, 
portanto, ser curada pelas “balas mágicas” desenvolvidas pela tecnociência moderna dentro de 
ditos rigorosos parâmetros científicos e racionais. Nesta perspectiva, o tratamento chama pela 
concepção tanto quanto à concepção chama pelo tratamento (ALLAND, 1970; PELLEGRINO, 
1976). Assim, para um problema considerado físico, o ideal é um remédio físico, um objeto 
concreto. Esse modelo, que coloca a doença como central leva ao distanciamento e a 
objetivação dos pacientes para a deterioração da relação médico-paciente-farmacêutico e à 
perda do papel milenar terapêutico da medicina, enquanto arte de curar, em proveito da 
diagnose e das ciências das doenças. 
 
O efeito de qualquer medicamento em um indivíduo, ou seja, o efeito total da droga 
depende de uma série de elementos para além das suas propriedades farmacológicas. Dentre 
elas, pode-se destacar: a) os atributos das drogas em si (sabor, aroma, forma, cor, nome); b) os 
atributos do paciente recebendo o medicamento, tais como experiência, educação 
personalidade, aspectos sócio-cultural; c) os do prescritor ou dispensador do produto, que 
incluem a personalidade, status profissional ou autoridade; d) as condições e locais em que a 
 2 
droga é administrada (LEFEVRE, 1991, p. 36). Esses fatores não farmacológicos, tanto podem 
intensificar como reduzir o efeito da droga e estão entre os responsáveis pela enorme 
variabilidade na resposta individual à terapêutica medicamentosa. 
 
A efetividade do medicamento precisa ser compreendida a partir de uma perspectiva 
fundamentada no modelo científico experimental (medicina e farmácia baseada em evidência), o 
qual, em si, só tem limitações. As pessoas leigas ou profissionais de saúde não utilizam 
medicamentos apenas por conta dessa eficácia clínica ou efetividade epidemiológica (FAUS, 
2000; LEFEVRE, 1991; WHYTE, 1992). Contudo, mais que suas funções farmacológicas, o que 
os tornam tão populares, tanto entre leigos como entre profissionais de saúde, são seus 
significados simbólicos, culturais e sócio-econômicas. 
 
Estudos antropológicos, como os já clássicos, enfatizam a eficácia dos símbolos que 
curam pacientes, sendo e que cerca de 60% da ação dos medicamentos devem-se à confiança 
que os pacientes depositam nele e não à ação farmacológica dos princípios ativos que contém 
(LAPORT, TOGNONI, 1989; LÉVI-STRAUSS, 1989). Esta confiança no medicamento está, por 
sua vez, estreitamente ligada à confiança depositada no médico que o prescreve e no 
farmacêutico que o dispensa. 
A lógica do simbolismo dos medicamentos, nas assim chamadas sociedades 
“primitivas”, implica uma perspectiva de magia, fetichismo ou animismo. A importância dos pajés, 
mas também de herbalistas, benzedores é essencial em tal contexto (LEFEVRE, 1991; LÉVI-
STRAUSS, 1989), especialmente no que diz respeito à relação usuário/especialista. Entretanto, 
há de se ressaltar que essa lógica persiste embora transformada, como por exemplo, a 
pajelança entre a população cabocla da Amazônia brasileira. 
 
Até recentemente, poucos estudiosos vinham trabalhando o medicamento numa 
abordagem cultural, onde o mesmo é uma substância terapêutica sintetizada, manufaturada, 
distribuída e comercializada, com uma função central na saúde. Ainda em 1980, por exemplo, 
poucos pesquisadores (ALLAND, 1970; LÉVI-STRAUSS, 1989) haviam dado início a estudos 
sistemáticos no campo farmacêutico como fenômeno social e cultural. Houve, a partir dessa 
percepção, severas críticas ao superconsumo e/ou uso irracional de serviços médicos e de 
produtos farmacêuticos. Mesmo assim, olhar o medicamento como fenômeno social e cultural 
ainda é visto como algo exótico. Isso se deve, dominantemente, ao fato de ser o medicamento 
nas sociedades modernas, a tecnologia mais utilizada pela medicina atual. 
 
Estudos de antropologia dos medicamentos reforçam o ponto de vista de que a eficácia 
dos medicamentos não pode ser limitada ao domínio médico, uma vez que seus efeitos são 
 3 
também sociais, culturais, psicológicos e mesmo metafísicos. Assim, há uma complexidade de 
fatores que condicionam essa eficácia. 
 
Ainda, no campo antropológico e sociológico dos medicamentos modernos, pode-se 
afirmar, por exemplo, que seu forte poder e apelo está no fato deles simbolizarem não só a 
saúde como também o poder da moderna tecnologia científica. Segundo Tucker (1997) e Faus 
(2000), há pessoas que vêem os medicamentos tanto como um fator de dependência a eles 
próprios e aos profissionais de saúde, quanto como fator importante na normalização de suas 
vidas, na medida em que permitem a retomada de suas atividades normais, cotidianas. Ainda 
nesta direção, as pessoas percebem esses bens no sentido de legitimar a doença e o doente, 
apresentando-se com a prova concreta de que determinado indivíduo é incapaz de trabalhar ou 
de ser normal. 
 
No imaginário coletivo, os medicamentos simbolizam a saúde concretizada em 
comprimidos, ampolas, etc., mas também significam falta de saúde. Podem tanto representar a 
atenção e preocupação dos familiares e médicos, como também, serem considerados na 
ausência dos mesmos, uma alternativa para falta de atenção e cuidados. Há, ainda, os que os 
compreendem tanto como meios de comunicação quanto como indicadores de não-
comunicação. Podem ser considerados os resultados de um dado conhecimento, isto é, a 
seleção de certo medicamento como prova concreta de uma certeza quanto ao diagnóstico 
(CHETLEY, 1994; DUCKES, 1993 LAPORT, TOGNONI, 1993). Porém, também, podem ser 
vistos como indicativo de não-conhecimento quando o medicamento vem sendo prescrito como 
uma tentativa de ensaio e erro, uma vez que a causa do problema é desconhecida. 
 
Igualmente, as propagandas de medicamentos são outras importantes fontes de análise. 
Os produtores de medicamentos manipulam os significados simbólicos dos medicamentos e da 
moderna terapêutica em suas estratégias mercadológicas, que reduzem a ambivalência dos 
medicamentos (FAUS, 2000; TUCKER, 1997). O fármaco tem pelo menos dois sentidos, o de 
veneno e o de medicamento. A industria farmacêutica, contudo, distorce-o para um sentido 
único, de valor positivo, a fim de atender aos interesses mercadológicos dos fabricantes. 
 
Na vigência de uma consciência em que a saúde é identificada como um bem, o 
medicamento assume a dimensão de instrumento principal na manutenção e recuperação deste 
bem. Por outro lado, o medicamento nas mãos do médico ganha outros atributos, que o 
transforma em instrumentocapaz de sintetizar as etapas e os significados do ato clínico. 
Conforme já referido, em muitos casos, a prescrição torna-se uma estratégia para encobrir as 
incertezas médicas. 
 4 
 
Por ser um poderoso artifício técnico e um símbolo cultural, os medicamentos adquirem 
status e força na sociedade. Os medicamentos são, hoje, veículos de ideologia, facilitadores de 
auto-atenção e percebidos na sua origem, eles direcionam o pensamento e as ações das 
pessoas, influenciando sua vida social. 
 
Neste contexto, há que se promover o uso racional de medicamentos justificado pelos 
dados apresentados a seguir: 15% da população consomem mais de 90% da produção 
farmacêutica; 25-70% do gasto em saúde nos países em desenvolvimento correspondem a 
medicamentos, comparativamente a menos de 15% nos países desenvolvidos; 50-70% das 
consultas médicas geram uma prescrição medicamentosa; 50% de todos os medicamentos são 
prescritos, dispensados ou usados inadequadamente; 75% das prescrições com antibióticos são 
errôneas; 53% de todas as prescrições de antibióticos nos USA são feitas para crianças de 0 a 4 
anos; Somente 50 % dos pacientes, em média, tomam corretamente seus medicamentos; 
Cresce constantemente a resistência da maioria dos microrganismos causadores de 
enfermidades infecciosas prevalentes; Aos dois anos de idade, algumas crianças receberam 20 
injeções; A metade dos consumidores compra medicamentos para tratamento de um só dia 
(BRUNDTLAND
 
, 1999). 
 
Dentre os problemas que dificultam o uso racional de medicamentos, destacam-se: 
Multiplicidade de produtos farmacêuticos; Crenças e expectativas dos usuários; Características 
do prescritor; Interesses e pressões da indústria farmacêutica; Influência da mídia leiga; 
Automedicação; Falta de informação ao paciente; Multiplicidade de produtos farmacêuticos. 
 
Em 2000, o mercado mundial de medicamentos mobilizou cerca de 400 bilhões de 
dólares. O Brasil, Argentina e México representam 75% do mercado farmacêutico na América 
Latina. No Brasil, em 2002, comercializaram-se 15.831 apresentações de medicamentos. 
Entretanto, 1/3 da população mundial não tem acesso regular a medicamentos essenciais. Não 
há correlação entre gastos sanitários de um país e nível de saúde da população. 
 
Dentre os fatores que levam as pessoas a usarem estes produtos de modo irracional, 
têm-se a compulsão por uso de medicamentos; a „necessidade‟ de receber prescrição; as 
crenças e fantasias sobre medicamentos; a desconfiança das medidas reguladoras. 
 
Quanto aos prescritores, observa-se uma „necessidade‟ de prescrever algo; a “liberdade” 
de escolha; as crenças e idéias preconcebidas sobre medicamentos; a comodidade e sensação 
de „dever cumprido‟; „Informação errônea‟ da indústria farmacêutica e da mídia leiga; interesses 
 5 
financeiros e conflitos de interesses; desconhecimento científico, pressão da indústria de 
medicamentos, interpretação errônea da informação especializada; falta de informação ao 
paciente; desconhecimento dos objetivos terapêuticos. 
 
Há problemas também quanto ao uso errôneo, principalmente quanto a horários e 
duração de tratamento; desconhecimento de interações com alimentos e outros medicamentos; 
falta de adesão pelo surgimento de efeitos adversos inesperados; conseqüências do uso não-
racional; prescrição desnecessária, particularmente de antibióticos e medicamentos injetáveis; 
tratamentos ineficazes e inseguros; exacerbação ou prolongamento da doença; aumento de 
reações adversas; desconforto e dano ao paciente; aumento de resistência microbiana; 
desbaratamento de recursos (individual e coletivo); falta de acesso; aumento da demanda de 
medicamentos pelos pacientes; perda de confiança do usuário no sistema de saúde. 
 
Mais uma vez reiteramos de que a produção e difusão de conhecimento sobre padrões 
quantitativos de utilização de medicamentos, perfis de prescrição, qualidade do que se usa, 
automedicação, vendas e custos comparativos contribuem decisivamente para a formação de 
uma consciência crítica entre profissionais que prescrevem, que dispensam e os que consomem 
medicamentos; o que nos permitem obter informações sobre o papel desempenhado pelos 
medicamentos na sociedade. 
 
Vida social do medicamento 
 
Ainda, pelo enfoque antropológico o medicamento cumpre todo um ciclo de atividades 
que vai desde o desenvolvimento do fármaco até o seu uso racional. Pode-se, sim, inferir uma 
ordem biográfica em sua vida social a partir das transações e fluxos dos produtos farmacêuticos 
(WHYTE, 1992). Desse modo, há que se perceber que em cada estágio têm atores e um regime 
de valores próprios (TUCKER, 1997). Assim sendo, tal ordem compreende diferentes cenários, 
que por sua vez, são associados a processos de muita complexidade. Para melhor visualizar, 
resume-se a diversidade desses contextos: 
 Cenário I – é representado pelos cientistas e os empresários farmacêuticos, que tem 
sobre suas responsabilidades desenvolver e produzir os medicamentos; nesse cenário a 
percepção predominante é a do medicamento como competição comercial. 
 Cenário II – é representado pelos distribuidores no atacado e no varejo e os 
comerciantes leigos; sem formação formal; nesse cenário a percepção predominante é a 
do medicamento como uma mercadoria, e tem como função a distribuição e a 
acessibilidade. 
 6 
 Cenário III – é representado pelos prescritores e os consumidores em um contexto de 
prática médica; fase essa que provê o usuário de um pedaço de papel, muitas vezes 
representativo da salvaguarda das incertezas e inseguranças médicas. 
 Cenário IV – é representado pelos proprietários de farmácias; leigos ou com formação 
formal – que as vêem meramente como estabelecimento comercial, e pelos 
consumidores onde a "automedicação" e "empurroterapia" são frutos de uma percepção 
equivocada do medicamento como uma "bala mágica". 
 Cenário V – é representado por um pequeno segmento – profissional com formação 
formal e usuários – que já tem a percepção do medicamento como um bem sanitário e 
que imprescindivelmente seu uso deve estar atrelado à racionalidade e fundamentado 
na sua eficácia, efetividade e eficiência. O cumprimento dos objetivos da "vida do 
medicamento" repousa em seus efeitos sobre o bem-estar da pessoa que o utilizou. 
Neste cenário a farmácia é percebida como um serviço de saúde. 
O campo da assistência farmacêutica, componente da política de saúde no Brasil, ainda enfrenta 
problemas e limitações de grande porte nos diferentes cenários apresentados (SOLER, 2004). E, 
em uma cadeia de desdobramentos, estes evidenciam as distorções e os impasses gerados 
pelas desigualdades sociais e econômicas ainda existentes no país que impõem restrições ao 
pleno acesso a medicamentos. 
 
Os recursos e insumos de saúde têm seus próprios mercados. Em cada um desses 
mercados há ofertas por meio dos provedores, necessidade dos compradores e receptores e um 
sistema de relações entre oferta e demanda exemplificado pelas regras de mercado e regulação 
(COHEN, 2000; PELLEGINO, 1976). As quantidades e os preços dependem das características 
e práticas comerciais da oferta e da demanda, e da maneira como ambas se relacionam entre si. 
 
Em saúde, como tem passado freqüentemente na política e na economia, todos os 
prognósticos têm falhado. A velocidade com que se produzem as alterações nas sociedades, 
com a qual, aparecem e são erradicadas as enfermidades, tem deixado atônitos a alguns, 
imóveis a maioria e insatisfeitos a quase todos (ORGANIZACIÓN, 1996). Conseqüentemente, 
em que pese a compreensão de que o medicamento é uma formula farmacêutica mais 
informações, os mesmos, hoje, infelizmente constituem o procedimento mais massivamente 
empregado. Prescrever, dispensar, medicar ou, simplesmente jogar futebol, tem se tornado, 
tanto para os profissionais da área médica/farmacêutica como para a população, em práticas 
sociais freqüentese naturalizadas. 
 
Entretanto e não obstante haver contribuído para a melhoria da qualidade de vida, o uso 
inadequado de medicamentos constitui, no presente, um problema de significativa magnitude. É 
 7 
fato, que a rápida recuperação de cefaléias, dores de garganta e artrites, entre outras doenças, 
seria inimaginável sem analgésicos, antiinflamatórios, antiácidos. 
 
Contudo, de alto custo e perigoso, o consumo irracional de medicamentos, é um 
fenômeno que se estende e se multiplica com rapidez em todo o mundo e tem conduzido a 
numerosos estudos com a finalidade de descrever os problemas relacionados com o mau uso 
dos mesmos. 
 
No início da década de 70, estimou-se que somente nos Estados Unidos da América – 
EUA, as reações adversas a medicamentos prescritos foram responsáveis por 140.000 mortes e 
de 1.000.000 de internações. Em 1987, a Food and Drugs Administration – FDA, nesse mesmo 
país, registrou 12.000 mortes e 15.000 internações associadas com reações adversas a 
medicamentos receitados (INSTITUTE, 1999). Entretanto, o número de reações adversas 
comunicadas ao FDA deve ter sido uma pequena quantidade, talvez somente 10% do total atual. 
Alguns estudos chegam a apontar que o custo por enfermidades associadas com o consumo de 
medicamentos prescritos ascende a mais de US$ 7.000.000 anuais. 
 
De acordo com o Institute of Medicine – IOM, as análises do Quality of Health Care in 
America Committee – QHCAC, apontam que, pelo menos 44.000 estadunidenses morrem 
anualmente em decorrência de erros de medicação sendo que estas estimativas podem alcançar 
o patamar de 98.000 óbitos/ano. Quanto aos custos envolvidos, as estimativas são de que a 
ocorrência de eventos adversos que seriam preveníveis, mas que não o foram, responde por 
gastos na faixa de U$ 17 a U$ 29 bilhões. Entre outros fatores, o limitado acesso à atenção 
farmacêutica também contribuiu para a elevação dos níveis de morbidade e mortalidade 
associados ao uso de medicamentos. De acordo com a fonte acima citada, nos EUA, o custo de 
doenças relacionadas ao medicamento triplicou nos últimos cinco anos e atualmente excede U$ 
175 Bilhões (INSTITUTE, 1999). 
 
O uso desnecessário, assim como a utilização de fármacos em situações contra-
indicadas, expõe os pacientes a riscos de reações adversas a medicamentos e intoxicações 
medicamentosas, constituindo-se, portanto, em causa de morbidade e, inclusive mortalidade, 
muito significante (ARRAIS, 2002). Alguns estudos chegam a apontar que o custo por 
enfermidades associadas com o consumo de medicamentos prescritos ascende a mais de US$ 
7.000.000 anuais nos Estados Unidos da América (HEPER & STRAND, 1990). 
 
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa tem ressaltado a importância do uso 
inadequado de medicamentos como um problema de Saúde Pública prevalente em todo o 
 8 
mundo. Nesse contexto, dados da Organização Mundial da Saúde – OMS (ORGANIZAÇÃO, 
2005) revelam que 50 a 70% das consultas médicas geram prescrição medicamentosa. Entre 
outros dados, informa que: 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou 
usados inadequadamente; 50 % dos pacientes, em média, tomam corretamente seus 
medicamentos; de todos os pacientes que dão entrada em prontos-socorros com intoxicação, 
40% são vítimas dos medicamentos; os hospitais gastam de 15% a 20% de seus orçamentos 
para lidar com as complicações causadas pelo mau uso de medicamentos. Ainda, neste país, 
segundo informações do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – Sintox, os 
medicamentos ocupam o primeiro lugar entre os agentes causadores de intoxicações em seres 
humanos e o segundo lugar nos registros de mortes por intoxicação. 
 
A automedicação é um hábito bem brasileiro. Entrar na farmácia e comprar aquilo que 
bem entender, ou ainda pedir a informação, não menos leiga, do balconista são atitudes que 
podem piorar a saúde do consumidor. 
 
A reforma do setor saúde vem buscando garantir o acesso, a qualidade e a eficiência no 
setor da saúde. Isto requer concentração contínua em medidas preventivas e estratégias 
encaminhadas a assumir a responsabilidade pessoal, assim como esforços para prestar os 
melhores serviços curativos possíveis quando são requeridos (SOLER, 2004). De acordo com 
essa reforma, as razões para incorporar as atividades que promovem o uso racional de 
medicamentos incluem a ética e a economia (ORGANIZACION, 1996). É importante para cada 
indivíduo receber, no tratamento médico, o máximo benefício com um mínimo de risco. Ademais, 
a sociedade necessita maximizar as prestações de saúde da população com respeito a seus 
gastos em medicamentos. 
 
Conforme Fefer (1999) e World (1997), vincular o uso racional dos medicamentos a 
análise econômica é um exercício fundamental das reformas do setor saúde e mais, uma 
questão cultural a ser superada. Dada a soma de alternativas que devem ser eleitas 
corretamente para que os medicamentos sejam usados apropriadamente, não é difícil imaginar 
que o uso irracional de medicamentos seja um problema generalizado. Muitos argumentos 
econômicos vinculam o melhoramento na prescrição e o cumprimento do tratamento, com a 
redução dos gastos farmacêuticos. 
 
A prescrição irracional pode conduzir a gastos farmacêuticos maiores devido à inclusão 
de produtos desnecessários, inapropriados e custosos, quantidades acima do necessário e/ou 
períodos prolongados de tratamento (ORGANIZACION, 2002; ZERDA et al, 2001). Em muitos 
países em desenvolvimento, as prescrições de cinco ou mais medicamentos são bastante 
 9 
comuns. Esses dados indicam que os gastos farmacêuticos nos centros de assistência sanitários 
poderiam ser reduzidos em cerca de 70%, isso se seguisse às recomendações para tratamento 
preconizadas pela Organização Mundial da Saúde – OMS. 
 
O não cumprimento da terapia por parte dos pacientes, também representa uma perda 
significativa. Nos países industrializados, os estudos têm revelado que as taxas de cumprimento 
do tratamento prescrito podem ser de somente 50% e é difícil imaginar uma situação melhor em 
países em desenvolvimento (FOSTER, 1993). Outrossim, em épocas de restrição econômica, a 
idéia de que mais de 60% dos custos dos tratamentos medicamentosos resultem ser inúteis ou 
perigosos, torna-se um problema de proporções alarmantes. 
 
Dentro de uma perspectiva econômica mais ampla, isso é só uma parte do problema. É 
necessário considerar outros gastos que possam ser evitados, se houvesse o uso da terapia 
correta. Estes gastos incluem, porém não se limita, a um maior uso dos estabelecimentos de 
assistência sanitária, ao aumento da farmacorresistência, a propagação de enfermidades a 
outros indivíduos, e aos dias de trabalho perdidos. A grandeza destes custos indiretos excede, 
com freqüência, a magnitude de gastos específicos para os mesmos medicamentos. A ter-se em 
vista, que na maioria dos países, os gastos públicos em medicamentos representam menos de 
1% do Produto Interno Bruto – PIB (WORLD, 1996), não é absurdo calcular que os custos 
desnecessários devidos ao uso irracional dos mesmos cheguem ou excedam a esse mesmo 
nível. 
 
Os gastos empreendidos para melhorar o uso racional de medicamentos é uma inversão 
social necessária e de grande utilidade em termos de políticas públicas para a redução de 
custos, em médio e longo prazo. Contudo, essa não é uma característica somente do setor 
público (SOLER, 2004). É, também, um problema concernente aos setores privados de saúde 
que incluem a prática da automedicação generalizada na maioria dos países, a exemplo do que 
ocorre no Brasil. Assim, mudar o conhecimento e os padrões de conduta dos indivíduos, lugares, 
comunidades, profissionais de saúde, instituições educacionais e indústrias farmacêuticas é uma 
meta difícil, tendo em vista os interesses econômicos e os culturais. 
 
Em respeito às culturas distintas, alternativas para melhoraresse benefício social 
variarão de uma região para outra, contudo apresentam-se algumas possibilidades. Assim, pode-
se destacar a premente necessidade de intervenções que tornem mais racional a seleção dos 
produtos existentes no mercado, bem como melhorar a informação e a educação sobre os 
medicamentos (ORGANIZACIÓN, 1995, 1996, 2003). Outros fatores que podem ser trabalhados 
são grupos de medicamentos incorretamente utilizados, os de maior freqüência e, 
 10 
principalmente, aqueles de maior custo. Também, os grupos de pessoas que o utilizam de forma 
crônica e em maior quantidade merecem ênfase. Um outro importante grupo é o de pessoas que 
influenciam nas decisões sobre a farmacoterapia de outros, como por exemplo, os prescritores. 
 
Para isso, o conceito de políticas públicas de medicamentos demanda uma dupla visão 
do Estado, o qual se propõe cumprir não somente o papel de árbitro e de regulador do 
comportamento econômico dos atores, como também redistribuir os recursos necessários para a 
eqüidade ao acesso aos medicamentos e a satisfação social (WORLD, 2001). Nesta perspectiva, 
há de dar-se sustentabilidade para a coexistência da lógica da produção na busca de benefícios 
e da lógica da satisfação das necessidades humanas. 
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York. Hum. Org. v. 32, n. 4, p. 385-95, 1970. 
 
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1997; 31 (1): 71-77. 
 
BRUNDTLAND, G. H. Global partnerships for health. WHO Drug Information 1999; 13 (2): 61-64. 
 
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Rio de Janeiro: PUC. Departamento de Administração. 134 p. 
 
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DUCKES, M. N. G. (Ed.). Drug utilization studies: methods and uses. Genebra: WHO, 1993. 37 
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