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Noções Gerais sobre o contrato de transporte

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Noções Gerais sobre o contrato de transporte 
Conceito: Trata-se do contrato pelo qual alguém (o transportador) se obriga, mediante uma determinada remuneração, a transportar, de um local para outro, pessoas ou coisas, por meio terrestre (rodoviário e ferroviário), aquático (marítimo, fluvial e lacustre) ou aéreo (art. 730 do CC). Aquele que realiza o transporte é o transportador, a pessoa transportada é o passageiro ou viajante, enquanto a pessoa que entrega a coisa a ser transportada é o expedidor. O que identifica o contrato é uma obrigação de resultado do transportador, diante da cláusula de incolumidade de levar a pessoa ou a coisa ao destino, com total segurança.
Natureza jurídica: O contrato de transporte é bilateral ou sinalagmático, pois geram direitos e deveres proporcionais para ambas as partes. Isso tanto para o transportador (que deverá conduzir a coisa ou pessoa de um lugar para outro) quanto para o passageiro ou expedidor (que terá a obrigação de pagar o preço convencionado pelas partes).
O contrato é consensual, pois tem aperfeiçoamento com a manifestação de vontades dos contraentes, independentemente da entrega da coisa ou do embarque do passageiro. O contrato é comutativo, pois as partes sabem de imediato quais são as suas prestações. A álea não é fator determinante do contrato de transporte, apesar de existente o risco.
Na grande maioria das vezes, o contrato constitui-se em um típico contrato de adesão, por não estar presente a plena discussão das suas cláusulas. O transportador acaba por impor o conteúdo do negócio, restando à outra parte duas opções: aceitar ou não os seus termos. Assumindo o contrato essa forma, deverão ser aplicadas as normas de proteção do aderente constantes do CC/2002 (arts. 423 e 424). Em alguns casos excepcionais, principalmente quando o expedidor de uma coisa for uma empresa, o contrato pode ser plenamente discutido, assumindo a forma paritária.
Por fim, como não há qualquer formalidade prevista para o contrato, o mesmo é tido como negócio informal e não solene. Não se exige forma escrita, muito menos escritura pública.
Regras gerais do transporte no CC/2002: Enuncia o art. 731 do CC “o transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que foi estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código”.
Dessa forma, haverá a aplicação concomitante das normas de Direito Administrativo, particularmente aquelas relacionadas à concessão do serviço público, com as normas previstas no CC/2002. Anote-se, ademais, que o serviço público também é considerado um serviço de consumo, nos termos do art. 22 do CDC. A título de exemplo, haverá relação de consumo entre passageiro e empresa privada prestadora do serviço público de transporte (nesse sentido, ver: STJ, REsp 226.286/RJ, 1999/0071157-2, DJ 24.09.2001, RSTJ 151/197).
Além dessa relação com o Direito Administrativo, o CC/2002 consagra uma relação com o Direito Internacional. Segundo o art. 732 do CC, serão aplicadas as normas previstas na legislação especial e em tratados e convenções internacionais ao contrato de transporte, desde que as mesmas não contrariem o que consta da codificação vigente. Ilustrando, no caso de transporte aéreo, pode ser aplicado o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA – Lei 7.656/1986), desde que o mesmo não entre em conflito com o CC/2002
Do transporte de pessoas: O transporte de pessoas é aquele pelo qual o transportador se obriga a levar uma pessoa e a sua bagagem até o destino, com total segurança, mantendo incólume os seus aspectos físicos e patrimoniais. São partes no contrato o transportador, que é aquele que se obriga a realizar o transporte, e o passageiro, aquele que contrata o transporte, ou seja, aquele que será transportado mediante o pagamento do preço, denominado passagem.
Repise-se que a obrigação assumida pelo transportador é sempre de resultado, justamente diante dessa cláusula de incolumidade, o que fundamenta a sua responsabilização independentemente de culpa, em caso de prejuízo (responsabilidade objetiva). Essa responsabilidade objetiva é evidenciada pelo art. 734 do CC, que preconiza que o transportador somente não responde nos casos de força maior (evento previsível, mas inevitável). O caso fortuito (evento totalmente imprevisível) do mesmo modo constitui excludente, até porque muitos doutrinadores e a própria jurisprudência consideram as duas expressões como sinônimas (ver: STJ, REsp 259.261/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, j. 13.09.2000, DJ 16.10.2000, p. 316). 
Ainda a respeito do art. 734, caput, do CC, o dispositivo não admite como excludente de responsabilidade a cláusula de não indenizar (cláusula excludente de responsabilidade ou cláusula de irresponsabilidade), previsão contratual inserida no instrumento do negócio que afasta a responsabilidade da transportadora.
O parágrafo único do art. 734 do CC merece maiores digressões, in verbis: “É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização”. O dispositivo visa a valorizar a boa-fé objetiva no contrato de transporte, particularmente quanto ao dever do passageiro de informar o conteúdo da sua bagagem para que o transportador possa prefixar eventual valor indenizatório.
Do transporte de coisas:Pelo contrato de transporte de coisas, o expedidor ou remetente entrega bens corpóreos ou mercadorias ao transportador, para que o último os leve até um destinatário, com pontualidade e segurança. Ressalte-se, contudo, que o destinatário pode ser o próprio expedidor.
A remuneração devida ao transportador, nesse caso, é denominada frete. Como ocorre com o transporte de pessoas, o transportador de coisas assume uma obrigação de resultado, o que justifica a sua responsabilidade objetiva. A coisa, entregue ao transportador, deve necessariamente estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o que mais for necessário para que não se confunda com outras. Ademais, o destinatário deve ser indicado ao menos pelo nome e endereço (art. 750 do CC).
Dispõe o art. 744 do CC que “ao receber a coisa, o transportador emitirá conhecimento com a menção dos dados que a identifiquem, obedecido ao disposto em lei especial.” Trata-se do conhecimento de frete ou de carga, que comprova o recebimento da coisa e a obrigação de transportá-la. Esse documento é um título de crédito atípico, inominado ou impróprio, devendo ser aplicadas a eles as normas previstas no CC/2002.
Ainda sobre o conhecimento de frete, o transportador poderá exigir que o remetente lhe entregue, devidamente assinada, a relação discriminada das coisas a serem transportadas, em duas vias – uma das quais, por ele devidamente autenticada, fará parte integrante do conhecimento (art. 744, parágrafo único, do CC). Essa regra decorre do dever de informar relacionado com a boa-fé objetiva.
O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto (749 do CC). Esse dispositivo traz a cláusula de incolumidade especificamente no transporte de coisas, a fundamentar a responsabilidade objetiva, exaustivamente citada. Repise-se que a cláusula de não indenizar é inoperante no transporte de mercadorias (Súmula 161 do STF).
A cláusula de incolumidade ainda é retirada do art. 750 do Código em vigor, pois a responsabilidade do transportador limita-se ao valor constante do conhecimento. Essa responsabilidade tem início no momento em que ele ou os seus prepostos recebem a coisa somente termina quando é entregue ao destinatário ou depositada em juízo, se o destinatário não for encontrado.
A coisa depositada ou guardada nos armazéns do transportador, em virtude de contrato de transporte, rege-se, no que couber, pelas disposições relativas ao contrato de depósito (art. 751 do CC). Ato contínuo, prevê o art. 752 do CC que, “desembarcadas as mercadorias, o transportador não é obrigado a dar aviso ao destinatário,
se assim não foi convencionado, dependendo também de ajuste a entrega a domicílio, e devem constar do conhecimento de embarque as cláusulas de aviso ou de entrega a domicílio”. Apesar de a norma ser clara, o seu conteúdo é falho. Isso porque o comando legal entra em conflito com o princípio da boa-fé objetiva, particularmente com o dever anexo de informar, ao prever que, em regra, o transportador não é obrigado a avisar ao destinatário que o contrato foi cumprido. Ora, trata-se de um dever anexo, ínsito a qualquer negócio patrimonial, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento.
Se o transporte não puder ser feito ou sofrer longa interrupção, em razão de obstrução de vias, conflitos armados, manifestações populares, suspensão do tráfego diante de queda de barreira, entre outras causas, o transportador solicitará, de imediato, instruções do remetente sobre como agir.
Ademais, zelará pela coisa, por cujo perecimento ou deterioração responderá, salvo caso fortuito e força maior (art. 753 do CC). Como se pode perceber, ao contrário do dispositivo anterior, este traz como conteúdo o dever anexo de informar.
Se esse impedimento perdurar, sem culpa do transportador, e o remetente não se manifestar, poderá o transportador depositar a coisa em juízo, ou posteriormente vendê-la, logicamente obedecidos os preceitos legais e regulamentares ou os costumes (art. 753, § 1.º, do CC). No entanto, se o impedimento decorrer de responsabilidade do transportador, este poderá depositar a coisa por sua conta e risco. Nesse último caso, a coisa somente poderá ser vendida se for perecível (art. 753, § 2.º, do CC).
Em ambos os casos, havendo culpa ou não do transportador, tem ele o dever de informar o remetente sobre a realização do depósito ou da eventual venda. Curiosamente e para o bem, o § 3.º do art. 753 volta a trazer o dever anexo de informar, contradizendo o criticado e malfadado art. 752 do CC.
Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns, continuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia.
Essa remuneração pode ser ajustada por contrato ou será fixada pelos usos adotados em cada sistema de transporte (art. 753, § 4.º, do CC). Nesta hipótese, haverá uma coligação de contratos decorrente de lei (transporte + depósito), aplicando-se as regras de ambos.
Ao final do percurso, as mercadorias deverão ser entregues ao destinatário, ou a quem apresente o conhecimento de frete endossado. Essa pessoa tem o dever de conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos (art. 754 do CC). O dispositivo traz o dever de vistoria por parte do destinatário, que pode ser o próprio emitente.
O parágrafo único desse art. 754 enuncia que, havendo avaria ou perda parcial da coisa transportada não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias, a contar da entrega. Conjugando-se os dois comandos, percebe-se, mais uma vez, um equívoco do legislador ao prever prazo de natureza decadencial para a ação indenizatória. Como da vez anterior, filia-se a Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, visto que, apesar de o caput falar em decadência, havendo ação indenizatória, o prazo é de prescrição.76 Em virtude de o prazo previsto ser exíguo (dez dias), deve-se entender que o prazo será, em regra, prescricional de três anos, conforme o art. 206, § 3.º, V, do CC. Em havendo relação de consumo, utiliza-se o prazo prescricional de cinco anos (art. 27 do CDC).
Por fim, em havendo dúvida acerca de quem seja o destinatário da coisa, o transportador tem o dever de depositar a mercadoria em juízo, desde que não lhe seja possível obter informações do emissor ou remetente. Porém, se a demora do depósito puder provocar a deterioração da coisa, o transportador deverá vendê-la, depositando o valor obtido em juízo (art. 755 do CC). Como destaca Sílvio de Salvo Venosa, “a lei refere-se ao saldo, pois cabe ao transportador deduzir o valor das despesas de armazenagem e frete, se ainda não pago”.
Bibliografia: 
Tartuce, Flávio Manual de direito civil: volume único- 4. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

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