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ESCOLA MODERNA E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DIDÁTICO ATÉ O 
INÍCIO DO SÉCULO XIX 
Gilberto Luiz Alves 
 
Este trabalho é resultado parcial de projeto de pesquisa centrado na origem e desenvolvimento 
da escola pública no Brasil. Refere-se a uma discussão teórica mais ampla e abrangente, sobre 
o trabalho didático na escola moderna, que, se não fica resumida ao caso brasileiro, é 
essencial para entendê-lo. Visando aprofundar o entendimento da organização do trabalho 
didático, vigente nas escolas de nosso tempo, o estudo procura captar aspectos da transição do 
ensino individual para o ensino de classe, tentando explicitar alguns de seus principais 
determinantes e formas assumidas pela relação educativa escolar até o início do século XIX. 
Ao constatar que essa transição tem sido objeto de análises controvertidas, o estudo, ora 
desenvolvido, acabou centrando-se, sobretudo, nas interpretações difundidas. Mas, para ser 
coerente com o título, acrescentou um subtítulo e relacionou as hipóteses que vêm sendo 
perseguidas num relatório mais extenso. 
Por ser uma categoria de análise central e visando assegurar clareza teórica à temática tratada, 
esclareça-se que, no plano mais genérico e abstrato, são três, necessariamente, os elementos 
constitutivos de nossa acepção de organização do trabalho didático. É pacífico, em primeiro 
lugar, o fato de ser uma relação que coloca, frente a frente, o educador, de um lado, e o(s) 
educando(s), de outro. E se realiza com a mediação de instrumentos didáticos, que envolvem 
as tecnologias educacionais e os conteúdos ministrados, no âmbito de um espaço físico 
preciso. 
As fontes básicas foram, sobretudo, obras clássicas e documentais. Com o concurso da teoria, 
densa o suficiente para desentranhar dessas fontes as contradições que captaram do real, 
procura-se lastrear, com elas, a base de informações da interpretação. Dados secundários, 
propiciados pela historiografia, contribuíram, também, para a fundamentação da análise. Mas, 
a apropriação de dados e de algumas interpretações de obras historiográficas não coloca o 
presente trabalho nos campos teórico-metodológicos correspondentes nem resvala para o 
ecletismo. As informações daí retiradas são postas em relação com uma teia teórica diferente, 
a ciência da história (Marx, 1986), o que lhes empresta, muitas vezes, significados distintos 
no interior da interpretação. 
A partir da opção teórica assumida, reconheça-se que, desde o surgimento dos primeiros 
estabelecimentos de educação sistemática, sempre vigorou, dentro deles, alguma forma de 
organização do trabalho didático. Implícito encontra-se o entendimento de que, como todas as 
obras humanas, as formas concretas de organização do trabalho didático são históricas e que, 
cada uma delas, só pode ser captada concretamente quando referida à forma social que 
determinou o seu aparecimento, como decorrência de necessidades educacionais dos homens. 
Sumariando as conclusões preliminares, afirme-se que, ainda nos primeiros séculos da época 
feudal, o ato educativo foi, predominantemente, uma relação que envolvia um educador, de 
um lado, e um educando, de outro. Enquanto se realizava a educação intelectual de um jovem, 
a relação que se estabelecia entre ele e seu preceptor, tanto na sociedade escravista quanto na 
sociedade feudal, era, sobretudo, de natureza individual. Foi essa a relação, por exemplo, 
entre Aristóteles e Alexandre, entre o sofista e seus discípulos, entre o mestre de gramática e 
os jovens que demandavam pelos seus serviços, entre o retor e seus aprendizes e entre o 
monge e o aspirante à vida cenobítica, nos primeiros tempos dos monastérios. 
Antes da instauração da modernidade, a educação sistemática foi concebida como uma 
atividade que se colocava ao lado de tantas outras de natureza artesanal. Não por acaso, o 
educador foi designado mestre. Alternativamente, foi denominado pela expressão equivalente 
de preceptor. Na sociedade feudal, o mestre artesão foi celebrado como um trabalhador que 
tinha o domínio pleno, tanto no aspecto teórico quanto no prático, da atividade à qual se 
dedicava. Ele era o senhor dos segredos de seu ofício. O mestre ou preceptor, na educação, 
como decorrência, era encarado como o profissional que dominava todos os segredos do 
trabalho didático e todas as etapas da atividade de ensino. Sob esse aspecto, no âmbito da 
educação, o mestre não poderia ser concebido senão como sábio e trabalhador qualificado. A 
organização do trabalho didático, portanto, reproduzia a própria organização do trabalho 
artesanal. 
Nesse interregno, variou, tão somente, o conteúdo da educação, como decorrência das 
transformações sociais. Para descer a maiores detalhes sobre a variação em pauta, tome-se a 
sociedade feudal como referência básica. Ainda no seu alvorecer, um registro relevante é De 
magistro, de Santo Agostinho, no qual o autor, imbuído da função de preceptor, dialoga com 
seu filho Adeodato. O texto expõe a natureza da relação educativa, no final do século IV, e 
aspectos do conteúdo didático, típicos desse lapso. O diálogo permite demonstrar como é falsa 
a crença segundo a qual o ensino medieval era dogmático e centrado na autoridade absoluta 
do mestre. As questões nascem no debate e podem redirecioná-lo quanto ao aprofundamento. 
“AGOSTINHO  Desejo, portanto, que compreendas bem que se devem apreciar mais as 
coisas significadas do que os sinais. Tudo o que existe devido a outra coisa, necessariamente 
tem valor menor que a coisa pela qual existe, caso não penses diversamente. 
ADEODATO  Parece-me que não se possa concordar com isto sem refletir. Quando, por 
exemplo, se diz “coenum” (lamaçal), parece-me que este nome seja em muito superior à coisa 
que significa. Com efeito, o que nos ofende ao ouvirmos esta palavra não é o som; “coenum”, 
mudando apenas uma letra, torna-se “coelum” (céu), mas nós sabemos que enorme diferença 
há entre as coisas significadas por estes dois nomes. Por isso eu não atribuiria a essa palavra 
todo o ódio que reservo ao que significa, e, portanto, eu a prefiro a isso; pois menos desagrava 
ouvir esta palavra do que ver ou tocar a coisa que significa. 
AGOSTINHO  Falas muito habilmente. Assim, seria falso dizermos que todas as coisas têm 
um valor superior aos sinais pelos quais se expressam.” (Santo Agostinho, 1984, p. 312) 
Também a disputatio, coligida por Luiz Jean Lauand, referente à educação do jovem Pepino, 
filho de Carlos Magno, confiada a Alcuíno, revela uma instigante relação entre mestre e 
discípulo. Do texto, correspondente ao final do século VIII, fluem a curiosidade e a 
desafiadora troca que perpassam os exercícios intelectuais. Nesses exercícios ocorre uma 
sistemática inversão de papéis, pois ambos, educador e educando, se revezam na formulação 
de perguntas e de respostas. As questões debatidas são simples, mas abarcam toda a amplitude 
da existência humana e revelam, por meio de uma linguagem sistematicamente metafórica, as 
concepções medievais. O extrato subseqüente é ilustrativo. 
“P.: Que é o homem? / A.: Servo da morte, caminhante passageiro, sempre um hóspede em 
qualquer lugar. (...) 
P.: Qual a condição humana? / A.: A de uma candeia ao vento. (...) 
P.: O que é a liberdade do homem? / A.: A sua inocência. (...) 
P.: O que é o cérebro? / A.: O conservador da memória. (...) 
P.: O que são as estrelas? / A.: A pintura que adorna o céu, piloto dos navegantes, o encanto 
da noite. (...) 
A.: O que é o soldado? / P.: A muralha do Império, o pavor do inimigo, um serviço glorioso. 
(...) 
A.: O que é que é e que não é? / P.: O nada. 
A.: E como pode ser e não ser? / P.: É enquanto palavra; não é, enquanto realidade.” (Alcuíno, 
1986, p. 79-88) 
A experiência educacional realizada nos monastérios é mais reveladora da natureza dos 
conteúdos didáticos e dos ajustamentos impostos pelas transformações sociais. No início do 
século VI, Cassiodoro e Boécio já haviamsistematizado um plano de estudos, que se 
consubstanciara no trivium e no quadrivium, as sete artes liberais. O trivium, composto pela 
gramática, pela retórica e pela lógica, lastreava a educação humanística de nível médio. 
Visava assegurar ao jovem aprendiz o domínio da estrutura da língua latina, bem como 
desenvolver sua capacidade de argumentar e construir discursos segundo regras de estilo e 
rigor lógico. Quanto aos conteúdos didáticos propriamente, na fase de transição da sociedade 
escravista para a sociedade feudal, a patrística relegou os textos clássicos pagãos ao 
ostracismo e promoveu ao primeiro plano as Escrituras Sagradas (Loyn, 1997, p. 32). Santo 
Agostinho já verberara, em Confissões, contra a utilização dessas obras na educação (Santo 
Agostinho, 1984). Por ora, vale registrar que, mesmo tendo se centrado sobre a preocupação 
de assegurar ao jovem o domínio dos fundamentos da religião, a relação educativa entre o 
monge, imbuído da função de mestre, e os seus discípulos, frise-se mais uma vez, continuava 
se realizando de indivíduo para indivíduo, nos primórdios da existência dos monastérios. 
Mas, ainda no interior da sociedade feudal, ocorreu um momento de crise dessa relação de 
natureza individual, com certeza a partir de uma intensificação da demanda por instrução. Isso 
começou a se dar, dentro do monastério, no momento em que o processo de formação de 
quadros viu-se agravado pelo aumento da quantidade de jovens que pretendia dedicar-se à 
carreira monástica. Aprofundou-se a crise, em seguida, quando o monastério abriu-se para 
ministrar lições referentes às artes liberais aos filhos da nobreza, o que gerou a necessidade de 
ser criado, dentro dessa instituição, um espaço físico específico onde fossem ministradas as 
lições. Surgia, dessa forma, a escola monástica, a base material para o desenvolvimento do 
ensino dirigido a um coletivo de estudantes, agora organizado em classe. Mais tarde, com a 
emergência das catedrais, nos burgos, foi reproduzida essa forma de organização do trabalho 
didático, até então exclusiva dos monastérios, e, no interior de suas estruturas arquitetônicas 
monumentais, também foram criados espaços escolares. A escola da catedral ampliou o 
atendimento à clientela externa, de forma a envolver, inclusive, os filhos de uma burguesia 
que começava a se enriquecer. 
As escolas monásticas e das catedrais ensejaram, ainda, o aumento do número de letrados, 
produzindo, assim, profissionais que viabilizaram a criação de escolas paroquiais, escolas 
palacianas e, até mesmo, escolas familiares. Muitos desses letrados, na condição de 
preceptores particulares, passaram, igualmente, a fundar escolas e, mediante estipêndio 
contratado antecipadamente com os pais, se dispunham a ministrar lições aos jovens, 
sobretudo de gramática. 
Acentue-se que, nesse movimento de ampliação da clientela, se impôs a produção não só de 
espaço escolar para atender, em conjunto, crianças e jovens, mas, também, a configuração de 
uma nova relação educativa, que exigia sistematização. Essa sistematização deveria se 
expressar como forma intencional de organização do trabalho didático, na qual a ação do 
educador sobre o conjunto dos estudantes pudesse combinar técnicas de atendimento 
individual e de atendimento coletivo. Essa necessidade deu margem a um processo de longa 
gestação, que, ainda na modernidade, passava por diversas formas de transição. De fato, se 
estabeleceu uma tensão entre o atendimento individual e o atendimento coletivo, que só o 
tempo e a experiência levaram a um termo de equilíbrio. 
A análise da historiografia permite constatar que a transição do ensino individual para o 
ensino de classe vem recebendo interpretações não desprovidas de controvérsias. Pela sua 
importância, pois aclara condições importantes que, mais tarde, desaguariam na gênese da 
escola moderna, é o que se discute na seqüência. 
Para expressar a natureza da organização do trabalho didático, dentro da escola monástica, são 
instigantes e cheias de ensinamentos as memórias de um jovem estudante. 
“Eu era totalmente ignorante e fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifícios do 
convento, nos quais deveria morar daquele momento em diante; mas fiquei muito contente 
pelo grande número de companheiros de vida e de jogo, que me acolheram amigavelmente. 
Depois de alguns dias, senti-me mais à vontade e apenas me adaptara aos hábitos comuns, 
quando o Scholasticus Grimaldo me confiou a um mestre, com o qual devia aprender a ler. Eu 
não estava sozinho com ele, mas havia muitos outros meninos da minha idade, de origem 
ilustre ou modesta, que, porém, estavam mais adiantados do que eu. A bondosa ajuda do 
mestre e o orgulho, juntos, levaram-me a enfrentar com zelo as minhas tarefas, tanto que após 
algumas semanas conseguia ler bastante corretamente não apenas aquilo que escreviam para 
mim na tabuinha encerada, mas também o livro de latim que me deram. Depois recebi um 
livrinho alemão, que me custou muito sacrifício para ler mas, em troca, deu-me uma grande 
alegria. De fato, quando lia alguma coisa, conseguia entendê-la, o que não acontecia com o 
latim; tanto que no início ficava maravilhado porque era possível ler e, ao mesmo tempo, 
entender o que se tinha lido. (...) 
Ano 816. A primeira coisa que tive que fazer foi aprender de cor algumas frases de 
conversação latina, para me fazer entender em latim com meus colegas. A maioria deles 
estava mais adiantada, alguns no segundo, outros no terceiro ou quarto ano de gramática. 
Portanto, tinham que, com exceção do recreio, conversar sempre em latim; mas a nós, 
principiantes, era permitido, quando necessário, conversar em alemão. Após algum tempo, 
entregaram-me a Grammatica de Donato e um aluno mais velho foi encarregado de 
interrogar-me até que eu tivesse decorado todas as declinações e as regras para o seu uso. Nas 
primeiras duas horas o mestre dava-se ao trabalho de mostrar-me como devia fazer para 
aprender estas palavras e estas formas de falar; mas depois vinha somente no final da aula, 
para perguntar ao meu instrutor como eu tinha feito minha tarefa.” (Strabo, 1989, p. 134-5) 
Elaboradas no início do século IX, essas “lembranças” demonstram que o ensino individual, 
por um lapso relativamente longo, continuou dominando o trabalho didático, mesmo em face 
de um coletivo de estudantes organizado como classe. Como se verifica, a atenção do mestre 
se concentrava em um único discípulo, por vez, e a cobertura ao conjunto de estudantes se 
realizava com a ajuda de estudantes mais adiantados e instrutores. As tecnologias 
empregadas, da mesma forma, associavam-se ao atendimento individual, a exemplo da 
“tabuinha encerada”, onde o exercício do jovem aprendiz era previamente escrito ou ditado 
pelo professor ou pelo instrutor. Em seguida, enquanto o estudante desenvolvia o exercício, o 
mesmo educador ou instrutor deslocava-se para o posto seguinte para dar atenção individual a 
outro jovem. Também o texto de apoio citado, a Grammatica de Donato, era o mesmo que, 
desde o século IV, vinha sendo utilizado pelos mestres medievais (Loyn, 1997, p. 122). Tais 
“lembranças” patenteiam, também, a convivência de crianças e jovens, numa mesma turma, 
junto a um único mestre, com níveis de domínio diferenciados em face das matérias 
estudadas. Revelam, por fim, as dificuldades dos jovens, provenientes de distintas regiões da 
Europa e falantes das mais diferentes línguas, para compreender os conteúdos memorizados 
em latim. 
Apesar de os estudantes se aglutinarem como um coletivo e se organizarem como classe, em 
face da tendência de manutenção da prática do ensino individual, nos primeiros séculos de 
existência das escolas monásticas, alguns estudiosos da educação medieval realizaram uma 
interpretação equivocada. Erroneamente, concentraram sua atenção sobre o atendimento do 
mestre, dirigido a cada indivíduo, e cristalizaram a idéiade que a organização do trabalho 
didático, que lhe correspondia, teria sido dominante ao longo da educação feudal. 
Este é o caso de David Hamilton. No seu instigante estudo Sobre as origens dos termos classe 
e curriculum, afirma: 
“(...) uma escola medieval era primariamente uma relação educacional na qual entravam um 
professor particular e um grupo de escolares individuais. Tal como os mestres das guildas e 
seus aprendizes, os professores adotavam estudantes em todos os níveis de competência e, 
conseqüentemente, organizavam seu ensino geralmente numa base individual. Esta 
individualização tinha implicações, por sua vez, sobre a organização geral da escolarização. 
Primeiro, não havia nenhum pressuposto de que todo estudante estava „aprendendo‟ a mesma 
passagem. Segundo, não havia nenhuma necessidade pedagógica de que todos os estudantes 
devessem permanecer na presença do professor durante todo o tempo de ensino – eles 
poderiam igualmente estudar (isto é, memorizar) suas lições em outro local. E, terceiro, não 
havia nenhuma expectativa de que os estudantes iriam permanecer na escola depois que seus 
objetivos educacionais específicos tivessem sido atingidos. Essencialmente, a escolarização 
medieval era uma forma organizacional de textura frouxa que podia facilmente absorver um 
grande número de estudantes. Sua aparente frouxidão (por exemplo, o absenteísmo ou o fato 
de que as matrículas não correspondiam à freqüência) não constituía tanto um fracasso (ou 
uma ruptura) da organização escolar quanto uma resposta perfeitamente eficiente às demandas 
feitas em relação a ela.” (Hamilton, 1992, p. 36) 
Como se observa, para David Hamilton a prática do ensino individual teria sido a marca 
distintiva da relação educativa feudal. Mas essa relação individual só se manteve enquanto a 
quantidade de estudantes não extrapolou o limite máximo de distribuição do tempo disponível 
do mestre. A consistente progressão do número de estudantes foi a condição que, num certo 
estágio, colocou em crise o ensino individual e determinou a emergência de uma nova 
qualidade: a relação educativa que incorporava o atendimento coletivo. Tratou-se, então, de 
uma superação dialética, que culminou com uma reorganização radical do trabalho didático. 
Hamilton naturalizou o ensino individual, no interior da sociedade feudal, deixando de captar, 
portanto, a substancial transformação que o solapava e exigia a sua superação. Com isso, teve 
a visão cerrada para ocorrências que não convergiam para as suas conclusões. Desconheceu o 
fato, por exemplo, de que estavam sendo criadas as condições materiais para a emergência de 
algo novo. A organização dos alunos em classes, paradoxalmente um dos objetos de 
investigação de Hamilton, bem como a própria escola medieval, eram evidências desse novo 
que desabrochava. 
Por outro lado, a emergência da relação entre um mestre e um coletivo de educandos, na 
sociedade feudal, não dá guarida ao entendimento de que o educador teria passado, 
repentinamente, a se despreocupar com as individualidades colocadas à sua frente. 
Antagônica ao que afirma Hamilton, essa idéia, também bastante difundida, se reduz a uma 
caricatura que distorce a imagem do ensino medieval distanciando-a do real. 
Philippe Ariès, por exemplo, traçou um expressivo quadro das escolas particulares medievais, 
no qual confirmou a composição heterogênea da clientela, quanto ao domínio do conteúdo 
ministrado pelo mestre e ao convívio, no mesmo horário, de jovens e adultos num único 
espaço escolar. Nas entrelinhas, contudo, insinua a idéia de que o atendimento do mestre se 
dirigia, sobretudo, ao coletivo dos estudantes. 
“(...) Em geral, o mestre alugava uma sala, uma schola, por um preço que era regulamentado 
nas cidades universitárias. Em Paris, essas escolas se concentravam numa rua, a Rue de 
Fouarre: vicus straminis. Essas escolas, é claro, eram independentes umas das outras. Forrava-
se o chão com palha, e os alunos aí se sentavam. Mais tarde, a partir do século XIV, passou-se 
a usar bancos, embora esse novo hábito de início parecesse suspeito. Então, o mestre esperava 
pelos alunos, como o comerciante espera pelos fregueses. Algumas vezes, um mestre roubava 
os alunos do vizinho. Nessa sala, reuniam-se então meninos e homens de todas as idades, de 
seis a 20 anos ou mais. „Vi os estudantes na escola, diz Robert de Salisbury no século XII. 
Seu número era grande (podia ser superior a 200). Vi homens de idades diversas: pueros, 
adolescentes, juvenes, senes‟, ou seja, todas as idades da vida, pois não havia uma palavra 
para designar o adulto, e as pessoas passavam sem transição de juvenes a senes. 
Ainda no século XV, os mestres do Doctrinal de Pierre Michault se dirigiam ao mesmo tempo 
aos pequenos e aos grandes que compunham seu auditório: 
„Bons alunos, de compreensão aberta, 
Quer sejais velhos ou jovens, maduros ou verdes...‟ 
„E essa escola, com uma grande multidão de alunos, jovens e velhos, estava lendo o capítulo 
sobre as construções (do Doctrinal de Alexandre la Villedieu, sucessor de Priscien e 
predecessor de Despeutères).‟ Como poderia ser de outra forma, se não havia gradação nos 
currículos, e os alunos mais velhos simplesmente haviam repetido mais vezes o que os jovens 
haviam escutado apenas uma vez, sem que houvesse outras diferenças entre eles?” (Ariès, 
1981, p. 166-7) 
Ariès não levou em conta todas as partes constitutivas do trabalho didático. Reteve, tão 
somente, o momento em que predominava a ação do mestre medieval e ignorou o momento 
de atividade do estudante, sobretudo aquele denominado disputatio. Sob esse aspecto, Ariès 
não está só. Um verbete do Dicionário da Idade Média padece da mesma limitação e vai 
mais longe, pois, além de sugerir que a ação do mestre só se dirigia ao coletivo dos 
estudantes, atribui a estes um papel eminentemente submisso, que, se não fosse pelo exercício 
da memória, seria passivo no trabalho didático. 
“Na aula, os textos eram usados sobretudo pelos professores; a raridade e o custo dos livros 
colocavam-nos fora do alcance da maioria dos alunos, muitos dos quais eram afortunados por 
possuir um saltério, tradicionalmente o primeiro livro dado a uma criança. A sala de aula 
medieval refletia a natureza preponderantemente oral da cultura medieval, com o professor 
lendo e explicando o texto, e o estudante absorvendo-o e confiando-o à memória (...).” (Loyn, 
1997, p. 128-9) 
O concurso de outros estudiosos da matéria permite corrigir tais entendimentos distorcidos. 
Mario Serenellini, além do tom categórico ao ter afirmado a participação ativa de estudantes 
nos exercícios escolares, fez uma elucidativa descrição das partes componentes da aula, 
fundamental para a discussão da questão relativa à organização artesanal do trabalho didático. 
Essa descrição tornou evidente, também, que os procedimentos adotados no exame das 
questões escolásticas eram as matrizes para o tratamento das questões didáticas. 
“(...) a metodologia didática, seguida naquele tempo, (...) comportava a participação ativa dos 
estudantes. O ensino medieval desenvolvia-se de acordo com uma linha que passava por 
várias fases sucessivas e conseqüências. No início, havia a simples leitura do texto, lectio. 
(Ensinar, dizia-se legere, em latim; daqui vem lector, sinônimo de docente; e lectio, isso que 
nós chamamos “lição”.) Depois, o professor passava ao comentário, denominado expositio. A 
expositio apoiava-se sobre três pontos: a littera, isto é, a explicação gramatical; o sensus, ou 
inteligência do texto; e a sententia, ou seja, o sentido profundo ou subterrâneo, ou, ainda, o 
conteúdo doutrinário. O conjunto de littera, sensus e sententia constituía a glossa. Quando se 
chegava à sententia, uma multidão de problemas podia ser levantada; e tinha de ser resolvida; 
este era o momento da discussão, da disputatio; e isto fazia parte integrante dos exercícios 
escolásticos. Noano de 1200, muitas obras, e, em particular, uma de São Tomás, eram 
intituladas Quaestiones disputatae – ou questões disputadas; elas dão testemunho das 
condições em que foram elaboradas; elas o foram, por outras palavras, no decorrer daquelas 
discussões de que participavam professores e estudantes.” (Serenellini, 1978, p. 214) 
Portanto, o trabalho didático na Idade Média comportava diversos momentos e, dentro deles, 
poderiam predominar técnicas de atendimento coletivo ou técnicas de atendimento individual, 
dependendo da função que correspondia a cada uma. Na lectio e na expositio o mestre se 
dirigia ao coletivo dos estudantes ao mesmo tempo; na disputatio, ganhava realce a 
participação individual de cada jovem. Apesar da forma imprecisa, pois não revela uma 
preocupação central com a organização do trabalho didático, também Jacques Verger 
corrobora com esse entendimento (Verger, 2001, p. 267-72). Não procedem, dessa forma, as 
definições absolutas sugeridas por Hamilton e por Ariès. O próprio fato de terem se 
focalizado sobre procedimentos didáticos antagônicas é a evidência de que as duas formas 
estavam presentes na educação medieval. Faltou-lhes a percepção clara das partes 
componentes da aula e o entendimento de que a algumas se adequavam melhor técnicas de 
atendimento coletivo e, a outras, técnicas de atendimento individual. 
Vistas as duas principais distorções, referentes às formas de conceber o trabalho didático na 
educação medieval, vale realçar um aspecto importante da análise de Hamilton. Mesmo 
omitindo algumas das partes constitutivas da aula na Idade Média, a comparação que realiza 
entre o mestre-escola e o mestre das guildas é muito rica de conseqüências teóricas. É, 
também, essencial para quem quer aprofundar o estudo da organização do trabalho didático 
nesse lapso. Em outras palavras, o historiador da educação inglês reconhece que os dois tipos 
de trabalhadores referidos, apesar de desenvolverem atividades distintas, estavam submetidos 
a uma forma de organização do trabalho medularmente comum: o artesanato. Essa é uma 
questão substantiva. 
Concluindo expõe-se um conjunto de hipóteses, pertinente à temática tratada, que está 
merecendo desenvolvimento num trabalho mais extenso: 
1. O modus italicus de ensinar correspondeu a uma forma de organização do trabalho 
didático, predominante nos primeiros séculos do ensino de classe, que teve como 
matriz o artesanato; 
2. O modus parisiensis de ensinar, em seguida, representou uma nova forma de 
organização, que mudou substancialmente o trabalho didático, como decorrência de 
uma incipiente divisão do trabalho, típica das manufaturas nascentes; 
3. O ensino jesuítico, influenciado pelo modus parisiensis de ensinar, foi um 
desenvolvimento do ensino escolástico medieval, o que se verifica pelos elementos 
constitutivos da aula, muito próximos da descrição empreendida por Serenellini 
(Franca, 1952, p. 57-60), mas produziu uma materialidade escolar e uma concentração 
de educadores e educandos que ensejou as condições objetivas para a instauração de 
uma divisão do trabalho mais elaborada no âmbito de trabalho didático; 
4. O movimento de universalização da educação, já presente claramente nas regiões 
influenciadas pela Reforma protestante, foi marcado por uma importante contradição 
no que se refere ao trabalho didático: de um lado, avançou ao conceber uma 
organização que incorporou a divisão do trabalho característica da manufatura madura, 
daí a seriação dos estudos e a divisão das áreas do conhecimento no currículo, mas, ao 
mesmo tempo, por não ter desenvolvido os procedimentos técnicos exigidos pelo 
atendimento dessa imensa e nova demanda, apontou no sentido da utilização de uma 
fórmula que foi incorporada, posteriormente, pelo ensino mútuo (Coménio, 1976, p. 
281). A solução convergiu para um retorno ao ensino individual, no qual a relação do 
educador e dos educandos passou a ser mediada por monitores e decuriões. 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
AGOSTINHO, Santo. Confissões; De magistro. 3.ed. Trad. J. Oliveira Santos e Ambrósio de 
Pina. São Paulo: Abril Cultural, 1984. 432 p. (Os pensadores) 
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Trad. Dora Flaksman. Rio de 
Janeiro: Zahar Editores, 1981. 279 p. (Antropologia social) 
COMÉNIO, João Amós. Didáctica Magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. 
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