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LEONCIO BASBAUM HISTÓRIA SINCERA DA REPÚBLICA de 1930 a 1960 Leôncio Basbaum nasceu em Recife a 6 de novembro de 1907. Fez seus estudos preparatórios no Rio de Janeiro, onde ingressou na Faculdade de Medicina, doutorando-se em 1929. Exerceu por alguns anos apenas a profissão de médico, quando abraçou de forma determinada a atividade política, a ela dedicando-se por cerca de quarenta anos. Por todo esse longo período, nunca deixou de se interessar pelos problemas brasileiros, os quais pôde analisar e sobre os quais pôde emi- tir originalíssimas opiniões através de diversos livros. Tem as seguintes obras publicadas: A Caminho da Revolução, (Pseudônimo: Augusto Machado), 1934, Editora Calvino, RJ. Sociologia do Materialismo, 2.a edição, 1969, Editora Obelisco, SP. Caminhos Brasileiros do Desenvolvimento, 1960, Editora Ful- gor, SP. Historiai Sincera da República, 1.° v., 3.a edição, 1976, Editora Alfa-Omega, SP. História Sincera da República, 2.° v., 4.a edição, 1976, Editora Alfa-Omega, SP. História Sincera da República, 3.° v., 4.a edição, 1976, Editora Alfa-Omega, SP. História Sincera da República, 4.<* v., l.a edição, 1968, Editora Alfa-Omega, SP. No Estranho País dos Iugoslavos, 1962, Editora Edaglit, SP. Processo Evolutivo da História, 1964, Editora Edaglit, SP. História e Consciência Social, 1967, Editora Edaglit, SP. Alienação e Humanismo, 1967, Editora Fulgor, SP. Sociologia dei Materialismo, 2a edição, 1964, Editora Ameri- caleé, Buenos Aires. Uma Vida em Seis Tempos (memórias), l.a edição, 1976, Editora Alfa-Omega, SP. Leôncio Basbaum, faleceu em São Paulo em março de 1969, logo após terminar a redação do seu livro de memórias. ÍNDICE Prefácio 9 PRIMEIRA PARTE 0 BRASIL-NOVO I. 1930-1931 — A Confusão Geral 13 II. 1932 — A Revolução Paulista 36 III. 1933-1934 — A Constitucionalização 58 IV. 1935 — A ANL e a rebelião de novembro de 1935 66 V. 1936-1937 — O 10 de novembro 88 SEGUNDA PARTE O ESTADO NOVO I. 1937-1938 — A Nova Constituição 105 II. 1938-1940 — Consolidação do Estado Novo 115 III. 1941-1944 — O Brasil na Guerra 121 IV. 1944-1945 — A Caminho da Democratização 132 V. Ainda 1945 — A Queda de Getúlio 141 VI. Retrospecto dos Quinze Anos — "O Curto Período" 148 VII. 1930-1945 — O Desenvolvimento Econômico 158 VIII. O Ditador 162 TERCEIRA PARTE A NOVA CONSTITUIÇÃO I. 1945-1946 — Afinal Eleições 169 II. 1946-1950 — O General Dutra e a Nova Constituição 179 III. 1951-1954 — A Volta de Getúlio 195 7 IV. 1954-1955 — O Período Café Filho 210 V. 1955-1960 — 50 Anos em 5 221 VI. Olhando para trás... e para diante 226 APÊNDICE As eleições de 3 de outubro de 1960 235 Brasil — 1961 243 PREFÁCIO Este volume difere, quanto ao método expositivo, dos dois vo- lumes anteriores. Aqui, por força de determinadas circunstân- cias, preferimos seguir uma exposição dos fatos em ordem cro- nológica. É, certo, muito cedo ainda para que se possa historiar esse período — de 1930 a 1960 — tão próximo de nós, quando muitos dos principais personagens ainda se acham presentes e os documentos, ocultos. Por isso mesmo ele se baseia apenas err= depoimentos de algumas testemunhas, prestadas em livros ou pessoalmente obtidos, no noticiário da imprensa da época, e na experiência pessoal do autor que viveu e sentiu esse período participando de alguns dos episódios narrados. Não se esperem "grandes revelações", embora muitos dos fatos aqui narrados sejam no todo ou em parte desconhecidos do grande público, enquanto outros são pela primeira vez divulga- dos. Nossa principal preocupação, como nos volumes anterio- res, foi, sobretudo, compreender os fatos expostos, identificar suas origens, correlações e conseqüências. Pois tal é o verda- deiro sentido da História. Embora a lembrança de fatos tão recentes possa parecer fora de propósito, pois são coisas que "todo mundo conhece", lem- bremos que as novas gerações devem ser excluídas desse "todo mundo". Elas ignoram totalmente ou conhecem falsamente — pois aqui foi mais uma vez a História deturpada, o que foi a época pós-30: as esperanças de milhões esmagadas pelas ambi- ções de alguns. A elas dedicamos este livro. 9 PRIMEIRA PARTE O BRASIL-NOVO CAPÍTULO I 1930-1931 — A CONFUSÃO GERAL Os primeiros meses que se seguiram à deposição do Presidente Washington Luís, a 24 de outubro de 1930, decorreram sob o signo da confusão. Tal era o entusiasmo pela vitória, a alegria popular pelo Brasil-Novo, que, parecia, uma nova era havia sido alcançada, de liberdade e progresso. E durante alguns dias o povo chegou a julgar-se dono do poder. O movimento das mas- sas nas ruas era como uma corrente impetuosa de uma represa rebentada. Os heróis do dia eram festejados como salvadores, ovacionados nas ruas em centenas de comícios improvisados em que improvisados oradores davam largas aos seus instintos ora- tórios. Enquanto os decaídos, desde logo chamados "carcomi- dos", eram forçados a buscar refúgio para evitar os insultos e as ameaças de agressão por parte dos populares mais exaltados. Os jornais da "antiga situação", principalmente O Paiz e a Ga- zeta de Notícias, foram assaltados, depredados e incendiados. E tais fatos se verificaram não apenas na Capital do país, o Rio •de Janeiro, mas em quase todas as cidades, aldeias e vilas. O povo acreditava mesmo que o perrepismo havia acabado e que nunca mais voltaria. Igualmente notável foi a corrida, simultaneamente, dos mais vi- vos, dos que se julgavam "donos da revolução", aos cargos e posições de mando. Típico é o caso narrado por Maurício de Lacerda, daquele sargento que, por sua própria conta, no mes- mo dia 24, se empossava como Diretor Geral dos Correios, cargo no qual durou apenas dois dias, ao fim dos quais já es- tava preso como suspeito de conspirador contra-revolucionário. A 3 de novembro Getúlio Vargas entra no Rio de Janeiro à frente das forças revolucionárias comandadas por Góis Montei- 13 ro, então coronel mas já guindado, por força da revolução, ao posto de general. No mesmo dia toma posse. E embora tivesse planejado empossar-se como Presidente da República "eleito e esbulhado pela fraude", nas eleições de 1.° de março, terminou por mudar de pensamento: "Assumo provisoriamente o governo da República como delegado da Revolução, em nome do Exérci- to, da Marinha e do Povo". Jamais um provisório foi tão permanente, pois que no poder iria demorar nada menos de quinze anos. A primeira medida do governo revolucionário, como soem fazer todos os governos revolucionários, foi instituir — o que foi feito a 28 de novembro, um Tribunal Especial para julgar os "crimes do governo deposto". Diga-se de passagem que esse Tribunal nada encontrou de que pudesse incriminar os antigos dirigentes do país. As "sensacio- nais revelações" ansiosamente esperadas, não apareceram. De tal modo que o Tribunal foi substituído por uma Junta de san- ções constituída por três baluartes da nova ordem: Osvaldo Ara- nha, Leite de Castro e Francisco Campos. A essa junta se atri- buía inclusive a faculdade de poder julgar sem defesa. Não obstante também essa Junta nada apurou. E a 3 de agosto de 1931 foi suspensa a interdição dos bens dos membros do go- verno deposto. A segunda medida deveria consistir, sem dúvida, em organizar o governo, formar um ministério com o qual administrar o país, ou pelo menos tentar dar-lhe um pouco de ordem. Conservou o novo Presidente três ministros da Junta Pacificadora que acaba- va de extinguir-se: Afrânio Melo Franco, na pasta do Exte- rior, General Leite de Castro, na Guerra e Almirante Isaías No- ronha, na Marinha, o qual, como o anterior, iria demorar mui- to pouco no cargo. 0 mesmo aliás sucederia com os demais ministros. Osvaldo Aranha foi o ministro da Justiça, José Amé- 14 rico, representando a "pequenina e heróica Paraíba", da pro- paganda revolucionária, ficou na Viação; Assis Brasil, gaúcho, na Agricultura e, finalmente, o que já não poderia falar na novaordem de coisas, José Maria Whitaker, do Partido Demo- crático Paulista, na pasta da Fazenda. Juarez Távora, cujo papel nas conspirações que prepararam a Revolução fora dos mais salientes, pelo grande prestígio que ad- quirira no norte do País, onde comandara os primeiros levan- tamentos revolucionários, assumiu um cargo absolutamente novo, para ele especialmente criado: controlador da política do Norte, do Espírito Santo para cima, cargo que lhe valeu o título jor- nalístico de Vice-Rei do Norte. Para a chefia da Polícia Civil do Rio, posto dos mais importantes, foi designado Baptista Lu- zardo, deputado federal pelo Rio Grande do Sul no regime de- posto. Como é fácil de supor, tal ministério não agradou a todos os líderes do Movimento Revolucionário, mas, é claro que, para contentar a todos que se julgavam com direito a um posto no ministério seriam necessárias pelo menos cem pastas. Não obs- tante, para satisfazer as reivindicações dos mineiros e do Rio Grande do Sul, segundo os cronistas da época, foram criados mais dois ministérios: o da Educação, para o mineiro Francisco Campos que, sete anos depois, seria o autor da famosa Consti- tuição "polaca" de 1937; e a do Trabalho, Indústria e Comér- cio, para o gaúcho Lindolfo Collor. Mais difícil do que organizar o ministério era saber o que fazer com ele: planos de governo não havia. Três anos depois o próprio Getúlio o confirmaria, em sua Mensagem à Constituin- te: "movimento geral de opinião, não possuía, para guiar-lhe a ação reconstrutora, princípios orientadores, nem postulados ideo- lógicos definidos e propagados". Todavia, a célebre plataforma de candidato, — o programa da Aliança Liberal — lida na es- planada do Castelo três anos atrás, estava cheia de "prinfípios orientadores" e planos de governo. Tudo fora esquecido. 15 Como diria o General Góis Monteiro, trinta anos depois: "não havia propriamente um programa revolucionário, pois o progra- ma da Aliança Liberal existia apenas como documento histórico de fraseologia vã e vazia".l Mas as próprias circunstâncias se encarregariam de dar traba- lho e programa ao novo governo: diante da confusão geral, das dificuldades herdadas do governo anterior, da insatisfação que já começava a lavrar em todo o país, pois já se conspirava aber- tamente para uma "verdadeira revolução" dentro das próprias hostes dos vencedores, um problema fundamental se erguia como um fantasma: o de manter-se no poder. E só isso já reunia em si uma série de problemas. Em primeiro lugar o da própria sobrevivência nacional: a vida continuava, 0 país era uma entidade econômica que devia produzir, expor- tar, importar... e isso em meio a uma crise econômica inter- nacional que atingia nesse momento o auge; o problema polí- tico, a organização política dos Estados, que se encontravam mergulhados em confusão ainda maior; era necessário liqüidar os grupos revolucionários descontentes e desconfiados que, ao dia imediato da posse de Getúlio já estavam conspirando; ha- via ainda o problema das massas insatisfeitas, sufocadas pelo de- semprego; o pavor aos comunistas e prestistas, os quais não ha- viam aderido ao movimento revolucionário e continuavam a combater o novo governo; e, finalmente, a necessidade de sa- tisfazer os amigos — pagar o preço da adesão revolucionária — sem provocar os inimigos ainda fortes — como os paulistas. A situação política nos Estados foi aos poucos sendo resolvida com a nomeação de interventores, quase todos tenentes: no Es- pírito Santo, Punaro Bley; na Bahia, Juracy Magalhães; em Sergipe, Maynard Gomes; em Alagoas, Afonso de Carvalho; no Piauí, Landry Salles; no Pará, Magalhães Barata, enquanto em 1 Lourival Coutinho, O General Góes Depõe, Rio, 1956, pág. 168. 16 outros Estados eram nomeados civis. Alguns desses intervento- res se haviam empossado por conta própria, sendo depois con- firmados por ato do governo federal, enquanto outros substi- tuíam alguns desses que se haviam empossado ou sido nomeados nos primeiros meses da confusão. Começa assim o país, em princípios de 31, a viver politicamen- te. No Norte, em cada Estado, os vencidos se reorganizam, pe- netram entre os tenentes e deles, fazem seus instrumentos, para que nada se altere. E nada se altera mesmo. Os novos Partidos que se vão formando são apenas novas máscaras para os antigos Partidos Republicanos estaduais. Os usineiros, os fazendeiros, os senhores de engenho e proprietários de terras, abandonam a orientação dos "carcomidos" e prendem-se aos novos chefes, que deverão defender seus interesses junto ao governo central. Somente São Paulo se transforma em uma espinha atravessada na garganta do governo revolucionário. Entregando os demais Estados aos tenentes, sob a fiscalização de Juarez Távora, pôde Getúlio ocupar-se tranqüilamente dos demais problemas, o prin- cipal dos quais era São Paulo. Esse era já então o mais rico Estado da Federação. Nele se concentravam a antiga aristocracia rural do café e o PRP, que durante 36 anos havia dominado o país. São Paulo era o úni- co Estado que, em seu conjunto, se mantinha ainda fiel ao pre- sidente deposto, Washington Luís, membro do PRP. É verdade que havia aí, como vimos no volume anterior, uma forte cor- rente revolucionária, concentrada no Partido Democrático. E seria lógico que fosse o interventor escolhido no seio desse Par- tido. Mas os tenentes e líderes revolucionários, principalmente João Alberto e Miguel Costa pensavam de outra maneira. Como observa Pedro Calmon, confundiam democráticos e republicanos. Todos eram "paulistas".2 E Getúlio nomeou interventor, João Alberto. As conseqüências da crise gerada por esse ato, vere- mos adiante. 2 História do Brasil, Rio, 1959; vol. 6, pág. 2 220. 17 Para o Rio Grande do Sul foi nomeado o general Flores da Cunha, o interventor nato, dadas as circunstâncias. A Frente Única, união dos dois partidos tradicionais, nascida no processo da conspiração revolucionária, considera-se dona absoluta da re- volução e do próprio Getúlio. Mas como este procura desde logo seguir uma política independente, rompe com ele. Getúlio per- de assim o apoio das mais fortes correntes políticas do seu pró- prio Estado. A Frente Única começa a aproximar-se da nova Frente Única que se vai formando em São Paulo, com a fusão dos dois partidos paulistas rivais, o Republicano Paulista e o Democrático. Esse apoio daria aos paulistas a ilusão de força por ocasião da revolução constitucionalista do ano seguinte. Concretizando a ruptura, as forças políticas gaúchas retiram do governo federal alguns de seus mais importantes líderes e que se encontravam desde os primeiros dias da revolução em postos de comando: Maurício Cardoso, Ministro da Fazenda durante algum tempo, Lindolfo Collor, Ministro do Trabalho, Baptista Luzardo, chefe de polícia. Em Minas, não houve interventor. O governador, o velho Ole- gário Maciel, por ter desde o início apoiado o movimento re- volucionário, pretende continuar Governador. É membro do an- tigo Partido Republicano Mineiro, inteiramente desmoralizado pe- rante o povo. Este, por isso, muda de nome e passa a chamar- se de acordo com a nova moda, Partido Social Nacionalista. Enquanto isso as forças "autenticamente revolucionárias", co- mandadas pelo grande democrata que iria poucos anos depois dar-nos o Estado Nacional de 1937, Francisco Campos, fundam a Legião Liberal de Minas, posteriormente chamada Legião de Outubro, organização de caráter nitidamente fascista, cujo obje- tivo é derrubar as forças políticas tradicionais do PRM. Mas a Legião não tarda a cindir-se, ante a desconfiança popular: uma parte une-se ao antigo PRM, outra volta-se para Getúlio, no qual Olegário aliás igualmente não confia. 18 Em São Paulo também a situação não é muito clara e as am- bições pessoais, os grupos desalojados, e os novos donos do po- der entram em choque. Miguel Costa, herói de 1924 e 1930 é o chefe de polícia do interventor João Alberto. Dele se dizia que"guardava o marxismo no coração e os marxistas na ca- deia". Também ele não confia em Getúlio e organiza as suas próprias Legiões Revolucionárias, constituídas de operários e so- bretudo desempregados. Durante algum tempo essas Legiões exercem principalmente um papel policial: dissolvem comícios comunistas, e ajudam a polícia, aterrorizando a população com desfiles ruidosos. O grande movimento paredista de julho-agos- to de 1931, em São Paulo, foi obra dessas Legiões de Miguel Costa que, com o objetivo de impedir a posse do interventor em perspectiva, Plínio Barreto, em substituição a João Alberto, buscavam, juntos com a polícia, fechar as fábricas e arrastar os operários a uma greve simulada!3 Ante a desmoralização crescente dessas Legiões, resolve Miguel Costa transformá-las em partido político, o P.P.P. (Partido Po- pular Paulista) o qual reúne as mais estranhas e contraditórias doutrinas. Querendo fazer jogo com o governo central, inicia o congresso da fundação do Partido, mandando um telegrama de apoio a Getúlio. Dias depois, esse mesmo Congresso se en- cerrava votando uma moção contra Getúlio H E no Rio? Aí estamos sob o império dos tenentes que já do- minam o Norte. Que são os tenentes? Que representam? Onde reside sua for- ça? E por que Getúlio tanto se interessa em obter o seu apoio, faz-lhes tantas concessões? Os tenentes, com farda ou sem ela, representam duas grandes forças reunidas: a militar e a dema- gógica. Militarmente, eles dominam o exército, pela sua proxi- midade com a tropa, podendo a qualquer momento levantá-la. 3 Augusto Machado, A Caminho da Revolução Operária e Camponesa, Rio, 1934, pág. 76. 4 Idem, pág. 76. 19 Podem faze-lo mais facilmente que os generais. Demagogicamen- te, alegam ser os representantes exclusivos do "espírito revolu- cionário de 1922, 24 e 30". O Clube 3 de Outubro é o seu Partido. Nasce de uma reunião na casa do Ministro Afrânio Melo Franco. É seu primeiro Pre- sidente o General Góis Monteiro. O Clube 3 de Outubro é o principal sustentáculo do Governo revolucionário. Por volta do fim de 31 o governo já está cambaleando e perdeu a confiança do povo. Os principais e angustiantes problemas, entre os quais o do desemprego, permanecem onde estavam: continuam proble- mas, à espera de solução. Como obter o apoio das massas? Fazendo concessões aos tenentes. E que querem os tenentes? Querem o fascismo, o governo forte, a luta de morte contra o comunismo5 e as veleidades revolucionárias das massas. Diz João Neves da Fontoura: "Aqui no centro (refere-se ao Rio), Vargas admitia as manobras do Clube 3 de Outubro, no qual havia gente de todos os feitios, ali predominando o "bota- abaixo", a demagogia, uns laivos indefiníveis entre o fascismo (então caminhando para o apogeu) e o comunismo consciente ou inconsciente".6 Essa aparente mistura de fascistas e comunistas, a que se refere mal avisadamente João Neves, nada mais era do que a demons- tração de um espírito exaltado e , inconseqüente das classes mé- dias que não sabiam o que queriam nem para onde iam, mas que desejavam antes de tudo o poder incontrolado e a destrui- ção dos carcomidos, dos comunistas e dos prestistas, dos quais tinham medo. 5 Em outubro de 1930, estando o Autor na Bahia, foi o mesmo convidado por alguns oficiais das tropas revolucionárias de Juarez Távora, que aca- bavam de entrar em Salvador, com estas palavras textuais "agora vamos ca- çar comunistas". O próprio Autor foi por isso mesmo, dias depois, devida- mente "caçado" e preso. 6 Artigo Causas e Aspectos da Revolução Constitucionalista, em "O Estado de São Paulo", de 9 de julho de 1958. 20 Segundo Maurício de Lacerda, foi Osvaldo Aranha quem expôs pela primeira vez aos vencedores o plano das legiões e a exce- lência do sistema corporativo italiano sobre o de classes russo.7 Enquanto os dirigentes revolucionários se perdiam em lutas e futricas políticas, a situação econômica do país, relegada que fora a segundo plano — como se a tomada do poder já fosse suficiente para resolvê-la, estava se agravando rapidamente. O café, como já havíamos assinalado, sustentáculo máximo da economia brasileira, fonte quase única de divisas, atravessava a maior crise da sua história, caracterizada: a) pela diminuição do consumo, não somente no exterior, onde a crise mundial de- flagrada no ano anterior continuava a varrer o capitalismo, como no próprio interior do país, em virtude do desemprego e da rebaixa geral dos salários; b) pela diminuição do seu valor ouro (passara de 4 libras esterlinas a custar apenas 1, por saca); c) pela formidável superprodução: 24 milhões de sacas em estoque em 1931, para uma exportação provável de apenas 12 milhões. Assim o café era o primeiro e fundamental problema. Como já havíamos mostrado no volume anterior, o Partido Democrático Paulista, formado em parte por elementos do PRP para comba- ter a política de valorização, acabara por transformar-se, pela in- tromissão de banqueiros e exportadores em suas fileiras, em partido pró-valorização, política que o Presidente Washington Luís havia abandonado, nos últimos anos de seu governo, como política suicida. O que vemos entretanto, logo depois de 30, é precisamente o Ministro da Fazenda Whitaker, banqueiro e dirigente do Partido Democrático, pôr em prática a política suicida, protecionista, dos preços-altos. Assim foi fundado o Conselho Nacional do Café, cuja orienta- ção econômica seria contrária ao do Instituto do Café, organi- 7 A 2.» República, Rio, 1931, pág. ?19. •21 zação mais paulista do que nacional, mas que já estava aban- donando a política dos preços-altos. Esse plano de manutenção dos preços consistia em: 1.°) 0 Conselho Nacional do Café, mediante uma taxa de 10 shillings (depois elevada para 15), com uma contribuição do governo federal, compraria os estoques excedentes, para incineração, à razão de 10 milhões de sacas por ano. Até 1937, com efeito, pelo fogo e pela água (lançadas ao mar) foram destruídas 70 milhões de sacas! 2.°) O C.N.C. desenvolveria intensa propaganda em prol dos cafés finos, cujo preço era muito maior no mercado interna- cional. 3.°) Trataria ainda o C.N.C. de conquistar novos mercados, in- clusive a União Soviética, (como se vê, a idéia é velha) _ E, finalmente, 4.°), diminuir o custo da produção pela redução dos salários e tarefas dos colonos, em 50%.8 Ao fim de um ano dessa política, os preços não haviam ainda melhorado. E como não havia indícios de alguma providencial geada para liqüidar com os terríveis cafeeiros, que teimavam em dar café, resolveu o governo federal, ainda por intermédio do C.N.C, proibir o plantio de novos pés, por três anos conse- cutivos. Em 1933 diria a respeito um jornal oficioso, órgão máximo do "tenentismo": "Depois de dez anos de intervenção oficial nos mercados de café, os resultados aí estão para quem os quiser ver: as exportações diminuindo dia a dia, a lavoura debatendo- se numa crise que faz prever como inevitável seu completo ani- quilamento, o problema cafeeiro apresentando-se mais grave do que nunca e, ao lado desse quadro tão trágico que apresenta o Brasil, os outros países produtores de café, em situação de es- plêndida prosperidade, vendendo tudo quanto produzem, con- quistando, lenta mais firmemente, a posição excepcional que des- frutávamos durante quase um século, e expulsando-nos dos mer- 8 Veja-se o 2." vol., pág. 289- 22 cados consumidores como se fossemos uns intrusos chegados à última hora".9 Em 1932/33 o café rendia menos 5 milhões de libras que em 1931/32 e 7 milhões menos que cm 1930/31. Mas não havia apenas o problema do café. Considerando que a revolução se fizera para acabar com a monocultura do café, valorizando outros produtos de exportação, era preciso fazer al- guma coisa por esses outros produtos. Todavia nada podia ser feito, pois a crise era geral, e havia atingido a todos os ramos da produçãolO e como país exportador que vivia do mercado ex- terno, só nos restavaaguardar que melhorasse a situação mun- dial. Finalmente, havia ainda o problema das dívidas externas, que alcançavam nessa época, em moeda brasileira, cerca de 20 mi- lhões de contos (20 bilhões de cruzeiros). Em 1931 o Brasil tinha de pagar, só em juros e amortizações, cerca de 24 milhões de esterlinos. E como a entrada de ouro das exportações pre- vistas não chegaria a 10 milhões, viu-se o governo revolucioná- rio obrigado a recorrer a um novo "funding loan", ou seja a fusão de todos os empréstimos, ingleses, americanos e franceses, de 1883 até a data, a juros de 5%. O total somava: Libras, 10.530.751-28-0; Dólares 29.884.545,00 e Francos ouro, 201.000,000. Trinta anos depois ainda estamos devendo boa par- te desse dinheiro. 9 Do jornal "A Nação", de 14 de maio de 1933, Rio. 10 Valor médio por unidades de mercadorias exportadas, em £ e Sh. Mercadorias Unidade 1928 1930 1932 Carne em Conserva ton. 66/6 61 39/5 Couros 78/16 39/13 21/10 Açúcar 16/17 6/16 7/11 Borracha 82/1,9 5/89 Cacau 55/12 34/7 16/2 Café Saca 60 kg 4/18 3/2 2/2 Fumo ton. 56/2 48/6 21/14 Herva Mate 31/3 27/1 15/2 Óleos 84/10 46/10 33/4* Augusto Machado, ob. cit., pág. 95. 23 Logo após a instalação do novo governo, aproveitando o entu- siasmo e as ilusões ainda frescas do povo, Osvaldo Aranha lan- çou a idéia de que cada patriota brasileiro contribuísse com um mil-réis-ouro, para o pagamento das dívidas externas. Mas a iniciativa fracassou. Não que faltassem patriotas. Faltava mesmo era dinheiro, pelo menos em mãos dos patriotas. Por volta de 1931 havia no Brasil cerca de 2 milhões de desem- pregados ou semi-desempregados (que trabalhavam apenas três ou quatro dias por semana). Os felizardos que conseguiam man- ter-se nos empregos, tiveram seus salários reduzidos para pode- rem continuar trabalhando. No Rio o Ministério do Trabalho instalou na Praça da Bandeira postos de colocação, aos quais os desempregados deviam compa- recer para dar nome, endereço, profissão e... aguardar aviso. Tal medida, destinada a aquietar os desempregados, teve efeitos contrários, pois estes não • tardaram em verificar que se tratava de uma burla, ou brincadeira de mau-gosto. O Partido Comunis- ta, diante do desespero dos sem trabalho, convidou o operaria- do, em fins deste mesmo ano de 1931, a uma passeata da fome, que a polícia dissolveu à bala. O desespero já havia então entrado na própria direção do PCB que resolveu lançar a palavra de ordem de assalto aos armazéns de víveres. Mas a polícia revolucionária do Brasil-Novo estava alerta e novas mortes tiveram de ser acrescidas às já numerosas vítimas dos salvadores da pátria, os quais continuavam, como no regime deposto, a tratar as questões sociais como casos de polícia. Em São Paulo a situação não era melhor. Os desempregados costumavam reunir-se, diariamente, no Largo de São Bento, onde matavam o tempo discutindo futebol ou po- lítica, aguardando a chegada de alguém precisando de operários. Em dado momento, a partir de certo dia, começaram a aparecer 24 tintureiros da polícia que cercavam os operários na praça, blo- queando as saídas. Os que não conseguiam escapar eram jogados LOS tintureiros e, a partir daí, não mais se obtinha deles notícias. Isso aconte- ceu durante vários dias seguidos até que a praça ficou deserta. Era sem dúvida uma nova forma de acabar com o desemprego: prendendo e deportando os desempregados. Segundo se soube na época, eram jogados na fronteira com Mato Grosso. Mas vejamos a outra versão, segundo testemunho insuspeito de Maurício de Lacerda: "Disse-nos João Alberto que ia até, nes- se seu plano, associar a proteção daquele produto (o café) à solução dos problemas econômicos do latifúndio e do desempre- go forçado. Esclareceu logo que iria localizar os desempregados da capital e das cidades numa ou duas fazendas, de cujos no- mes não nos recordamos, hipotecadas, como quase todas as pro- priedades paulistas, ao dinheiro inglês, através de Banco em que aparece a figura do pai de Júlio Prestes, um dos grandes che- fes políticos de São Paulo de outrora. Pedindo-lhe que nos in- formasse se isso absorveria o grande número de desempregados das cidades e também o dos desocupados dos campos, avaliados em cerca de 200 000, disse-nos que não, pois se tratava de um começo." (...) "Tomamos então a liberdade de interpelar João Alberto sobre a hipótese provável de não se adaptarem ou não se predisporem muitos dos artesãos e homens de ofício das ci- dades ao trabalho dos campos, para o qual assim os convidava. João Alberto respondeu que eles tinham de ir, pois a fome os levaria a aceitar a solução proposta". (...) E, mais adiante: "João Alberto não vacilou e respondeu em cima da bucha: se eles recusarem esse convite e vierem para a rua fazer mazorca, tenho que prendê-los e meter o pau".n Sobre o que acontecia nos demais Estados, pouco se sabia e se sabe ainda de vez que a censura, muito severa, impedia a pu- 11 Maurício de Lacerda, ob. cit., págs. 281 e 283. 25 blicação de notícias dessa natureza. Mas podemos presumir, diante de outras notícias de levantes, conjurações, motins, etc, ocorridas durante esse primeiro ano de Brasil-Novo, não era a situação diferente. É fácil compreender como tal estado de coisas, agravando as condições de vida do povo, intranqüilizando as famílias, come- çava a provocar agitações e conspirações dos que sofriam na própria carne a incapacidade do governo revolucionário em re- solver o problema angustiante do desemprego e da fome. A es- sas se somavam as dos idealistas, que viam cair na desesperan- ça suas ilusões democráticas. Só no ano de 1931, mesmo pelas parcas notícias que transpira- vam timidamente através da imprensa, podiam contar-se cerca de vinte levantes e tentativas de golpes de quartel, de sargentos e oficiais, e até mesmo de grupos de soldados, do Amazona? ao Rio Grande do Sul. E isso sem contar as conspirações de- nunciadas e abortadas antes de explodir e que os jornais natu- ralmente não noticiavam. Maurício de Lacerda, em seu livro- depoimento já citado, refere-se, como denunciadores desse espí- rito de insatisfação e rebeldia, a "manifestos soltos pelos quar- téis e que, dirigidos mais aos comandos e oficiais, traçam pro- grama de um golpe militar, diante do iminente fracasso dos ci- vis de outubro na sua ditadura, para pôr em ordem o caos das suas reivindicações".12 "Lemos nada menos de três desses ma- nifestos, diz ainda, levantando a bandeira de guerra aos situa- cionismos de Minas e Rio Grande do Sul..." E mais adiante: "Um dos três referidos manifestos trata da caracterização fas- cista do governo e da criação das legiões que afirma terem sur- gido para com elas se pôr de lado a tropa de linha, como su- cedeu na Itália.13 1 2 Ob. cit., pág. 363. 13 Idem. pág. 364. 26 A indisciplina reinante entre a ofiéialidade do Exército e da Ar- mada não tardou a se estender à soldadesca e o país inteiro foi sacudido por uma série de desordens e motins sangrentos, que variaram desde arruaças nas zonas do baixo meretrício até revol- tas dentro das casernas, em que muitos oficiais foram barbara- mente assassinados. Em 17 de dezembro de 1930, rebenta rumoroso conflito na zo- na do baixo meretrício no Rio de Janeiro, promovido por sol- dados, com forte tiroteio, espaldeiramento de civis etc. Os que fugiam eram alvejados pelas costas. Botequins foram invadidos e bebidas servidas de graça. Numerosos feridos a bala e a sa- bre. Pouco depois, surge um conflito idêntico na Lapa. No dia seguinte, 18 de dezembro, estala outro conflito, desta vez em Madureira, provocado por fuzileiros navais. Assalto a cafés e bilhares, saques de bebidas, depredação de móveis e atos de vandalismo. Desrespeito às autoridades policiais, com recusa de responder aos interrogatórios. Mais tarde, outra desordem dos navais, já acompanhados de soldados do Exército, no interior de um botequim. Em 1." de janeiro de 1931, surgem arruaçasem Niterói entre praças do Exército e da polícia fluminense. Soldados do Exér- cito, disparando suas armas para o ar, lançam o pânico na po- pulação. A intervenção da polícia acirra os' ânimos. Numero- sos feridos. Em 7 de janeiro de 1931 — Violento conflito no Morro do Salgueiro: 30 praças do Exército tentam tomar de assalto aquele morro. Os moradores, em sua defesa, travam violento tiroteio. Numerosos feridos. Em 1.° de maio de 1931, tentam revoltar-se três batalhões da Força Pública Paulista. Note-se que essa organização militar sempre primou pela sua estrita disciplina. Nesse mesmo mês, rebenta rumoroso dissídio entre o Partido Republicano Mineiro e a chamada "Legião de Outubro". Boatos alarmantes põem a população em pânico. 27 Em 21 de maio de 1931, um assalto intentado contra o Quartel do Derby, em Recife, foi repelido. Em 2 de junho de 1931, o Cabo Amador de Carvalho, que co- mandava a guarda do quartel do 25." Batalhão de Caçadores, em Terezina, decidiu prender o comandante e saquear a cidade. Os sargentos organizaram um contra-movimento, retomaram o quartel e soltaram a oficialidade. Em 4 de setembro de 1931, rebenta uma rebelião em Niterói. Há choque de forças, de que resultam 3 mortos e numerosos feridos. Os rebeldes, às ordens do ex-capitão revolucionário Jor- ge Soares, ocupam o quartel do Corpo de Bombeiros, a Peniten- ciária e a Polícia Central. A Polícia Militar do Estado e o 2.° Batalhão de Caçadores põem fim ao motim, com a morte do Capitão Soares. Em agosto de 1931, corriam boatos alarmantes em São Paulo. Os "tenentes" e seus asseclas haviam iniciado uma vasta campa- nha de acusações de separatismo contra o povo paulista, para justificar a sua interferência nos negócios internos do Estado. Em 30 de outubro de 1931, subleva-se em Recife o 21.° Bata- lhão de Caçadores, sob o Comando de tenentes comissionados. Essa revolta é julgada pelo 22.° Batalhão de Caçadores, por uma Bateria de Montanha e uma Companhia da Polícia da Pa- raíba. Foi morto o comandante da unidade rebelada, Capitão Nereu Guerra, que se recusou a aderir. A sua morte se deu com uma rajada de metralhadora. Em 27 de janeiro de 1932, descobre-se em Vitória um movimen- to chefiado pela Polícia do Espírito Santo, para depor o Inter- ventor Punaro Bley, interventor que ficou famoso pelas arbitra- riedades cometidas. Os oficiais foram presos em tempo. Em 13 de fevereiro de 1932, verificaram-se graves ocorrências em Sant'Ana do Livramento, que quase produzem um inciden- te internacional. Tendo sido preso em Rivera (Uruguai), por ocasião do carnaval, um cabo do Regimento de Cavalaria de Livramento, os seus colegas, aproveitando-se da ausência da ofi- 28 cialidade, tentaram invadir o território uruguaio e de lá trazer o cabo aprisionado. Houve nessa ocasião cerrado tiroteio, no qual morreu um civil e saiu ferido um soldado do 7.° Regimen- to. Isso veio agravar ainda mais a situação. À meia-noite des- se dia, numerosos praças daquela unidade resolveram invadir a cidade uruguaia e libertar o cabo, bem como outros praças que haviam sido detidos posteriormente. 0 Comandante do 7." Regimento, avisado em tempo, corre ao encontro dos soldados e consegue fazê-los voltar ao quartel. 0 Ministro da Guerra, General Leite de Castro, confirma essas ocor- rências e declara haver tomado todas as providências para "evi- tar a reprodução do fato..." Em 12 de abril de 1932, a polícia do próprio interventor fede- ral interino, Sr. Leônidas de Matos, tenta incendiar a redação do "0 Momento". A 27 de maio, rebenta aguda crise no Exército contra a de- cisão do Ministro da Guerra com relação à classificação dos cadetes anistiados de 1922. Centenas de telegramas de protesto da "tenentada" de todo o país. Todos presos por 30 dias. Em junho, o irmão »do General Miguel Costa (um dos líderes da revolução) tenta revoltar o Regimento de Cavalaria da For- ça Pública de São Paulo. A 8 de julho, o Sr. João Neves protesta contra o empastela- mento da "A Tarde" 14, na Bahia. Para mostrar que não reconhecia ser a questão social simples caso de polícia, criou o governo revolucinário o Ministério do Trabalho. O papel desse Ministério, na história do período que se inicia em 1930, foi dos mais significativos porque ele conse- guiu esmagar, no curso de alguns anos, o que havia de mais 14 Afonso Henriques, Vargas, o Maquiavélico São Paulo, 1961, págs. 107 em diante. 29 puro, espontâneo e ao mesmo tempo organizado no movimento operário brasileiro: a vida sindical dos trabalhadores. Com o objetivo de insinuar-se no seio da massa trabalhadora e dos sindicatos, mandou esse Ministério buscar alguns líderes popu- lares, tais como Joaquim Pimenta, de Pernambuco e Agripino Nazareth, da Bahia, os quais, jogando com a confiança que go- zavam entre essas massas, conseguiram pelo menos "neutrali- zá-las" durante algum tempo. A política trabalhista do governo revolucionário se mostrou tão útil e eficaz em relação aos interesses das classes dominantes, que ainda hoje continua, sobrevivendo a três constituições. Essa política logo posta em prática, podia sintetizar-se em poucos tra- ços fundamentais: 1.°) — Liquidação da liberdade sindical. Os sindicatos só podiam existir desde que controlados pelo Minis- tério do Trabalho que podia ou não confirmar e reconhecer as diretorias eleitas. 2.°) — Criação do peleguismo sindical. An- tes de 1930 havia em alguns sindicatos, dirigentes que se ven- diam aos patrões. Mas logo que descobertos, eram desmascara- dos e expulsos do sindicato. Depois de 1930 surgiram os pelegos, instrumentos não mais desse ou daquele patrão, mas do gover- no, a serviço dos patrões em geral. Esses pelegos — os buro- cratas sindicais — que se eternizavam nas diretorias dos sindi- catos com bons ordenados e propinas governamentais, surgidos depois de 1930-31, ainda hoje existem, embora tenham nomes pessoais diferentes. A Confederação Geral dos Trabalhadores, fundada em 1929, foi destruída e posteriormente substituída pela Confederação Na- cional do Trabalho, órgão oficial do peleguismo patronal e go- vernamental. Em conseqüência, os sindicatos foram aos poucos se esvaziando tanto em número de associados quanto em substância e vida política. Criou ainda o jovem Ministério, os sindicatos mistos de patrões e empregados, à moda italiana, e comitês de arbitragem igual - 30 mente, mistos (constituídos de três operários, três patrões e um representante do governo), ao mesmo tempo em que se proi- biam as greves. Os operários jovens foram proibidos de sin- dicalizar-se e assim, isolados da vida sindical e da ação polí- tica, se perderam no futebol e na desesperança. Por outro lado, a Lei de Férias, que, bem ou mal, existia desde 1925, foi suspensa, só voltando a funcionar, transformada, al- guns anos depois. Ainda nessa época surgiu a Lei dos 2/3 que procurava proteger o trabalhador nacional contra o operário imigrante, mas que acabou por jogar um contra o outro durante algum tempo. Por fim, ainda em fins de 1931 e começos de 32, foi instituído o salário mínimo de 200$000 para o operário casado com 5 filhos. Para resistir a essas medidas contra o povo, principalmente o proletariado e o movimento sindical, não havia oposição orga- nizada. Para tal estado de coisas havia contribuído a posição de Luís Carlos Prestes e seus repetidos e tardios "manifestos ao povo". 0 Partido Comunista achava-se dividido desde o ano anterior, entre prestistas, adesistas e comunistas mesmo, isto é, aqueles qúe não acreditavam em Prestes nem em Getúlio, nem nos tenentes, mas apenas no próprio Partido. Com a vitória do movimento revolucionário, o número dos adesistas, isto é, da- queles que acreditavam haver chegado na crista da revolução, a hora do povo, aumentara tremendamente, abandonando o Par- tido Comunista. Os primeiros manifestos de Prestes, de início fundando a Liga de Ação Revolucionária e a seguir procurando aproximar-se do Partido Comunista, ao mesmo tempo em que rompiaaberta e violentamente com seus amigos e antigos companheiros da co- luna, não ajudaram o PCB. Ao contrário, em estado de deses- pero as massas, sobretudo as classes médias haviam perdido a fé nos comunistas e passaram a confiar unicamente no Cava- leiro da Eperança, que um dia romperia pela fronteira, de es- pada flamejante em punho, montado num reluzente cavalo bran- co, para expulsar os demagogos e falsos revolucionários. 31 Enquanto as forças do PCB, dividido e retalhado, diminuíam, aumentavam os grupos e as simpatias em torno do Cavaleiro da Esperança. Mas eram, antes, grupos passivos, que apenas esperavam a libertação, não lutavam por ela. Restavam apenas, como perigo à estabilidade do novo governo, pequenos grupos conspirativos de alguns tenentes mais esquer- distas, grupos que foram sendo pouco a pouco eliminados, uns pela reação, outros pelo cansaço e falta de perspectivas, e ou- tros ainda por terem sido promovidos a capitão.15 Ficara assim o novo governo, em pouco tempo, com as mãos livres para agir. A segunda medida governamental, para assegurar a sua esta- bilidade (a primeira fora a liquidação do movimento sindical indepedente, a que já nos referimos), foi liqüidar, senão o co- munismo, o que não era possível, pelo menos os comunistas. Não foi entretanto, apesar da fraqueza do PCB, uma tarefa muito fácil, mas encontrou, para a sua execução, o apoio da maioria dos "tenentes", tanto militares como civis. A natureza anti-popular e anti-comunista da ditadura se revelava agora à luz do dia. Falando a respeito da instabilidade do governo, testemunha Mau- rício de Lacerda: "Desses fatores um há que a revolução de outubro tem esbulhado da mais alta dignidade da pessoa, que é o pensamento, com uma inconsciência e uma inadvertência criminosa — é o fator proletário. O governo discricionário tem usado e abusado do epíteto de comunista e exagerado os seus alarmes a respeito no Brasil".16 E mais adiante: "Não havia o governo excluído marinheiros como comunistas? E o atua) não prendeu, nas cisternas da Fortaleza Santa Cruz, vários sar- 15 "Perguntaram-lhe (a Getúlio Vargas) um dia como acabara com os "tenentes". Explicou, bem humorado, promovendo-os a capitães". Pedro Cal- mon, ob. cit., pág. 2 229. 16 Ob. cit., pág. 366. 32 gentos como comunistas? E no Rio Grande do Sul, Osvaldo Aranha não "despediu" para o interior vários soldados e sar- gentos da Brigada Militar, como comunistas? E em Pernambuco, não existe uma "carbonaria" contra operários e comunistas? E as reuniões dos partidos e os programas das legiões policiais que ora apoiam o governo de outubro, não vivem encenando o comunismo nas suas obras de repressão? Como portanto negar a existência de uma corrente que a revolução de outubro está levando à polícia secreta, desde que não a deixa ter nem im- prensa, nem livros, nem liberdade individual para os S PUS par- tidários, como aliás era um compromisso seu para com todas as idéias no tempo em que se combatia a mesma orientação em Washington Luís?"17 É fora de dúvidas que a perseguição ao comunismo era um mero pretexto, que se repetiria aliás de outras vezes, para li- qüidar quaisquer aspirações de independência capaz de tolher a liberdade... do governo revolucionário. No governo deposto, acusado que fora de tantos crimes, o es- pancamento e a tortura de operários ou comunistas ou simples- mente suspeitos, era exceção: agora era a regra. E comunistas eram todos aqueles, operários, empregados, funcionários que não usavam lenço vermelho ao pescoço e não demonstravam entu- siasmo perante os heróis do dia. À Ilha Grande, onde havia uma colônia correcional e para onde eram mandados os marginais irrecuperáveis, dos mais baixos escalões da malandragem, co- meçaram desde 1931 a ser enviados comunistas ou pseudo-co- munistas. Abguar Bastos reproduz um édito de um desses "tenentes", o Coronel Landry Salles, comandante das forças revolucionárias do Norte e governador militar do Pará, sob o título: Contra a Propaganda Comunista: "0 Governo Militar mandará passar pelas armas na praça pú- blica a todo aquele que, estrangeiro ou não, propalar ou der 17 Ob. cit., pág. 368 33 f curso a boatos sobre assuntos de propaganda comunista, ten- tando assim enxovalhar os grandes e nobres princípios da Re- volução Brasileira".13 Mas o peso da ditadura já não se fazia sentir apenas contra operários e comunistas. Atingia os antigos políticos, do regime decaído, que em algum tempo haviam combatido a Aliança Li- beral, como o deputado Azevedo Lima, e mesmo a partidários e líderes da Revolução, como Maurício de Lacerda. Foi este um dos políticos mais ativos na preparação do ambiente revolucio- nário e, durante certo tempo, instrumento de ligação entre os revolucionários e Luís Carlos Prestes, do qual era considerado o "representante civil". Rompera com este, quando o mesmo resolveu abandonar a revolução em perspectiva, desde noyembro de 1929. Como tribuno, democrata, talvez um tanto ingênuo, sofrerá várias prisões durante sua anterior vida política e se tornara um dos arautos da Aliança Liberal e da Revolução. To- davia foi talvez o primeiro e o maior dos desiludidos. Em seu conhecido livro "A Segunda República", que aqui temos citado, escrito ainda em 1931, e já sofrendo os efeitos da ditadura, chega a afirmar, a menos de um ano da vitória da revolução: "... porque a segunda República, evidentemente está agonizan- do, sob a pata de ferro do problema social que ela veio tornar mais espesso sem atenuá-lo nem resolvê-lo senão com uma 3.a República" A9 Não somente reuniões foram proibidas, exceto as do Clube 3 de Outubro e as das Legiões pré-fascistas organizadas ou em organização. A censura à imprensa, comandada pelo então Mi- nistro da Justiça Osvaldo Aranha, tornou-se feroz. Era a censura sem censor, a censura branca, pela qual cada jornal devia fazer a sua própria censura, sob pena de fecha- mento sumário. "E quem não quiser, acrescentara o Ministro 18 Prestes e a Revolução Social, Rio 1946, pág. 247. 1 9 Ob. cit., pág. 372. 34 em uma reunião de diretores de jornal, já sabe: pode fechar o seu jornal. 0 Rio tem jornais demais".20 Dentro desse espírito, a 25 de fevereiro de 1932, à meia-noite, um grupo de tenentes à frente de numerosos soldados, assaltam a redação do "Diário Carioca" que vinha fazendo críticas ao governo revolucionário, destruindo todas as suas oficinas e ins- talações. Segundo o Sr. Baptista Luzardo, então chefe da Polícia da Capital do País, esse assalto fora efetuado com plena coni- vência de alguns dos mais responsáveis elementos de proa da revolução: Almirante Protógenes Guimarães, General Leite de Castro e Pedro Ernesto. Pouco antes, a 15 de janeiro, o Clube 3 de Outubro, pelo seu Presidente Pedro Ernesto, protestara contra a "excessiva liber- dade da imprensa".21 Assim terminava o primeiro ano do governo revolucionário: sob o signo do desemprego, da fome, das desilusões, das conspira- ções, das prisões e dos desterros, ao mesmo tempo em que se levantava em toda a imprensa uma campanha de críticas vio- lentas e agressivas, apesar da censura, contra o governo e prin- cipalmente o presidente provisório Getúlio Vargas, utilizando para isso todas as armas, até mesmo, como disse Góis Monteiro, o ridículo. Mas se houve jamais um político hábil, maquiavélico, capaz de reinar entre as forças mais adversas, esse foi o Presidente Ge- túlio Vargas. Divide e reinarás, diz o código de Maquiavel. Ge- túlio emendava: divide e corrompe, e o mundo será teu. 20 Em começos de 1932 foi o "Diário Carioca" assaltado e depredado por elementos do Clube 3 de Outubro. Maurício de Lacerda, ob. cit., pág. 343. 21 v Affonso Henriques, op. cit., pág. 130. 35 CAPÍTULO II 1932 — A REVOLUÇÃO PAULISTA A chamada Revolução Constitucionalista de São Paulo, que en- cheu o ano de 1932, não foi um mero fruto de circunstâncias. Nem foi a explosão de um irresistível sentimento de revanche. Foi antes umato deliberado, longa e friamente calculado e pen- sado pelos responsáveis e dirigentes máximos do PRP objeti- vando a retomada do poder do qual haviam sido desalojados tão violentamente. Mas a verdade é que as circunstâncias, os atos do governo re- volucionário e dos seus prepostos, muito contribuíram para a formação de um espírito de insatisfação e revolta contra Getú- lio Vargas, o seu governo e toda a revolução. "Em entrevista ao O Jornal eu reconheci sinceramente os erros praticados pelo governo provisório em S. Paulo, o que talvez tivesse, de certo modo, contribuído para a predisposição do povo para a luta armada a que acabamos de assistir".1 A idéia da retomada do poder, pode-se dizer, surgiu na mente dos derrotados, a 25 de outubro de 1930. A partir dessa data, os prós e os contras foram devidamente pesados, examinados, estudados, por todos os ângulos. O maior problema a enfrentar era a necessidade de obter o apoio do povo para essa aventura. E esse apoio foi obtido, pelo menos parcialmente, por uma in- tensa propaganda contra o governo provisório, a qual soube explorar e aproveitar todos os erros cometidos pelos dirigentes da revolução em São Paulo, de um lado; e de outro, levantando como bandeira nacional, para que não parecesse um movimento puramente regional, paulista, a palavra de ordem da "reconsti- tucionalização do país". 1 Palavras do General Góes Monteiro em entrevista aos Diários Associa- dos a 10 de outubro de 1932. 36 A 24 de outubro de 1930, às primeiras notícias de que uma Junta Pacificadora havia deposto, na capital do país, o presi- dente Washington Luís e um grupo de elementos destacados pau- listas, quase todos do Partido Democrático, apossava-se do po- der em S. Paulo, constituindo desde logo um secretariado dis- posto a conduzir a revolução no Estado. Foi o governo dos 40 dias. Sob pressão dos chefes revolucionários militares, que não con- fiavam nos paulistas e para garantia dos poderes da chefia do movimento, Getúlio, como chefe da revolução, pois ainda não se havia empossado, designou a João Alberto, seu delegado mi- litar, confirmando-o a seguir, quando já governo empossado na Capital do país, no cargo de interventor, tendo como chefe de polícia a Miguel Costa, um dos dirigentes da revolução de 1924 e antigo comandante da Coluna que posteriormente se veio a chamar Coluna Prestes. Esse foi sem dúvida um dos primeiros erros táticos de Getúlio, erro que não cometeu em Minas, onde conservou Olegário Maciel no governo do Estado. Vinte e oito anos depois, Osvaldo Aranha, em depoimento es- crito ao ESTADO DE S. PAUL02, explica esse ato do governo revolucionário como objetivando "evitar assumisse esse coman- do o Gen. Miguel Costa". A nomeação de João Alberto, considerada pelos paulistas "uma afronta ao maior Estado da Federação, que possuía homens bas- tante categorizados para o cargo", foi o primeiro pretexto para a ruptura e início da luta contra o governo central. Veio agra- var a situação uma autorização dada por João Alberto a três pessoas para "reabrir o Partido Comunista". É verdade que essas três pessoas, Plínio Melo, Josias Leão e Luís de Barros, não pertenciam ao Partido Comunista, na época3; Plínio Melo se havia afastado passando para o trotskismo; Josias Leão era ape- nas simpatizante e mais tarde provou simpatizar muito mais com 2 Publicado a 9 de julho de 1958. 3 Não estavam para isso autorizados pelo P.C.B. 37 * os proventos de uma adesão à revolução de 30, 'na qual fez excelente carreira, chegando a embaixador. Quanto a Luís de Barros, era irmão de João Alberto. A abertura do Partido Comunista não chegou a efetivar-se por- que depois disso João Alberto não demorou na interventoria, mas tornando-se o fato público, a legalidade desse partido so- mente em S. Paulo, enquanto em outros Estados e na própria Capital do país, estava este sendo perseguido, parecia um ato de provocação deliberada. E como tal foi tomado pelos paulistas ou seja as classes dominantes conservadoras etc.4 São Paulo foi então declarado "terra ocupada" e surgiu uma intensa campanha pela imprensa favorável aos grupos depostos, pleiteando um interventor civil e paulista. S. Paulo queria ser governado por um civil e paulista e que se chamasse de pre- ferência Plínio Barreto. A situação nesse Estado se tornara insegura para o governo re- volucionário e particularmente para João Alberto que, hostili- zado pelos grupos econômicos e políticos do Estado, perdendo o controle das forças sobre as quais devia apoiar-se, resolve pedir demissão do cargo, sugerindo ao governo central fosse es- colhido outro interventor, tal como o desejavam: civil, paulista e Plínio Barreto. Mas não contavam os paulistas com a oposição do Coronel Mi- guel Costa, chefe de polícia, apoiado no prestígio que gozava na capital, principalmente nos grupos operários que consegui- ra organizar nas Legiões Revolucionárias. No mesmo dia em que chega a S. Paulo o Ministro da Justiça, Osvaldo Aranha, 4 Texto da autorização: "Feio presente, concedo aos Srs. Plínio Melo, Jo- sias Carneiro Leão e Luiz de Barros autorização para que, em nome do Par- tido Comunista do Brasil, instalem a sua sede, promovam quaisquer traba- lhos de organização partidária efetuem comícios e reuniões de propaganda doutrinária e editem quaisquer publicações de caráter político. Os referidos Senhores ficam porém inteiramente responsáveis por qualquer tentativa ma- terial de caráter subversivo promovida por aquele Partido, (a) Cel. João Alberto". 38 para empossar o novo interventor, Miguel Costa lança as suas Legiões contra a posse, com ruidosas manifestações de rua. E Plínio Barreto, para evitar lutas, renuncia antes de haver sido empossado. Recai então a escolha no nome de Laudo de Camargo, elemento apolítico, magistrado e, além do mais, civil e paulista. Mas tam- bém esse não dura muito, sendo praticamente deposto pelo Ge- neral Manoel Rabelo, então comandante da 2.a Região Militar, que assume assim a interventoria até março do ano seguinte — 1932 — quando, ao recrudescerem as agitações tipo civil e paulista, resolve o governo provisório indicar para a interven- toria um velho diplomata de antiga estirpe p ulista: Pedro de Toledo, esse também civil e paulista. Mas já era tarde. Os ânimos, entre os grupos econômicos e políticos paulistas, se achavam por demais exaltados. A pro- paganda recordava sobretudo o antigo prestígio paulista na fe- deração, agora perdido. S. Paulo continuava sendo "terra ocupada". Nesse' ambiente agitado, anti-revolucionário, os dois mais fortes Partidos, de antes de 1930, o Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático, antigamente rivais, a exemplo do que acontecera no Rio Grande do Sul, se fundem em uma poderosa Frente Única. O PRP, para conseguir a simpatia popular, pois que era, havia muito, execrado pelo povo, cria uma ala moça. A 25 de janeiro, data da fundação de São Paulo, em um grande comício promovido na Praça da Sé, lança a palavra de ordem de luta pela Constituinte. E a 24 de fevereiro, data aniversária da primeira Constituição — a de 1891, a que deixara de ser — um novo comício assume proporções extraordinárias. É sobretudo na juventude das escolas e universidades que a campanha encontra o mais entusiástico apoio. Os comícios se sucedem nas ruas, nas faculdades, e o Centro XI de Agosto 39 tem nas agitações um papel destacado. A demagogia dos dis- cursos não tinha limites: "0 nosso movimento é do Brasil Ca- tólico, disciplinado e forte, contra a anarquia em que queriam que vivêssemos. Uma luta de Jesus contra Lênine".5 É claro que nenhum dos dois tinha nada com isso. A 23 de maio, um desses grupos estudantis investe contra vários jornais favoráveis ao governo central, invade e tenta depredar a sede da Legião Revolucionária de Miguel Costa. Há pronta reação e no tiroteio que então se trava, morrem quatro mani- festantes (Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo), nomes cujas iniciais serviram paradesignar um grupo mais extremado de agitadores constitucionalistas: o MMDC. Já o estado de exaltação chegara ao paroxismo. Poucos dias de- pois, em junho, novo comício, maior, mais vibrante, mais vio- lento. E a Frente Única, sentindo o apoio popular, num gesto audacioso, depõe as autoridades de confiança do governo fe- deral, entre as quais o chefe de polícia, Cordeiro de Faria, lança habilmente as massas contra Miguel Costa, denunciado como "vendido a Getúlio", e assume o poder com o apoio do inter- ventor Pedro de Toledo que reorganiza o seu secretariado à base de pessoas de sua confiança. Pedro de Toledo perde evidentemente a confiança do governo central, mas Getúlio não tem mais forças para substituí-lo sem desencadear uma guerra civil, absolutamente inoportuna. E faz que não sabe de nada, o que é interpretado como sinal de fra- queza. A Frente Única está contente, mas não satisfeita. Depois dessa vitória regional, restam apenas mais alguns passos para uma vitória nacional. E para isso contam: no Rio Grande do Sul, com a Frente Única local que já se colocara antes contra Ge- túlio; e, em Minas, onde o velho Olegário deseja apenas paz e sossego, com o Partido Social Nacionalista de Artur Bernardes. E, no resto do país, com o povo insatisfeito e desiludido. 5 Discurso de Ibrahim Nobre a 12 de julho de 1932. 40 Em São Paulo contam não somente com o povo — exceto a maior parte do proletariado, de cuja existência continuava a não tomar conhecimento — mas com a polícia civil, com a Força Pública e quase todas as guarnições federais sediadas no Estado. Desencadeia-se então contra o governo federal uma tremenda onda de propaganda à base de slogans: "São Paulo conquista- do", "São Paulo dominado por gente estranha", "Convocação imediata da Constituinte", "Tudo pela Constituição" etc. Tives- se São Paulo munições como tinha slogans! Tudo pronto; só faltava dar o sinal de partida. E isso aconteceu na noite de 9 de julho.6 6 Segundo refere Almáquio Diniz (São Paulo e a sua Guerra de Secessão, Rio, 1933, pág. 56) o movimento explodiu antes do tempo por circunstâncias imprevistas: "O movimento político militar do grande Estado tinha rami- ficações extensas em Minas, no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso. Ele deveria explodir precisamente hoje, dia 14 de julho. Esperava-se então que, nos pontos acima referidos, a resistência organizada tomasse posição àn ofen- siva, visando a queda do governo provisório. Aconteceu entretanto um im- previsto. Na noite de sexta-feira da semana passada, um rádio do jornalista Júlio de Mesquita Filho, transmitido da capital paulista para Porto Alegre, e destinado a Sr. Raul Pila, avisava a este que devia por todos os modos conseguir que o Sr. Borges de Medeiros amanhecesse em Porto Alegre no dia 14, devendo ali esse homem político ser recebido com extraordinárias e entusiásticas manifestações de solidariedade dos seus amigos e correligionários da Frente Única- No ambiente que inevitavelmente se formaria em torno do Sr. Borges, seria este imediatamente proclamado na praça pública, gover- nador constitucional do Rio Grande do Sul e levado ao palácio da Rua da Matriz, a fim de ser empossado pelo povo. Seria este o toque de rebate para que o movimento político-militar se de- sencadeasse, ao mesmo tempo, em Minas, e em Mato Grosso, onde todas as forças se achavam em ordem de marcha. Mas o rádio do jornalista ao Sr. Pila foi interceptado na estação respectiva de Porto Alegre, pelo Sr. Flores da Cunha. O interventor no Rio Grande do Sul desconfiou que lhe preparavam um golpe decisivo e que iria ser corrido do governo. Ora, o mesmo Sr. Flores da Cunha vinha constantemen- te dizendo que saberia manter seus compromissos de solidariedade com a Ditadura mas que em hipótese alguma se insurgiria contra a vontade do povo do Rio Grande do Sul. As "frentes únicas", coligadas, haviam considerado bem esta circunstância raciocinando que uma vez que o povo de Porto Alegre levasse o Sr. Borges de Medeiros para empossá-lo no governo do Estado, o Sr. Flores seria o primeiro a abandonar esse mesmo governo. "Senhor do segredo do rádio, o Sr. Flores declarou-se traído em Porto Ale- gre e tomou logo todas as providências de defesa, até mesmo por instinto 41 Já na manhã de 10 de julho aparece na imprensa o primeiro "manifesto". Trata-se de uma proclamação assinada pelo Gen. Isidoro Dias Lopes, o chefe do levante paulista do segundo 5 de julho, em 1924, e pelo Cel. Euclides de Figueiredo. No manifesto dirigido "Ao Povo Paulista", limitam-se a assu- mir a responsabilidade do movimento, solicitando-lhe o apoio moral e material e pedindo-lhe que se mantenha calmo dando exemplo de "ordem, serenidade e disciplina". No mesmo dia constitui-se a Junta Revolucionária que, em nova proclamação, a 12, declara ser sua intenção exigir pronto resta- belecimento do regime constitucional, pondo em vigor imediata- mente, enquanto não houver outra, a de 24 de fevereiro de 1891, que acabava de ser arquivada pelo novo governo revolucionário de Getúlio. Refere-se ainda o documento a uma futura Junta Governativa Nacional de 5 membros: um do Rio Grande do Sul, um de São Paulo, um do Distrito Federal (Rio de Janeiro), um de Minas e um do Norte, Junta que todavia não chegou sequer a reunir-se. de conservação, de tudo avisando o comando ali da região militar e aqui aos Srs. Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha. "Outra ocorrência inesperada também aconteceu: a precipitação com que se conduziu o Gen. Bertholdo Klinger. Esse comandante da circunscrição mili- tar em Mato Grosso, cm as suas prevenções e os seus ressentimentos, em vir- tude da nomeação, do novo Ministro da Guerra enviando para cá um ofício ao General Espírito Santo Cardoso, oue a Ditadura considerou não só como um ato de quebra de disciplina mas até como uma afronta ao próprio gover- no, sublevou-se antes do tempo, forçando os chefes do movimento em São Paulo a não aguardarem uma atitude decisiva dos políticos mineiros que ainda estavam no preparo de atrair a Força Pública do Estado, atirando-a contra a autoridade do presidente Olegário. "Seguiu-se uma desarticulação aqui, ali e acolá. Antecipado o movimento, verificiou-se ele na mesma noite de sábado da semana passada. Essa anteci- pação determinou a imediata suspensão das comunicações entre os que se sublevavam, permitindo ao governo provisório voltar as suas atenções para São Paulo, o que até agora parece estar fazendo. "O que acima está escrito é um resumo do que sabemos em boa fonte. Em Belo Horizonte, mantendo ligações com o Gen. Firmino Borba, que se achava no comando da 4.* Região Militar em Juiz de Fora, o Sr. Mário Brant era o político <?,ue tinha mais íntimo contacto com as "frente únicas" de Porto Alegre e São Paulo". O Sr. Almáquio Diniz não revela o autor desse depoimento mas, como ele próprio o diz, combina com os fatos reais. 42 A proclamação vem assinada por Pedro de Toledo. General Isi- doro, General Klinger, nomeado chefe das forças revolucionárias, Francisco Morato, do Partido Democrático e Pádua Salles, do Partido Republicano Paulista. E no mesmo dia o Coronel Comandante da Força Pública do Estado, Júlio Marcondes Salgado, em telefonema ao General Góis Monteiro, declara-se rebelde ao governo federal, aderindo à re- volução paulista. Como primeira medida militar o General Euclides de Figueiredo se apossa do comando da 2.* Região. E Miguel Costa, o "ini- migo máximo da plutocracia paulista" e "dono" das Legiões Revolucionárias, constituídas em sua maioria de operários, é pre- so bem como outros oficiais que não quiseram aderir ao movi- mento. Daí por diante desdobra-se o campo das atividades re- volucionárias para a luta militar. São Paulo transformou-se num campo de batalha, em que cada paulista, sobretudo estudantes e membros das classes liberais, é •um soldado. Até mulheres, "senhoras da alta sociedade", se ofere- cem para lutar. Cada um contribui da forma que pode para a vitória. Fábricasse transformam do dia para a noite em pro- dutoras de armas e munições. Comícios e discursos se sucedem inflamando ainda mais os espíritos: ou a vitória ou a morte! A seguir veio a Campanha do Ouro para o bem de São Paulo que foi realmente impressionante. Verdadeiras multidões se aglo- meravam ante os guichets coletores dos Bancos para ofertar o que tinham. Senhoras davam jóias, "os bispos e sacerdotes oferta- ram preciosas alfaias. Os desportistas» os oficiais e soldados de- ram suas medalhas. As corporações os seus troféus", diz Me- notti dei Picchia. 15 dias depois de começada a campanha o número de ofertas subia a 84 000! Entretanto, foi tudo inútil. Ao cabo de três meses, depois do sacrifício inglório de milhares de jovens — a elite das classes 43 mais ricas — e de muitos operários, a rendição pura e simples, a humilhação ante os vencedores e a traição de muitos chefes. A derrota não fora uma surpresa, pois a um mês do fim já ela se delineava como inevitável. Nesse sentido, o manifesto do Coronel Comandante da Força Pública, Herculano de Carvalho, que substituíra o Coronel Mar- condes Salgado, morto num acidente nos primeiros dias da luta, é um documento impressionante pelo seu realismo, pela sinceri- dade, pela coragem e sobretudo pleo bom-senso. Em meados de setembro a inferioridade das forças constitucio- nalistas era mais do que visível. Os soldados a sentiam literal- mente na própria carne. Muitos dos oficiais da Força Pública, que se haviam visto pra- ticamente coagidos a participar da luta, começam, em relatórios ao seu comandante, a demonstrar a impossibilidade material de continuar lutando. Faltavam soldados e munições. As deserções eram diárias. As razões para a luta, insuficientes. Assim o Cel. Herculano depois de ouvir os seus oficiais resolve, a 27 de se- tembro, cessar as hostilidades, para negociar um armistício. Com essa defecção, nada mais resta ao comando geral, e o General Klinger decide propor por sua vez um armistício e negociar a paz com o General Góis Monteiro. A 1.° de outubro, a capitula- ção incondicional. A paz em separado, promovida pelo Coronel Herculano de Car- valho e Silva não pode ser, evidentemente, invocada como causa da derrota das forças constitucionalistas. As causas reais são mais profundas e mais complexas, e podem ser divididas em três categorias: a) Políticas: os dirigentes revolucionários paulistas contavam como apoio do Rio Grande do Sul, de Minas, de Mato Grosso, de alguns Estados do Norte, mas nada aconteceu. 44 No Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, interventor Federal, abandona os revolucionários paulistas à sua sorte, pois aspira à presidência da República, como sucessor de Getúlio, e não quer romper com este.7 Borges de Medeiros, Luzardo, João Neves, nada podem dar senão apoio moral, pois a massa não os acom- panha: ninguém quer morrer pelo PRP que durante 36 anos go- vernou o país cuidando apenas de São Paulo. A propósito escre- ve um jornal gaúcho, da época: "Como adendo podemos infor- mar que os "valorosos chefes" da marcha sobre Porto Alegre, srs. Luzardo, Collor, Pilla e Octávio Fernandes, caminharam em sentido contrário. "Os srs. Collor e Fernandes já se encontram em território argen- tino; o sr. Pilla foi desembocar em Buenos Aires e o sr. Lu- zardo, ao que parece, tomou idêntico destino, desaparecendo além da fronteira. "O sr. Borges de Medeiros, que o boato apresentava de armas na mão, está enfermo, recolhido a uma fazenda do progenitor do sr. Synval Saldanha. E nada mais resta dos pruridos constitucionalistas dos despeita- dos e ambiciosos, que queriam comprometer o Rio Grande, na louca aventura dos políticos paulistas".8 Em Minas acontece o mesmo. Olegário não quer saber de re- voluções. Nunca quis. Em 1930 acompanhou os revolucioná- rios, por inércia. Artur Bernardes é ainda muito pouco para ar- rastar massas. A lembrança de 1924, apesar de sua participa- ção no movimento de 30, ainda não se apagara na memória do povo. De um relatório oficial mineiro: "Um contingente da Força Pública, cercou na manhã de ontem a fazenda do sr. Octávio Bernardes, que o recebeu a tiros. Após vinte minutos de fogo, renderam-se os sitiados, sendo presos, além do cabeça, o 2.° tenente do Exército Justiniano Passos, vá- 7 Veja-se Fui Secretário de Getúlio de Luiz Vergara. Ed. Globo, 1960, págs. 135 em diante. 8 Citado por Almáquio Diniz, ob. cit., pág. 148. 45 rios civis e um grupo de jagunços. Recolheu-se, por essa oca- sião, copioso material bélico, além de novos documentos sobre a conspiração. "0 anunciado movimento de Juiz de Fora reduziu-se à dinami- tação, na noite de ontem, óa ponte de Serraria, que sofreu li- geiros estragos já reparados. Em outros municípios não foi além do corte de linhas telegráficas e telefônicas, que foram restabele- cidas depois de poucas horas. "Foram presos um Ubá, Carangola e Manhumirim, os oficiai» do Exército envolvidos na desordem e, em Rio Branco, o jorna- lista Assis Chateaubriand, que, usando de nome suposto, pro- curava pôr-se em contacto com os conspiradores (...) .9 A um convite da Força Pública de São Paulo para que aderissem à revolução, oficiais da Força Pública de Minas respondem que "...a vossa palavra tocou-nos profundamente o coração". Mas que "o que nós queremos acima de tudo é a ordem...".10 No Rio, nada a fazer. Aí dominam os tenentes e o Clube 3 de Outubro, que tem alergia pelo PRP. E no Norte... Bem, o Norte é muito grande e muito longe, e aí também dominam o» tenentes. São Paulo, que durante tantos anos vivera desprezan- do os outros Estados (era uma locomotiva arrastando vinte va- gões vazios, diziam os paulistas) vê-se agora isolado e abando- nado. Além disso não era desconhecida, no resto do país, a propagan- da separatista, da qual o governo provisório se aproveitou para colocar os paulistas em suspeição. Sobre essa propaganda sepa- ratista que não tinha entretanto eco na alma popular, haveria muito que dizer se valesse a pena. Leven Vampré, político pau- lista, reproduz em seu livro São Paulo, terra conquistada, as seguintes palavras de Eurico Sodré: "Sugiro porém, do fundo de minha modéstia, uma solução definitiva para o problema — 9 Gtado por Almáquio Diniz ob. cit., pág. 151. 10 Idem, pág. 72 nota 1. 46 a separação de São Paulo".n Essa propaganda separatista, que refletia um estado de desespero da burguesia agrária paulista, se havia revelado principalmente após a derrota de 1930. Paulo Duarte, que depois denunciaria a tendência separatista da assem- bléia constituinte paulista de 1935, assim se pronunciava em 1931: "São Paulo não se conforma com a situação de vitelo amarrado às pernas de uma vaca enquanto o pojo é chupado pelos bezerros de outros currais!"12 O fato é que os paulistas não conseguiram despertar simpatias no resto do país nem em seu próprio Estado, onde o interior se manteve praticamente indiferente à luta que se travava na Capital. Durante todo o decorrer da mesma pode dizer-se que o proleta- riado esteve ausente, porque havia de ambos os lados, um em relação a outro, desinteresse e desconfiança. A 11 de julho, 28 organizações comerciais e industriais subscre- vem um manifesto de apoio ao movimento. Dentre estas só 4 não pertencem às classes conservadoras e patronais: a Associa- ção dos Bancários, a União dos Barbeiros, a dos Motoristas e a dos Enfermeiros. Quando as forças federais iniciam o bombardeio de São Paulo, 31 organizações se dirigem em carta-aberta ao Ministro do Exte- rior Afrânio Melo Franco, protestando. Dessas, só uma organi- zação operária: o Sindicato dos Gráficos. As maiores organizações operárias e as politicamente mais ativas e economicamente as mais importantes, têxteis, ferroviários, me- 11 1932 pág. 285. 12 Que ê que há., 1931, pág. 308. Sobre as manifestações separatistas da Assembléia Constituinte paulista, cita Paulo Duarte, em seu livro Prisão, Exílio, Luta... (págs. 131 a 135) al- gumas manifestações bastante significativas e curiosas:uma em que se com- para São Paulo a Prometeu acorrentado ao granito "do despeito da inveja e do pavor". Outra em que "o nordestino é ridicularizado". Outra, em que se afirma "existir mais afinidade do paulista com o japonês do que com o nordestino". Outra, em que "se deprecia grotescamente este último". Outra em que se declara "que temos de sofrer determinadas conseqüências enquanto estivermos jungidos politicamente ao Brasil". 47 talúrgicos, sapateiros, marceneiros, construção civil etc, não to- maram conhecimento da luta. E não foi por covardia. Dois meses antes, nos primeiros dias de maio, uma greve geral havia abalado a cidade envolvendo cerca de 200 mil trabalhado- res da Capital de São Paulo, a quase totalidade da classe operá- ria da época. A greve fora esmagada a ferro e fogo. Líderes sindicais sem partido, e outros comunistas, entre os quais o Au- tor, e não-comunistas como Righetti, líder do poderoso Sindica- to dos Tecelões, foram presos e embarcados para o Rio em va- gões destinados ao transporte de gado e, a seguir, é verdade que desta vez a mando das autoridades federais (João Alberto, chefe de polícia do Rio), para a Ilha Grande. Havia na época uma forte consciência de classe entre o opera- riado, talvez menos diluída, mais pura que atualmente, e, para essa consciência, lutar em defesa de São Paulo era lutar pelo PRP, para o qual a questão social sempre fora e continuava sen- do um caso de polícia. A verdade é que os responsáveis pelo movimento não souberam preparar-se politicamente, assegurando, de um lado, a coopera- ção prática dos seus aliados do Rio Grande e Minas, principal- mente, e de outro, o apoio das populações do Norte e Nordeste do país, onde a tradicional política do PRP deixara recordações amargas entre a própria burguesia latifundiária local. Além disso, desprezaram o apoio da classe operária. Já não es- távamos mais em 1910. O proletariado, durante esses anos, ha- via adquirido maior consciência de classe, tinha uma compreen- são política mais profunda e- uma nova ideologia. Não se dei- xaria ludibriar facilmente pela demagogia literária dos chefes constitucionalistas. Getúlio soube aproveitar todas essas falhas, conseguindo assim isolar completamente o movimento do resto do país. A 10 de julho a burguesia agrária paulista já estava sozinha no campo da luta, amargando os antigos pecados. b) Militares — São Paulo de modo nenhum estava preparado militarmente para um movimento dessa envergadura. Faltava tu- 48 do, desde munições até alimentos. Nem lhe fora possível deter os aviões do governo central. Ao começar a luta dispunham os paulistas apenas de 11 aviões dos quais somente uns quatro che- garam a entrar em ação e destes somente a metade chegou ao fim da luta. Os outros, ou foram destruídos pelas forças ini- migas ou acidentados antes de levantar vôo. Não se ganham guerras com discursos. E isso era o que mais havia. Quando chegou João Neves do Sul, depois do fracasso da "marcha sobre Porto Alegre", todos esperavam grandes no- tícias sobre a remessa de armas e munições. Mas trouxe apenas belos discursos. O bloqueio do porto de Santos, logo ordenado pelo governo cen- tral, foi um golpe de morte nas esperanças paulistas que espera- vam através desse porto manter relações com o resto do mundo e obter direitos de beligerância. Eucurralados praticamente na capital do Estado, sua indústria, apesar dos seus inegáveis es- forços, fora incapaz de suprimir as necessidades de armamentos. 0 ouro recolhido para bem de São Paulo, de nada valera pois não havia o que fazer com ele. Foi em tais condições que o Coronel Herculano de Carvalho se viu obrigado a negociar a paz em separado. A luta era insusten- tável, absurda, pelas condições de inferioridade bélica dos cons- titucionalistas. c) Psicológicas — Aparentemente, do ponto de vista moral e psicológico, tinham os paulistas todas as condições para vencer, pois estavam animados de um elevado espírito combatente. Mas esse espírito combatente estava apoiado num equívoco: o de que "não haveria luta" e a revolução seria uma passeata, e o Governo Federal cederia o poder, aterrorizado, sem resistência. "Tratava- se, diz o Coronel Herculano em sua explicação de atitude, se- gundo a propaganda, de uma simples parada militar, mera mar- cha triunfal até o Rio!"13 E em outra parte: "Dada a extensão H Menotti Del Picchia, A Revolução Paulista, 1932, pág. 271. 49 do movimento — assegurou-nos nosso malogrado comandante (refere-se ao Coronel Marcondes Salgado) — o governo provi- sório resignaria dentro de 48 horas, sem que se derramasse se- quer uma gota de sangue". 14 Segundo Menotti Del Picchia, "chefes políticos eram de uma ingenuidade comovente" 15, a que não faltavam rasgos de cava- lheirismo literário. Um mineiro residente em São Paulo, o pin- tor Pedro Alexandrino, em uma de suas exortações ao povo paulista, dizia: "Devemos concitar os mineiros para, na marcha triunfal às terras cariocas, cobrirem de flores o obelisco da Ave- nida".^ Mas isso nada era comparado com os telegramas passados pelos chefes militares, Isidoro e Klinger, a 1.° de agosto, um ao chefe do governo provisório, Getúlio, ordenando-lhe que entregue o governo à Junta Pacificadora de 24 de outubro que havia de- posto o Presidente Washington Luís e outra a essa mesma Junta Pacificadora, autorizando-a a receber o governo das mãos de Getúlio! "... restituí, termina o primeiro despacho, esse poder, aos chefes militares de terra e mar de quem o recebestes, generais Tasso Fragoso, Menna Barreto e Isaías Noronha, que o entregarão à suprema direção do movimento constitucionalista..." A simplicidade do segundo despacho é ainda mais comovente: "Generais Tasso Fragoso, Menna Barreto e Isaías Noronha — Rio — Urgente — Em nome suprema direção movimento cons- titucionalista, solicitamos vossências recebam do Dr. Getúlio Var- gas o governo, conforme apelo ao mesmo dirigido e do qual recebereis cópia. São Paulo, 3/8/932. (a) General Isidoro Dias Lopes, General Bertholdo Klinger".17 14 Idem, pág. 269. 15 Idem, pág. 48. 16 Idem, pág. 59. 17 Almáquio Dirüz ob. cit., pág. 136. 50 A brava mocidade paulista não estava preparada para a derrota, só para a vitória. Também ela estava convencida de que a guer- ra não seria guerra e que a conquista da capital federal seria um passeio. Batalhões se preparavam para a guerra como se tivessem de ir a um piquenique, levando na mochila mais doces e conservas do que munições — Alguns rapazes de famílias ricas mandavam fazer suas fardas nos alfaiates da moda. Despediam-se dos pa- rentes e amigos como se estivessem partindo para um week-end em Guarujá. • Mas assim mesmo, surpreendida embora pela resistência e mais ainda pelo avanço contínuo das tropas federais que fechavam cada vez mais o cerco da capital, resistiram nas trincheiras em alguns casos, com bravura inexcedível, ao morticínio das metra- lhadoras, na certeza de que pelo menos defendiam uma causa nobre. Então não sabiam — e ainda hoje muitos o ignoram — que haviam sido vítimas de um embuste e nada menos que o instrumento de uma classe em busca da reconquista do poder, a mão de gato que deveria tirar do fogo as castanhas para o PRP e o PD. Além das causas mencionadas, que ocasionaram diretamente a derrota, há outras que, além de contribuírem para ela, precipita- ram o fim da guerra civil, como uma necessidade nacional. Hou- ve um determinado momento em que os interesses de um grupo das classes dominantes do país foram sobrepujados pelos inte- resses das classes dominantes de todo pais: a ameaça da ruína econômica nacional e a da subversão social: 1.° — O movimento fora além do tempo previsto. — Os orga- nizadores do movimento em São Paulo, ou por ingenuidade ou por mal informados, acreditaram em um rápido desfecho da lu- ta, contando, além dos apoios prometidos pelos chefes políticos 51 de outros Estados, com levantes espontâneos em massa, em todo país, precipitando a queda
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