Baixe o app para aproveitar ainda mais
Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
A VIDA INTERIOR Seus princípios, suas vias diversas, e sua prática; confonne os m�lhores autores ascéticos PELO Revmo. Sr. Pe. Dr. Léon Dehon S. C. I. Fundador e Superior Geral da. Congregação d08 Padres do Sag;rado Oor�.ã.e de Jesus TRADUÇÃO DO Re�mo. Sr. Pc. Antonio d' Almeida Moraes Junior Pároco de Guaratinguetá E D I T ó R A s c . l . TAUBAT!! - P.S"rADO DE SÃO PAULO - lllUS!L Do Instituto de direito Social de São Paulo 4" _IMPlU,MI POT!:ST Tl}ubaté, die 16 Aprilis, 1946 Pe. Josephw Poggel S C. J: Prae�. Prov. Bras. Merid, NIHIL ÜBSTAT Taubaté, die �6 Aprilis, 1946 Pe. Josephus Cantinho Moura Censor Ad Hoc Taubaté, ilie 16 Aprilis, 1946 t FrascUcus, Episcopus Dioeesanus IMPRIMATUR I N T R O D U Ç Ã O E' de um livro como êste que a humanidade está precisando. O mundo moderno está ferido, nas. suas fon tes de vida, por uma moléstia terrível que abalou completamente toda a sua organização, arrancou lhe o senso do e quilíbrio, destruiu-lhe a fina/ida· dB suprema, desencadeou, sem rumo , as suas ener gias enlou quecidas. llfas o diagnóstico do grande mal nos aponta com .<egurança para uma causa fundamental: o afasta mento de Deus. O grito de Nietzche, nos es tertores do seu orgulho satânico - "Sabeis o que quero ? A morte de Deus" - parece ter ecoado de uma maneira tremenda sobre a angústia deste doloroso século da mecânica. llf as a morte de Deus, ou na consciência do homem, ou em face de sua creação - é o desarvoramento de toda har monia, de toda ordem, e de toda paz . A primeira vez que o homem perpétrou a morte de Deus na sua consciência pelo pecado, uma tragédia incon cebível baixou sobre a terra: a felicidade fugiu para nunca mais voltar; o trabalho, desde então, apertou o homem nas .mas tenazes que arrancam suores; a dor fincou-lhe no coração o seu aculeo agressivo; e a morte assestou o gavião de SUil foi ce á raiz de todas as vidas para o golpe fatal . . . E quando os homens num dellrio de paixõe,ç desenfreadas , mataram a Deus ,em face do mun- do no cimo de uma montanha, não foi menos trá gica a horrível consequência . . . O ceu cobriu-se de densas trevas; os astros tonfearam inopinadamente nas órbitas; a terra estremeceu e se partíu; o veu do templo dilacerou • se d'altq a baixo . . . • • Hoje que a civilização estremece, que a terra <e parte ao peso dos explosivos imensos, que o ho mem sente a· ausência completa da tranqu ilidade, que o homem se reduz a uma simples parcela. me cânica da engrenagem universal, em que desapa rece a justiça, em que se negam os direitos, em qu e . s e conspurco a liberdade, em que se an iquila o sentimento, em que uma ruína pesada de morte .se amontôo sobre a terra, o diagnóstico dos observa dores .<ensaios há de ser êste: "está se processan do a morte de Deus na humanidade ; está se redli- zando o afastamento de Deus!" o remédio portanto , o único re médio está em fazer o mundo voltar-se para Deus. Fazer o ho mem regressar para Deus. Mas voltar para Deus pelo caminho do amor! Porque o homem está cansado de todos os ca minfws em que haja medo, pavor, desconfiança , desespero! Hoje mais do que nunca, êle é um es pavorido , acossado por tçdas as angústias e por todos os te- • * • mores. Do seu semelhante, êle é um triste dece pcionado. Viu, em tudo, cálculos, in teresses, calúnia.s, traições, deslealdades . . . Apavorou-se, acossado pelo pessim ismo do mundo . E' preciso abrir-lhe um caminho diferen te . Um caminho de fé, qma vereda de sinceridade, de ami zade leal, de confiança absolu ta, o caminho de um coração que nunca decepc ionou, que nunca en ganou, que nunca men tiu - o Coração de Deus! E ' o único remédio para êste século ferido . Já o dissera Marita in : "Terá que falir toda esperan ça que se colocar abai. To do coração de Deus!" l':ste livro é um caminho aberto para o Cora ção do Mestre Divino. Trata da vida espiritual. A c ién.cia da v.id,a espiritual é uma verdade ira ciência. Expõe princípios que estão na base de iôda vida perfeita. Aponta a finalidade da vida, mostrando o seu supl'emo ideal. Desenvolve o s meio.< e a.< fontes de que se pode u tilizar o homem para con.<ecuçiio desse altíssimo destino. Indica lhe a senda para atingir a perfeição sobrena tural. U as niio é uma simples doutrina filo'sófica. E' uma ciência de profunda repercussão prática. Sua finalidade é impor à vida do cristão uma direção segura, orientá-lo em tudo que êle é - in teligên c ia, von tade, .<en tidos, para a culminância do seu ideal de santidade. l':s te livro do Rvmo. Padre Léon Delwn, ilustre fundador da Congregação dos Padres do S . Coração de Jesus, pode bem ser com parado aos mais belos livros de Vida Espiritual. • * • q ue vos exort� à paciência para conq uistar o céu u. Nossos leitores dirão : O uvimos uma legião de testemunhos que nos mostram a vida interior como o caminho real para ir a Deus . PRIMEIRA PARTE NOÇ õES GERAIS; PRINCíPIOS TEOLóGICOS DA VIDA INTERIOR; PREPARAÇÃO PARA . A VIDA INTERIOR CAPÍTULO I Da vida interior em geral c de suas diversas formas Primeiras noções A vida interior, no sentido mais amplo, é aque la em que nossas ações são refletidas, previstas, calculadas, dirigidas para um fim escolhido, e não instintivas e expontâneas. Há uma vida interior de ordem puramente natural, como a dos filósofos : uma vida refleti da ein ordem a um fim mais ou menos puro e nobre. I Os sete sábios pesavam suas ações e fixavam para si um fim elevado: "Conhece-te a ti mesmo". As grandes escolas de Pitágoras, de Platão, de Aristóteles, de Seneca, tinham um ideal pura Jnente rac!onal, n1aJ aproxin1ando-sc da doutrina revelada. O homem simples tem uma forma de vida in terior: a sabedoria popular, o bom senso, a filo sofia dos provérbios. 12 LE: O N D E H 0 :\0 Muitas vezes se tem surpreendido no íntimo da alma do camponês o movei do interesse e as molas da astúcia. O sectário tem sua vida interior, informada pelo ódio e a paixão, com um inspirador conhe cid<;>, o anjo das trevas, que se dtoixava ver algu mas vezes, conta-se, aos seus melhores colabora dores, como Lutero e Voltaire. Para o cristão, a vida interior tem um carater particular : é a vida guiada pelas verdades da fé e auxiliada pelas luzes e pelo concursá da graça. E' uma vida duplice : Deus conosco e nós com Deus: "Vos i n me, ct ego in vobis" (S. João, XIV, 20). Tôda vida interior cristã pode se chamar : vida de fé, vida da presença de Deus, vida da união com Deus, vida de união com Nosso Senhor Jesús Cristo. São termos gerais. O fundamento dessa vida interior cristã é a fé em um Deus Creador, Redentor, Remunerador; a fé no Espírito Santo que habita nas nossas al mas e as vivifica. Mas essa fé tem aspéctos diversos aos quais corre,pondefl m�odos diversos da vida interior. Há almas que são arrebatadas 'pelo pensamen to da justiça divina ; vivem da vida do temor e se empregam de preferência à meditação da mor te, do juizo, da eternidade. Certas almas se prendem à lembrança de seus pecados passados e se entregam a uma vida que é boa, sem ser completa, à vida de penitência e de sacrifício. A VID A INTERIOR 13 A maior parte das almas seriamente cristãs se dedica ao estudo e à pratica da perfeição, me ditando e imitando as virtudes de Nosso Senhor. Bem poucas se elevam até a vida de amor puro, de amor desinteressado, no esquecimento de si mesmas e• na contemplação do amor divino. Os autores ascéticos, em geral, nos propõem essas diversas vias para que nós as sigamos suces sivamente, elevando-nos da via d e penitência e temor à via de perfeição e de amor. Alguns autores, segundo seu atrativo, segun do sua graça especial ou a graça do seu tempo, insistem de preferência sobre uma ou outra dessas vias. O estudo e a análise desses diversos caminhos são de grande utilidade. Receberemos assim, luzes particulares ; vere ml\s assim, a determinação de nossas inclinações e entraremos eficazmente na via que a graça nos indicar. Entenda-se bem que em tõdas essas vias não andamos sózinh'os, mas Deus está conosco e nos conduz como que pela mão. Sem tle nada pode remos na ordem sobrenatural. CAPÍTULO II A vida em Deus em nós e conosco: Principio teológico da vida interior cristã A vida de Deus em nós é uma conseqüência do Batismo. Deus não nos dá sàmente a graça que é mn dom creado, mas nos dá a si mesmo. E' o tema princip!'l)' das Epístolas de S. Paulo aos Efésios e aos Coríntios: H L J': O N D E H O N Aos Efésios: " Que Deus ,segundo as rique zas da sua glória, vos fortifique no homem inte rior, pelo seu Espírito; que �le faça com que Cristo habite pela fé nos vossos corações" (III- 16, 17). E ainda: "renovai-vos no inferior de vossas almas, revesti-vos do homem novo que é creado segundo Deus na justiça e na santidade verda deira" .. . "Não contristeis <i Espírito Santo de Deus, de que estais marcados como se fora com um selo . . . " (IV-30) . Na Epístola aos Romanos: "A caridade de Deus derramou-se nos nossos corações pelo Espí rito Santo, que nos foi dado" (V-5) . E ainda : "Vós ,porém, não estais sob o impé rio da carne, mas sob o do espírito; se é que o Es pírito de Deus habita ainda em vós . . . " (VIII-9) . E' todo o fundamento da teologia ascética. Os séculos XVII e XVIII admiravelmente descre veram essa encantadora vida de Deus em nós (1) . Deus não dá simplesmente a sua graça que é uma participação de si mesmo, por similitude c por imitação da natureza divina, P.le se dá a: si mesmo, vem habitar em nós como num templo e no seu reino. 1 O anjo não diz somente: "Ave Maria, gratia plena" - Ave Maria cheia de graça; êle acres centa: "Dominus tecum" - O Senhor é convosco. Assim acontece conosco, guardadas as devidas pro porções . . . A elevação ao estado de graça é acompanhada de uma assistência de Deus e especialmente do Es pírito Santo nas criaturas 'que são ornamentadas por êsse don. (2) A VIDA INTERIOR 15 O estado de graça é devido a Deus enquanto :tle reside em nós e está unido a nós pela graça, é a graça enquanto informa a alma e a une a Deus. Deus está go coração para operar nele e por nele tudo o que' pertence à vida sobrenatural. Está nesse coração como um Pai d e família na sua casa, para governá-la; Como mestre n a sua escola para ensinar; Como um jardineiro em seus canteiros para fazê-los produzir flôres e frutos ; Como um monarca no seu reino para man ter-lhe as rédeas; Como um sol no mundo para esclarecê-lo; Como a alma n o corpo para lhe dar a vida, o sentimento e a ação; "Quod anima est corpori, hoc Deus est ani mae" (S. Agostinho). E' urna relação de afeição reciproca, de ami go para amigo, de filho para pai, de esposo para esposa; sociedade de vida e de operação, que rea liza uma verdadeira intimidade e que faz de duas pessoas uma só alma e um só coração. Há uma união inefavel que Nosso Senhor com para àquela do ramo ao tronco, da cabeça e dos á.embros ,e mesmo à da Santíssima Trindade. S. Paulo a compara à união do matrimônio, à unidade do Padre e do Filho, à' união do sarmento e da videirfl, à união da alma e do corpo. A alma em estado de graça é a morada, o templo, o reino, o tronto de Deus. Deus e o homem se mterpenetram mais e mais, como o sol e a atmosfera, o fogo e o metal. 16 LÉON DEH0:'-1 E' a Santíssima Trindade tôda inteira que · está em nós : "l\iansionem .apud ·eum faciemus" - Permaneceremos nele" (S. João, XIV -23). "O Filho, como o Espírito Santo, habita em nós pela graça" (S. Tomaz, I. q. 43 a 5) . Jesus é a nossa vida e nosso coracão: "Eu sou a vida e dou a vida: Ego sum vila · Ego veni ut vitam habeant". (S. João, X, e XIV, 6 ) . Cristo é nossa vida, diz S . Paulo: " Christus vita nostra"; "Mihi vivere Christus ·est'' - Vivo, jam non ego, vivi! in me Christus". (ad Co!. 111. ad Philip. I, ad Gal. 11). Santo Tomaz sobre a epístola aos Gaiatas (li 'cão VI�: A alma de Paulo era movida e vivifica da por J'esús (V. Eudes, 11-248 e Maynard, pg. 276). S. Paulo dizia ainda: Cliristus Jesus in vobis est" - Cristo Jesus está em vós" (2 Cor. >13, 5) , e aos Efésios : " Sine Christo, sine Deo" HSem Cristo, vós estareis sem Deus" (Ad Ephes. 2-12). O Símbolo dos Apóstolos nos faz dizer : "Creio no Espírito Santo que nos vivifica". S. Paulo diz aos Romanos: "Os filhos de Deus são movidos pelo Espírito de Deus". (Ad. Rom. 8-14) . E ainda o amor de Deus é infundi do nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado: "Charitas Dei diffusa est in {:ordibus nostri$per Spiritum Sanctum qui datus est nobis". (Ad. Rom. V-5) . S. Tomaz diz na sua I parte, quest. 43 : "Al guns dons são atribuídos ao Filho por apropriação, como o de iluminar nossas almas para � conduzir ao amor". " Quanto aos efeitos da graça, as duas missões divinas concorrerQffi para isso: a do Filho e a do Espírito Santo - formam como uma raiz comum A VIDA !:<!T ER! OR 17 donde saem efeitos diferentes: a iluminação do espírito e a ardência do coração". Pela graça tôda a Trindade habita em nós, se <;undo a palavra de Nossq Senhor em S. João : �'Viremos a �le, e nele faremos nossa mansão": "O Pai se dá a si mesmo : o Fillio e o Espírito Santo são enviados pelo Pai". (1) .1\ias é místér corresponder a /)Sta vida de Deus em nós; é preciso pô-la ern prática. Tôdas as nossas faculdades concorrem para ela: Pela memória nós nos lembramos da presen ca de Deus, e essa lembrança nos mantem na fé e Íto respeito; Pela inteligência, ouvimos as insinuações da graça divina; · Pela vontade obedecemos aos preceitos e aos conselhos divinos, vida de conformidade e de aban dono; Pelo coração nos entregamos à piedade afe tiva. Os atos da memória dominam na vida puri fícatíva : Lembrando-nos da nossa dependência de Deus, dos nossos pecados e de nosso fim último. (l) Ler S. Francisco de Sales, o Cardeal àe B('rulle, o P. de Coudrin; o ven. Boudon, M. Oller, M. de Berne�res; os Padres Nouet, Salnt-Jure, d'Argentan; B. Monfort; Lesslus, Tf"Tiassim, Cornelio a Lapide; o P. Eudes (Vie et rêgne du Se1gneur Jésus dans Ies ftmes, etc. (Sa vie. Vol 2, p. 22 e seg.), (2) Ver os textos numerosos citados por Scheeeben: Dogmatique. (3) S. Th. lp.Q.43 - Aliqua dona secundum apropris.tionem Filio atrlbuuntur sicut illuminare ... sed cum relatione ad amorem ... quaotum ad affcctum gratiae, communicant duae mlsslones ... (Filil et Spirtt. Sti in radice gratfae sed distln- guuntur in effectibus gratiae, qui sunt illuminatlo intellectus et inflamatio affectus. Ibid. art. --1 -Per gratiam tota 'l'rinitas lnhabitat en nobis secundurn lllud Johannis: ad eum veniemus et apud eum mansionem faclemus (S. João, 14, 23), 18 LEON DEljON . Os atos da inteligência dominam na vida ilu minativa, durante a qual continua ainda a puri ficação do nosso interior. Os atos da von tad.e e do coração dominam na vida unitiva. · •t�!t A Santa Liturgia nota, a cada instante, a ação da Santíssima Trindade em nós. Pedimos a Deus Pai para que atue em nós pelo seu Filho Jesus Cristo, na unidade do Espí rito Santo. A segunda das preces que precedem a:'sapta comunhão no Canon da Missa, a prece "Jesu, fili Dei vivi", mostra-noS bem esta ação divina: é pela vontade do Pai e na .coopéração do &r pirito Santo, que o Salvador nos vivifica ; e· ·N>I\'. lhe pedimos os três gráus desta vida : li-a purificação" dos nossos ·pecados; r o progresso na prática da virtude; e a união inseparavel' com Deus. lfit. ,a E' todo o programa da santidade ou da vida interior e espiritual. CAPÍTULO III A pureza de coração - Preparação para a união - Princípios gerais com particularidades dadas pelo Padre Lallemant. : Da · pureza de coração A pureza de coração é o cimo da vida purlfi cativa. Mas como a raiz do pecado não morre, a vida purificativa deve perseverar enquanto vive mos. No começo d a nossa conversão, ela domina t: reina em nós. Deve perseverar ainda mesmo A VIDA INTERIOR 19 que Deus nos dê a graça da vida iluminativa e unitiva. Há . sempre o que purificar, e a purificação do nosso interior é sempr�.condição de melhores .�. ' graças. · Todos os autores místicos tratam da pureza de coracão como do primeiro passo para a santifica ção, ·é a vida purifativa. Devemos purificar-nos de nossos pecados, de nosso!!- defeitos, de nOssas paixões, e nos despren dermos das criaturas, antes de sonhar com o pro gresso na virtude e na vida interior. O Padre L�lemant tratou explendidamente deste assunto. Podemos apresentar um resumo como outras tantas reflexões substanciais ou axio- mas a meditar. • § f Da pureza de coração e de sua importância I - A pureza de coração consiste em não ter no coração coisa alguma contrária a Deus e à ope• ração da graça. li - O primeiro meio para chegar à perfei ção é a -pureza de coração. Depois dela vêm os preceitos e a doutrina espiritual dos livros, depois a direção e a fiel cooperação à graça. IH - Quando o coração está bem puro, Deus enche a alma e tôdas as suas potências com sua presença e o seu amor : a memória, o entendimen to, a vontade. Assim a pureza de coração conduz à união divina e a isso não se pode chegar por outros ca minhos. 20 LÉON OEIIO)'( IV - O caminho mais curto e mais seguro para chegar à perfeição, é a preparação para u pu reza de coração antes que para o exercício das virtudes, porque Deug ·está pronto para nos c;Jll ceder tôdas as espécies de graça desde que não lhe ponhamos obstáculos. Santo Inácio dizia que os prôprios santos pu nham grandes obstáculos às graças de Deus. V - Entre todos os exercícios da vida espi ritual, a nenhum o demônio 'opõe maior obstáculo que à pureza de coração. t:ae Ele nos permitirá fazer atos exteriores de virtude. vMuClf. § li Sua prática e seus gráus I - A ordem que se deve observar na purifi cação do coração : ,..1.•) - notar os pecados atuais e &rigi-los; 2.•) - observar os movimentos desordenados do coração e remediá-los; 3.•) - vigiar sobre os pensamentos e regu lá-los ; 4.•) - reconhecer as inspirações de Deus, seus desejos, suas vontades, e animar-se a realizá-los. 11 - Tudo isso se deve fazer suavemente, ajuntando-se-lhe a devoção a Nosso Senhor, a qual compreende um alto conhecimento de suas gran dezas, um profundo rE$peito tpela :sua pessoa e por tudo que lhe toca seu amor e sua imitação. A VIDA INTERIOR 111 - Ha quatro graus de pureza a que nós podemos chegar por uma cooperação fiel à graça : O primeiro é a purificação dos pecados atuais e da pena que lhes é devida; o segundo, desembaraçarmo-nos de nossos maus hábitos e de nossas afeições desregradas; o terceiro, libertarmo-nos tanto quanto possí vel, neste mundo, dessa corrupção original que se chama: "fomes peccati" - tendência ao pecado, que esta em tôdas ru; nossas potências e membros; a quarta, pela nossa união com Deus, que nos fortifica contra as fraquezas de nossa natureza. §111 Os obstdculos I - A ruína das almas vem da multiplicação dos pecados veniais, que causam a diminuição das luzes e das inspirações divinas, das graças e das consolações interiores, do fervor e da coragem para l'esistir aos ataques do inimigo. " 11 - Aqueles que evitam os pecados veniais sentem, em geral, a devoção, e têem em sua alma a certeza moral de estar em estado de graça. Ill - Nas qossas quedas, desde que as per cebemos, devemos adorar a Deus interiormente, voltarmo-nos a tle com amor, pedir-lhe perdão com confiança, recomeçar a fazer o bem, sem ja mais abandonarmo-nos ao desfalecimento ou à in quietação . IV - S. Clemente de Alexandria chama as paixões: os caracteres do diabo (obsignationes dia boli), como se o demônio por nossas afeições des regradas nos imprimisse sua marca. L l> O N D E H O N V - Para nos tornarmos semelhantes a Deus é mistér renunciemos à "semelharnça do diabo", que consiste no orgulho, na vaidade, n a presunção; e à dos animais que consiste nas pailcões e nos movimentos desregrados do apetite sensual. I § IV Conclusão I - Seria preciso não sairmos jamais do nos so re.colhimen to : não esquecermos nunca a presença de Deus; mantermo-nos sempre na modéstia e na hu mildade; falarmos pouco e não falarmos senão coisas boas. 11 - Evitemos até considerar nosso progresso espiritual para não nos deixarmos i"nfluenciar pela vaidade. Não procuremos1. a vontade de Deus c sua satisfação. SEGUNDA PARTE VISTA DE CONJUNTO SóBRE A VIDA INTE RIOR CONFORME OS PRINCIPAIS AUTORES MíSTICOS E AS .DIVERSAS ESCOLAS DE ESPIRITUALIDADE CAPÍTULO IV Das' diversas escolas de Espirit ualidade Pode-se lêr um estudo aprofundado sobre êste tema em M. Sauvé. A escola beneditina deu sua mais bela flôr em Santa Gertrudes. Seu caminho era a santificação das nossas al mas com o auxílio da Liturgia. Estava ascultan do o murmúrio divino, entregando-se piedosamen te à prece litúrgica segundo suas regras cotidia nas e seu ciclo anual. A escolr Franciscana se entregava ao amor do pobre de Nazaré e do Crucificado do Calvário. A escola dominicana, conforme S. Paulo, pro curava apoiar-se sem cessar sobre a doutrina, a re velação e suas deduções. Concedia uma grande parte à inteligência. Santo Inácio aproveitou os caminhos abertos antes dele, para fazer uma feliz combinação, acres centando-lhes a vigorosa estratégia que lhe é pró pria. LI':ON DEH0:-1 A santidade consiste na nnião com Dens : mui tos caminhos nos conduzem a fsso : União de presença : união habitual; União de pensamento : meditação e contem plação ; União d e coração : vida afetiva, vida de amor; União de vontade : conformidade" abandono a Dens. Segnndo os tempos, os temperamentos, os ca racter�es, as graças de momento, certos santos e certos escritores místicos insistem mais sôbre nma das formas desta união : União com a Santíssima Trindade; União com Nosso Senhor Jesus C�sto e seu Divino Coração; • União por nma das nossas f<fculdades mais que pelas outras, sem exclui-Ias. Sob êste último aspecto, pode-se fazer a se guinte classificação : União de presença, temor e respeito : século X"1II, Bossuet, Bourdaloue, Olier, Boudon . . . · União da inteligência, meditação, contempla- ção : Santo Tomaz( !í�í·grandes escolas místicas : Santa Tereza,·�- João da Cruz . . . União de vonta1\e: carater determinado e ca- '1 valheiresco : O Combate Espiritual, S. Inácio (o t·eino, os dois estandartes, as três classes) Rodri guez . . . União de coração : �aracteres afetuosos, de voção à hnmanidade de Nosso Senhor Jesus Cris to, ao Sagrado Coração . . . S. Bernardo, �- Boaventura, S. Gcrtrudes, S . Francisco de Sales, S. Margarida Maria. A VIDA INTERIOR 25 Em nossos dias, a união da vontade e do co raçãe, a devoção à Paixão e ao Sagrado Coração, produzem em muitos a graça da vida reparadora c da vida de vítima. A alma interior é a filha do Rei apresentada pelo Salmista (ps. 44). Tôda a sua glória vem do interior de si mesma, mas ela tem vestes diversas, brilhantes de ouro e de ornatos : "omnis gloria ejus, fi!iae regis ab íntus; in fimbriis aureis cir rumamicta varietatibus". tsses véus ou mantos da vida interior' são os diversos ()Spéctos dessa vida, segundo o trabalho 1, da graça e seus dons. , Todos êsses caminhos agradam ��osso Se nhor, mas percebe-se fàcilmente que, se tle tem alguma ·preferência, é pela vida de contemplação e de amor. tle o dcixou transparecer, quando disse de Santa Madalena, modelo das almas aman tes e contemplativas, que ela escolhera a melhor parte. E nos nossos dias, é o seu divino coraçã<ltque tle nos apresenta como a pérola mais precwsa, mais rica que todos os tesouros. CAPiTuw'V A UNIÃO COM DEUS No livro da Imitação de Jesus Cristo, conforme u estudo do Padre Dumas e as consideracões de S. Francisco de Sales • .A " Imitação de Cristo" não é estritamente um tratado de vida espiritual. Os dois primeiros n vros se aproximam disso. D11screvem a . vida ilu minativa e a vida purificativa. 26 L :E: O N D E H O N O terceiro é antes uma descrição da ascenção para a vida unitiva; a sua ligação é menos clara: Há retrocessos, flutuações, justamente porque na realidade a vida espiritual é feita de lutas, pro vas, ascensões e quedas. O auto r parece tornar ao começo: Efetivamente a natureza tem momento de re volta, é preciso conduzi-la muitas vezes à compun ção, ao desprendimento, à abnegação. A "Imitação" não tem a pretenção de nos le var às graças extraordinárias: estas são gratuitas e não se deve procurá-las. Mas forma-nos para a contemplação ordinária, que é j á uma fruição pacifica e um antegozo do céu. Mas é um estado, muitas vezes, temporário e misturado com aridez, fraquezas e contradições. E' preciso guardar o sentimento principal das três etapas da vida espiritual e a elas voltar sempre. • Primeiro livro : · A atmosfera vital da primeira etapa: E' a compunção do coração entretida pela lem brança de nossa fraqueza, de nossos pecados, da morte e do juizo. O primeiro livro corresponde à vida purgati va, nota S. Francisco de Sales: E' a preparação para a vida de oração; faz se mistér desbastar o terreno, arrepender-se, puri ficar-se dos pecados, renunciar às afeições desre gradas, até aos repousos inuteis e tomar .gosto pela solidão e pelo silêncio. Segundo livro: Região vital da vida iluminativa: A VIDA INTERIO R 27 E' o caminho d a cruz : a· meditação da vida c da Paixão de Nosso Senhor, com o amor da mortificacão e do sacrificio. rior. O segundo livro nos faz entrar na vida interior. E a define sob o nome de conversação inte- Mostra-nos o seu caminho : O abandono a Deus, a paz da alma. Exalta-lhe os frutos : A familiaridade que õ amor estabelece entre Jesus e a alma fiel. Terc;�iro livro: A condição principal da vida de união : O abandono a Deus, a en !rega ou resignação própria à vontade divina em tudo e para tudo. O terceiro livro nos faz progredir na vida in terior: Volta sobre os entretenimentos de Jesus com a alma fiel. Ensina-nos como a verdade divina fala à nossa ahna sem ruído de palavras, com a condição de que marchemos com Deus na verdade e na hu mildade. Depois, as provas, as tentaçE �s e os obstácu los são passados em revista, os numerosos capí tulos com os conselhos para os ultrapassar, e o autor resume em um capítulo fundamental os di versos movimentos da natureza e da graça. O quarto livro trata da Eucaristia, que com a orarão é o alimento da vida interior.·Conclusão: Oracão : "Em vós ponho 'minha confiança, meu Deus, Pais d-. misericórdias. Abençoai e santificai mi nha alma pela,s vossas bençãos celestiais, a fim de que ela se torne para vós uma morada santa·, o 2b LÉON DEIION trono da vossa glória eterna, en1 que vós governeis tudo, e que nada se encontre nesse templo que ofenda os olhos de vossa Majestade, quando aí vos dignardes descer para receber as homenagens e as súplicas de vossos filhos". CAPÍTULO VI ,i união com Deus nos livros de Scupoli: O com bate espiritual e a paz interior. O combate espiritual, diz S. Francisco de. Sa les, é feito principalmente para a vida pràtica e ativa, Scupolí, entretanto, lança de passagem algu mas vistas sôbre a vida interior. I - " O cimo d a perfeição, diz-nos desde o co nieço, é a união com Deus". "A vida espiritual se resume em se reconhe cer a grandeza e bondade de Deus, ao mesmo tem po que nosso nada e nossa inclinação ao 'mal; em amar o Soberano Mestre e em odiar-nos a nós mes mos; em submeter-nos não somente a f:le, mas a tôda criatura por seu amor; em renunciar a nossa própria vontade para nos colocar sob a sua dire ção; mas sobretudo em não produzir intenções ou ações senão para a sua glória, a fim de lhe agradar e porque, é assim que f:le merece ser amado e ser vido, que o deseja ser. Tal é a lei do amor gravada por Nosso Senhor no coração dos seus servos fiéis".· Mas é principalmente num pequeno tratado sôbre a Paz interior, anexo ao Combate Espiritual, que Scupoli trata mais diretamente da vida in terior : (1) (1) Y8r o livro do P. Lehen, sObre a paz interior. A VIDA INTERIOR 29 A paz, diz êle, é a mansão do paraíso, é a con dição da união com Deus. E' o exercício princi pal e conlínuo da nossa vida pacificar o nosso co ração e não o deixar desviar-se para as crenturas. Ponde então, à frente de vossos sentimentos ou disposições, a paz como sentinela avançada. A�ostun1ar·vos-ejs a orar, a obedecer, a humi lhar-vos ,a suportar as injúrias sem perder a paz. E se sobrevier uma -grave prova, vós recorre reis à oração, como N. Senhor no Gethsêmani, até que a p'il:z volte. Adquirir a paz é adquirir uma casa para o Senhor, é ·construir um tabernáculo para o Altíssi mo; é tornar-se seu templo". 11 -- Os meios : " Sentir-vos-eis sempl'e bem no mais intimo de vosso ser, enquanto mantíverdes vossa intenção reta. · Tende em grande estima vossa alma. O Se nhor dos Senhores, creando-a, a destinou para ser &ua morada e seu templo. Tende-a em cons)deração /paija · não permi tirdes que ela se incline a um objeto inferior. Que vossos desejos e esperanças se resumam na espectativa do Senhor, que não virá visitar vos sa alma se não a encontrar só, isolada dos pensa mentos extran)ws a �le e dos desejos da própria vontade. O' <lfmirave! solidão I O' morada secreta do Aliís:;imo, em que �le estará unicamente para \'OS dar audiência e falar-vos ao coração!" 30 L J': O N D EH O N III - A ação divina: "A Deus pertence implantar a car[dade na vossa alma, e colher os frutos quando quiser : Não tendes que semear grão algum, oferecei somente o terreno puro e livre de qualquer adesão. "Êle lançará a s-e1nente a seu ten1po ; mas quer encontrar vossa alma isolada e desprendida para unir-se a ela. Concedei-Ihe agir em vós, não creeis obstácu los pela vossa vontade: é o que vos pede. Conservai-vos em repouso, sem nenhum ou tro pensamento que o de agradar ao Senhor, es •perando ser conduzido ao trabalho pelo pai de família. Ponde todos os vossos cuidados (mas sem nenhuma inquietação) em suavizar vosso zelo� moderar vosso fervor, ·para conservar Deus em vós numa paz iinensa. Tal disposição é apenas a resignação da alma à vontade divina". IV - Prática : Habituai-vos pelo desejo e mais freqüente mente ainda pelos a tos à contemplação da divina bondade, de seu amor e de seus beneficios con tínuos. Nas vossas meditações não vos prendais ao plano fixado, mas onde sentirdes vosso espirito re pousar, insisti em gozar do Senhor no lugar em que J;:Je se dignar comunicar-se à vossa alma. E quando aprouver à sua divina majestade retirar-se ocultamente, recomeçareis a procurá-lo, retomando vossos primitivos exercícios, sempre A VIDA INTERIOR 31 com o mesmo desejo de possuir o objeto de vosso amor". Scupoli chama êste da do Paraioo". E conclue dizendo : pequeno tratado: "Vere • "E êstes avisos merecem uma sena atenção. 'Ouso dizer que são como chaves espirituais, abrin do para a alma tesouros com que ela poderia en riquecer-se em pouco tempo". P. Piny, no seu livro intitulado : "O réu sobre a terra ou a mais perfeita de tôdas as vias inte riore.�", de inspira nos mespos princípi.os. Aconselha-nos o abandono e a conformidade à vontade divina. Pela aceitacfio da vontade divina determina da pelas leis de Deus e da Igreja, pela' nossas re gras e nossos deveres de estado. e pelos aconteci mentos providenciais, êle nos conduz à paz. da al ma, que é a condirão necessária para n virla inte riur e para a contemplação habitual do amor di vino . . . CAPÍTULO VII A 'vida 'Interior. com Santo lnacio Os exercícios de S. Inario conduzem a fins vários. conforme as necessidades dos retirantes. Preparam-nos, se.mndo os casos, para hzer a escolha de uma vocacão ; a tomar resoluções para a reforma de sua vida; para se iniciarem na vida contemplativa e no puro amor de Deus. "No�o bem-aventurado Pai, . diz o Pe. Roo than, não dá as regras da união especial com Deus, 32 L E ON DE H ON mas prepara as almas para isso e a principal dis posição que indica é o desprendimento e a abne gação de si n1esmo'�. Em tôda a extensão dos exercícios, S. Inacio leva à vida interior, à conversão corn Deus, à cor respondência às luzes e às impressões da graça. Primeira anotacão : Os exercícios s'ão a arte de meditar e con templar. Segunda anotação : A alma deve encontrar nos exercícios não so mente a inteligência, mas o sentido e o gosto das coisas que medita. Decima quinta anotação : Nosso Senhor se comunica à alma devota e, num santo amplexo, a dispõe ao seU amor, ao seu louvor e ao seu serviço. A primeira semana é uma preparação neces saria : dispõe e purifica a alma pelo temor de Deus, o odio do pecado e a penitência. Os colóquios são nm verdadeiro exercício da vida contemplativa, em que a alma em doces en tretimentos com Maria, com Cristo e com Deus, abre-se a tôdas as impressões que a graça lhe su gere. Na segunda semana, a alma contemplando os mistérios do Salvador, procura as lnzes, as conso lações e as afeições que lhe ve'em da graça. A elei cão se faz sob a influência divina no momentO ezn que a alma é levada a fazer tndo pelo amor de Deus. Na terceira semana, pedimos à Maria e a Je sus, que dividam conosco os sentimentos do Sal vador na sua paixãÓ, seu ódio do pecado, seu elevo lamento para com seu Pai e para com as almns. A VI DA i:'ITE RI OR :l3 Na quarta semana, participamos das alegrias de Jesus Ressuscitado e somos convidados a co nhecer e a gozar particularmente os momentos em que nos sentimos fortemente emocionados e im pressionados pela graça. A conclusão dos exercícios é a contemplação para excitar em nós o amor espiritual. Esta contemplação nos deve fixar na vida uni tiva, na vida de amor por Deus e Nosso Senhor. Corresponde às regras que dão o Padre Lalle mant, B..ssuet, e o P. Faber sôbre a oração de sim ples presença de Deus, com um olhar sumário su·· bre tôdas as bondades divinas e uma doce adesão aos sentimentos e às resoluções que estas bonda des nos inspiram. Santo Inácio nos faz contemplar, à margem, os grandes benefícios da Providência : a Creação, a Redenção e os dons de Deus que nos são pessoais : Batis1no, vocação, etc. . . . Tôda a contemplação c um olhar sôhrc Deus e o Reden tor. f:le nos mostra Deus vivendo em tôdas as creaturas e sôbre tudo em nós mesmos que somos como "seus templos'". Nestas mes1nas creaturas, Deus não está só mente :presente, mas vivendo, agindo, e como que sofrendo, o que nos deve levar a viver e a agir por êle. Enfim, S. Inacio nos mostra em Deus a fonte de tudo o que há de bom nas creaturas. Todo bem desce de Deus como os ráios vêm do sol-e as águas da fonte. Nosso amor deve, então, remontar a Deus como 34 L J':,.Q N D E H O N - As regras do discernimento dos espíritos poderiam chamar-se também regras da vida in terior. S. Inacio nos faz distinguir a ação divina da ação da natureza e do demônio. A ação de Deus ou a graça tem seus ca racterísticos : é a paz, a alegria e o amor de Deus; são as condições da verdadeira vida interior à qual devemos tender e que devemos entreter em nossas almas. - Os exercícios eram um sumário, um mara vilhoso bosquejo, um resumo dos meios a empre gar e o caminho a seguir para chegar à união com Deus. Os discípulos de S. Inacio desenvolveram os Exercícios : êles o tem entre os melhores mestres da vida interior. Tais o P. Saint-Jure, o P. Nouet, o P. Lalle mant, o P. Grau, o P. Chaignon, à P. Bouix, o P. Terrien, o P. Pergmayr. E' tôda uma escolta de vida interior com nuan ces bastante sensíveis. Alguns autores, como o P. Lallemant e o P. Grou, teem um atrativo mais em relevo para a contemplação. CAPÍTULO VIII Da vida interior de zzma alma cristã, szza natureza, sua importância, suas vantagens. Conforme o P. Lallemant e o Ven. P. Libermann. este capítulo e os dois seguintes são como que o desenvolvimento da espiritualidade de S. Inacio. O Pe. Lallemant, o Pe. Grau e o Pe. Saint-Jure são A VIDA INTERIO R 35 considerados entre os seus melhores discípulos es pirituais. Continuamos a apresentar aos nossos piedosos leitores esta legião de testemunhos que nos mos tram a vida interior como caminho real para ir a Deus. § 1 Em que consiste a vida interior cristã .... I - A vida interior consiste em duas sortes de atos, a saber : n_os pensamentos e nas afeições. E' sobretudo nisso que as almas perfeitas di ferem das imperfeitas e os bem-aventurados dos que vivem ainda sôbre a terra. 11- Nossos pensamentos, diz S. Bernardo, de vem estar na investigação da verdade, "in investi gationc veritatis"; e nossas afeições no fervor da caridade, "in fervore caritatis". Desta maneira, o cspirito e o coração estando aplicados a Deus e possuidos de Deus, no meio até das ocupações exteriores, não se perde Deus de vis ta e se está sempre no exercício de seu amor. III- Os bons e os máus religiosos diferem so bretudo pela qualidade de seus pensamentos, de seus juizos e de suas afeições. _ E' também nisso que consiste a diferença dos anjos e dos demônios, e o que faz que uns sejam santos e bem-aventurados e os outros maus e in felizes. A essência da vida espiritual e interior con siste em duas coisas : .Oum lado, as operações tle Deus na alma, suas luzes e suas inspirações. 36 LllON DEHON d'outro, a cooperação da alma con1 os movi mentos da graça. V - Uma das ocupações da vida interior é ob servar e reconhecer: 1.') - O que vem de nosso íntimo, nossos pe eados, nossos maus hábitos, nossas paixões, nos sas inclinações, nossas afeições, nossos desejos, nos sos pensamentos, nossos juizos, nossos sentimentos. 2.0) - O que vem do demônio, suas tentações, suas sugestões, seus artifícios; suas ilusões, pelas quais procura nos seduzir, 3.') - O que vem de Deus, suas luzes, suas inspirações, os movimentos da graça, seus desígnios a nosso respeito e os caminhos por onde quer nos conduzir. VI - E' preciso observar cuidadosamente a que o Espírito Santo nos conduz ainda : no começo das nossas ações, peçamos a graça de bem fazê-los e notemos até os menores movi mentos de nosso coraçã<>. VII - Não devemos empregar todo o nosso tempo de recolhimento à oração e à leitura; é pre 'ciso empregar uma parte em examinar a disposi ção de nosso coração, em reconhecer o que nele se passa, em discernir o que é de Deus, o que é da riatureza, o que é do demônio, em nos conformar com a conduta do Espírito Santo, c firmar-nos na determinação de tudo fazer e sofrer por Deus. VIII - Devemos ter então, interiormente e por nós mesmos, uma vida muito perfeita por uma contínua aplicação do nosso entendimento e da nossa vontade a Deus. .. Pois, poderemos sair para serviço do proxuuo sem prejuízo de nossâ vida interior, sem nos dar mos inteiramente aos outros. A VIDA INTE ni OR 37 "Tuus est ubique", diz S. Bernardo ao Papa Eugenio, "concha esta, non canalis" : sêde um re servatório e não um canal. IX - Os operários envangélicos qne não aten tam nisto, têm um justo motivo de temer que, em lugar de serem levados ao céu, segundo a excelên cia de sua vocação, venh'a1n a ser do número da queles que serão mais longo tempo detidos no purgatório, e que serão colocados nas últimas or dens da �lória. § li Os obstáculos qlle ela encontra I - Os objétos exteriores nos atraem a si pela aparência de algum bem que acaricia nosso orgu lho ou nossa sensualidade. 11 - O demônio, movimentando os fantasmas da imaginação, despertando as lembranças e idéias das coisas passadas, excita em nós perturbações, <scrúpulos, e diversas paixões; realizando isso so bretudo naqueles que não tendo ainda o coração perfeitamente purificado, lhe oferecem mais ·pos sibilidade e são mais submissos ao seu poder. III - Nossa alma somente com o sofrimento entra em si mesma, vendo em si apenas pecados, misérias e confusão. De sorte que, para evitar essa visão importuna e humilhante, lança-te imediatamente para o exteJior e vae procurar suas consolações nas cria turas, senão se procura detê-la cuidadosamente no seu dever. 38 L ll ON D E H O N §III Suas vantagens Sem ela não ·pogrediremos no caminho da per feição; Sem ela produziremos poucos frutos nos nos sos trabalhos; Sem ela não teremos a paz em nós, I Sem ela nr�mc�!'amente não chegaremos à perfeição da vida purgativa. Disso teremos mui tas vezes algum sentimento. Mas em tôdas as nossas obras, talvez grandes e belas em aparência, misturar-se-ão muitos defeitos e imperfeições : sen timento de amor próprio, vaidade, vontade própria, etc . . . . E como nos ocupamos em cousa muito diferen te do que conhecimento dos desregramentos de nos so coração, não procuramos purificá-lo, ainda que êle se encha sem cessar de pecados e misérias que enfraquecem as forças da alma e acabam por su focar o espírito de Deus. 11 Não chegaremos nunca à perfeição da vida iluminativa, que consiste em reconhecer em tôdas as coisas a vontade de Deus. Nossos superiores, nossas regras, nossos de veres de estado podem muito bem nos indicar o que devemos fazer, mas não nos dizem com que disposições interiores devemos fazer, A VIDA INTERIOR 39 III Enfim esfá claro que não chegaremos à per feição da vida uniliva, que consisfe na união in ferior da alma com Deus. IV - Tudo frans.borda nos Sanfos, porque êlc• obfêm por suas preces uma bênção e uma virtude que tornam seus trabalhos eficazes. V - Amadureçamos nossas funções à respeito do próximo de recolhimento, de oração e de hu mildade; Deus se servirá de nós para grandes coisas, ainda mesmo que não tenhamos grandes estaleiros. VI - Encontrar-se-fio, às vezes, pessoas que, ocupadas dias inteiros e anos no esfudo e nas tra mas dos empregos exteriores, terão dificuldade em dar um quarto de hora por qia à leitura espiritual; e depois disso, o meio de ser homens interiores ! Daí vem que não produzimos frutos; porque nossas funções não são animadas do espírito de Deus : "Velut aes sonans et cymbalnm tinníens" (I COR. 13, 1). "E' como o bronze sonante e cím balos qne refinem". VII - Um homem interior fará mais impressão sôbre os corações por uma só palavra animada do espírito de Deus, que um outro por um discurso inteiro que lhe tivesse cus fado muito trabalho e em que tivesse exgotado tôda a força de seu raciocínio. VIII ---'- Nunca teremos paz se não nos unir mos interiormente a Deus. O repouso de espírito, a alegria, o sólido contentmnento, sàrnente se en contram na viela inferior, no reino de Deus que te mos d�tro de nós mesmos. Fóra disso a pertur bação,� sofrimento, e se a1guma tentação, alguma prova sobrevier, não a ultrapassaremos. 40 L É O N D E H O N IX - Santo Agostinho compara os que não têm a vida interior bem regulada aos maridos que têm mulheres intrataveis e de máu humor. Saindo de seus apartamentos pela manhã, só voltam o mais tarde possível, porque temem a per seguição doméstica. Do mesmo modo, aqueles que não têm a paz interior, só -encontrando acusaç·ões e re1norsos d e cónsciência, evitam tanto quanto podem entrar em si mesmos. X - Ninguém se dará à vida interioi- na ve lhice, se não o fez na mocidade, de maneira que se não alcancamos nos nossos retiros uma vontade in violavehn�nte resolvida a cultivar a vida interior, a todo preço, cairemos no nosso estado primitivo. "Et fient novíssima pejara prioribus", e aca baremos péiores do que começamos. XI - Quanto tempo será ordinariamente pre ciso para chegar à vida interior? O Pe. Lallemant fala, em certa passagem, d e três o u quatro ano,_ M-as o costume das grandes ordens em não fa zer senão um ano ou dois de noviciado parece in dicar que êsse tempo basta, se for bem emprega do, para entrar na vida interior. § IV Suas ocupações I - C\fosso principal cuidado deve ser em vi giar sóbre nossa vida interior para reconhecer-lhe o estado e para corrigir-lhe as desordens. II - Permanecendo enredados e como qne se pultados numa infinitude de erros e imperfeições que não vemos nunca e que não veremos sinão na A VIDA INTERIOR 41 hora da morte interior, em que o demônio e a na tureza desempenham extr'anhos papeis, seremos to dos absorvidos no enredo e opressão das ocupa ções exteriores. III - A ruína das almas, no caminho da per feição, vem da multiplicação dos pecados veniais, donde se segue a diminuição das luzes e das inspi rações divinas, das consolações espirituais e dos outros socorros da graça, depois de uma grande fraqueza para resistir aos ataques do inimigo c enfim a queda em alguma falta grave, que nos faz ver que não vigiamos sôbre as desordens do nosso coração. IV - E' esta ausência de nós mesmos e esta ne gligência em regular nosso interior, que são causa de qne os dons do Espírito Santo sejam em nós quasí sem ·efeito e que as graças sacramentais per maneçam inúteis em nós. V - Assim, a graça do Batismo nos dá um di reito habitual para receber luzes e inspirações para levar uma vida sobrenaturalo como membros de Jesus Cristo, animados do seu espírito. A graça da confirmação é um direito à força dos soldados de Jesus Cristo, para gloriosas vitórias. VI - A graça do Sacramento da Penitência é um direito a receber um acréscimo de pureza de coração. A da Comunhão é um direito a receber socorros mais eficazes para nos unirmos a Deus pelo fervor de sua caridade. Cada vez que nós nos confessamos e comun gamos, os dons do Espírito Santo crescem em nós e não são visíveis os seus efeitos. "fl:I - Isso vem de nossas afeições desordena das e dos nossos defeitos habituais, os quais deixa- 42 L � O N D E H O N mos que nos dominem mais do que as graças sa cramentais e os dons do Espírito Santo. VIII - Vigiando o nosso interior, vamos ad quirindo pouco a pouco, um grande conhecimento de nós mesmos e alcancamos afinal a dírecão do Espírito Santo. • • IX - Os que se ap!icaram durante três ou qua tro anos em vigiar o seu interior, penetram natu ralmente no coração dos outros e julgam facilmen te os movimentos. X - Sem que façamos grandes mortificações, nem obras tão relevantes, podemos praticar exce lentes atos de virtude na vida interior. XI - E' porisso que os Santos estão assim ele vados, ao mais alto grau de virtude. XII - Aqueles que são muito ativos, não ten do regulada a sua vida interior, perdem infinitas graças e méritos. Seus trabalhos não produzem senão muito pouco frutos, não sendo siquer animados da força c do vigor que vem do espírito interior, nem acom panhados das bençãos que Deus dá aos homens de oração e recolhimento. XIII - Passam-se assim dez ou vínté��aiios sem que se avance um pouco para alcançar a perfeição. O espírito se distraí e o coração seca entre todos os exercícios da vida religiosa, se não se tiver todos êsses recursos. XIV - Abrimos os olhos nó declínio da vida c trememos à aproximação do julgamento de Deus. XV - O meio de evitar todos êsse males é rC·· guiar bem o nosso mundo interior e praticar essa vigilância que Deus nos recomenda tão freqüente nlente : "Vigilate" - "Vigiai". A VIDA INTERIOR 43 § V Quanto importa uni-la com as ocupações exteriores I - Devemos unir de tal modo a ação e a con templação, que não se dê mais àquela do que esta, tratando de se elevar tanto numa como noutra. De outra forma, se nos atirássemos inteiramen te ao exterior e nos entregássemos completamente à ação, ficaríamos nos últimos degraus da contem plação, que são uma prece comum e os outros exercícios de piedade praticados de modo grossei ro e im perfeito. 11 - E' preciso unir, de tal sorte, a ação com a contemplação, que nos entreguemos à primeira, à proporção que formos nos aproximando, mais ou menos, da última. Quanto mais orarmos, me lhores .resultados obteremos dos nossos atos. Se muito pouco conhecemos do nosso eu, nada fazeri'los ao exterior (ao que nos rodeia externa mente), a menos que a isso nos impulsione a obe diência, ou por outro lado, nada faremos pelos ou tros e nos perderemos a nós mesmos. 111 - Persuadamo-nos de que, no desempenho das nossas funções, não obteremos fruto se não nos aproximarmos de Deus e se não nos despren dermos de todo interesse próprio. Iludimo-nos fàcilmente neste assunto. Entregamo-nos às obras de zêlo e de caridade, mas seria por verdadeiro zelo e ··caridade pura? .Não seria porque achamos nisso satisfação e porqt• não amamos nem a oração nem o estu do, ou porque poderíamos ficar nos nossos apo sentos, e sofreríamos o recolhimento? 44 L ll O N DE H O C\1 IV - Faz-se, semelhantemente ao que os ou tros praticàm, todo o be1n que se imagina, e a si próprio cansa-se mais dano do que se pensa. V - Para trabalhar utilmente na salvação dos outros, é preciso ter progredido bastante na sua própria perfeição. VI - Se os superiores têm muito que fazer ex ternamente, devem ter confiança de que a Provi dência dispõe as coisas para que o todo medre em maiores beneficios dos inferiores. VII - A aplicação ao estudo é digna de um religioso, mas às vezes, não se sonha senão en1 po voar o espírito de conhecimento que servem mais para o endurecer e enfraquecê-lo do que para o en ternecer pela devoção e inflamá-lo pelo fervor. VIII - E' preciso cultivar, principalmente, a vontade. Comumente temos muita ciência, mas nos falta a necessária união com Deus. § VI Conclusão I - Devemos dirigir o nosso cuidado princi pal para adquirir o espírito da oração e nos pene trar por um grande amor de Deus. 11 - O melhor motivo para praticar as virtu des é o amor, porque êle nos eleva a Deus, sem pe- rigo do amor-próprio. · 111 ·-- tste motivo é o mais simples. Está ao alcance de todo mundo. E' também o mais perfeito e o mais agradave] a Nosso Senhor. A VIDA INTE RIOR CAPITULO IX A vida interior - Suas diversas formas segundo o P. Grau Para compor um excelente manual das almas interiores, reuniran1-se diversos opúsculos do Pe. Grau. I - O P. Grau dá alguns princípios gerais : ·1.') - Deus não deu ao homem liberdade se não para que (êle) lh'a consagrasse, e o melhor uso que o home1n faz dela é tornar a colocá-la nas mãos de Deus, é a renúncia de se governar a si próprio, e deixar que f..:le disponha de tôdas as coisas, porque, nos desígnios d e Deus, tudo o que nos vem do arranjo da Providência tem por objéto a nossa salvacão eterna. 2.• - A fonte da paz do homem está na dádiva que faz de si próprio a Deus, e se esta dádiva for completa, a paz de que gozará será imperturbavel e aumentará dia a dia. 3.') - A fidelidade às pequenas coisas. a aten ção à prece a Deus prova totalmente a delicadeza do amor. E' a vida de N azar é : 4.') - O àmor d e Deus não tem em nós senão um único inimigo, que é o atnor próprio. A alma se liga a bens sensíveis. Deus a distingue com as consolações e&piri tuais. Em seguida ela se une a essas consolações. Deus a desprende pela aridez e pelas. tenta ções. M8rla a alma, por si mesma, guarda a paz e fica unida a Deus na sua essência. 46 L :e O N D E H O N 5.') - Torna-se a alma cada vez mais passiva e Deus exerce domínio cada vez maior sôhre ela. 6.' - O amor perfeito não conta mais com ;�s consolações de Deus. :f:le ama com um desinteresse a tôda prova. II - O P. Grau nos descreve uma dezena de formas da vida interior. 1.") - a devoção : O principio da devoção é que Deus sendo a única fonte .e o autor da santidade, a criatura ra cional deve depender dele, em tudo, e se deixar governar absolutamente pelo espírito de Deus; E' preciso que ela seja sempre relacionada a Deus pela sua base, -sempre atenta a escutá-lo aci ma de si mesma, sempre fiel para cumprir o que :f:le pedir, em tôdas as ocasiões. Aquele que se entrega às sensações, às pai xões, à dissipação, não chega à devoção. O verdadeiro devoto é o homem que reza, que faz consistir suas delícias em se entreter em Deus, que não esquece nunca ou quasi nunca a sua pre sença, porque :f:le lhe está sempre unido ao cora ção e é conduzido em tudo. pelo seu espírito. Na oração, ela entra suavemente em si mes ma; lá acha Detis : encontra a paz. O verdadeiro devoto estuda como preencher � �· perfeitamente todos os deveres do seu estado e to- dos <>s verdadeiros beneficios da sociedade. E' fiel aos exercícios da devoção e os interrompe sem tris teza, se as circunstâncias o pedem. Não acha paz a não ser na união com Deus, segundo o que diz" Santo Agostinho : A VIDA INTERIOR 47 "0 coração do homem, unicamente feito para Deus, está sempre inquieto, até que repouse em Deus". 2.') - A vida nova em Jesus Cristo : São Paulo disse aos cristãos que, no Batis mo, êles estavam mortos e "sepultados" com Jesus Cristo ; que ao sair da pia batismal, êlcs ressusci t�vam e eram obrigados a levar uma vida nova nos moldes da do Salvador. A ressurreição é o símbolo da vida nova em Jesus Cristo, da vida espiritual. Pela morte �on tínua de si mesmo é que se prP para para essa vida: morte dos pecados. mesmo léves, e das im- perfeições; morte ao mundo e às coisas exteriores ; morte à vontade própria; morte à estima de nós mesmos e às consola ções espirituais. E' por êstes vários graus de morte que a vida mística de Jesus Cristo se estabelece em nós ; ela é uma participação do mistério da ressurreição. 3.') - O amor da cruz: "Aquele que não leva a sua cruz todos os dias, não é digno de mim". (S. Mateus. X-38) . · Como a nossa própria morte, a cruz (o sofri mento) é uma condicão da vida interior. Para seguir o N'osso Senhor e participar de suas gracas, é preciso renunciar a nós n1esmos, in fligir-no�sofrimentos, e isto, todos os dias e con- tinuamente. • 48 L ÉON D E H O N Primeiramente, essa cruz consiste em evitar o pecado e as ocasiões de praticá-lo. E1n segundo, em modificar as paixões, mode rar os desejos, vencer, domar os sentidos; e1n ter ceiro, em nos separar de espírito e de coração de todos os objétos terrestres, carnais e temporais para dannos ocupação ao nosso pensamento e às nos sas •afeições nos bens espirituais ; em quarto lugar receber corn a melhor disposição os rnaus eventos que nos sejam enviados pela Providência; em quin to, acatar tôdas as provas e penas da vida espiri tual; mas isso diz respeito sobretudo às almas in teriores que Deus prepara para as graças supre mas, fazendo-as passar pelo penoso caminho dos sofrimentos e das dores. · 4.") - " O espírito de fé" : O espírito de fé e de confiança em Deus é pe dido a todos, mas o seu caminho é chamado uma conduta particular de Deus que exercita a fé das almas privilegiadas, parecendo contradizer as suas esperanças. Abraão é chamado para imolar lsaac (seu fi lho) ; José, que tem promessas de domínios sôbre os irmãos, é vendido por êles e levado ao Egito. A alma conduzida por Deus por essas vias da fé, deve aceitar plenamente e conservar a paz in terior e a confiança. Acontece que Deus faz essas almas passar por longas provas durante 15, 20 anos . . . Elas devem receber tudo, e guardar inal tcralvel serenidade, abandonando-se ao bom servi ço de Deus. Esta fé é excepcional. A VIDA INTERIOR 49 Não é preciso desejá-la, nem repudiá-la. "E' necessário esperar que ela venha de Deus. 5.0) - Somente Deus : Isto é ainda uma fórmula cara tres da vida mística. Devotar-se únicamente a Deus : resMmem a vida mística. a muitos mes estas palavras Seguindo esta rota, unimo-nos imediatamente a Deus e sem pontos intermediários. E' preciso para isso, uma grande pureza e atos preparatórios : E' um estado que não se pode descrever. E' preciso já ter experimentado, para que se forme uma idéia precisa da vida mística. bse estado é obra de Deus. diante do qual o homem não se pode por em ação, por si mesmo. Pela renúncia d e si mesmo e abandono com pleto à vontade divina preparamo-nos para a vida mística. . 6.') - A prece contínua : Pode-se chamar a vida interior. também, de prece continua. Não que sejam preces vocais (verbais) , nem meditações continuadas� mas a prece do coração, que é uma disposição habitual e constante de amor a Deus. de submissão à sua vontade em todos os acontecimentos da vida. uma atenção frequente à voz de Deus, que se faz ouvir no fundo da cons ciência e sem cessar nos m ostra o bem e a perfeiç ão. 50 L ll O N D E H O N A essa disposição bens chama a todos, e no entanto, poucas são as criaturas que se dão, sem reserva, a Deus. Mas quando essa dádiva é plena e completa, Deus a recompensa pelo oferecimento, dá-se a si mesmo; �!e se estabelece no coração, e nele for ma essa prece frequente que consiste na paz, no re colhimento, na atenção a Deus, acima de nós mes mos, em torno das ocupações ordinárias. �ste recolhimento é, primeiramente, sensível e consolador, depois vem a aridez durante a qual é preciso perseverança. A prova serve para nos des prender de nós mesmos, para que possamos viver em Deus com fé pura e verdadeira. 7.') - A paz da alma : E' uma das principais condições da vida in terior. Essa paz de alma não é atributo dos que não observam a lei de Deus senão pela crença. Não é prometida a paz plena e abundante a não ser àqueles que seguem a lei por espírito de. a1nor. O ·espírito de aniór, que é -pievilégio-das-crian ças, lhes ensina olhar a Deus como seu pai, sua lei como um jugo infinitamente doce, (suave) sua glória e a execução de sua vontade como a maior das vantagens. Desde iJUe a alma se dê totalmente a Deus, �!e Í"f cair sôbre ela uma paz inefavel. Mais tarde, a paz não é mais sensível, mas torna-se habitual, se guardar a boa vontade de fa zer o que Deus manda. A VIDA DITEfliOR 51 8.') - A Infância espiritual: "Se não vos tornardes crianç.a, não entrareis no reino de Deus". (S. Mal. 18 - 3) . Se se quer ver o reino de Deus em si, é preciS<> que se torne o que uma criança é, quanto às dispo sições sobrenaturais, em relação às tendências na turais. Há uma infância espiritual, que é o primeiro passo para a vida interior; é um dom de Deus que não se pode adquirir por si mesmo. · A criança não raciocina, age com si,mplicidade. Assim, quando Deus nos põe nesse estado ins pira-nos operações simples e diretas para chegar mos até 1!:/e. Neste estado, a alma se deixa governar pelo espírito de Deus, e pela Providência. A criança testemunha seu amor com notura lidade. Ela se dirige a Deus com simplicidade, deixa se governar, sente sua fragilidade, acliega-se a Deus e n'r.Ie põe sua confiança. Tem por dotps a inocência, a paz e a alma pura. " Senhor, tornai-me nos vossos braços, aben çoai-me, dai-me essa bela simplicidade que é o 1naior dos vossos dons". 9.') - O amor puro : Como a marcha ordinária da graça é de nos atrair a Deus por uma certa doçura e por gostos sensíveis, o santo amor no princípio é sempre mes clado de amor próprio. Deus não se ofende por isso; tle faz assim para nos mandar praticar sa cri.fícios que não faríamos doutro modo. 52 L É O N D E H O N E' o amor de Deus que nos leva aos despreen dimentos, aos sacrifícios, à pratica da oração e da mortificação; mas se o amor próprio não achasse nisso algum alimento espiritual delicioso, jamais abraçaria a vida interior. Mas Deus, pouco a pouco, purifica nosso amor; �!e subtrai tempora riamente suas consolações. Se a alma for fiel e generosa, logo começará a amar a Deus por ca11- sa d'�le mesmo ,não pelas suas dádivas. Depois veem outras purificações : as tenta ções, as humilhações, o abandono aparente de Deus. O amqr puro torna-se absoluto, mas não ex clue a esperança que é uma virtude necessária. 'tO.•) - O abandono: "Meu Pai, ponho minhalma em vossas mãos". Era a expressão do mais puro e desinteressa do amor. Deus conduz algumas almas ao abandono mís- tico. ! Elas se elevam, primeiramente, ao estado ha bitual de recolhimento e de oração. Depois �!e as faz passar de renuncia à renuncia, de prova à pro va, até que a pobre alma se acredite digna de cen sura severa. Sempre fiel, ela aceita tudo que venha de Deus. III - Resumo : O P. Grou quis que as almas compreendessem a necessidade de reprimir sua atividade natural, de se acostumar, pouco a pouco, de se simplificar A VIDA INTERIOR 53 diante de Deus, e no exercício da oração e repou sar suavemente n'Ele. A alma, unida a Deus ,age com grande paz; não prevê a ação de Deus, mas entende que Deus a preveja; ela se põe sob a impressão divina como a mão da criança que aprende a escrever sob a mão do mestre. A alma, sob a ação de Deus, não é ociosa nem um instante, como a imaginam os que não teem uma verdadeira idéia do repouso em Deus. Ésse repouso nos concentra em Deus e nos fixa : A escutá-lo na oração; e fora da oração, a c.umprir-lhe a vontade no momento presente. E' a qoutrina que todos os mestres da vida es piritual ensinam, particularmente um dos maiores : São Francisco de Sales. " Coloque-se, diz êle, em presença de Deus por dois motivos principais : O primeiro, para lhe render a honra e a ho� menagem que lhe devemos, e. isso se pode fazer sem que J!:le nos fale, nem nós a J!:le. E' uma atitude dos cortesãos na Corte, J!:ste é um fim para testemunhar-lhe nossa von tade e reconhecimento, muito excelente e santo. O seglli'do, pelo qual se apresenta diante de Deus, é pl!ra falar com J!:le e auví-lo falar, pelas inspirações e movimentos interiores. Nenhum desses dois bens pode faltar à oração. Se a Nosso Senhor podemos falar, falemos, louvemo-lo, escutemo-lo. Se não lhe podemos falar por estarmos roucos, fiquemos na ante câmara e lhe façamos ao menos a reverência. 54 L f: O N D E H O :\ . De lá seremos vistos, noss-a paciência será re cebida de bom grado, nosso silêncio favorecido. Outra vez �!e nos deixará admirados; �!e to mará das nossas mãos e conversará conosco, e fará conosco cem voltas pelas aléas do seu jardim de oração; e quando não o fizer, nunca nos conten tenios com o que é o nosso dever c com o que nos é grande graça e honra maior, tal a de nos permi tir em sua presença. Assim, sem que tenhamos feito esforço para falar com Deus, não deixámos de ser úteis, ainda que não corresse tudo como queríamos. "Quando, eortanto, vierdes a Nosso Senhor, fa lai-lhe, se puderdes, se não, ficai e vos façais ver e nenhuma outra coisa vos será pedida". (Carta 34, Livro H) . CAPÍTULO X "O Homem espiritual" - Caminhos diversos - segundo o Pe. Saint-Jure O Pe. Saint-Jure se inspira nos exercícios de Santo Inácio e neles coloca os princípios da vida interior. Desenvolve longamente o estudo do dis cernimento dos espíritos, que é o fundamento da vida interior. Finalmente, como os Padres Grau e Lallemant, êle descreve as diversas formas ou os diversos mod.os da vida interior: A União com Jesus Cristo - a pureza de inte·n ção. - A vida de fé - a prece continua - a paz da alma. E tôdas essas vias se fundem na vida interior, como as cores do arco-iris se fundem na cor branca. 5.) I - Princípio : O princípio da vida interior, como o de tôda vjda cristã, é o "fim do homem", que Deus criou para o conhecer, amar e servir, e para na posse de Deus achar a felicidade, que é o bem infinito, posse começada desde êste mundo e consumada no céu; e em o possuindo, glorificá-lo como :f:le o pede: Deus tem sua felicidade em si mesmo; pos suindo-o, nós participamos da sua felicidade e de sua glória. II . - . Os meios : Tôda a natureza nos conduz a Deus, dizendo IlOS sua beleza, bondade e glória. Todos os acon tecimentos da vida nos levam a Deus; tôdas as ale grias e tristezas também, se soubermos viver delas. Mas para a vida sobenati.J.ral, o grande meio é o próprio Nosso Senhor, que é chamado, porisso, o Mediador; · e com f:! e, tudo o que está com Deus: sua mãe - seus sacramentos - sua doutrina. III - Os beneficios : São da posse de Deus o� frutos deliciosos : 1.0) - a perfeição e a santidade da nossa alma 2.') - as luzes do nosso entendimento; 3.•) - a paz da nossa vontade; 4.0) - um generoso e justo desprêzo de tôdas as coisas criadas; 5.') - um exterior bem composto. .ol VIDA INTERIOR 56 L<: O N D E H O N IV - Vias diversas : O fim do homem, diz São Paulo, é procurar Deus para O alcançar. (Act. 17 - 27) . Se é preciso alcançá-lo para possui-lo, para nos servirmos a Êle, que caminho devemos seguir? Os mestres da vida espiritual, com o Pe. Saint Jure, o Pe. Grau, o Pe. Lallement, enumeram estas vias e nos deixam escolhê-las sob os olhos de Deus e o encanto da graça ; mas a alma tem todo o pro veito em não se agitar como as borboletas e de se guir o caminho en1 que, uma vez entrada, tmna r á consciência do seu progresso e do seu adianta ruen to espiritual. Lembremos, com Saint-Jnre, os caminhos prin cipais : 1.•) - A união com Noss.o Senhor : E' a via real : Tobias se paz sob a direção de Rafael. Colo quemo-nos sob o Signo de D eus, .f:le é mais do que um anjo. Foi para isso que J::le veio à terra, para nos arrebatar, nos esclarecer, nos conduzir . . O veículo : é a graça com todos os seus aixilha res:'ã- palavra de Deus, os sacramentos, os Santos Sacrifícios, a prece, e sobretudo, a oraçiio mental. Jesus é o caminho, a verdade e a vida, 2.') - A pureza de intenção : Ou_tras almas se ligam à pureza de intenção, que é .também uma via excelente : A VIDA INTERIOR 57 E' a pureza de intenção que dá o preço e o va lor de tôdas as nossas ações. Como uma alegria espiritual, diz Saint-Jure, ela converte em ouro tudo o que toca, e em dia mante e rubis. Por isso Deus pede aos homens, antes de tudo, o coracão e a vontade. A ;nais pura das intenções é a glória de D€us e o seu amor. Procurar a nossa salvação, fugir da tentação, progredir na virtude, tudo isso é excelente fim, mas todos cedem à gloria e ao amor de Deus. 3.') - "A vida de fé" : Em tôdas as coisas o exercício da fé é uma v1a excelente. E' pela fé que Deus nos justifica. (Sãú Paulo aos Romanos, cap. V.). A fé nos eleva acima da natuerza corrompida. Ela esclarece as inteligências, faz com que deseje mos os bens celestiais e a Deus consagra o nosso coração. A fé ardente nunca se divorcia da esperan ça e da caridade : é tôda a vida sobrenatural. Na sua plenitude, a vida de fé compreende os outros caminhos que podem nos levar a Deus : Ela é o inicio, a fonte de todos os dons, a raiz de tôdas as virtudes. Pode-se dizer também que a fé é o cimo peJO qual aquelas não descem a não ser em proporção do seu próprio desenvolvimento. E' a mais excelente das armas espirituais. São João nos diz que é ela quem nos dá a vitória (1. João, 54). Na prática, com à vida da fé se reJa- 5S L E ON D E H 0 :-1 cionam a lembrança do nosso fim, a presença de Deus, a união com Jesus Cristo que é nosso Me diador, o abandono à Providência que nos govern<J. com a sabedoria e bondade. 4.') -- "A prece contínua" : A prece é semp.re necessária, e jamais deve faltar, dizia Nosso S-enhor. São Paulo frequente mente o repete. Portanto, é uma via que conduz a Deus. A prece se junta à intenção pura, à vida de oração, à união com Deus. São preces as boas obras e as ações ofertadas a Deus. Ela é necessária porque nos é exigida, é neces saria também, porque o Senhor faz dela o cami nho da graça. Rezemos com a liturgia, com os Iúbios e com o corac5.o. Rezemos nos qu � atro fins do sacrifício : adora ção, mnor, reparação, in1petração; é a vida do Co ração de Jesus e do Coração de Maria. 5.') - "A paz da alma" : Pergunta-se, p.ara fazer um grande progresso e chegar à perfeição, qual a melhor disposição da alma na vida espiritual. Se é andar em luzes ou em trevas, ter muitos sentin1entos para com Deus, ou pouco, ser são ou doente, rico ou pobre, glorificado ou desprezado? Saint-Jure diz que é ter, em tôdas essas dispo sições e ern todos êstes estados, o coração em paz e conservar a alma numa tranquilidade inabalavei. A VIDA INTERIOR Os dois grandes bens que os apóstolos e Nosso Senhor sustentam são as graças de Deus c a paz da alma. A primeira coisa a fnzer para chegar. à perfei� ção é uma vigilância pacífica sobre si n1csmo � o interior e a vida mundana; a segunda, é agir con1 tranquilidade em todos os atos. A alma tranquila está no estado verdadeiro de praticar virtudes e operar com perfeição. Deus, diz David, faz sua morada na paz (sal J;llO 75) . - Deus, diz São João Climaco, repousa na alma tranquila; ela é o seu trono. Recolhe vosso espírito antes da oração. Fnzci tôdas as coisas sem .vos apressardes. Guardemos sempre a paz, tanto nos nossos de sejos, como nas nossas perdas e nas nossas faltas. 6.') - "O Sagrado Coração" : O padre Saint-Jure não se esqueceu da via so berana do Sagrado Coração (tomo. 11, 150). Onde se deve fazer, pergunta, a união cOin Nosso Senhor? · tle mesmo responde : é no Sagrado Coração. Estamos ai todos, porque .f:le nos ama, e no Sa grado Coração, pelos nossos pensamentos, podemos ficár e morar. Lá é que precisamos estabelecer nossa morada. Não encontrarernos melhor, nem tão rica e magnífica, nem tão agradavcl, santa c divina. Como é bom morar e operar neste divino Co ração, diz São Bernardo. Lá é que precisamos fa zer tôdas as funç·ões da vida espiritual. 60 L E O N D E H O N Choremos nossos pecados nesse Coração, que terá, então, conhecido um prazer inexprimivel. Odiemos o pecado e soframos as tribulações em união com Deus, com os seus sofrimentos. Para a vida iluminativa : exerçamos as virtu des e as boas obras no Coração de Jesus, que nos deu tão perfeito exemplo. Afinal, para a vida unitiva, êsse Coração divi no, que tão constantemente tem estado unido a Deus, é o verdadeiro santuário e o próprio domi cílio. Aí é que devemos produzir os atos de amor, de discernimento, de complacência, de benevolência, aí é que é preciso exercer as adorações puras, Oo agradecimentos, as oferendas, as homenagens, o abandono de si mesmo, as humi!hacões e os abati mentos, os desprendimentos de tÔda afeição às criaturas. Aí é que é preciso possuir a alegria e o repouso em Deus, como no nosso centro. Resumo : Ezequiel e São João nos descreve quatro ani mais místicos que conduz<Jm o carro da Igreja . . São tão independentes quanto unidos. Andam como querem, mas tudo vão à casa de Deus. • Assim são as vias espirituais : A águia sim bolisa a fé que se eleva sempre para o céu, o leão representa a· força da alma tranquila e. a sua pró pria mestra, o boi é o sacrifício de todas as imola ções, o homem lembra a aliança com Deus e com seu Divino Coração. E todos êsses caminhos conduzem à casa de Deus: à união, à paz com Deus. A VIDA INTERIOR 61 Muita analogia existe entre o estudo do Padre Saint-Jure e o do Padre Grou sôbre a vida interior. CAPÍTULO XI Do reino de Deus nas almas - e da união com N. S. Jesus Cristo na oração. I - Do reino de Deus nas almas : vantagens em que consiste. Deus tem três especies de reino : O da natureza, O da graça, E o da glória. O reino da graça é interior: seu fim é a san ta felicidade que resulta da união com Deus. Em duas coisas consiste êste reino, quanto à sua prática : Da direção do rei e d:J. dependência dos súdi tos; em outros termos, dos caminhos de Deus para as almas e dos das almas para Deus. Há duas espécies de vontades: a da ordem po sitiva e da simples permissão. Consola e aflige - Acaricia e castiga - Ins pira terror e confiança. Os caminhos das allhas para Deus são a de pendência, a humildade, a resignação, o abandono de todo cuidado, a mortificação do amor-próprio, a pureza do coração. · Quanto mais se tem dessas santas desposições, mais se estabelece na alma o reinado de Deus. As excelências desse reino são a sabedoria do rei, sua potência, sua bondade, a nobreza dos sub ditos, a paz e a segurança, a liberdade, os bens e os prazeres de que se goza. E ainda que o reino de Deus ultrapassa infinitamente os da terra. 62 L I': O N ll E H O N Qual a diferença entre o reino da graça e o do pecado? Compete-nos escolher entre um e outro, saben do-se que a salvação consiste em nos retirarmos do pecado e entrarmos na graça ; e a perfeição de fa zer morrer a lei do pecado e da carne, e viver ·segundo as leis do espírito. 11 - Da conduta do reino de Deus 1.') - A primeira operação de Deus na dire ção de seu reino é, segundo S. Dinis, purificar as almas; a multidão das suas faltas e defeitos. Para isto, põe-nos no coração o nosso próprio conhecimento. A grandeza e a gravidade desses males, o que é muito importante conhecer para os corrigir e para que nos humilhemos. Deus, que é a luz, começa a reinar expulsando as trevas do pecado. tle purifica a alma do pecado atual e do há bito do pacado, e da obrigação de sofrer a pena do pecado, da corrupção da própria natureza e da imperfeição do ser criado que, todavia, não se aper feiçoa senão na outra vida. 2.') - A segunda operação de Deus, no go vêrno do seu reino, é ensinar às almas a ciência dos Santos que é a única verdadeira. As outras ciências, tomadas em si e sem rela ção nenhuma com a glória de Deus, levam ao or gulho, ao desatino e ao erro. Deus é bem diferente dos mestres da terra : êstes só instruem o entendimento. Suas luzes dei- A VfDA INTERIOR xam frio o coração. Deus pode mover a vontade, sua sabedoria traz calor. Os mestres da terra não instruem senão pelo> discursos e raciocínios. Deus faz compreender a verdade num momento e por um simples dese.io. Os mestres da terra não podem dar inteligên cia a quem não a tem. neus tem poder para isso, basta querer. III - Da fe(icidade do reino de Deus. 1.0) - Os súditos do rC"ipo de Deus são ver dadeiramente reai�: "Fecisti nobis regnum et re gnabimus". Três coisas acompanham a realeza : a dignidade, as riquezas, os prazeres. Ou, possuem excelentemente essas três vantagens as almas nas quais Deus estabeleceu o seu reino. 2.•) - O seu estado é de uma eminente digni dade : obedecem imediatamente a Deus e não de pendem interiormente senão d'J);le. J'êni liberdade completa e um pprfeito domí nio sôbre o mundo, a carne e o demônio. Andam de cabeça erguida e só pensam em Deus. 3,•) - As riquezas desse reino são incompre ensíveis : "inve·stigabiles divitias Christi"; abun dância de sabedoria, de ciência, de luz, plenitude dos grandes sentimentos de Deus e das coisas divi nas e a própria posse de Deus. 4.•) -Os prazeres, as delícias, ns doçuras, as consolações, a paz que se saboreia no reino de Deus, ultrapassam 'tudo que o coração pode dese jar e tudo que o espírito pode conceber. 64 L ll O N D E H O N IV Do reino inferior de Deus, sua prática e os meios de estabelecê-lo em nós, Para estabelecer em nós o reino de Deus de vemos fazer três coisas : 1.') - E' preciso banir do nosso coração todo outro dmnínio que não o de Deus, e nos tornar-nos Evres das afeições que nos submetem às criaturas : Quer-se de ordinário unir o reino da graça COin o do pecado. Procuram-se temperamentos para harmonizar as leis de um com as do outro. Daí vem que o estado comum do homem é cheio de perturbações e muito dividido. "Ninguém, diz N. S., pode servir a dois senho res". Deus quer reinar sozinho nos corações : é pre ciso, portanto, expulsar deles os objetos que os do minam, prejudicando-os, por uma afeição desre grada. O meio de os reconhecer é observar liiJ:a onde nossos pensamentos se dirigem ordinàririmente, c qual a energia das quatro paixões de que nos res st·ntimos mais : a alegria, a tristeza, o desejo e o medo. • 2.') - Depois de ter conseguido o domínio das criaturas é preciso que se ligue à direção de Deus por uma estreita dependência, que exige nos abandonemos a �!e sem reserva e sem cuidado do futuro ; que deixemos nossos afazeres e interesses nas mãos de Deus, sobretudo no que concerne à obediência, não nos dando nenhum movimento e nos deixando governar como uma pequena crian �a; que nos ofereçamos livremente a tôdas as von tades futuras de Deús, e que nos resignemos com- A VIDA INTERIOR 65 pletamente às presentes, aceitando tudo de sua mão, sem que nos lastimemos, e sem nos permitir desejar outra coisa. 3.•) - Em tudo isto é preciso proceder duma certa maneira no in teria r e levar uma vida, não sOmente boa, mas verdHdeiramente interior, domi nando todos os movimentos do nosso coração pelo instinto de Deus. Esta conduta compreende três atos: O primeiro é consultar, em tudo, o oráculo in terno e o espírito divino, do medo que· o espírito humano lhe anteceda. O segundo : cumprir com fidelidade o que êle ordena, pois do contrário êle se retira e se oculta. O terceiro : fazer, em tudo, o desejo de Deus, em homenagem ao seu Ser So berano, em união com
Compartilhar