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Pe Leon Dehon,_A Vida Interior

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A VIDA INTERIOR 
Seus princípios, suas vias diversas, e sua prática; 
confonne os m�lhores autores ascéticos 
PELO 
Revmo. Sr. Pe. Dr. Léon Dehon S. C. I. 
Fundador e Superior Geral da. Congregação d08 
Padres do Sag;rado Oor�.ã.e de Jesus 
TRADUÇÃO 
DO 
Re�mo. Sr. Pc. Antonio d' Almeida Moraes Junior 
Pároco de Guaratinguetá
E D I T ó R A s c . l . 
TAUBAT!! - P.S"rADO DE SÃO PAULO - lllUS!L 
Do Instituto de direito Social de São Paulo
4" _IMPlU,MI POT!:ST 
Tl}ubaté, die 16 Aprilis, 1946 
Pe. Josephw Poggel S C. J: 
Prae�. Prov. Bras. Merid, 
NIHIL ÜBSTAT 
Taubaté, die �6 Aprilis, 1946 
Pe. Josephus Cantinho Moura 
Censor Ad Hoc 
Taubaté, ilie 16 Aprilis, 1946 
t FrascUcus, Episcopus Dioeesanus 
IMPRIMATUR
I N T R O D U Ç Ã O
E' de um livro como êste que a humanidade 
está precisando. 
O mundo moderno está ferido, nas. suas fon­
tes de vida, por uma moléstia terrível que abalou 
completamente toda a sua organização, arrancou­
lhe o senso do e quilíbrio, destruiu-lhe a fina/ida· 
dB suprema, desencadeou, sem rumo , as suas ener­
gias enlou quecidas. 
llfas o diagnóstico do grande mal nos aponta 
com .<egurança para uma causa fundamental: o 
afasta mento de Deus. O grito de Nietzche, nos es­
tertores do seu orgulho satânico - "Sabeis o que 
quero ? A morte de Deus" - parece ter ecoado 
de uma maneira tremenda sobre a angústia deste 
doloroso século da mecânica. llf as a morte de 
Deus, ou na consciência do homem, ou em face de 
sua creação - é o desarvoramento de toda har­
monia, de toda ordem, e de toda paz . A primeira 
vez que o homem perpétrou a morte de Deus na 
sua consciência pelo pecado, uma tragédia incon ­
cebível baixou sobre a terra: a felicidade fugiu 
para nunca mais voltar; o trabalho, desde então, 
apertou o homem nas .mas tenazes que arrancam 
suores; a dor fincou-lhe no coração o seu aculeo 
agressivo; e a morte assestou o gavião de SUil foi­
ce á raiz de todas as vidas para o golpe fatal . . . 
E quando os homens num dellrio de paixõe,ç 
desenfreadas , mataram a Deus ,em face do mun-
do no cimo de uma montanha, não foi menos trá­
gica a horrível consequência . . . 
O ceu cobriu-se de densas trevas; os astros 
tonfearam inopinadamente nas órbitas; a terra 
estremeceu e se partíu; o veu do templo dilacerou •
se d'altq a baixo . . .
• • 
Hoje que a civilização estremece, que a terra 
<e parte ao peso dos explosivos imensos, que o ho­
mem sente a· ausência completa da tranqu ilidade, 
que o homem se reduz a uma simples parcela. me­
cânica da engrenagem universal, em que desapa­
rece a justiça, em que se negam os direitos, em qu e . 
s e conspurco a liberdade, em que se an iquila o 
sentimento, em que uma ruína pesada de morte .se 
amontôo sobre a terra, o diagnóstico dos observa­
dores .<ensaios há de ser êste: "está se processan­
do a morte de Deus na humanidade ; está se redli-
zando o afastamento de Deus!" 
o remédio portanto , o único re médio está em
fazer o mundo voltar-se para Deus. Fazer o ho­
mem regressar para Deus. 
Mas voltar para Deus pelo caminho do amor! 
Porque o homem está cansado de todos os ca­
minfws em que haja medo, pavor, desconfiança , 
desespero! 
Hoje mais do que nunca, êle é um es pavorido , 
acossado por tçdas as angústias e por todos os te-
• 
* • 
mores. Do seu semelhante, êle é um triste dece­
pcionado. 
Viu, em tudo, cálculos, in teresses, calúnia.s, 
traições, deslealdades . . . 
Apavorou-se, acossado pelo pessim ismo do 
mundo . 
E' preciso abrir-lhe um caminho diferen te . Um 
caminho de fé, qma vereda de sinceridade, de ami­
zade leal, de confiança absolu ta, o caminho de 
um coração que nunca decepc ionou, que nunca en­
ganou, que nunca men tiu - o Coração de Deus! 
E ' o único remédio para êste século ferido . Já 
o dissera Marita in : "Terá que falir toda esperan ­
ça que se colocar abai. To do coração de Deus!" 
l':ste livro é um caminho aberto para o Cora­
ção do Mestre Divino. Trata da vida espiritual. 
A c ién.cia da v.id,a espiritual é uma verdade ira 
ciência. Expõe princípios que estão na base de 
iôda vida perfeita. Aponta a finalidade da vida, 
mostrando o seu supl'emo ideal. Desenvolve o s 
meio.< e a.< fontes de que se pode u tilizar o homem 
para con.<ecuçiio desse altíssimo destino. Indica­
lhe a senda para atingir a perfeição sobrena tural. 
U as niio é uma simples doutrina filo'sófica. E'
uma ciência de profunda repercussão prática. Sua 
finalidade é impor à vida do cristão uma direção
segura, orientá-lo em tudo que êle é - in teligên­
c ia, von tade, .<en tidos, para a culminância do seu 
ideal de santidade. l':s te livro do Rvmo. Padre 
Léon Delwn, ilustre fundador da Congregação dos 
Padres do S . Coração de Jesus, pode bem ser com­
parado aos mais belos livros de Vida Espiritual. 
• 
* • 
q ue vos exort� à paciência para conq uistar o 
céu u.
Nossos leitores dirão : O uvimos uma legião 
de testemunhos que nos mostram a vida interior 
como o caminho real para ir a Deus . 
PRIMEIRA PARTE 
NOÇ õES GERAIS; PRINCíPIOS TEOLóGICOS 
DA VIDA INTERIOR; PREPARAÇÃO PARA . 
A VIDA INTERIOR 
CAPÍTULO I 
Da vida interior em geral c de suas diversas formas 
Primeiras noções 
A vida interior, no sentido mais amplo, é aque­
la em que nossas ações são refletidas, previstas, 
calculadas, dirigidas para um fim escolhido, e não 
instintivas e expontâneas. 
Há uma vida interior de ordem puramente 
natural, como a dos filósofos : uma vida refleti­
da ein ordem a um fim mais ou menos puro e 
nobre. I 
Os sete sábios pesavam suas ações e fixavam 
para si um fim elevado: "Conhece-te a ti mesmo". 
As grandes escolas de Pitágoras, de Platão, 
de Aristóteles, de Seneca, tinham um ideal pura­
Jnente rac!onal, n1aJ aproxin1ando-sc da doutrina 
revelada. 
O homem simples tem uma forma de vida in­
terior: a sabedoria popular, o bom senso, a filo­
sofia dos provérbios. 
12 LE: O N D E H 0 :\0 
Muitas vezes se tem surpreendido no íntimo 
da alma do camponês o movei do interesse e as 
molas da astúcia. 
O sectário tem sua vida interior, informada 
pelo ódio e a paixão, com um inspirador conhe­
cid<;>, o anjo das trevas, que se dtoixava ver algu­
mas vezes, conta-se, aos seus melhores colabora­
dores, como Lutero e Voltaire. 
Para o cristão, a vida interior tem um carater 
particular : é a vida guiada pelas verdades da fé e 
auxiliada pelas luzes e pelo concursá da graça. 
E' uma vida duplice : Deus conosco e nós com 
Deus: "Vos i n me, ct ego in vobis" (S. João, XIV, 
20). 
Tôda vida interior cristã pode se chamar : vida 
de fé, vida da presença de Deus, vida da união 
com Deus, vida de união com Nosso Senhor Jesús 
Cristo. 
São termos gerais. 
O fundamento dessa vida interior cristã é a 
fé em um Deus Creador, Redentor, Remunerador; 
a fé no Espírito Santo que habita nas nossas al­
mas e as vivifica. 
Mas essa fé tem aspéctos diversos aos quais 
corre,pondefl m�odos diversos da vida interior. 
Há almas que são arrebatadas 'pelo pensamen­
to da justiça divina ; vivem da vida do temor e 
se empregam de preferência à meditação da mor­
te, do juizo, da eternidade. 
Certas almas se prendem à lembrança de seus 
pecados passados e se entregam a uma vida que é 
boa, sem ser completa, à vida de penitência e de 
sacrifício. 
A VID A INTERIOR 13 
A maior parte das almas seriamente cristãs 
se dedica ao estudo e à pratica da perfeição, me­
ditando e imitando as virtudes de Nosso Senhor. 
Bem poucas se elevam até a vida de amor 
puro, de amor desinteressado, no esquecimento 
de si mesmas e• na contemplação do amor divino. 
Os autores ascéticos, em geral, nos propõem 
essas diversas vias para que nós as sigamos suces­
sivamente, elevando-nos da via d e penitência e 
temor à via de perfeição e de amor. 
Alguns
autores, segundo seu atrativo, segun­
do sua graça especial ou a graça do seu tempo, 
insistem de preferência sobre uma ou outra dessas 
vias. 
O estudo e a análise desses diversos caminhos 
são de grande utilidade. 
Receberemos assim, luzes particulares ; vere­
ml\s assim, a determinação de nossas inclinações 
e entraremos eficazmente na via que a graça nos 
indicar. 
Entenda-se bem que em tõdas essas vias não 
andamos sózinh'os, mas Deus está conosco e nos 
conduz como que pela mão. Sem tle nada pode­
remos na ordem sobrenatural. 
CAPÍTULO II
A vida em Deus em nós e conosco: 
Principio teológico da vida interior cristã 
A vida de Deus em nós é uma conseqüência do 
Batismo. Deus não nos dá sàmente a graça que 
é mn dom creado, mas nos dá a si mesmo. 
E' o tema princip!'l)' das Epístolas de S. Paulo 
aos Efésios e aos Coríntios: 
H L J': O N D E H O N
Aos Efésios: " Que Deus ,segundo as rique­
zas da sua glória, vos fortifique no homem inte­
rior, pelo seu Espírito; que �le faça com que 
Cristo habite pela fé nos vossos corações" (III-
16, 17). 
E ainda: "renovai-vos no inferior de vossas 
almas, revesti-vos do homem novo que é creado 
segundo Deus na justiça e na santidade verda­
deira" .. . 
"Não contristeis <i Espírito Santo de Deus, de 
que estais marcados como se fora com um selo . . . " 
(IV-30) . 
Na Epístola aos Romanos: "A caridade de 
Deus derramou-se nos nossos corações pelo Espí­
rito Santo, que nos foi dado" (V-5) . 
E ainda : "Vós ,porém, não estais sob o impé­
rio da carne, mas sob o do espírito; se é que o Es­
pírito de Deus habita ainda em vós . . . " (VIII-9) . 
E' todo o fundamento da teologia ascética. 
Os séculos XVII e XVIII admiravelmente descre­
veram essa encantadora vida de Deus em nós (1) . 
Deus não dá simplesmente a sua graça que é 
uma participação de si mesmo, por similitude c 
por imitação da natureza divina, P.le se dá a: si 
mesmo, vem habitar em nós como num templo e 
no seu reino. 1 
O anjo não diz somente: "Ave Maria, gratia 
plena" - Ave Maria cheia de graça; êle acres­
centa: "Dominus tecum" - O Senhor é convosco. 
Assim acontece conosco, guardadas as devidas pro­
porções . . . 
A elevação ao estado de graça é acompanhada
de uma assistência de Deus e especialmente do Es­
pírito Santo nas criaturas 'que são ornamentadas 
por êsse don. (2) 
A VIDA INTERIOR 15 
O estado de graça é devido a Deus enquanto 
:tle reside em nós e está unido a nós pela graça, 
é a graça enquanto informa a alma e a une a 
Deus. 
Deus está go coração para operar nele e por 
nele tudo o que' pertence à vida sobrenatural. 
Está nesse coração como um Pai d e família 
na sua casa, para governá-la; 
Como mestre n a sua escola para ensinar; 
Como um jardineiro em seus canteiros para 
fazê-los produzir flôres e frutos ; 
Como um monarca no seu reino para man­
ter-lhe as rédeas; 
Como um sol no mundo para esclarecê-lo; 
Como a alma n o corpo para lhe dar a vida, o 
sentimento e a ação; 
"Quod anima est corpori, hoc Deus est ani­
mae" (S. Agostinho). 
E' urna relação de afeição reciproca, de ami­
go para amigo, de filho para pai, de esposo para 
esposa; sociedade de vida e de operação, que rea­
liza uma verdadeira intimidade e que faz de duas 
pessoas uma só alma e um só coração. 
Há uma união inefavel que Nosso Senhor com­
para àquela do ramo ao tronco, da cabeça e dos 
á.embros ,e mesmo à da Santíssima Trindade. 
S. Paulo a compara à união do matrimônio, à 
unidade do Padre e do Filho, à' união do sarmento 
e da videirfl, à união da alma e do corpo. 
A alma em estado de graça é a morada, o 
templo, o reino, o tronto de Deus.
Deus e o homem se mterpenetram mais e mais, 
como o sol e a atmosfera, o fogo e o metal. 
16 LÉON DEH0:'-1 
E' a Santíssima Trindade tôda inteira que · está 
em nós : "l\iansionem .apud ·eum faciemus" -
Permaneceremos nele" (S. João, XIV -23).
"O Filho, como o Espírito Santo, habita em 
nós pela graça" (S. Tomaz, I. q. 43 a 5) . 
Jesus é a nossa vida e nosso coracão: "Eu sou 
a vida e dou a vida: Ego sum vila · Ego veni ut 
vitam habeant". (S. João, X, e XIV, 6 ) . 
Cristo é nossa vida, diz S . Paulo: " Christus 
vita nostra"; "Mihi vivere Christus ·est'' - Vivo, 
jam non ego, vivi! in me Christus". (ad Co!. 111.
ad Philip. I, ad Gal. 11).
Santo Tomaz sobre a epístola aos Gaiatas (li­
'cão VI�: A alma de Paulo era movida e vivifica­
da por J'esús (V. Eudes, 11-248 e Maynard, pg. 276).
S. Paulo dizia ainda: Cliristus Jesus in vobis est" 
- Cristo Jesus está em vós" (2 Cor. >13, 5) , e aos 
Efésios : " Sine Christo, sine Deo" HSem Cristo, vós 
estareis sem Deus" (Ad Ephes. 2-12).
O Símbolo dos Apóstolos nos faz dizer : "Creio 
no Espírito Santo que nos vivifica". 
S. Paulo diz aos Romanos: "Os filhos de 
Deus são movidos pelo Espírito de Deus". (Ad. 
Rom. 8-14) . E ainda o amor de Deus é infundi­
do nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos
foi dado: "Charitas Dei diffusa est in {:ordibus 
nostri$per Spiritum Sanctum qui datus est nobis". 
(Ad. Rom. V-5) .
S. Tomaz diz na sua I parte, quest. 43 : "Al­
guns dons são atribuídos ao Filho por apropriação, 
como o de iluminar nossas almas para � conduzir 
ao amor". 
" Quanto aos efeitos da graça, as duas missões 
divinas concorrerQffi para isso: a do Filho e a do 
Espírito Santo - formam como uma raiz comum 
A VIDA !:<!T ER! OR 17 
donde saem efeitos diferentes: a iluminação do 
espírito e a ardência do coração". 
Pela graça tôda a Trindade habita em nós, se­
<;undo a palavra de Nossq Senhor em S. João : �'Viremos a �le, e nele faremos nossa mansão":
"O Pai se dá a si mesmo : o Fillio e o Espírito 
Santo são enviados pelo Pai". (1) 
.1\ias é místér corresponder a /)Sta vida de 
Deus em nós; é preciso pô-la ern prática. Tôdas 
as nossas faculdades concorrem para ela: 
Pela memória nós nos lembramos da presen­
ca de Deus, e essa lembrança nos mantem na fé e 
Íto respeito; 
Pela inteligência, ouvimos as insinuações da 
graça divina; 
· 
Pela vontade obedecemos aos preceitos e aos 
conselhos divinos, vida de conformidade e de aban­
dono; 
Pelo coração nos entregamos à piedade afe­
tiva. 
Os atos da memória dominam na vida puri­
fícatíva : 
Lembrando-nos da nossa dependência de 
Deus, dos nossos pecados e de nosso fim último. 
(l) Ler S. Francisco de Sales, o Cardeal àe B('rulle, o 
P. de Coudrin; o ven. Boudon, M. Oller, M. de Berne�res; os 
Padres Nouet, Salnt-Jure, d'Argentan; B. Monfort; Lesslus, 
Tf"Tiassim, Cornelio a Lapide; o P. Eudes (Vie et rêgne du 
Se1gneur Jésus dans Ies ftmes, etc. (Sa vie. Vol 2, p. 22 e seg.), 
(2) Ver os textos numerosos citados por Scheeeben: 
Dogmatique. 
(3) S. Th. lp.Q.43 - Aliqua dona secundum apropris.tionem 
Filio atrlbuuntur sicut illuminare ... sed cum relatione ad 
amorem ... quaotum ad affcctum gratiae, communicant duae 
mlsslones ... (Filil et Spirtt. Sti in radice gratfae sed distln-
guuntur in effectibus gratiae, qui sunt illuminatlo intellectus 
et inflamatio affectus. Ibid. art. --1 -Per gratiam tota 'l'rinitas 
lnhabitat en nobis secundurn lllud Johannis: ad eum veniemus 
et apud eum mansionem faclemus (S. João, 14, 23), 
18 LEON DEljON 
. Os atos da inteligência dominam na vida ilu­
minativa, durante a qual continua ainda a puri­
ficação do nosso interior. 
Os atos da von tad.e e do coração dominam na 
vida unitiva. · •t�!t 
A Santa Liturgia nota, a cada instante, a ação 
da Santíssima Trindade em nós. 
Pedimos a Deus Pai para que atue em nós 
pelo seu Filho Jesus Cristo, na unidade do Espí­
rito Santo. 
A segunda das preces que precedem a:'sapta 
comunhão no Canon da Missa, a prece "Jesu, fili 
Dei vivi", mostra-noS bem esta ação divina: 
é pela vontade do Pai e na .coopéração do &r 
pirito Santo, que o Salvador nos vivifica ; e· ·N>I\'. 
lhe
pedimos os três gráus desta vida : li-a purificação" dos nossos ·pecados; r 
o progresso na prática da virtude;
e a união inseparavel' com Deus. 
lfit. ,a E' todo o programa da santidade ou da vida 
interior e espiritual. 
CAPÍTULO III 
A pureza de coração - Preparação para a união -
Princípios gerais com particularidades dadas pelo 
Padre Lallemant. 
: Da · pureza de coração 
A pureza de coração é o cimo da vida purlfi­
cativa. Mas como a raiz do pecado não morre, a 
vida purificativa deve perseverar enquanto vive­
mos. No começo d a nossa conversão, ela domina 
t: reina em nós. Deve perseverar ainda mesmo 
A VIDA INTERIOR 19 
que Deus nos dê a graça da vida iluminativa e 
unitiva. 
Há . sempre o que purificar, e a purificação 
do nosso interior é sempr�.condição de melhores
.�. ' graças. · 
Todos os autores místicos tratam da pureza de 
coracão como do primeiro passo para a santifica­
ção, ·é a vida purifativa. 
Devemos purificar-nos de nossos pecados, de 
nosso!!- defeitos, de nOssas paixões, e nos despren­
dermos das criaturas, antes de sonhar com o pro­
gresso na virtude e na vida interior. 
O Padre L�lemant tratou explendidamente 
deste assunto. Podemos apresentar um resumo 
como outras tantas reflexões substanciais ou axio-
mas a meditar. • 
§ f
Da pureza de coração e de sua importância 
I - A pureza de coração consiste em não ter 
no coração coisa alguma contrária a Deus e à ope• 
ração da graça. 
li - O primeiro meio para chegar à perfei­
ção é a -pureza de coração. Depois dela vêm os 
preceitos e a doutrina espiritual dos livros, depois 
a direção e a fiel cooperação à graça. 
IH - Quando o coração está bem puro, Deus 
enche a alma e tôdas as suas potências com sua 
presença e o seu amor : a memória, o entendimen­
to, a vontade. 
Assim a pureza de coração conduz à união 
divina e a isso não se pode chegar por outros ca­
minhos. 
20 LÉON OEIIO)'( 
IV - O caminho mais curto e mais seguro 
para chegar à perfeição, é a preparação para u pu­
reza de coração antes que para o exercício das 
virtudes, porque Deug ·está pronto para nos c;Jll­
ceder tôdas as espécies de graça desde que não lhe 
ponhamos obstáculos. 
Santo Inácio dizia que os prôprios santos pu­
nham grandes obstáculos às graças de Deus. 
V - Entre todos os exercícios da vida espi­
ritual, a nenhum o demônio 'opõe maior obstáculo
que à pureza de coração. 
t:ae Ele nos permitirá fazer atos exteriores de virtude.
vMuClf. 
§ li
Sua prática e seus gráus 
I - A ordem que se deve observar na purifi­
cação do coração : 
,..1.•) - notar os pecados atuais e &rigi-los;
2.•) - observar os movimentos desordenados 
do coração e remediá-los; 
3.•) - vigiar sobre os pensamentos e regu­
lá-los ; 
4.•) - reconhecer as inspirações de Deus, seus 
desejos, suas vontades, e animar-se a 
realizá-los. 
11 - Tudo isso se deve fazer suavemente, 
ajuntando-se-lhe a devoção a Nosso Senhor, a qual 
compreende um alto conhecimento de suas gran­
dezas, um profundo rE$peito tpela :sua pessoa e 
por tudo que lhe toca seu amor e sua imitação. 
A VIDA INTERIOR 
111 - Ha quatro graus de pureza a que nós 
podemos chegar por uma cooperação fiel à graça : 
O primeiro é a purificação dos pecados atuais 
e da pena que lhes é devida; 
o segundo, desembaraçarmo-nos de nossos
maus hábitos e de nossas afeições desregradas; 
o terceiro, libertarmo-nos tanto quanto possí­
vel, neste mundo, dessa corrupção original que se 
chama: "fomes peccati" - tendência ao pecado, 
que esta em tôdas ru; nossas potências e membros; 
a quarta, pela nossa união com Deus, que nos 
fortifica contra as fraquezas de nossa natureza. 
§111
Os obstdculos 
I - A ruína das almas vem da multiplicação
dos pecados veniais, que causam a diminuição das 
luzes e das inspirações divinas, das graças e das 
consolações interiores, do fervor e da coragem para 
l'esistir aos ataques do inimigo. " 
11 - Aqueles que evitam os pecados veniais 
sentem, em geral, a devoção, e têem em sua alma 
a certeza moral de estar em estado de graça. 
Ill - Nas qossas quedas, desde que as per­
cebemos, devemos adorar a Deus interiormente, 
voltarmo-nos a tle com amor, pedir-lhe perdão 
com confiança, recomeçar a fazer o bem, sem ja­
mais abandonarmo-nos ao desfalecimento ou à in­
quietação . 
IV - S. Clemente de Alexandria chama as
paixões: os caracteres do diabo (obsignationes dia­
boli), como se o demônio por nossas afeições des­
regradas nos imprimisse sua marca. 
L l> O N D E H O N
V - Para nos tornarmos semelhantes a Deus 
é mistér renunciemos à "semelharnça do diabo", 
que consiste no orgulho, na vaidade, n a presunção; 
e à dos animais que consiste nas pailcões e nos 
movimentos desregrados do apetite sensual. 
I 
§ IV 
Conclusão 
I - Seria preciso não sairmos jamais do nos­
so re.colhimen to : 
não esquecermos nunca a presença de Deus; 
mantermo-nos sempre na modéstia e na hu­
mildade; 
falarmos pouco e não falarmos senão coisas 
boas. 
11 - Evitemos até considerar nosso progresso 
espiritual para não nos deixarmos i"nfluenciar pela 
vaidade. Não procuremos1. a vontade de Deus
c sua satisfação. 
SEGUNDA PARTE 
VISTA DE CONJUNTO SóBRE A VIDA INTE­
RIOR CONFORME OS PRINCIPAIS AUTORES 
MíSTICOS E AS .DIVERSAS ESCOLAS DE 
ESPIRITUALIDADE 
CAPÍTULO IV 
Das' diversas escolas de Espirit ualidade 
Pode-se lêr um estudo aprofundado sobre êste 
tema em M. Sauvé. 
A escola beneditina deu sua mais bela flôr em 
Santa Gertrudes. 
Seu caminho era a santificação das nossas al­
mas com o auxílio da Liturgia. Estava ascultan­
do o murmúrio divino, entregando-se piedosamen­
te à prece litúrgica segundo suas regras cotidia­
nas e seu ciclo anual. 
A escolr Franciscana se entregava ao amor do 
pobre de Nazaré e do Crucificado do Calvário. 
A escola dominicana, conforme S. Paulo, pro­
curava apoiar-se sem cessar sobre a doutrina, a re­
velação e suas deduções. Concedia uma grande 
parte à inteligência. 
Santo Inácio aproveitou os caminhos abertos 
antes dele, para fazer uma feliz combinação, acres­
centando-lhes a vigorosa estratégia que lhe é pró­
pria. 
LI':ON DEH0:-1 
A santidade consiste na nnião com Dens : mui­
tos caminhos nos conduzem a fsso : 
União de presença : união habitual; 
União de pensamento : meditação e contem­
plação ; 
União d e coração : vida afetiva, vida de amor; 
União de vontade : conformidade" abandono 
a Dens. 
Segnndo os tempos, os temperamentos, os ca­
racter�es, as graças de momento, certos santos e 
certos escritores místicos insistem mais sôbre nma 
das formas desta união : 
União com a Santíssima Trindade; 
União com Nosso Senhor Jesus C�sto e seu
Divino Coração; • 
União por nma das nossas f<fculdades mais 
que pelas outras, sem exclui-Ias. 
Sob êste último aspecto, pode-se fazer a se­
guinte classificação : 
União de presença, temor e respeito : século 
X"1II, Bossuet, Bourdaloue, Olier, Boudon . . . · 
União da inteligência, meditação, contempla-
ção : 
Santo Tomaz( !í�í·grandes escolas místicas : 
Santa Tereza,·�- João da Cruz . . . 
União de vonta1\e: carater determinado e ca- '1
valheiresco : O Combate Espiritual, S. Inácio (o 
t·eino, os dois estandartes, as três classes) Rodri­
guez . . . 
União de coração : �aracteres afetuosos, de­
voção à hnmanidade de Nosso Senhor Jesus Cris­
to, ao Sagrado Coração . . . 
S. Bernardo, �- Boaventura, S. Gcrtrudes, S . 
Francisco de Sales, S. Margarida Maria. 
A VIDA INTERIOR 25 
Em nossos dias, a união da vontade e do co­
raçãe, a devoção à Paixão e ao Sagrado Coração, 
produzem em muitos a graça da vida reparadora 
c da vida de vítima. 
A alma interior é a filha do Rei apresentada 
pelo Salmista (ps. 44). Tôda a sua glória vem do 
interior de si mesma, mas
ela tem vestes diversas, 
brilhantes de ouro e de ornatos : "omnis gloria 
ejus, fi!iae regis ab íntus; in fimbriis aureis cir­
rumamicta varietatibus". 
tsses véus ou mantos da vida interior' são os 
diversos ()Spéctos dessa vida, segundo o trabalho 
1, da graça e seus dons. 
, Todos êsses caminhos agradam ��osso Se­
nhor, mas percebe-se fàcilmente que, se tle tem 
alguma ·preferência, é pela vida de contemplação 
e de amor. tle o dcixou transparecer, quando 
disse de Santa Madalena, modelo das almas aman­
tes e contemplativas, que ela escolhera a melhor 
parte. 
E nos nossos dias, é o seu divino coraçã<ltque 
tle nos apresenta como a pérola mais precwsa, 
mais rica que todos os tesouros. 
CAPiTuw'V 
A UNIÃO COM DEUS
No livro da Imitação de Jesus Cristo, conforme u 
estudo do Padre Dumas e as consideracões 
de S. Francisco de Sales 
• 
.A " Imitação de Cristo" não é estritamente um 
tratado de vida espiritual. Os dois primeiros n­
vros se aproximam disso. D11screvem a . vida ilu­
minativa e a vida purificativa. 
26 L :E: O N D E H O N
O terceiro é antes uma descrição da ascenção 
para a vida unitiva; a sua ligação é menos clara: 
Há retrocessos, flutuações, justamente porque 
na realidade a vida espiritual é feita de lutas, pro­
vas, ascensões e quedas. 
O auto r parece tornar ao começo: 
Efetivamente a natureza tem momento de re­
volta, é preciso conduzi-la muitas vezes à compun­
ção, ao desprendimento, à abnegação. 
A "Imitação" não tem a pretenção de nos le­
var às graças extraordinárias: estas são gratuitas 
e não se deve procurá-las. 
Mas forma-nos para a contemplação ordinária, 
que é j á uma fruição pacifica e um antegozo do 
céu. 
Mas é um estado, muitas vezes, temporário e 
misturado com aridez, fraquezas e contradições. 
E' preciso guardar o sentimento principal das 
três etapas da vida espiritual e a elas voltar sempre. 
• Primeiro livro : · 
A atmosfera vital da primeira etapa:
E' a compunção do coração entretida pela lem­
brança de nossa fraqueza, de nossos pecados, da 
morte e do juizo. 
O primeiro livro corresponde à vida purgati­
va, nota S. Francisco de Sales: 
E' a preparação para a vida de oração; faz­
se mistér desbastar o terreno, arrepender-se, puri­
ficar-se dos pecados, renunciar às afeições desre­
gradas, até aos repousos inuteis e tomar .gosto pela 
solidão e pelo silêncio. 
Segundo livro: 
Região vital da vida iluminativa: 
A VIDA INTERIO R 27 
E' o caminho d a cruz : a· meditação da vida 
c da Paixão de Nosso Senhor, com o amor da 
mortificacão e do sacrificio. 
rior. 
O segundo livro nos faz entrar na vida interior.
E a define sob o nome de conversação inte-
Mostra-nos o seu caminho : 
O abandono a Deus, a paz da alma. 
Exalta-lhe os frutos : 
A familiaridade que õ amor estabelece entre 
Jesus e a alma fiel. 
Terc;�iro livro: 
A condição principal da vida de união : 
O abandono a Deus, a en !rega ou resignação 
própria à vontade divina em tudo e para tudo. 
O terceiro livro nos faz progredir na vida in­
terior: 
Volta sobre os entretenimentos de Jesus com 
a alma fiel. 
Ensina-nos como a verdade divina fala à nossa 
ahna sem ruído de palavras, com a condição de 
que marchemos com Deus na verdade e na hu­
mildade. 
Depois, as provas, as tentaçE �s e os obstácu­
los são passados em revista, os numerosos capí­
tulos com os conselhos para os ultrapassar, e o 
autor resume em um capítulo fundamental os di­
versos movimentos da natureza e da graça. 
O quarto livro trata da Eucaristia, que com a 
orarão é o alimento da vida interior.·Conclusão: Oracão : 
"Em vós ponho 
'minha confiança, meu Deus, 
Pais d-. misericórdias. Abençoai e santificai mi­
nha alma pela,s vossas bençãos celestiais, a fim de 
que ela se torne para vós uma morada santa·, o 
2b LÉON DEIION 
trono da vossa glória eterna, en1 que vós governeis 
tudo, e que nada se encontre nesse templo que 
ofenda os olhos de vossa Majestade, quando aí vos 
dignardes descer para receber as homenagens e 
as súplicas de vossos filhos". 
CAPÍTULO VI 
,i união com Deus nos livros de Scupoli: O com­
bate espiritual e a paz interior. 
O combate espiritual, diz S. Francisco de. Sa­
les, é feito principalmente para a vida pràtica e 
ativa, 
Scupolí, entretanto, lança de passagem algu­
mas vistas sôbre a vida interior. 
I - " O cimo d a perfeição, diz-nos desde o co­
nieço, é a união com Deus". 
"A vida espiritual se resume em se reconhe­
cer a grandeza e bondade de Deus, ao mesmo tem­
po que nosso nada e nossa inclinação ao 'mal; em 
amar o Soberano Mestre e em odiar-nos a nós mes­
mos; em submeter-nos não somente a f:le, mas a 
tôda criatura por seu amor; em renunciar a nossa 
própria vontade para nos colocar sob a sua dire­
ção; mas sobretudo em não produzir intenções ou 
ações senão para a sua glória, a fim de lhe agradar 
e porque, é assim que f:le merece ser amado e ser­
vido, que o deseja ser. 
Tal é a lei do amor gravada por Nosso Senhor 
no coração dos seus servos fiéis".· 
Mas é principalmente num pequeno tratado 
sôbre a Paz interior, anexo ao Combate Espiritual, 
que Scupoli trata mais diretamente da vida in­
terior : (1) 
(1) Y8r o livro do P. Lehen, sObre a paz interior. 
A VIDA INTERIOR 29 
A paz, diz êle, é a mansão do paraíso, é a con­
dição da união com Deus. E' o exercício princi­
pal e conlínuo da nossa vida pacificar o nosso co­
ração e não o deixar desviar-se para as crenturas. 
Ponde então, à frente de vossos sentimentos ou 
disposições, a paz como sentinela avançada. 
A�ostun1ar·vos-ejs a orar, a obedecer, a humi­
lhar-vos ,a suportar as injúrias sem perder a paz. 
E se sobrevier uma -grave prova, vós recorre­
reis à oração, como N. Senhor no Gethsêmani, até 
que a p'il:z volte. 
Adquirir a paz é adquirir uma casa para o 
Senhor, é ·construir um tabernáculo para o Altíssi­
mo; é tornar-se seu templo". 
11 -- Os meios :
" Sentir-vos-eis sempl'e bem no mais intimo 
de vosso ser, enquanto mantíverdes vossa intenção 
reta. · 
Tende em grande estima vossa alma. O Se­
nhor dos Senhores, creando-a, a destinou para ser 
&ua morada e seu templo. 
Tende-a em cons)deração /paija · não permi­
tirdes que ela se incline a um objeto inferior. 
Que vossos desejos e esperanças se resumam 
na espectativa do Senhor, que não virá visitar vos­
sa alma se não a encontrar só, isolada dos pensa­
mentos extran)ws a �le e dos desejos da própria 
vontade. 
O' <lfmirave! solidão I O' morada secreta do 
Aliís:;imo, em que �le estará unicamente para \'OS 
dar audiência e falar-vos ao coração!" 
30 L J': O N D EH O N
III - A ação divina: 
"A Deus pertence implantar a car[dade na 
vossa alma, e colher os frutos quando quiser : 
Não tendes que semear grão algum, oferecei 
somente o terreno puro e livre de qualquer adesão. 
"Êle lançará a s-e1nente a seu ten1po ; mas quer 
encontrar vossa alma isolada e desprendida para 
unir-se a ela. 
Concedei-Ihe agir em vós, não creeis obstácu­
los pela vossa vontade: é o que vos pede. 
Conservai-vos em repouso, sem nenhum ou­
tro pensamento que o de agradar ao Senhor, es­
•perando ser conduzido ao trabalho pelo pai de 
família. Ponde todos os vossos cuidados (mas 
sem nenhuma inquietação) em suavizar vosso 
zelo� moderar vosso fervor, ·para conservar Deus 
em vós numa paz iinensa. 
Tal disposição é apenas a resignação da alma 
à vontade divina". 
IV - Prática : 
Habituai-vos pelo desejo e mais freqüente­
mente ainda pelos a tos à contemplação da divina 
bondade, de seu amor e de seus beneficios con­
tínuos. 
Nas vossas meditações não vos prendais ao 
plano fixado, mas onde sentirdes vosso espirito re­
pousar, insisti em gozar do Senhor no lugar em 
que J;:Je se dignar comunicar-se à vossa alma. 
E quando aprouver à sua divina majestade 
retirar-se
ocultamente, recomeçareis a procurá-lo, 
retomando vossos primitivos exercícios, sempre 
A VIDA INTERIOR 31 
com o mesmo desejo de possuir o objeto de vosso 
amor". 
Scupoli chama êste 
da do Paraioo". 
E conclue dizendo : 
pequeno tratado: "Vere­
• 
"E êstes avisos merecem uma sena atenção. 
'Ouso dizer que são como chaves espirituais, abrin­
do para a alma tesouros com que ela poderia en­
riquecer-se em pouco tempo". 
P. Piny, no seu livro intitulado : "O réu sobre 
a terra ou a mais perfeita de tôdas as vias inte­
riore.�", de inspira nos mespos princípi.os. 
Aconselha-nos o abandono e a conformidade 
à vontade divina. 
Pela aceitacfio da vontade divina determina­
da pelas leis de Deus e da Igreja, pela' nossas re­
gras e nossos deveres de estado. e pelos aconteci­
mentos providenciais, êle nos conduz à paz. da al­
ma, que é a condirão necessária para n virla inte­
riur e para a contemplação habitual do amor di­
vino . . . 
CAPÍTULO VII 
A 'vida 'Interior. com Santo lnacio 
Os exercícios de S. Inario conduzem a fins 
vários. conforme as necessidades dos retirantes. 
Preparam-nos, se.mndo os casos, para hzer a 
escolha de uma vocacão ; a tomar resoluções para 
a reforma de sua vida; 
para se iniciarem na vida contemplativa e no 
puro amor de Deus. 
"No�o bem-aventurado Pai, . diz o Pe. Roo­
than, não dá as regras da união especial com Deus, 
32 L E ON DE H ON 
mas prepara as almas para isso e a principal dis­
posição que indica é o desprendimento e a abne­
gação de si n1esmo'�. 
Em tôda a extensão dos exercícios, S. Inacio 
leva à vida interior, à conversão corn Deus, à cor­
respondência às luzes e às impressões da graça. 
Primeira anotacão : 
Os exercícios s'ão a arte de meditar e con­
templar. 
Segunda anotação : 
A alma deve encontrar nos exercícios não so­
mente a inteligência, mas o sentido e o gosto das 
coisas que medita. 
Decima quinta anotação : 
Nosso Senhor se comunica à alma devota e, 
num santo amplexo, a dispõe ao seU amor, ao seu 
louvor e ao seu serviço. 
A primeira semana é uma preparação neces­
saria : dispõe e purifica a alma pelo temor de 
Deus, o odio do pecado e a penitência. 
Os colóquios são nm verdadeiro exercício da 
vida contemplativa, em que a alma em doces en­
tretimentos com Maria, com Cristo e com Deus, 
abre-se a tôdas as impressões que a graça lhe su­
gere. 
Na segunda semana, a alma contemplando os
mistérios do Salvador, procura as lnzes, as conso­
lações e as afeições que lhe ve'em da graça. A elei­
cão se faz sob a influência divina no momentO ezn 
que a alma é levada a fazer tndo pelo amor de 
Deus. 
Na terceira semana, pedimos à Maria e a Je­
sus, que dividam conosco os sentimentos do Sal­
vador na sua paixãÓ, seu ódio do pecado, seu elevo­
lamento para com seu Pai e para com as almns. 
A VI DA i:'ITE RI OR :l3 
Na quarta semana, participamos das alegrias 
de Jesus Ressuscitado e somos convidados a co­
nhecer e a gozar particularmente os momentos em 
que nos sentimos fortemente emocionados e im­
pressionados pela graça. 
A conclusão dos exercícios é a contemplação 
para excitar em nós o amor espiritual. 
Esta contemplação nos deve fixar na vida uni­
tiva, na vida de amor por Deus e Nosso Senhor. 
Corresponde às regras que dão o Padre Lalle­
mant, B..ssuet, e o P. Faber sôbre a oração de sim­
ples presença de Deus, com um olhar sumário su·· 
bre tôdas as bondades divinas e uma doce adesão 
aos sentimentos e às resoluções que estas bonda­
des nos inspiram. 
Santo Inácio nos faz contemplar, à margem, 
os grandes benefícios da Providência : 
a Creação, a Redenção e os dons de Deus que 
nos são pessoais : Batis1no, vocação, etc. . . . Tôda 
a contemplação c um olhar sôhrc Deus e o Reden­
tor. f:le nos mostra Deus vivendo em tôdas as 
creaturas e sôbre tudo em nós mesmos que somos 
como "seus templos'". 
Nestas mes1nas creaturas, Deus não está só­
mente :presente, mas vivendo, agindo, e como que 
sofrendo, o que nos deve levar a viver e a agir 
por êle. 
Enfim, S. Inacio nos mostra em Deus a fonte 
de tudo o que há de bom nas creaturas. 
Todo bem desce de Deus como os ráios vêm 
do sol-e as águas da fonte. 
Nosso amor deve, então, remontar a Deus como 
34 L J':,.Q N D E H O N 
- As regras do discernimento dos espíritos 
poderiam chamar-se também regras da vida in­
terior. 
S. Inacio nos faz distinguir a ação divina da 
ação da natureza e do demônio. 
A ação de Deus ou a graça tem seus ca­
racterísticos : é a paz, a alegria e o amor de Deus; 
são as condições da verdadeira vida interior à qual 
devemos tender e que devemos entreter em nossas 
almas. 
- Os exercícios eram um sumário, um mara­
vilhoso bosquejo, um resumo dos meios a empre­
gar e o caminho a seguir para chegar à união com 
Deus. 
Os discípulos de S. Inacio desenvolveram os 
Exercícios : êles o tem entre os melhores mestres 
da vida interior. 
Tais o P. Saint-Jure, o P. Nouet, o P. Lalle­
mant, o P. Grau, o P. Chaignon, à P. Bouix, o P. 
Terrien, o P. Pergmayr. 
E' tôda uma escolta de vida interior com nuan­
ces bastante sensíveis. 
Alguns autores, como o P. Lallemant e o P. 
Grou, teem um atrativo mais em relevo para a 
contemplação. 
CAPÍTULO VIII 
Da vida interior de zzma alma cristã, szza natureza, 
sua importância, suas vantagens. Conforme o 
P. Lallemant e o Ven. P. Libermann. 
este capítulo e os dois seguintes são como que 
o desenvolvimento da espiritualidade de S. Inacio.
O Pe. Lallemant, o Pe. Grau e o Pe. Saint-Jure são 
A VIDA INTERIO R 35 
considerados entre os seus melhores discípulos es­
pirituais. 
Continuamos a apresentar aos nossos piedosos 
leitores esta legião de testemunhos que nos mos­
tram a vida interior como caminho real para ir a 
Deus. 
§ 1
Em que consiste a vida interior cristã
.... 
I - A vida interior consiste em duas sortes de 
atos, a saber : n_os pensamentos e nas afeições. 
E' sobretudo nisso que as almas perfeitas di­
ferem das imperfeitas e os bem-aventurados dos 
que vivem ainda sôbre a terra. 
11- Nossos pensamentos, diz S. Bernardo, de­
vem estar na investigação da verdade, "in investi­
gationc veritatis"; e nossas afeições no fervor da 
caridade, "in fervore caritatis". 
Desta maneira, o cspirito e o coração estando 
aplicados a Deus e possuidos de Deus, no meio até 
das ocupações exteriores, não se perde Deus de vis­
ta e se está sempre no exercício de seu amor. 
III- Os bons e os máus religiosos diferem so­
bretudo pela qualidade de seus pensamentos, de 
seus juizos e de suas afeições. 
_ 
E' também nisso que consiste a diferença dos 
anjos e dos demônios, e o que faz que uns sejam 
santos e bem-aventurados e os outros maus e in­
felizes. 
A essência da vida espiritual e interior con­
siste em duas coisas : 
.Oum lado, as operações tle Deus na alma, suas 
luzes e suas inspirações. 
36 LllON DEHON 
d'outro, a cooperação da alma con1 os movi­
mentos da graça. 
V - Uma das ocupações da vida interior é ob­
servar e reconhecer: 
1.') - O que vem de nosso íntimo, nossos pe­
eados, nossos maus hábitos, nossas paixões, nos­
sas inclinações, nossas afeições, nossos desejos, nos­
sos pensamentos, nossos juizos, nossos sentimentos. 
2.0) - O que vem do demônio, suas tentações, 
suas sugestões, seus artifícios; suas ilusões, pelas 
quais procura nos seduzir, 
3.') - O que vem de Deus, suas luzes, suas 
inspirações, os movimentos da graça, seus desígnios 
a nosso respeito e os caminhos por onde quer nos 
conduzir. 
VI - E' preciso observar cuidadosamente a 
que o Espírito Santo nos conduz ainda : 
no começo das nossas ações, peçamos a graça 
de bem fazê-los e notemos até os menores movi­
mentos de nosso coraçã<>. 
VII - Não devemos empregar todo o nosso 
tempo de recolhimento à oração e à leitura; é pre­
'ciso empregar uma parte em examinar a disposi­
ção de nosso coração, em reconhecer o que nele 
se passa, em discernir o que é de Deus, o que é da 
riatureza, o que é do demônio, em nos conformar 
com a conduta do Espírito Santo, c firmar-nos na 
determinação de tudo fazer e sofrer por Deus. 
VIII - Devemos ter então, interiormente e por 
nós mesmos, uma vida muito perfeita por uma 
contínua aplicação do nosso entendimento e da
nossa vontade a Deus. 
.. 
Pois, poderemos sair para serviço do proxuuo 
sem prejuízo de nossâ vida interior, sem nos dar­
mos inteiramente aos outros. 
A VIDA INTE ni OR 37 
"Tuus est ubique", diz S. Bernardo ao Papa 
Eugenio, "concha esta, non canalis" : sêde um re­
servatório e não um canal. 
IX - Os operários envangélicos qne não aten­
tam nisto, têm um justo motivo de temer que, em 
lugar de serem levados ao céu, segundo a excelên­
cia de sua vocação, venh'a1n a ser do número da­
queles que serão mais longo tempo detidos no 
purgatório, e que serão colocados nas últimas or­
dens da �lória. 
§ li
Os obstáculos qlle ela encontra 
I - Os objétos exteriores nos atraem a si pela 
aparência de algum bem que acaricia nosso orgu­
lho ou nossa sensualidade. 
11 - O demônio, movimentando os fantasmas 
da imaginação, despertando as lembranças e idéias 
das coisas passadas, excita em nós perturbações, 
<scrúpulos, e diversas paixões; realizando isso so­
bretudo naqueles que não tendo ainda o coração 
perfeitamente purificado, lhe oferecem mais ·pos­
sibilidade e são mais submissos ao seu poder. 
III - Nossa alma somente com o sofrimento 
entra em si mesma, vendo em si apenas pecados, 
misérias e confusão. 
De sorte que, para evitar essa visão importuna 
e humilhante, lança-te imediatamente para o 
exteJior e vae procurar suas consolações nas cria­
turas, senão se procura detê-la cuidadosamente no 
seu dever. 
38 L ll ON D E H O N
§III 
Suas vantagens 
Sem ela não ·pogrediremos no caminho da per­
feição; 
Sem ela produziremos poucos frutos nos nos­
sos trabalhos; 
Sem ela não teremos a paz em nós, 
I 
Sem ela nr�mc�!'amente não chegaremos à 
perfeição da vida purgativa. Disso teremos mui­
tas vezes algum sentimento. Mas em tôdas as 
nossas obras, talvez grandes e belas em aparência, 
misturar-se-ão muitos defeitos e imperfeições : sen­
timento de amor próprio, vaidade, vontade própria, 
etc . . . .
E como nos ocupamos em cousa muito diferen­
te do que conhecimento dos desregramentos de nos­
so coração, não procuramos purificá-lo, ainda que 
êle se encha sem cessar de pecados e misérias que 
enfraquecem as forças da alma e acabam por su­
focar o espírito de Deus. 
11 
Não chegaremos nunca à perfeição da vida 
iluminativa, que consiste em reconhecer em tôdas 
as coisas a vontade de Deus. 
Nossos superiores, nossas regras, nossos de­
veres de estado podem muito bem nos indicar o 
que devemos fazer, mas não nos dizem com que 
disposições interiores devemos fazer, 
A VIDA INTERIOR 39 
III 
Enfim esfá claro que não chegaremos à per­
feição da vida uniliva, que consisfe na união in­
ferior da alma com Deus. 
IV - Tudo frans.borda nos Sanfos, porque êlc• 
obfêm por suas preces uma bênção e uma virtude 
que tornam seus trabalhos eficazes. 
V - Amadureçamos nossas funções à respeito 
do próximo de recolhimento, de oração e de hu­
mildade; Deus se servirá de nós para grandes 
coisas, ainda mesmo que não tenhamos grandes 
estaleiros. 
VI - Encontrar-se-fio, às vezes, pessoas que, 
ocupadas dias inteiros e anos no esfudo e nas tra­
mas dos empregos exteriores, terão dificuldade em 
dar um quarto de hora por qia à leitura espiritual; 
e depois disso, o meio de ser homens interiores ! 
Daí vem que não produzimos frutos; porque 
nossas funções não são animadas do espírito de 
Deus : "Velut aes sonans et cymbalnm tinníens" 
(I COR. 13, 1). "E' como o bronze sonante e cím­
balos qne refinem". 
VII - Um homem interior fará mais impressão 
sôbre os corações por uma só palavra animada do 
espírito de Deus, que um outro por um discurso 
inteiro que lhe tivesse cus fado muito trabalho e em 
que tivesse exgotado tôda a força de seu raciocínio. 
VIII ---'- Nunca teremos paz se não nos unir­
mos interiormente a Deus. O repouso de espírito, 
a alegria, o sólido contentmnento, sàrnente se en­
contram na viela inferior, no reino de Deus que te­
mos d�tro de nós mesmos. Fóra disso a pertur­
bação,� sofrimento, e se a1guma tentação, alguma 
prova sobrevier, não a ultrapassaremos. 
40 L É O N D E H O N
IX - Santo Agostinho compara os que não 
têm a vida interior bem regulada aos maridos que 
têm mulheres intrataveis e de máu humor. 
Saindo de seus apartamentos pela manhã, só 
voltam o mais tarde possível, porque temem a per­
seguição doméstica. 
Do mesmo modo, aqueles que não têm a paz 
interior, só -encontrando acusaç·ões e re1norsos 
d e cónsciência, evitam tanto quanto podem entrar 
em si mesmos. 
X - Ninguém se dará à vida interioi- na ve­
lhice, se não o fez na mocidade, de maneira que se 
não alcancamos nos nossos retiros uma vontade in­
violavehn�nte resolvida a cultivar a vida interior, 
a todo preço, cairemos no nosso estado primitivo. 
"Et fient novíssima pejara prioribus", e aca­
baremos péiores do que começamos. 
XI - Quanto tempo será ordinariamente pre­
ciso para chegar à vida interior? 
O Pe. Lallemant fala, em certa passagem, d e 
três o u quatro ano,_ 
M-as o costume das grandes ordens em não fa­
zer senão um ano ou dois de noviciado parece in­
dicar que êsse tempo basta, se for bem emprega­
do, para entrar na vida interior. 
§ IV
Suas ocupações 
I - C\fosso principal cuidado deve ser em vi­
giar sóbre nossa vida interior para reconhecer-lhe 
o estado e para corrigir-lhe as desordens.
II - Permanecendo enredados e como qne se­
pultados numa infinitude de erros e imperfeições 
que não vemos nunca e que não veremos sinão na 
A VIDA INTERIOR 41 
hora da morte interior, em que o demônio e a na­
tureza desempenham extr'anhos papeis, seremos to­
dos absorvidos no enredo e opressão das ocupa­
ções exteriores. 
III - A ruína das almas, no caminho da per­
feição, vem da multiplicação dos pecados veniais, 
donde se segue a diminuição das luzes e das inspi­
rações divinas, das consolações espirituais e dos 
outros socorros da graça, depois de uma grande 
fraqueza para resistir aos ataques do inimigo c 
enfim a queda em alguma falta grave, que nos 
faz ver que não vigiamos sôbre as desordens do 
nosso coração. 
IV - E' esta ausência de nós mesmos e esta ne­
gligência em regular nosso interior, que são causa 
de qne os dons do Espírito Santo sejam em nós 
quasí sem ·efeito e que as graças sacramentais per­
maneçam inúteis em nós. 
V - Assim, a graça do Batismo nos dá um di­
reito habitual para receber luzes e inspirações para 
levar uma vida sobrenaturalo como membros de 
Jesus Cristo, animados do seu espírito. A graça 
da confirmação é um direito à força dos soldados 
de Jesus Cristo, para gloriosas vitórias. 
VI - A graça do Sacramento da Penitência é 
um direito a receber um acréscimo de pureza de 
coração. A da Comunhão é um direito a receber 
socorros mais eficazes para nos unirmos a Deus 
pelo fervor de sua caridade. 
Cada vez que nós nos confessamos e comun­
gamos, os dons do Espírito Santo crescem em nós 
e não são visíveis os seus efeitos. 
"fl:I - Isso vem de nossas afeições desordena­
das e dos nossos defeitos habituais, os quais deixa-
42 L � O N D E H O N
mos que nos dominem mais do que as graças sa­
cramentais e os dons do Espírito Santo. 
VIII - Vigiando o nosso interior, vamos ad­
quirindo pouco a pouco, um grande conhecimento 
de nós mesmos e alcancamos afinal a dírecão do 
Espírito Santo. 
• • 
IX - Os que se ap!icaram durante três ou qua­
tro anos em vigiar o
seu interior, penetram natu­
ralmente no coração dos outros e julgam facilmen­
te os movimentos. 
X - Sem que façamos grandes mortificações, 
nem obras tão relevantes, podemos praticar exce­
lentes atos de virtude na vida interior. 
XI - E' porisso que os Santos estão assim ele­
vados, ao mais alto grau de virtude. 
XII - Aqueles que são muito ativos, não ten­
do regulada a sua vida interior, perdem infinitas 
graças e méritos. 
Seus trabalhos não produzem senão muito 
pouco frutos, não sendo siquer animados da força 
c do vigor que vem do espírito interior, nem acom­
panhados das bençãos que Deus dá aos homens de 
oração e recolhimento. 
XIII - Passam-se assim dez ou vínté��aiios sem 
que se avance um pouco para alcançar a perfeição. 
O espírito se distraí e o coração seca entre todos os 
exercícios da vida religiosa, se não se tiver todos 
êsses recursos. 
XIV - Abrimos os olhos nó declínio da vida 
c trememos à aproximação do julgamento de Deus. 
XV - O meio de evitar todos êsse males é rC·· 
guiar bem o nosso mundo interior e praticar essa 
vigilância que Deus nos recomenda tão freqüente­
nlente : "Vigilate" - "Vigiai". 
A VIDA INTERIOR 43 
§ V
Quanto importa uni-la com as ocupações exteriores 
I - Devemos unir de tal modo a ação e a con­
templação, que não se dê mais àquela do que esta, 
tratando de se elevar tanto numa como noutra. 
De outra forma, se nos atirássemos inteiramen­
te ao exterior e nos entregássemos completamente 
à ação, ficaríamos nos últimos degraus da contem­
plação, que são uma prece comum e os outros 
exercícios de piedade praticados de modo grossei­
ro e im perfeito. 
11 - E' preciso unir, de tal sorte, a ação com 
a contemplação, que nos entreguemos à primeira, 
à proporção que formos nos aproximando, mais 
ou menos, da última. Quanto mais orarmos, me­
lhores .resultados obteremos dos nossos atos. 
Se muito pouco conhecemos do nosso eu, nada 
fazeri'los ao exterior (ao que nos rodeia externa­
mente), a menos que a isso nos impulsione a obe­
diência, ou por outro lado, nada faremos pelos ou­
tros e nos perderemos a nós mesmos. 
111 - Persuadamo-nos de que, no desempenho 
das nossas funções, não obteremos fruto se não 
nos aproximarmos de Deus e se não nos despren­
dermos de todo interesse próprio. 
Iludimo-nos fàcilmente neste assunto. 
Entregamo-nos às obras de zêlo e de caridade, 
mas seria por verdadeiro zelo e ··caridade pura? 
.Não seria porque achamos nisso satisfação e 
porqt• não amamos nem a oração nem o estu­
do, ou porque poderíamos ficar nos nossos apo­
sentos, e sofreríamos o recolhimento? 
44 L ll O N DE H O C\1 
IV - Faz-se, semelhantemente ao que os ou­
tros praticàm, todo o be1n que se imagina, e a si 
próprio cansa-se mais dano do que se pensa. 
V - Para trabalhar utilmente na salvação dos 
outros, é preciso ter progredido bastante na sua 
própria perfeição. 
VI - Se os superiores têm muito que fazer ex­
ternamente, devem ter confiança de que a Provi­
dência dispõe as coisas para que o todo medre em 
maiores beneficios dos inferiores. 
VII - A aplicação ao estudo é digna de um 
religioso, mas às vezes, não se sonha senão en1 po­
voar o espírito de conhecimento que servem mais 
para o endurecer e enfraquecê-lo do que para o en­
ternecer pela devoção e inflamá-lo pelo fervor. 
VIII - E' preciso cultivar, principalmente, a 
vontade. 
Comumente temos muita ciência, mas nos falta 
a necessária união com Deus. 
§ VI
Conclusão 
I - Devemos dirigir o nosso cuidado princi­
pal para adquirir o espírito da oração e nos pene­
trar por um grande amor de Deus. 
11 - O melhor motivo para praticar as virtu­
des é o amor, porque êle nos eleva a Deus, sem pe-
rigo do amor-próprio. 
· 
111 ·-- tste motivo é o mais simples. 
Está ao alcance de todo mundo. 
E' também o mais perfeito e o mais agradave] 
a Nosso Senhor. 
A VIDA INTE RIOR 
CAPITULO IX 
A vida interior - Suas diversas formas
segundo o P. Grau 
Para compor um excelente manual das almas 
interiores, reuniran1-se diversos opúsculos do Pe. 
Grau. 
I - O P. Grau dá alguns princípios gerais :
·1.') - Deus não deu ao homem liberdade se­
não para que (êle) lh'a consagrasse, e o melhor 
uso que o home1n faz dela é tornar a colocá-la nas 
mãos de Deus, é a renúncia de se governar a si 
próprio, e deixar que f..:le disponha de tôdas as 
coisas, porque, nos desígnios d e Deus, tudo o que 
nos vem do arranjo da Providência tem por objéto 
a nossa salvacão eterna. 
2.• - A fonte da paz do homem está na dádiva 
que faz de si próprio a Deus, e se esta dádiva for 
completa, a paz de que gozará será imperturbavel 
e aumentará dia a dia. 
3.') - A fidelidade às pequenas coisas. a aten­
ção à prece a Deus prova totalmente a delicadeza 
do amor. 
E' a vida de N azar é : 
4.') - O àmor d e Deus não tem em nós senão
um único inimigo, que é o atnor próprio. 
A alma se liga a bens sensíveis. 
Deus a distingue com as consolações e&piri­
tuais. 
Em seguida ela se une a essas consolações. 
Deus a desprende pela aridez e pelas. tenta­
ções. 
M8rla a alma, por si mesma, guarda a paz e 
fica unida a Deus na sua essência. 
46 L :e O N D E H O N
5.') - Torna-se a alma cada vez mais passiva 
e Deus exerce domínio cada vez maior sôhre ela. 
6.' - O amor perfeito não conta mais com ;�s 
consolações de Deus. 
:f:le ama com um desinteresse a tôda prova. 
II - O P. Grau nos descreve uma dezena de 
formas da vida interior. 
1.") - a devoção :
O principio da devoção é que Deus sendo a 
única fonte .e o autor da santidade, a criatura ra­
cional deve depender dele, em tudo, e se deixar 
governar absolutamente pelo espírito de Deus; 
E' preciso que ela seja sempre relacionada a 
Deus pela sua base, -sempre atenta a escutá-lo aci­
ma de si mesma, sempre fiel para cumprir o que 
:f:le pedir, em tôdas as ocasiões. 
Aquele que se entrega às sensações, às pai­
xões, à dissipação, não chega à devoção. 
O verdadeiro devoto é o homem que reza, que 
faz consistir suas delícias em se entreter em Deus, 
que não esquece nunca ou quasi nunca a sua pre­
sença, porque :f:le lhe está sempre unido ao cora­
ção e é conduzido em tudo. pelo seu espírito. 
Na oração, ela entra suavemente em si mes­
ma; lá acha Detis : encontra a paz. 
O verdadeiro devoto estuda como preencher � �· perfeitamente todos os deveres do seu estado e to-
dos <>s verdadeiros beneficios da sociedade. E' fiel 
aos exercícios da devoção e os interrompe sem tris­
teza, se as circunstâncias o pedem. 
Não acha paz a não ser na união com Deus, 
segundo o que diz" Santo Agostinho : 
A VIDA INTERIOR 47 
"0 coração do homem, unicamente feito para 
Deus, está sempre inquieto, até que repouse em 
Deus". 
2.') - A vida nova em Jesus Cristo :
São Paulo disse aos cristãos que, no Batis­
mo, êles estavam mortos e "sepultados" com Jesus 
Cristo ; que ao sair da pia batismal, êlcs ressusci­
t�vam e eram obrigados a levar uma vida nova nos 
moldes da do Salvador. 
A ressurreição é o símbolo da vida nova em 
Jesus Cristo, da vida espiritual. 
Pela morte �on tínua de si mesmo é que se prP­
para para essa vida: 
morte dos pecados. mesmo léves, e das im-
perfeições; 
morte ao mundo e às coisas exteriores ; 
morte à vontade própria; 
morte à estima de nós mesmos e às consola­
ções espirituais. 
E' por êstes vários graus de morte que a vida 
mística de Jesus Cristo se estabelece em nós ; ela 
é uma participação do mistério da ressurreição. 
3.') - O amor da cruz: 
"Aquele que não leva a sua cruz todos os dias, 
não é digno de mim". (S. Mateus. X-38) . 
· Como a nossa própria morte, a cruz (o sofri­
mento) é uma condicão da vida interior. 
Para seguir o N'osso Senhor e participar de
suas gracas, é preciso renunciar a nós n1esmos, in­
fligir-no�sofrimentos, e isto, todos
os dias e con-
tinuamente. • 
48 L ÉON D E H O N 
Primeiramente, essa cruz consiste em evitar 
o pecado e as ocasiões de praticá-lo.
E1n segundo, em modificar as paixões, mode­
rar os desejos, vencer, domar os sentidos; e1n ter­
ceiro, em nos separar de espírito e de coração de 
todos os objétos terrestres, carnais e temporais para 
dannos ocupação ao nosso pensamento e às nos­
sas •afeições nos bens espirituais ; em quarto lugar
receber corn a melhor disposição os rnaus eventos 
que nos sejam enviados pela Providência; em quin­
to, acatar tôdas as provas e penas da vida espiri­
tual; mas isso diz respeito sobretudo às almas in­
teriores que Deus prepara para as graças supre­
mas, fazendo-as passar pelo penoso caminho dos 
sofrimentos e das dores. · 
4.") - " O espírito de fé" : 
O espírito de fé e de confiança em Deus é pe­
dido a todos, mas o seu caminho é chamado uma 
conduta particular de Deus que exercita a fé das 
almas privilegiadas, parecendo contradizer as suas 
esperanças. 
Abraão é chamado para imolar lsaac (seu fi­
lho) ; José, que tem promessas de domínios sôbre 
os irmãos, é vendido por êles e levado ao Egito. 
A alma conduzida por Deus por essas vias da 
fé, deve aceitar plenamente e conservar a paz in­
terior e a confiança. Acontece que Deus faz essas 
almas passar por longas provas durante 15, 20 
anos . . . Elas devem receber tudo, e guardar inal­
tcralvel serenidade, abandonando-se ao bom servi­
ço de Deus. 
Esta fé é excepcional. 
A VIDA INTERIOR 49 
Não é preciso desejá-la, nem repudiá-la. 
"E' necessário esperar que ela venha de Deus. 
5.0) - Somente Deus : 
Isto é ainda uma fórmula cara 
tres da vida mística. 
Devotar-se únicamente a Deus : 
resMmem a vida mística. 
a muitos mes­
 estas palavras 
Seguindo esta rota, unimo-nos imediatamente 
a Deus e sem pontos intermediários. 
E' preciso para isso, uma grande pureza e atos 
preparatórios : 
E' um estado que não se pode descrever. 
E' preciso já ter experimentado, para que se 
forme uma idéia precisa da vida mística. 
bse estado é obra de Deus. diante do qual o 
homem não se pode por em ação, por si mesmo.
Pela renúncia d e si mesmo e abandono com­
pleto à vontade divina preparamo-nos para a vida 
mística. 
. 6.') - A prece contínua :
Pode-se chamar a vida interior. também, de 
prece continua. 
Não que sejam preces vocais (verbais) , nem 
meditações continuadas� mas a prece do coração, 
que é uma disposição habitual e constante de amor 
a Deus. de submissão à sua vontade em todos os 
acontecimentos da vida. uma atenção frequente à 
voz de Deus, que se faz ouvir no fundo da cons­
ciência e sem cessar nos m ostra o bem e a perfei­ç ão. 
50 L ll O N D E H O N
A essa disposição bens chama a todos, e no
entanto, poucas são as criaturas que se dão, sem 
reserva, a Deus. 
Mas quando essa dádiva é plena e completa, 
Deus a recompensa pelo oferecimento, dá-se a si 
mesmo; �!e se estabelece no coração, e nele for­
ma essa prece frequente que consiste na paz, no re­
colhimento, na atenção a Deus, acima de nós mes­
mos, em torno das ocupações ordinárias. 
�ste recolhimento é, primeiramente, sensível e 
consolador, depois vem a aridez durante a qual é 
preciso perseverança. A prova serve para nos des­
prender de nós mesmos, para que possamos viver 
em Deus com fé pura e verdadeira. 
7.') - A paz da alma : 
E' uma das principais condições da vida in­
terior. 
Essa paz de alma não é atributo dos que não 
observam a lei de Deus senão pela crença. 
Não é prometida a paz plena e abundante a 
não ser àqueles que seguem a lei por espírito de. 
a1nor. 
O ·espírito de aniór, que é -pievilégio-das-crian­
ças, lhes ensina olhar a Deus como seu pai, sua 
lei como um jugo infinitamente doce, (suave) sua 
glória e a execução de sua vontade como a maior 
das vantagens. 
Desde iJUe a alma se dê totalmente a Deus, 
�!e Í"f cair sôbre ela uma paz inefavel. 
Mais tarde, a paz não é mais sensível, mas 
torna-se habitual, se guardar a boa vontade de fa­
zer o que Deus manda. 
A VIDA DITEfliOR 51 
8.') - A Infância espiritual: 
"Se não vos tornardes crianç.a, não entrareis 
no reino de Deus". (S. Mal. 18 - 3) . 
Se se quer ver o reino de Deus em si, é preciS<> 
que se torne o que uma criança é, quanto às dispo­
sições sobrenaturais, em relação às tendências na­
turais. 
Há uma infância espiritual, que é o primeiro 
passo para a vida interior; é um dom de Deus que 
não se pode adquirir por si mesmo. · 
A criança não raciocina, age com si,mplicidade. 
Assim, quando Deus nos põe nesse estado ins­
pira-nos operações simples e diretas para chegar­
mos até 1!:/e. 
Neste estado, a alma se deixa governar pelo 
espírito de Deus, e pela Providência. 
A criança testemunha seu amor com notura­
lidade. 
Ela se dirige a Deus com simplicidade, deixa 
se governar, sente sua fragilidade, acliega-se a Deus 
e n'r.Ie põe sua confiança. 
Tem por dotps a inocência, a paz e a alma pura. 
" Senhor, tornai-me nos vossos braços, aben­
çoai-me, dai-me essa bela simplicidade que é o 
1naior dos vossos dons". 
9.') - O amor puro :
Como a marcha ordinária da graça é de nos 
atrair a Deus por uma certa doçura e por gostos 
sensíveis, o santo amor no princípio é sempre mes­
clado de amor próprio. Deus não se ofende por 
isso; tle faz assim para nos mandar praticar sa­
cri.fícios que não faríamos doutro modo. 
52 L É O N D E H O N
E' o amor de Deus que nos leva aos despreen­
dimentos, aos sacrifícios, à pratica da oração e da 
mortificação; mas se o amor próprio não achasse 
nisso algum alimento espiritual delicioso, jamais 
abraçaria a vida interior. Mas Deus, pouco a 
pouco, purifica nosso amor; �!e subtrai tempora­
riamente suas consolações. Se a alma for fiel e 
generosa, logo começará a amar a Deus por ca11-
sa d'�le mesmo ,não pelas suas dádivas. 
Depois veem outras purificações : as tenta­
ções, as humilhações, o abandono aparente de Deus. 
O amqr puro torna-se absoluto, mas não ex­
clue a esperança que é uma virtude necessária. 
'tO.•) - O abandono: 
"Meu Pai, ponho minhalma em vossas mãos". 
Era a expressão do mais puro e desinteressa­
do amor. 
Deus conduz algumas almas ao abandono mís-
tico. ! 
Elas se elevam, primeiramente, ao estado ha­
bitual de recolhimento e de oração. Depois �!e as 
faz passar de renuncia à renuncia, de prova à pro­
va, até que a pobre alma se acredite digna de cen­
sura severa. 
Sempre fiel, ela aceita tudo que venha de 
Deus. 
III - Resumo : 
O P. Grou quis que as almas compreendessem 
a necessidade de reprimir sua atividade natural,
de se acostumar, pouco a pouco, de se simplificar 
A VIDA INTERIOR 53 
diante de Deus, e no exercício da oração e repou­
sar suavemente n'Ele. 
A alma, unida a Deus ,age com grande paz; 
não prevê a ação de Deus, mas entende que Deus a 
preveja; ela se põe sob a impressão divina como a 
mão da criança que aprende a escrever sob a mão 
do mestre. 
A alma, sob a ação de Deus, não é ociosa nem 
um instante, como a imaginam os que não teem 
uma verdadeira idéia do repouso em Deus. 
Ésse repouso nos concentra em Deus e nos 
fixa : 
A escutá-lo na oração; e fora da oração, a 
c.umprir-lhe a vontade no momento presente. 
E' a qoutrina que todos os mestres da vida es­
piritual ensinam, particularmente um dos maiores : 
São Francisco de Sales. 
" Coloque-se, diz êle, em presença de Deus por 
dois motivos principais : 
O primeiro, para lhe render a honra e a ho� 
menagem que lhe devemos, e. isso se pode fazer 
sem que J!:le nos fale, nem nós a J!:le. 
E' uma atitude dos cortesãos na Corte, 
J!:ste é um fim para testemunhar-lhe nossa von­
tade e reconhecimento, muito excelente e santo. 
O seglli'do, pelo qual se apresenta diante de 
Deus, é pl!ra falar com J!:le e auví-lo falar,
pelas 
inspirações e movimentos interiores. 
Nenhum desses dois bens pode faltar à oração. 
Se a Nosso Senhor podemos falar, falemos, 
louvemo-lo, escutemo-lo. 
Se não lhe podemos falar por estarmos roucos, 
fiquemos na ante câmara e lhe façamos ao menos 
a reverência. 
54 L f: O N D E H O :\
. De lá seremos vistos, noss-a paciência será re­
cebida de bom grado, nosso silêncio favorecido. 
Outra vez �!e nos deixará admirados; �!e to­
mará das nossas mãos e conversará conosco, e fará 
conosco cem voltas pelas aléas do seu jardim de 
oração; e quando não o fizer, nunca nos conten­
tenios com o que é o nosso dever c com o que nos 
é grande graça e honra maior, tal a de nos permi­
tir em sua presença. 
Assim, sem que tenhamos feito esforço para 
falar com Deus, não deixámos de ser úteis, ainda 
que não corresse tudo como queríamos. 
"Quando, eortanto, vierdes a Nosso Senhor, fa­
lai-lhe, se puderdes, se não, ficai e vos façais ver e 
nenhuma outra coisa vos será pedida". (Carta 34, 
Livro H) . 
CAPÍTULO X 
"O Homem espiritual" - Caminhos diversos -­
segundo o Pe. Saint-Jure 
O Pe. Saint-Jure se inspira nos exercícios de 
Santo Inácio e neles coloca os princípios da vida 
interior. Desenvolve longamente o estudo do dis­
cernimento dos espíritos, que é o fundamento da 
vida interior. Finalmente, como os Padres Grau e 
Lallemant, êle descreve as diversas formas ou os 
diversos mod.os da vida interior: 
A União com Jesus Cristo - a pureza de inte·n­
ção. - A vida de fé - a prece continua - a paz 
da alma. 
E tôdas essas vias se fundem na vida interior, 
como as cores do arco-iris se fundem na cor branca. 
5.) 
I - Princípio : 
O princípio da vida interior, como o de tôda 
vjda cristã, é o "fim do homem", que Deus criou 
para o conhecer, amar e servir, e para na posse 
de Deus achar a felicidade, que é o bem infinito, 
posse começada desde êste mundo e consumada no 
céu; e em o possuindo, glorificá-lo como :f:le o 
pede: 
Deus tem sua felicidade em si mesmo; pos­
suindo-o, nós participamos da sua felicidade e de 
sua glória. 
II . - . Os meios : 
Tôda a natureza nos conduz a Deus, dizendo­
IlOS sua beleza, bondade e glória. Todos os acon­
tecimentos da vida nos levam a Deus; tôdas as ale­
grias e tristezas também, se soubermos viver delas. 
Mas para a vida sobenati.J.ral, o grande meio 
é o próprio Nosso Senhor, que é chamado, porisso, 
o Mediador; · e com f:! e, tudo o que está com Deus:
sua mãe - seus sacramentos - sua doutrina. 
III - Os beneficios : 
São da posse de Deus o� frutos deliciosos : 
1.0) - a perfeição e a santidade da nossa alma 
2.') - as luzes do nosso entendimento; 
3.•) - a paz da nossa vontade;
4.0) - um generoso e justo desprêzo de tôdas 
as coisas criadas; 
5.') - um exterior bem composto.
.ol VIDA INTERIOR 
56 L<: O N D E H O N
IV - Vias diversas :
O fim do homem, diz São Paulo, é procurar 
Deus para O alcançar. (Act. 17 - 27) . 
Se é preciso alcançá-lo para possui-lo, para 
nos servirmos a Êle, que caminho devemos seguir? 
Os mestres da vida espiritual, com o Pe. Saint­
Jure, o Pe. Grau, o Pe. Lallement, enumeram estas 
vias e nos deixam escolhê-las sob os olhos de Deus 
e o encanto da graça ; mas a alma tem todo o pro­
veito em não se agitar como as borboletas e de se­
guir o caminho en1 que, uma vez entrada, tmna r á 
consciência do seu progresso e do seu adianta­
ruen to espiritual. 
Lembremos, com Saint-Jnre, os caminhos prin­
cipais : 
1.•) - A união com Noss.o Senhor : 
E' a via real : 
Tobias se paz sob a direção de Rafael. Colo­
quemo-nos sob o Signo de D eus, .f:le é mais do que 
um anjo. 
Foi para isso que J::le veio à terra, para nos 
arrebatar, nos esclarecer, nos conduzir . 
. O veículo : é a graça com todos os seus aixilha­
res:'ã- palavra de Deus, os sacramentos, os Santos 
Sacrifícios, a prece, e sobretudo, a oraçiio mental. 
Jesus é o caminho, a verdade e a vida, 
2.') - A pureza de intenção : 
Ou_tras almas se ligam à pureza de intenção, 
que é .também uma via excelente : 
A VIDA INTERIOR 57 
E' a pureza de intenção que dá o preço e o va­
lor de tôdas as nossas ações. 
Como uma alegria espiritual, diz Saint-Jure, 
ela converte em ouro tudo o que toca, e em dia­
mante e rubis. 
Por isso Deus pede aos homens, antes de tudo, 
o coracão e a vontade.
A ;nais pura das intenções é a glória de D€us 
e o seu amor. 
Procurar a nossa salvação, fugir da tentação, 
progredir na virtude, tudo isso é excelente fim, 
mas todos cedem à gloria e ao amor de Deus. 
3.') - "A vida de fé" : 
Em tôdas as coisas o exercício da fé é uma v1a 
excelente. E' pela fé que Deus nos justifica. (Sãú 
Paulo aos Romanos, cap. V.). 
A fé nos eleva acima da natuerza corrompida. 
Ela esclarece as inteligências, faz com que deseje­
mos os bens celestiais e a Deus consagra o nosso 
coração. 
A fé ardente nunca se divorcia da esperan­
ça e da caridade : é tôda a vida sobrenatural. 
Na sua plenitude, a vida de fé compreende os 
outros caminhos que podem nos levar a Deus : 
Ela é o inicio, a fonte de todos os dons, a raiz 
de tôdas as virtudes. 
Pode-se dizer também que a fé é o cimo peJO 
qual aquelas não descem a não ser em proporção 
do seu próprio desenvolvimento. 
E' a mais excelente das armas espirituais. São 
João nos diz que é ela quem nos dá a vitória (1. 
João, 54). Na prática, com à vida da fé se reJa-
5S L E ON D E H 0 :-1
cionam a lembrança do nosso fim, a presença de 
Deus, a união com Jesus Cristo que é nosso Me­
diador, o abandono à Providência que nos govern<J. 
com a sabedoria e bondade. 
4.') -- "A prece contínua" : 
A prece é semp.re necessária, e jamais deve
faltar, dizia Nosso S-enhor. São Paulo frequente­
mente o repete. 
Portanto, é uma via que conduz a Deus. A 
prece se junta à intenção pura, à vida de oração, à 
união com Deus. 
São preces as boas obras e as ações ofertadas 
a Deus. 
Ela é necessária porque nos é exigida, é neces­
saria também, porque o Senhor faz dela o cami­
nho da graça. Rezemos com a liturgia, com os 
Iúbios e com o corac5.o. 
Rezemos nos qu
�
atro fins do sacrifício : adora­
ção, mnor, reparação, in1petração; é a vida do Co­
ração de Jesus e do Coração de Maria. 
5.') - "A paz da alma" : 
Pergunta-se, p.ara fazer um grande progresso e 
chegar à perfeição, qual a melhor disposição da 
alma na vida espiritual. 
Se é andar em luzes ou em trevas, ter muitos 
sentin1entos para com Deus, ou pouco, ser são ou 
doente, rico ou pobre, glorificado ou desprezado? 
Saint-Jure diz que é ter, em tôdas essas dispo­
sições e ern todos êstes estados, o coração em paz e 
conservar a alma numa tranquilidade inabalavei. 
A VIDA INTERIOR 
Os dois grandes bens que os apóstolos e Nosso 
Senhor sustentam são as graças de Deus c a paz 
da alma. 
A primeira coisa a fnzer para chegar. à perfei� 
ção é uma vigilância pacífica sobre si n1csmo � o 
interior e a vida mundana; a segunda, é agir con1 
tranquilidade em todos os atos. 
A alma tranquila está no estado verdadeiro de 
praticar virtudes e operar com perfeição. 
Deus, diz David, faz sua morada na paz (sal­
J;llO 75) . - Deus, diz São João Climaco, repousa na 
alma tranquila; ela é o seu trono. 
Recolhe vosso espírito antes da oração. Fnzci 
tôdas as coisas sem .vos apressardes. 
Guardemos sempre a paz, tanto nos nossos de­
sejos, como nas nossas perdas e nas nossas faltas. 
6.') - "O Sagrado Coração" : 
O padre Saint-Jure não se esqueceu da via so­
berana do Sagrado Coração (tomo. 11, 150). 
Onde se deve fazer, pergunta, a união cOin 
Nosso Senhor? · 
tle mesmo responde : é no Sagrado Coração. 
Estamos ai todos, porque .f:le nos ama, e no Sa­
grado Coração, pelos nossos pensamentos, podemos 
ficár e morar. 
Lá é que precisamos estabelecer nossa morada. 
Não encontrarernos
melhor, nem tão rica e 
magnífica, nem tão agradavcl, santa c divina. 
Como é bom morar e operar neste divino Co­
ração, diz São Bernardo. Lá é que precisamos fa­
zer tôdas as funç·ões da vida espiritual. 
60 L E O N D E H O N
Choremos nossos pecados nesse Coração, que 
terá, então, conhecido um prazer inexprimivel. 
Odiemos o pecado e soframos as tribulações em 
união com Deus, com os seus sofrimentos. 
Para a vida iluminativa : exerçamos as virtu­
des e as boas obras no Coração de Jesus, que nos 
deu tão perfeito exemplo. 
Afinal, para a vida unitiva, êsse Coração divi­
no, que tão constantemente tem estado unido a 
Deus, é o verdadeiro santuário e o próprio domi­
cílio. 
Aí é que devemos produzir os atos de amor, de 
discernimento, de complacência, de benevolência, 
aí é que é preciso exercer as adorações puras, Oo 
agradecimentos, as oferendas, as homenagens, o 
abandono de si mesmo, as humi!hacões e os abati­
mentos, os desprendimentos de tÔda afeição às 
criaturas. 
Aí é que é preciso possuir a alegria e o repouso 
em Deus, como no nosso centro. 
Resumo : 
Ezequiel e São João nos descreve quatro ani­
mais místicos que conduz<Jm o carro da Igreja . . 
São tão independentes quanto unidos. Andam 
como querem, mas tudo vão à casa de Deus. • 
Assim são as vias espirituais : A águia sim­
bolisa a fé que se eleva sempre para o céu, o leão 
representa a· força da alma tranquila e. a sua pró­
pria mestra, o boi é o sacrifício de todas as imola­
ções, o homem lembra a aliança com Deus e com 
seu Divino Coração. 
E todos êsses caminhos conduzem à casa de 
Deus: à união, à paz com Deus. 
A VIDA INTERIOR 61 
Muita analogia existe entre o estudo do Padre 
Saint-Jure e o do Padre Grou sôbre a vida interior. 
CAPÍTULO XI 
Do reino de Deus nas almas - e da união com 
N. S. Jesus Cristo na oração. 
I - Do reino de Deus nas almas : vantagens 
em que consiste. Deus tem três especies de reino : 
O da natureza, 
O da graça, 
E o da glória. 
O reino da graça é interior: seu fim é a san­
ta felicidade que resulta da união com Deus. 
Em duas coisas consiste êste reino, quanto à 
sua prática : 
Da direção do rei e d:J. dependência dos súdi­
tos; em outros termos, dos caminhos de Deus para 
as almas e dos das almas para Deus. 
Há duas espécies de vontades: a da ordem po­
sitiva e da simples permissão. 
Consola e aflige - Acaricia e castiga - Ins­
pira terror e confiança. 
Os caminhos das allhas para Deus são a de­
pendência, a humildade, a resignação, o abandono 
de todo cuidado, a mortificação do amor-próprio, 
a pureza do coração. 
· 
Quanto mais se tem dessas santas desposições, 
mais se estabelece na alma o reinado de Deus. 
As excelências desse reino são a sabedoria do 
rei, sua potência, sua bondade, a nobreza dos sub­
ditos, a paz e a segurança, a liberdade, os bens e 
os prazeres de que se goza. E ainda que o reino 
de Deus ultrapassa infinitamente os da terra. 
62 L I': O N ll E H O N
Qual a diferença entre o reino da graça e o 
do pecado? 
Compete-nos escolher entre um e outro, saben­
do-se que a salvação consiste em nos retirarmos do 
pecado e entrarmos na graça ; e a perfeição de fa­
zer morrer a lei do pecado e da carne, e viver 
·segundo as leis do espírito.
11 - Da conduta do reino de Deus
1.') - A primeira operação de Deus na dire­
ção de seu reino é, segundo S. Dinis, purificar as 
almas; a multidão das suas faltas e defeitos. 
Para isto, põe-nos no coração o nosso próprio 
conhecimento. 
A grandeza e a gravidade desses males, o que 
é muito importante conhecer para os corrigir e para 
que nos humilhemos. 
Deus, que é a luz, começa a reinar expulsando 
as trevas do pecado. 
tle purifica a alma do pecado atual e do há­
bito do pacado, e da obrigação de sofrer a pena do 
pecado, da corrupção da própria natureza e da 
imperfeição do ser criado que, todavia, não se aper­
feiçoa senão na outra vida. 
2.') - A segunda operação de Deus, no go­
vêrno do seu reino, é ensinar às almas a ciência dos 
Santos que é a única verdadeira. 
As outras ciências, tomadas em si e sem rela­
ção nenhuma com a glória de Deus, levam ao or­
gulho, ao desatino e ao erro. 
Deus é bem diferente dos mestres da terra : 
êstes só instruem o entendimento. Suas luzes dei-
A VfDA INTERIOR 
xam frio o coração. Deus pode mover a vontade, 
sua sabedoria traz calor. 
Os mestres da terra não instruem senão pelo> 
discursos e raciocínios. Deus faz compreender a 
verdade num momento e por um simples dese.io. 
Os mestres da terra não podem dar inteligên­
cia a quem não a tem. neus tem poder para isso, 
basta querer. 
III - Da fe(icidade do reino de Deus. 
1.0) - Os súditos do rC"ipo de Deus são ver­
dadeiramente reai�: "Fecisti nobis regnum et re­
gnabimus". Três coisas acompanham a realeza : a 
dignidade, as riquezas, os prazeres. Ou, possuem 
excelentemente essas três vantagens as almas nas 
quais Deus estabeleceu o seu reino. 
2.•) - O seu estado é de uma eminente digni­
dade : obedecem imediatamente a Deus e não de­
pendem interiormente senão d'J);le. 
J'êni liberdade completa e um pprfeito domí­
nio sôbre o mundo, a carne e o demônio. 
Andam de cabeça erguida e só pensam em 
Deus. 
3,•) - As riquezas desse reino são incompre­
ensíveis : "inve·stigabiles divitias Christi"; abun­
dância de sabedoria, de ciência, de luz, plenitude 
dos grandes sentimentos de Deus e das coisas divi­
nas e a própria posse de Deus. 
4.•) -Os prazeres, as delícias, ns doçuras, as 
consolações, a paz que se saboreia no reino de 
Deus, ultrapassam 'tudo que o coração pode dese­
jar e tudo que o espírito pode conceber. 
64 L ll O N D E H O N
IV Do reino inferior de Deus, sua prática e os
meios de estabelecê-lo em nós,
Para estabelecer em nós o reino de Deus de­
vemos fazer três coisas : 
1.') - E' preciso banir do nosso coração todo
outro dmnínio que não o de Deus, e nos tornar-nos 
Evres das afeições que nos submetem às criaturas : 
Quer-se de ordinário unir o reino da graça COin 
o do pecado.
Procuram-se temperamentos para harmonizar 
as leis de um com as do outro. 
Daí vem que o estado comum do homem é 
cheio de perturbações e muito dividido. 
"Ninguém, diz N. S., pode servir a dois senho­
res". 
Deus quer reinar sozinho nos corações : é pre­
ciso, portanto, expulsar deles os objetos que os do­
minam, prejudicando-os, por uma afeição desre­
grada. 
O meio de os reconhecer é observar liiJ:a onde 
nossos pensamentos se dirigem ordinàririmente, c 
qual a energia das quatro paixões de que nos res­
st·ntimos mais : a alegria, a tristeza, o desejo e o 
medo. 
• 2.') - Depois de ter conseguido o domínio
das criaturas é preciso que se ligue à direção de 
Deus por uma estreita dependência, que exige nos 
abandonemos a �!e sem reserva e sem cuidado do 
futuro ; que deixemos nossos afazeres e interesses 
nas mãos de Deus, sobretudo no que concerne à 
obediência, não nos dando nenhum movimento e 
nos deixando governar como uma pequena crian­
�a; que nos ofereçamos livremente a tôdas as von­
tades futuras de Deús, e que nos resignemos com-
A VIDA INTERIOR 65 
pletamente às presentes, aceitando tudo de sua 
mão, sem que nos lastimemos, e sem nos permitir 
desejar outra coisa. 
3.•) - Em tudo isto é preciso proceder duma 
certa maneira no in teria r e levar uma vida, não 
sOmente boa, mas verdHdeiramente interior, domi­
nando todos os movimentos do nosso coração pelo 
instinto de Deus. 
Esta conduta compreende três atos: 
O primeiro é consultar, em tudo, o oráculo in­
terno e o espírito divino, do medo que· o espírito 
humano lhe anteceda. O segundo : cumprir com 
fidelidade o que êle ordena, pois do contrário êle 
se retira e se oculta. O terceiro : fazer, em tudo, 
o desejo de Deus, em homenagem ao seu Ser So­
berano, em união com

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