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Registro imagético na linha do tempo do Facebook como memória da marca1 Jefferson Jeanmonod de Azevedo Santana2 Universidade Municipal São Caetano do Sul Resumo Este estudo apresenta os resultados preliminares de uma investigação bibliográfica e empírica sobre como tecnologias surgidas nessas duas últimas décadas contribuíram para o surgimento de novas ferramentas artefatos para a memória de empresas principalmente no ciberespaço. Analisou-se a estrutura do site Facebook bem como percepção dos registros imagéticos em redes sociais da marca como memória. Conclui-se que a “Linha do Tempo” para o registro imagético é um artefato importante no Facebook para a manutenção da memória por meio de seu poder de arquivar os fatos ocorridos de forma ilimitada. Palavras chave: Comunicação; Comunidades virtuais; Facebook; Imagem; Memória. Introdução Na transição entre o século XX e XXI presenciamos uma mudança da estrutura da nossa sociedade acelerada pelo surgimento de novas tecnologias e meios de comunicação. A sociedade da produção deu lugar ao do consumo, uma sociedade aonde consumir novidades, tecnologias, novos produtos, está ligado intrinsicamente com o ideal de ser contemporâneo e com a identidade de um indivíduo ligado ao seu tempo e possuidor de autoestima elevada. Novos meios de comunicação transmitida via rádio, satélite e cabos transformam o sentido de tempo e espaço. Nunca foi tão fácil falar de forma rápida com pessoas que estão a distâncias tão longas. Segundo Zygmond Bauman (2011) as conexões, as relações, 1 Trabalho apresentado no GT 10: Publicidade e Comunicação Organizacional em Memória, Simpósio Internacional de Comunicação e Cultura: Aproximações com Memória e História Oral, realizado na Universidade São Caetano do Sul, São Caetano do Sul – São Paulo, de 27 a 30 de abril de 2015. 2 Mestrando da Universidade Municipal São Caetano do Sul, São Caetano do Sul-SP, e-mail jefferson.santana21@etec.sp.gov.br. 2243 a interdependência, as comunicações estão espalhadas pelo mundo, não estão mais ligadas a uma localidade. Esta realidade muda o “significado da vida, propósito de vida, felicidade de vida” (BAUMAN, 2011) o que obriga o sujeito deste mundo atual a se reinventar constantemente, criando e recriando sua identidade de acordo com novos atrativos criados pelo mercado (produtos, serviços, empresas, etc.). O indivíduo é impactado constantemente com imagens publicitárias de marcas. “Desde a publicidade televisiva ao café da manhã até as últimas notícias no telejornal da meia-noite - está permeada de mensagens visuais, de uma maneira tal que tem levado os apocalípticos da cultura ocidental a deplorar o declínio das mídias verbais" (SANTAELLA; NÖTH, 2001 p. 13). Segundo Manuel Castells em seu prólogo (1999, p. 21): Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação está remodelando a base material da sociedade em ritmo acelerado. Economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global, apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a sociedade em um sistema de geometria variável. Neste contexto surgem as comunidades virtuais que se utilizam de sentimentos de pertença e identidades para comunicar-se nas redes sociais digitais: agrupamento de pessoas com comportamento em comum, entre eles o comportamento de consumo. O relacionamento social transpõe o mundo físico e passa a ter novo significado no ciberespaço, no mundo virtual. As pessoas, por meio das redes de relacionamentos sociais digitais, compartilham com pessoas que se identificam no ciberespaço suas histórias, fotografias, informações, ideias, localizações e contatos, enfim, convertem esses sites em um mapa detalhado de suas vidas. Isso levou a empresas a buscarem nas redes sociais digitais uma nova forma de publicidade, por exemplo o site Facebook tornou-se uma grande oportunidade de comunicação com seu público comum chamando-os a fazer parte da comunidade virtual da marca. As empresas fazem por meio das redes sociais digitais registros imagéticos da marca por meio de fotografias, ilustrações, mensagens, gravuras, vídeos, etc. Daí vem a 2244 questão: Podemos perceber os registros imagéticos em redes sociais da marca como memória? Neste breve estudo procuramos ter uma compreensão inicial de alguns conceitos e características das comunidades virtuais, delimitamos o Facebook como a comunidade virtual do estudo e sua relação com a comunicação corporativa e o registro imagético como memória das marcas. Relação entre comunicação e comunidades virtuais Para Raymond Williams (2007, p. 102) a comunicação é tornar comum a muitos, partilhar: “Comunicação foi, primeiro, a ação e, depois, desde o final do século XV, o objeto assim tornado comum: uma comunicação”. Foi no século XVII que houve uma grande ampliação dos conceitos de comunicação ampliando para ideias sobre meios: meios de comunicação, especialmente em expressões como linhas de comunicação, referindo-se as ferrovias que levaram e traziam comunicados, produtos, informações, cartas, pessoas, imagens, ideias, livros, enfim: comunicação com outras localidades. Porém, Foi no século XX, com o desenvolvimento de outros meios de transmitir informação e manter contato social, que comunicação passou também, e talvez predominantemente, a referir-se a mídia, segundo Williams. A comunicação torna-se mais rápida e conceitos de espaço e tempo começam a sofrer grandes transformações. Essas transformações são agilizadas ainda mais com o surgimento de novas tecnologias, depois da linha férrea, as ondas de rádio nos aparelhos de radiodifusão transmitiam primeiro som (rádio), depois imagem associado ao som (TV). Hoje a “indústria das comunicações distingue-se em geral da indústria do transporte: comunicações para informações e ideias, na imprensa, na radiodifusão”. Essa comunicação tornou-se ainda mais rápida, em real time, simultâneo com o recente surgimento de satélites, computadores e agora cabos de fibra ótica. As novas tecnologias de comunicação, principalmente as mediadas por computadores, possibilitaram uma transformação da percepção de espaço e tempo. Cecília Peruzzo menciona que (2001, p. 15) antes eventos simultâneos só aconteciam ao 2245 mesmo tempo se fossem no mesmo local: “Simultaneidade pressupunha localidade: ‘o mesmo tempo’ exigia ‘o mesmo lugar’”. Essas novas tecnologias transformam as dimensões de espaço e tempo pois elas possibilitam o envio de “conteúdo simbólico” cada vez mais rápido para distâncias cada vez maiores. Esse meio de comunicação possibilitou encontros e eventos simultâneos mesmo sendo em localidades remotas por meio dos computadores e das redes digitais. Esses eventos normalmente traziam consigo muitos dos elementos comunitários como sentimento de comunhão, compromisso, objetivos comuns e isso possibilitou a transformação de elementos básicos da vida comunitária propiciando o surgimento de comunidades virtuais, especificamente na era do ciberespaço. Segundo Cicilia Peruzzo (2009, p. 139-152): Muitos foram os pensadores a se debruçarem sobre o conceito “comunidade”. Poderíamos, a título de exemplo, citar alguns clássicos como Ferdinand Tönnies (1973, 1995), Max Weber (1973), Robert A. Nisbet (1953), Martin Buber (1987), Talcott Parsons (1969), além de contribuições mais recentes, como as de Zygmunt Bauman (2003), Gianni Vattimo (2007), Roberto Espósito (2007), Davide Tarizzo (2007), Manuel Castells (1999), Marcos Palácios (2001), Raquel Recuero (2003), além de Cicilia Peruzzo (2002) e Raquel Paiva (2003), entre outros, que procuram relacionar os conceitos de “comunidade” à comunicação. Para Martim Buber (apud PERUZZO, 2001) as comunidades primitivasevoluíram, potencialmente ligada ao sangue, passando pela escravidão da sociedade e chegará à um novo modelo. Este novo modelo de comunidade não terá mais laços de sangue e sim laços de escolha. Já Raymond Williams (2007, p. 103), por exemplo, define comunidade como grupos sociais reais, “os comuns” ou “pessoas comuns”. A comunidade tem a condição de possuir algo em comum, uma qualidade específica e íntima de relação, como em comunidade familiar, comunidade de interesses, comunidade de bens. A comunidade tem senso de identidade e características comuns, como por exemplo a linguagem, cultura, espiritualidade e consumo. 2246 Segundo Manuel Castells é justamente nas condições globalizantes do mundo que: “As pessoas resistem ao processo de individualização e atomização, tendendo a agrupar- se em organizações comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de pertença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural, comunal” (apud PERUZZO 2001, p. 143). Para Peruzzo (2001, p. 144) alguns pontos comuns dos conceitos de comunidade são: “processos de identidade, objetivos e interesses em comum, bem como a participação em prol desse objetivo e o sentimento de pertença, oriundo da identidade em questão”. Segundo a pesquisadora as comunidades não precisam mais ancorar-se em uma localidade geográfica, elas podem criar identidade e objetivos comuns entre os participantes, sentimento de pertença, compartilhamento de interesses por meio de computadores em redes ou ainda no ciberespaço: Por outras palavras, a configuração de comunidade não precisa restringir-se a demarcações territoriais geográficas, podendo as pessoas estarem cultivando relacionamentos e compartilhando interesses, identidades etc. também através das ondas eletromagnéticas, do ciberespaço ou rede de computadores. Surgem assim as comunidades virtuais cujas relações se concretizam através da CMC- Comunicação Mediada por Computadores (cf. PERUZZO, 2001). Entre as ferramentas que possibilitaram comunicações medializadas por computadores desenvolvendo esta interação comunitária temos o Facebook, um site e serviço de rede social fundada em 2004. Se compararmos a quantidade de população virtual do Facebook (1,23 bilhão em 2014) com a população real dos países existentes no planeta poderíamos dizer ele é o segundo mais populoso do mundo, perdendo apenas para a China com 1,3 bilhão de habitantes. No Facebook estas quantidades expressivas de pessoas postam mensagens sobre os mais diversos assuntos, seus sentimentos e pensamentos, se encontram, marcam eventos, conversam, postam imagens, mensagens, informações, se agrupam, curtem, compartilham, etc. Neste ambiente do ciberespaço por meio de uma comunicação e linguagem comum os indivíduos percebem suas identidades, se agrupam por causa delas 2247 e de interesses, passam a nutrir sentimento de pertença, pontos que configuram uma comunidade virtual. O Facebook e o registro imagético como memória Parte do sucesso do Facebook vem da simplicidade do seu design social, termo criado pelos próprios funcionários do site, e de sua interface intuitiva. Sobre a acessibilidade do design do site, Caio Favero Marchi (in SANTAELLA (org.), 2014, p. 167) afirma: “O conceito em questão possibilita que um estudante de 13 anos, residente na cidade de São Paulo, utilize os serviços oferecidos pelo Facebook da mesma forma que uma advogada norte-americana com 60 anos de idade”. Em 2007 o Facebook passou a utilizar-se de ferramentas com foco mercadológico, possibilitando que empresas criassem páginas dedicadas às suas marcas e as chamou de Facebook Pages (MARCHI, 2014, p. 168). Este recurso propiciou a exploração do Facebook pelo mercado e contribuiu para aproximação de empresas e consumidores no ambiente virtual por meio de comunidades virtuais. O aplicativo se configura em uma comunidade virtual, pois, como vimos anteriormente no conceito de Williams, comunidade possui a capacidade de possuir uma característica em comum, uma qualidade específica e íntima de relação. No caso do Facebook Pages, as marcas despertam nos seus seguidores sentimento de pertença, além de aproximar pessoas com características comuns de consumo contribuindo para a construção de identidade da marca e dos consumidores como indivíduos, sujeitos envolvidos e participantes da comunicação dentro do ambiente virtual. Uma outra ferramenta já mais vista em sites de relacionamento, que propiciou uma experiência para a memória do indivíduo e de empresas, foi a Linha do Tempo, introduzia no design do Facebook em 2011, depois do botão curtir, implementado em 2007. Foi, segundo Marchi (2014), uma das mais relevantes modificações na história dos sites de redes sociais. Sobre a linha do tempo, um dos fundadores do site, Mark Zuckerberg, afirmou que a ferramenta era “uma maneira de colocar toda a sua vida on- line, a sua história no Facebook” (MARCHI, 2014, p. 168) de forma a não perder 2248 nenhuma imagem, frase, comentário ou postagem. Uma linha cronológica da vida do indivíduo e das empresas armazenada e postadas no ciberespaço sendo compartilhada e divulgada para sua rede social on-line. A linha do tempo organiza os posts de indivíduos e empresas sejam textos, fotografias, links e vídeos. Estas informações são disponibilizadas de forma cronológica, com data e hora possibilitando ao usuário da rede social digital ter uma ferramenta de memória de suas ações no ciberespaço. A estrutura do Facebook Pages é de um design simplista baseado em grids com predominância do azul característico da rede social. Contudo na parte superior ela é personalizada com imagem com proporções que lembra uma faixa, denominada “capa de perfil”, que mede 849 pixels (px) por 312px. Na capa de perfil o usuário do site pode curtir a página, isso significa que ele quer participar da comunidade ligada à marca e com isso receber informações e imagens bem como interagir com outros membros da comunidade e com a própria empresa. Do lado esquerdo tem um outro quadro medindo 180px por 180px para registro imagético denominada “foto do cabeçalho” que, segundo Zuckerberg, é “a imagem que diz quem você é” (MARCHI, 2014, p. 168). Abaixo desta estrutura existe o menu de navegação do Facebook Pages com os itens: linha do tempo, sobre, fotos, avaliações e mais. A Linha do Tempo, em inglês timeline, é um artefato que narra eventos em ordem cronológica, normalmente apresentada com a ilustração de uma reta que representa a evolução do evento é intersectada por retas menores perpendicularmente aonde é descrita por meio de desenhos e escrita o que aconteceu naquele período. A Linha do Tempo do Facebook Pages se assemelha a descrição anterior inserida, ela possui uma estrutura baseada em grid aonde é possível registrar texto, imagem, vídeos, links ou mais que um destes. Cada registo apresenta na parte superior o nome da empresa, local, data e hora da publicação. Na parte inferior do grid de postagem encontramos opções de interação com o indivíduo pertencente a comunidade virtual propiciando a elas a possibilidade de interagir por meio de manifestações de curtir, que tem ideia de aprovação, tecer comentários sobre a publicação ou ainda compartilhar para seus “amigos” do Facebook aquela mensagem da marca. Esta ferramenta, por causa da interação e compartilhamento 2249 de ideias e de identidade, desenvolve no sujeito que segue a comunidade da marca um sentimento de pertença, pois ele pode comunicar com outros membros exprimindo apoio ou não ao artefato postado, mantendo uma comunicação comum. No lado direito da linha do tempo ainda há a possibilidade de ver de forma rápida postagens por ano de registodo conteúdo. A importância da linha do tempo para o registro imagético como artefato histórico e de conservação da memória da marca é apresentada nesta ferramenta de comunicação e informação. O conceito de “Registro imagético” vem de imagem e por isso se faz importante entender alguns conceitos de imagem. A imagem e sua relevância como memória O sentido mais antigo de imagem, tanto no inglês ou em latim, segundo Willians (2007, p. 219), referia-se a uma figura ou semelhança física. Tal conceito ainda serviu ao desenvolvimento do sentido de fantasma, concepção ou ideia. No século XVII, ela fixou- se em discussões para indicar “figura” da escrita ou do discurso. Os usos de imagem anteriormente citados foram superados pelo termo usado em publicidade que acarreta do significado de “reputação percebida”, como imagem da marca comercial ou ainda com a preocupação dos políticos com sua imagem perante os eleitores. Para Lucia Santaella e Wilfried Nöth (2001, p.15) o mundo das imagens divide- se em dois domínios: o primeiro é das imagens como representações visuais (desenhos, pinturas, gravuras, fotografias) e o segundo é do fenômeno imaterial das imagens na nossa mente (fantasias, imaginações, esquemas). Estes domínios não existem separadamente, são intrinsicamente ligados já na sua origem: “Não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais”. Para este estudo concordo com Santaella e Nöth que a imagem é signo e representação. A representação está “entre apresentação e imaginação e estende-se, assim, a conceitos semióticos centrais como signo, veículo do signo, imagem 2250 (‘representação imagética’) assim como significação e referência” (SANTAELLA; NÖTH, 2001). Representação é definida como o processo de apresentação de algo por meio de signos. Clotilde Perez (2004, p. 147) também se debruça sobre a questão da imagem e conceitua imagem como um conjunto de signos distribuídos em um espaço concreto, visual ou no pensamento. Segundo Perez a imagem é um dos campos mais férteis da semiótica, pois a imagem pode ser a concepção plástica de um objeto, de um momento, e evoca uma aproximação com o que ela representa por semelhança ou significado. É a imagem se conecta “um conjunto de experiências, impressões, posições e sentimentos que as pessoas apresentam em relação a algo, no nosso caso a uma empresa por meio da marca, fotografia, vídeo, publicidade etc”. A marca, quando construída sobre base sólida e consistente, é capaz de sintetizar aspectos físicos, funcionais, emocionais e estéticos ligados a um universo de produtos ou serviços, afetando a percepção do público e conquistando um espaço exclusivo na mente dos consumidores (CIMATTI, 2006, p. 3). A sintetização das marcas em aspectos emocionais, citado por Marcela de Castro Bastos Cimatti muitas vezes é publicada na Timeline do Facebook por meio de fotografias e mensagens inseridas na rede social digitais pela própria empresa de maneira a sistematizar e criar lembrança e por consequência memória (Figura 1). 2251 Figura 1 – Post da WMcCann em comemoração ao dia do publicitário no dia 01/02/2015 A linha do tempo do Facebook Pages dá um sentido de organização da memória não vista anteriormente nas redes sociais digitais, pois a memória que era falível por doenças como amnésia (cf. LE GOFF, 2003, p. 426), portanto instável e maleável por meio da “memória eletrônica, no caso do armazenamento de informações e imagem no ciberespaço, pode em certos casos ser ‘ilimitada’”. Em um livro dedicado à memória, Jacques Le Goff (1990, p. 424) à define como a “propriedade de conservar certas informações”, um conjunto de funções psíquicas “que permite ao homem atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”. São nos aspectos da estruturação e auto-organização que descendem muitas concepções de memória: “O processo da memória no homem faz intervir não só a ordenação de vestígios, mas também a releitura desses vestígios” é importante salientar que estes possuem um “comportamento narrativo”. Na história as sociedades e comunidades criaram diversos artefatos ou objetos de memória: desde os primórdios da humanidade seja pela arte rupestre (pinturas em cavernas e pedras), narrativas orais ou pela criação de instituições-memória: arquivos, bibliotecas, museus criam artefatos cheios de significação que consistem em lembranças de memórias. 2252 Para Beatriz Sarlo (2005, p. 24) o campo da memória é um campo de conflito entre os indivíduos da história, dos conquistados e dos conquistadores, dos protagonistas e coadjuvantes, do comum e da inovação. Vivimos una época de fuerte subjetividad y, en ese sentido, las prerrogativas del testimonio se apoyan en la visibilidade que ‘lo personal’ ha adquirido como lugar no simplemente de intimidad sino de manifestación pública. Esto sucede no sólo entre quienes fueron víctimas, sino también y fundamentalmente en ese territorio de hegemonía simbólica que son los medios audiovisuales. Para Sarlo a memória desliza entre histórias e imagens. Muitos indivíduos recordam de eventos que dificilmente lembrariam se não fosse pelas histórias contadas por narrativas orais e de imagens registradas por pessoas que vivenciaram aquilo com eles. Exemplo quando os pais contam a história para seus filhos adultos de fotos da infância do segundo. O evento acaba por transpor na mente do indivíduo lembranças que de fato não são deles, mas de pessoas que presenciaram e viveram as histórias contadas e que registraram as imagens que representa aquele fato. La doble valencia de ‘recordar’ habilita el deslizamiento entre recordar lo vivido y ‘recordar’ narraciones o imagenes ajenas y más remotas en el tiempo. Es imposible (salvo en un proceso de identificación subjetiva desacostumbrado y que nadie juzgaria normal) recordar en términos de esperiencia hechos que no fucron experimentados por el sujeito. (SARLO, 2005, p. 125) Na sociedade do mundo globalizado os novos arquivos (arquivos orais e audiovisuais) adquirem relevância para a construção da identidade corporativa e identidade comunal dos seguidores das marcas. O ambiente virtual possibilita controlar esta memória tão estreitamente com os novos “utensílios de produção desta memória” (LIMA; AZEVEDO NETTO, 2013), nas redes sociais digitais, qualquer imagem que não agrada pode ser simplesmente deletada com pouco esforço e quase nenhum risco. No livro Memória e Identidade, o antropólogo Joël Candau, define memória como um ato coletivo, aonde para conservar a lembrança e para pensar é necessário memorizar de forma ordenada o mundo que quer se relatar. Esta ordenação é feita no momento da narrativa, e muitas vezes esta narrativa é reinterpretada com o tempo em que ela é 2253 ordenada. Por exemplo, a narrativa do que aconteceu agora não será a mesma se eu relembrar dela a alguém daqui a uma semana: “Pensar o tempo supõe classificá-lo, ordená-lo, denominá-lo e datá-lo” (CANDAU, 2014, p. 83). Na Linha do Tempo do Facebook, conforme relatamos, a imagem é ordenada, classificada por meio dos comentários e descrição e por fim datada, características de um artefato da memória, objeto de lembrança. O “tempo real” encerra uma ação sem memória, por isso a importância de ferramentas como o Facebook Pages para o registro imagético como memória. De artefatos que ajudem a lembrar e que tenha memória “ilimitada”. Para Rosa Cabecinhas (2006, p.6) a memória é “como um produto social construído nos processos comunicativos”, mesmo com o tempo eespaço com singular transformação neste mundo em processo acelerado de globalização, e as pressões para a cultura de massa os meios de comunicação em massa publicam ideias de “preservação da identidade cultural própria, valorizando as suas tradições, usos e costumes, e definindo o seu ‘lugar singular’ no mundo”. Nesta perspectiva a memória não é “como algo meramente individual, mas como um processo social, que depende das pertenças e redes sociais dos indivíduos”: O carácter social da memória resulta de vários fatores: o processo de recordar é social, dado que a evocação das recordações é feita a partir de dicas de contexto; os pontos de referência que cada indivíduo utiliza para codificar, armazenar e recuperar informação são definidos socialmente; e a memória individual não poderia funcionar sem conceitos, ideias, imagens e representações que são socialmente construídos e partilhados. Ou seja, a memória de cada indivíduo é social no seu conteúdo (eventos, personagens, etc.) e no seu processo (codificação, armazenamento e recuperação da informação). (CABECINHAS, 2006, p. 5) Uma empresa que tem uma página no Facebook possibilita a sua comunidade consumidora (colaboradores e clientes) uma forma de entender a história da organização no menu “Sobre”. Na “Linha do Tempo” as imagens lembram de eventos que acontecerão bem como tendências de consumo de seus produtos e do tempo real, das coisas que acontecem na empresa. Em “Fotos” é possível relembrar fatos e eventos passados em 2254 conjunto com a “Linha do Tempo” traçar minuciosamente detalhes, datas, locais e eventos importantes para a história da empresa permitindo que essa comunidade interaja e participe sem condição de tempo e local dessas lembranças (Figura 2). Figura 2 – Leiaute do Facebook Pages da versão 2014/2015 da Rede Casa Nobre Segundo Jacques Le Goff (2003, p. 467) a fotografia “revoluciona a memória, pois multiplica-a e democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a memória do tempo e da evolução cronológica”. A “Linha do Tempo” acelera esta experiência pois conectado a ferramentas de geolocalização (processo de localização geográfica de determinado objeto espacial através da atribuição de coordenadas) possibilita uma organização de localidade, data entre outras informações que contribuem para guardar a memória dos fatos, bem como seus significados (Figura 3). 2255 Figura 3 – Layout do post na Time Line do Facebook Pages contendo geolocalização, data, hora, imagem e textos da Rede Casa Nobre Considerações Finais Como pudemos observar os conceitos de comunidade sofreram grandes transformações principalmente nos dois últimos séculos devido a globalização e o surgimento de novas tecnologias de informação e comunicação. A memória pode ser preservada por meio de pinturas primitivas em cavernas, da história oral e do registro imagético em redes sociais como o Facebook. Na última década a rede social digital Facebook desenvolveu diversas ferramentas para o armazenamento de informações pessoais, entre elas algumas para empresas como por exemplo o Facebook Pages e a Linha do Tempo. Podemos concluir que a “Linha do Tempo” para o registro imagético é um artefato importante no Facebook para a manutenção da memória por meio de seu poder de arquivar os fatos ocorridos de forma ilimitada. Porém a marca consegue construir e editar as informações no Facebook de forma rápida dando à sua propaganda mecanismos de dicotomização da mensagem, “procurando salientar que há apenas um caminho a seguir, rejeitando qualquer moderação” (CABECINHAS, 2006). 2256 Referências CANDAU, Joël. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2014. CASTELLS. M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. DIÁLOGOS COM ZYGMUNT BAUMAN. Fernando Schüler e Mário Mazzilli. Leeds, UK. Fronteiras do Pensamento, 2011. 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