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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I GISELE FADIGAS MACHADO OS CONTOS DE FADAS E A FORMAÇÃO MORAL DA CRIANÇA SALVADOR 2011 GISELE FADIGAS MACHADO OS CONTOS DE FADAS E A FORMAÇÃO MORAL DA CRIANÇA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em pedagogia com habilitação em Educação infantil da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, sob orientação da Profª. Maria de Fátima V. Noleto SALVADOR 2011 FICHA CATALOGRÁFICA : Sistema de Bibliotecas da UNEB Machado, Gisele Fadigas Os contos de fadas e a formação moral da criança / Gisele Fadigas Machado . – Salvador, 2011. 64f. Orientadora: Profª.Drª. Maria de Fátima V. Nolêto. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2011. Contém referências e apêndices. 1. Educação de crianças. 2. Contos de fadas. 3. Prática pedagógica. 4. Atividades criativas na sala de aula. I. Nolêto, Maria de Fátima V. II.Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação. CDD: 372.2 GISELE FADIGAS MACHADO OS CONTOS DE FADAS E A FORMAÇÃO MORAL DA CRIANÇA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em pedagogia com habilitação em Educação infantil da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, sob orientação da Profª. Maria de Fátima V. Noleto Avaliado em 18 de Março de 2011 Conceito:_______________________ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Profª. Maria de Fátima V. Noleto (UNEB-SALVADOR/BA) ____________________________________________________________ Profª. Adelaide Rocha Badaró (UNEB-SALVADOR/BA) ____________________________________________________________ Profª. Rilza Cerqueira Santos (UNEB-SALVADOR/BA) SALVADOR 2011 Dedico esse trabalho aqueles que acreditam e se esforçam para a literatura infantil assuma seu lugar nas salas de aula, não só como um “calmante” ou como uma simples tarefa com fins pedagógicos, mas sim com uma libertadora de mentes e criadora de pensadores. AGRADECIMENTOS Hoje se encerra mais um circulo da minha vida e outro se inicia cheio de alegria, esperança e tantas outras coisas que nem consigo descrever. Quero agradecer primeiro a Deusa por me acompanhar e guiar por todo percurso. Aos meus filhotes Vítor e Sophia, por me proporcionarem momentos fantásticos junto ao mundo dos contos maravilhosos, e principalmente pela paciência, por me aturar mal humorada e estressada. Vocês são minha vida e mamãe ama muito vocês! Ao meu avô Jayme e aos meus pais Abílio, Marly e Nadir por incentivarem sempre a leitura e despertarem em mim o amor pelos Contos de Fadas e pela literatura em geral. A meus irmãos Otávio José e Sonia Cristina, meus sobrinhos Daniel e Vinicius e minha cunhada Andrea. A todos meus queridos e amados amigos, principalmente Gina, Fernanda, Daniela Teixeira, Daniela Freitas, Pâmyla, Larissa, Arisméia, Neilza, Daniele e Caio pelos dias e noites de estudo e pela diversão dentro e fora da UNEB. E especialmente a Edu, sem você eu enlouqueceria. Aos mestres que me guiaram ao longo dessa jornada, em especial a Sebastião Heber, Adelaide Badaró, Heloisa Lopes e minha orientadora Fátima Noleto, exemplos de como quero ser quando crescer. E talvez as pessoas mais importantes e que sem elas nunca conseguiria desenvolver esse trabalho, Charles Perrault, Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, Hans Christian Andersen por trazerem para as paginas dos livros os contos da tradição oral de diversos povos. . Enfim, meu muito obrigado aqueles que estiveram e estão presentes na minha vida. Amo incondicionalmente e irrevogavelmente todos vocês! “Se a educação é a arte de cada um se relacionar com outrem e a pedagogia a arte de ensinar as letras, o sonho é a arte de relacionar os outros com os fantasmas e os fantasmas com as palavras. Se o sonho não nos ensinasse a fabricar dragões e a matar dragões, como havíamos de aprender as palavras e as letras que nos explicam que não há dragões para matar? Não se pode ensinar a arte de matar dragões porque não há dragões para matar....mas quando a nossa fantasia nos diz que eles existem, não temos outro remédio senão aprender a matá-los....” (João dos Santos, O falar das letras) RESUMO Este trabalho busca verificar a importância dos contos de fadas na formação moral da criança, bem como seu uso e sua importância nas salas de aula de educação infantil, tendo como referência os diversos teóricos estudados, como Coelho, Bettelheim, Amarilha, Abramovich entre outros. Visando assim fazer um passeio pelo assunto e dessa forma repensar os contos de fadas, como instrumento auxiliar nas diversas práticas pedagógicas. Assim, a pesquisa propôs-se a analisar de que forma esse gênero contribui no processo de construção da formação moral das crianças, bem como sua relação com o processo de escolarização. A abordagem metodológica foi qualitativa e quantitativa, fundamentada na pesquisa de campo realizada com as professoras da rede publica e privadas de Salvador e Lauro de Freitas, alem das entrevistas realizadas com crianças de cinco a oito anos de idade, e na revisão de literatura. Os resultados obtidos foram satisfatórios, pois foi possível constatar-se que em grau maior ou menor, o trabalho com os contos de fadas tem a capacidade de influenciar e enriquecer o conhecimento de mundo das crianças, garantindo assim, a construção dos valores morais pelas mesmas. Esperam-se, com os resultados dessa pesquisa, gerar conhecimentos acerca da amplitude de se trabalhar os contos de fadas com as crianças de forma lúdica e criativa, e no campo acadêmico, estabelecer uma reflexão entre os professores de educação infantil, e com os pais, sobre a abrangência e importância dos contos de fadas na formação de nossas crianças. Palavras-chave: Educação Infantil - Contos de fadas - Formação Moral - Práticas pedagógicas. ABSTRACT This paper seeks to verify the importance of fairy tales the moral development of children, as well as its use and its importance in the classroom in kindergarten, with reference to several theoretical studies, such as Coelho, Bettelheim, Amarilho Abramovich among others. Thus aiming to make a tour of subject and thereby rethink the fairy tales as an aid in education practices. Thus, the survey aimed to examine how this kind contributes in the building process of moral formation of children as well as its relationship with the school process. The methodological approach was qualitative and quantitative, based on field research conducted with teachers from public and private Salvador and Lauro de Freitas, apart frominterviews with children aged five to eight years old, and literature review. The results were satisfactory, since it was established that in greater or lesser degree, work with the fairy tales have the ability to influence and enrich the knowledge of the world of children, thus guaranteeing the construction of moral values for the same . Are expected, with the results of this research, generate knowledge about the extent of working fairy tales with children in a playful and creative, and in the academic field, to establish a debate between kindergarten teachers, and parents on the scope and importance of fairy tales in the formation of our children. Key Words: Kindergarten - Fairy Tales - Moral Formation - Pedagogic Practices. SUMARIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 12 1 OS CONTOS DE FADAS ....................................................................................... 15 1.1 A GÊNESE DOS CONTOS DE FADAS .................................................................... 16 1.2 A MORFOLOGIA DO CONTO ............................................................................... 20 1.3 A RELAÇÃO DA CRIANÇA COM O CONTO DE FADAS ................................. 22 1.4 OS CONTOS DE FADAS E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS .............................. 25 2 A FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL NA CRIANÇA ........................................... 27 2.1 CONCEITO DE ÉTICA E MORAL ........................................................................ 27 2.2 A FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL SEGUNDO PIAGET ..................................... 28 2.3 A CRISE ETICA E MORAL NO MUNDO MODERNO ........................................ 31 2.4 ÉTICA E MORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL SEGUNDO OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS E O REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL ..................... 33 3 OS CONTOS DE FADAS COMO AGENTE DA FORMAÇÃO MORAL NA CRIANÇA ................................................................................................................ 36 3.1 ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................... 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 57 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 58 APÊNDICE ..................................................................................................................... 61 APÊNDICE I - QUESTIONARIO APLICADO COM AS PROFESSORAS ........... 62 APÊNDICE II - ENTREVISTA COM AS CRIANÇAS .............................................. 64 LISTA DE ILUSTRAÇÕES ILUSTRAÇÃO 1 – Ariel - Desenho de Angélica, 5 anos ................................................. 50 ILUSTRAÇÃO 2 – Ariel e Eric - Desenho de Vinicius, 5 anos ...................................... 51 ILUSTRAÇÃO 3 – A Bela e a Fera dançando - Desenho de Sophia, 6 anos .................. 52 ILUSTRAÇÃO 4 – A Bela e a Fera dançando - Desenho de Karine, 8 anos ................... 53 ILUSTRAÇÃO 5 – Rapunzel e o príncipe - Desenho de Camila, 8 anos ........................ 54 12 INTRODUÇÃO Tratar da aprendizagem da criança começa quando ela nasce e segue por toda sua vida, mas é nos primeiros anos que a personalidade e o caráter delas começam a serem moldados, é a partir dos 4 anos que elas começam a procurar entender o que esta acontecendo com elas e com o mundo a sua volta e é nessa questão que a literatura infantil pode ser utilizada como instrumento, pois os contos utilizam como base de suas histórias os maiores conflitos da humanidade, falando sobre amizade, amor, solidariedade, ética, medo, desejo, ódio, perigos, morte, luta entre o bem e o mal, etc. e muitas outras questões que formam um indivíduo. Sendo assim, compartilhar um conto de fadas significa deixá-lo fluir, possibilitando que o professor e o aluno experimentem emoções novas. Significa também um outro modelo de educação que acolha o maravilhoso, a fantasia e a criatividade, para que os professores possam dividir com as crianças seu conhecimento e enfrentar a incerteza e o desconhecido tendo a literatura infantil e os contos de fadas como um meio de socialização, um instrumento que os ajude a inserir as crianças no mundo. O objetivo desse trabalho é analisar a importância dos contos de fadas como instrumento de formação moral e autoconstrução, procurando identificar nos contos de fadas seu caráter plurifuncional, enumerar os diversos campos onde podem ser empregados e como eles estão sendo utilizados na educação, descrever a relação ficção-realidade para as crianças, além de apontar as relações entre a leitura dos contos de fadas e a constituição moral, ética e emocional da criança. A escolha do tema literatura infantil e conto de fadas foi baseado em experiências pessoais da infância, onde estavam sempre presentes no ambiente familiar e escolar e foram um dos principais pontos de partida para a autoconstrução e formação pessoal, pois eram extremamente ricos de informações, mostrando problemas e indagações do dia a dia, tudo isso de forma fantasiosa e até fantástica, mas sempre dando uma base para aprendermos a entender como viver e como funciona a vida em sociedade. A preocupação com essa temática surgiu no ano de 2007, quando cursava o 1º semestre do curso de pedagogia e seguiu nos semestres seguintes, principalmente após o primeiro contato com a sala de aula e notar a falta de interesse de alguns dos educadores e dos 13 educandos pela literatura infantil ou quando os mesmo os utilizavam na sala de aula como um instrumento de controle sobre as crianças, isso ocorre porque os contos de fadas são sempre bem recebidos pelas crianças, então eles recorrem aos contos, ou quando o tratavam apenas como um suporte didático para as aulas de linguagem, transformando-os em tarefas escolares, perdendo assim toda sua função lúdica e estética, deixando de lado toda sua magia fazendo com que as crianças associassem sua leitura com as tarefas escolares e passassem a não gostar de ler e também impedindo que as emoções proporcionadas pelos contos sejam vivenciadas plenamente pelas mesmas. Outro fator que levou a escolha dessa temática foi o censo escolar de 2000 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP onde mostra que os livros de literatura infantil são utilizados em 58% das creches do país e que seu percentual aumenta nos estabelecimentos da pré-escola para 64%, sendo assim podemos perceber que mesmo sabendo da importância da literatura infantil na aprendizagem e formação da criança, e que o incentivo a leitura deve ocorrer desde cedo tanto em casa quanto na escola, sendo dever dos pais e dos professores estimularem a criança a descobrir o mundo imaginário e fantástico dos livros, estes ainda buscam seu espaço nas casas e nas salas de aula. Essas situações inquietantes sugiram como ponto de partida para o desenvolvimento desse trabalho, onde pretende-se tratar a seguinte questão, a literatura infantil e principalmente os contos de fadas continuam a ser instrumento de formação cultural e autoconstrução para as crianças? Diante disso ainda podemosquestionar qual a relação da criança com a literatura infantil e principalmente os contos de fadas? E como os mesmos estão sendo utilizados nas escolas de educação infantil? Este trabalho fundamenta-se nos estudos realizados por Sennett (2003) trás á analise das mudanças que ocorreram entre as esferas da vida pública e da vida privada, como declínio de uma vida pública traz problemas ao homem moderno e contribui para mudanças significativas no meio urbano alem de quanto isso influencia na construção da própria noção de cidadania; Piaget (1994) que através de analises das respostas de crianças pesquisadas, analisa as regras do jogo social e a formação das representações infantis, além de traçar um perfil da formação moral da criança, seus estagio e como ele acontece em cada estagio; Propp (2010) faz uma analise morfológica dos contos maravilhoso, que nos identificar o conto maravilhoso e o conto de fadas através de fatores comuns nas historias; Merege (2010) que faz uma gênese 14 dos contos de fadas, além de classificá-los como patrimônio universal da humanidade, pois possui elementos comuns a diversas culturas; Bettelheim (2009) trás uma analise dos contos de fadas mais famosos, seus verdadeiros significados e como eles podem ajudar as crianças a lidar com o seu emocional e a construir seus valores, alem de que fazer a relação entre os conceitos psicanalíticos e as historias que são contadas para crianças, fazendo um contraponto entre o desenvolvimento da criança e os contos de fadas; Abramovich(2006) que faz uma analise dos livros destinados as crianças e como trabalhar literatura infantil em sala de aula; Amarilha (2004) que trás a importância dos contos de fadas na formação comunicativa, cognitiva e psicológica da criança e a inserção de praticas pedagógicas prazerosas em sala de aula; Coelho (2003) faz um apanhado histórico do contos de fadas, além de analisá-los como auxiliadores na formação da criança e nos mostra que a importância dos livros ainda hoje no mundo informatizado, como e por que ler os clássicos universais e que a imposição dos livro como leitura obrigatória não forma leitores e nem ajuda na formação da criança, entre outros, que nos mostram como a literatura infantil e principalmente os contos de Fadas podem ser usados na saúde da criança, seja para ajudá-la com problemas psicológicos ou na educação, seja para apenas ensiná-la a reconhecer o mundo em que esta inserida e com o qual divide seus ganhos e suas perda, seus valores morais e éticos, ou simplesmente ensiná-las o prazer de ler. Este trabalho trata-se de uma pesquisa de campo nas escolas da rede publica, situadas no município de Salvador e Lauro de Freitas, onde será aplicado um questionário com os docentes, este questionário será composto de 15 perguntas referente à literatura infantil com ênfase nos contos de fadas a pesquisa ocorrerá em um período de 30 dias. Serão também realizadas entrevistas e oficinas de contos de fadas com crianças entre quatro e oito anos de idade. Organizo este trabalho em três itens. O primeiro tratará dos contos de fadas, sua origem e criação, sua morfologia, o que faz da historia ser um conto de fadas, sua simbologia e seus arquétipos, sua função, sua importância no passado e nos dias atuais. O segundo trará a formação moral da criança, sua importância e necessidade nos dias atuais, como ocorrem o processo de formação moral. No terceiro item veremos a importância dos contos de fadas e formação moral da criança, os contos de fadas e as crianças, como elas lidam com as situações encontradas nas historias, a importância do jogo ficcional que os contos proporcionam, a visão do professor em relação ao conto de fadas e como ele o utiliza como recurso pedagógicos em sala de aula. 15 1 OS CONTOS DE FADAS Na Idade Média não existia a “infância”, não se escrevia para as crianças, não havia livros para elas. As crianças viviam inseridas no mundo adulto. Segundo Stone: Na sociedade antiga, não havia a “infância”: nenhum espaço separado do “mundo adulto”. As crianças trabalhavam e viviam junto com os adultos, testemunhavam os processos naturais da existência (nascimento, doença, morte), participavam junto deles da vida publica (política), nas festas, guerras, audiências, execuções, etc., tendo assim seu lugar assegurado nas tradições culturais comuns: na narração de historias, nos cantos, nos jogos. (STONE, 1979, p. 69-76) Porém, no inicio do século XVII varias mudanças começaram a ocorrer, pois os fundamentos políticos, econômicos, morais, culturais e sociais da sociedade antiga foram sendo superados. Isto aconteceu devido à ascensão da família burguesa, que passa a reivindicar formas mais concreta de vida, surgindo assim às primeiras preocupações com a educação das crianças pequenas essas preocupações resultaram do reconhecimento e valorização que a criança passou a ter no meio em que viviam, mudanças significativas ocorreram nas atitudes das famílias em relação às crianças que, inicialmente, eram educadas a partir de aprendizagens adquiridas junto aos adultos, isto ocorreu devido ao surgimento do “sentimento de infância”, isto é “a sociedade passou a ter consciência da particularidade infantil, particularidade essa que distingue essencialmente a criança do adulto.” segundo Ariés, (1981, p. 156) concedendo assim um novo status à infância. Com tudo isso precisava então haver mudanças, sendo que as duas mais importantes que podemos destacar são a reorganização da escola e a criação de um gênero literário especifica para as crianças, é em meio a todas estas transformações que nasce a literatura infantil. Podemos dizer que a literatura infantil é um dos gêneros literários mais recentes, já que os primeiros livros infantis surgiram no final do século XVII e durante todo o século XVIII e segundo Vitor Quelhas (2004) em sua entrevista “Viver com as fadas: A importância do conto de fadas” foi também nesta época que surgiram na Europa um dos segmentos mais importantes e significativos da literatura infantil: Os contos de fadas que surge do termo francês conte de fée que logo torna-se o fairy tale inglês. 16 1.1 A GÊNESE DOS CONTOS DE FADAS Narrar histórias é uma das praticas mais antigas do ser humano, tendo provavelmente origens na pré-história e se desenvolvendo com o passar dos anos, segundo Ana Lucia Merege: Desde o surgimento da linguagem, essencial para a cooperação e a sobrevivência dos primeiros grupos de caçadores e coletores, é provável que já houvesse algum tipo de relato, uma troca de informações ao menos, possivelmente fazendo não só o uso da palavra como de outros sons, gestos e mímica. Mais tarde, a linguagem se tornaria cada vez mais elaborada na medida em que o pensamento humano fosse crescendo em complexidade. (MEREGE, 2010, p. 16) Para Merege (2010) antes do surgimento da escrita as historias eram registradas através de sua memorização e transmitidas oralmente por anciões de ambos os sexos em reuniões ou ritos de passagem, algumas culturas tinham pessoas treinadas na arte da narrativa para passar essas historias adiante, assim as perpetuando por diversas gerações. Os contos de tradição oral, que eram parte das estórias e do folclore de vários povos, foram à base para os contos de fadas como conhecemos hoje, os tornando universais e herança cultural de diversas nações Segundo Nelly Novaes Coelho (2010, p.75) “foi na França, na segunda metade do século XVII, durante a monarquia absoluta de Luis XIV, o Rei Sol, que se manifestou abertamente a preocupação com uma literatura para crianças ou jovens” e que os contos de fadas são propriamente tidos como literatura infantil. Para Coelho (2010) a históriados contos de fadas começa com Charles Perrault (1628-1703) que pode ser considerado como o primeiro a publicar uma coletânea de contos infantis, em 1697 na França sobre o titulo de Contes de Ma Mére I’Oye, em português “Contos da Mãe Gansa” cuja à autoria de inicio foi atribuída a seu filho mais novo, Pierre Perrault D’Armancour que na época estava com dezenove anos. Vários historiadores ainda se perguntam o motivo para Perrault não ter assumido a autoria do livro, Coelho (2010, p.90) acredita na teoria que Perrault “[...] não quisesse mudar sua imagem de escritor culto e membro da Academia Francesa, aparecendo ao grande publico como autor de uma literatura frívola, como era considerada a literatura popular, da qual saíram tais contos.” Pois para a Academia Francesa os contos de fadas não passavam de literatura vulgar, sendo desprezados pelos escritores cultos que viam nele apenas um exemplo da tolice e ingenuidade feminina. 17 Os contos da Mãe Gansa são publicados com oito contos de fadas recolhidos por Perrault, de acordo com Coelho (2010) são eles, “A Bela Adormecida no Bosque”, “Chapeuzinho Vermelho”, O Barba Azul”, “O Gato de Botas”, “As Fadas”, A Gata Borralheira ou Cinderela”, “Henrique, o Topetudo” e “O Pequeno Polegar” que posteriormente juntou a estes mais três títulos: “Pele de Asno”, “Os Desejos Ridículos” e “Grisélidis”. Foi através da publicação de Perrault que esses contos se disseminarão pela França e por outros países, fazendo com que os mesmo ganhem mais espaço junto à sociedade, cujas famílias os liam para suas crianças, tornando-os alicerces de uma nova corrente literária. Segundo Coelho (2010) além de Perrault, algumas autoras também se destacaram durante o século XVII e XVIII na publicação desses contos, o que faz com que surja “a moda das fadas” agora não apenas entre as crianças, mas entre os adultos também, entre elas podemos destacar Marie Catherine D’Aulnoy e Marie-Jeanne L’Héritier, sendo a ultima sobrinha do próprio Perrault. O gênero continua em alta até fins do século XVIII quando eclodiu a Revolução Francesa, que tem o culto a razão como base onde qualquer forma de pensamento mágico era condenado, para Coelho (2010, p101-102) “abre-se uma nova Era para o mundo, onde um novo Sentimento ia gerar uma nova razão, e no qual as fadas passam a segundo plano[...]”, mas apesar dos contos de fadas serem considerados durante alguns anos um gênero menor ele conservou-se nos livros infantis e na narrativas de vários povos. Ainda de acordo com Coelho (2010) é através dos estudos de Lingüística e Folclore realizado pelos irmãos Jacob (1785-1863) e Wilhelm (1786-1859) Grimm, na Alemanha no final do século XVIII e inicio do século XIX, que os contos de fadas retornam ao seu status e foram definitivamente constituídos e se expandiram pela Europa e Américas. Todo material folclórico reunido pelos Irmãos Grimm foram publicados em 1819 sobre o titulo Kinder-und Hausmärchen em português “Contos de Fadas para Crianças e Adultos”. Foi o sucesso dos contos coletados pelos Grimm que abriram caminho para o gênero: Literatura infantil como conhecemos hoje, segundo Coelho (2010, p. 149) ”Buscando encontrar as origens da realidade histórica nacional, os pesquisadores encontram a fantasia, o fantástico, o mítico... e uma grande Literatura Infantil surge para encantar crianças do mundo todo” A publicação dos Irmãos Grimm “Contos de Fadas para Crianças e Adultos” trás diversos contos da cultura alemã, como também de outras partes, incluindo historias já 18 recolhidas por Perrault na França, o que para Coelho(2010, p.150) ”prova a existência de uma fonte comum [...]” sendo que podemos concluir com isso que os contos de fadas rompem todas as barreiras geográficas, mostrando toda sua força literária, pois eles lidam com todos os conteúdos essenciais da humanidade e é por isso que se perpetuam há milênios. Coelho (2003, p. 21) afirma que “Os contos de fadas fazem parte desses livros eternos que os séculos não conseguem destruir e que, a cada geração, são redescobertos e voltam a encantar leitores ou ouvintes de todas as idades.” De acordo com Coelho (2010) os Irmãos Grimm publicaram um total de sessenta e oito contos no livro “Contos de Fadas para Crianças e Adultos” sendo que algumas das historias recolhidas no são: “A Bela Adormecida”, “Os músicos de Bremen”, “Os sete Anões e a Branca de Neve”, “O Chapeuzinho Vermelho”, “A Gata Borralheira”, “O Corvo”, “Frederico e Catarina”, “Branca de Neve e Rosa Vermalha”, “O Ganso de Ouro”, “O Alfaiate Valente”, “Os Sete Corvos”, “A Casa do Bosque”, “A Guardadora de ganso”, “O Príncipe Rã”, “O Caçador Habilitado”, “Olhinho, Doisolhinhos, Tresolhinhos”, “O Príncipe e a Princesa”, “A Luz Azul”, “Margarida, a espertalhona”, “A Alface Mágica”, “As três Fiandeiras”, “A Velha do Bosque”, “Joãozinho e Maria”, “O Senhor Compadre”, “João, o felizardo”, “O Pequeno Polegar” e “Rapunzel”, entre outros. Como já foi dito anteriormente algumas das historias de Perrault fazem parte também do livro publicado pelos Irmãos Grimm, contudo devido ao surgimento do Romantismo, os contos ganham uma nova roupagem, para Coelho: [...] a violência (patente ou latente dos Contos de Perrault) cede agora a um humanismo, em que se mescla o sentido do maravilhoso da vida. A despeito dos aspectos negativos que continuam presentes nessas estórias, o que predomina sempre é a esperança e a confiança na vida. Para exemplificar, confrontem-se os finais da historia do Chapeuzinho Vermelho em Perrault (que termina com o lobo devorando a menina e a avó) e nos Grimm(em que o caçador chega e abre a barriga do lobo, deixando que as duas saiam vivas e felizes, enquanto o lobo morria com a barriga cheia de pedras que o caçador ali colocou)[...] (COELHO, 2010, p.151) Assim sua forma de escrita foi redefinida para estar de acordo com o novo movimento, onde as crianças começam a deixar de serem vistas como adultos em miniaturas e uma preocupação quanto ao que deve ser destinado a sua leitura surge, os Irmãos Grimm são os primeiros a mostrarem essa a clara preocupação quanto às crianças ao retirarem alguns contos da publicação final do livro e reescreveram vários outros contos de fadas visando a 19 mentalidade e o desenvolvimento infantil, isso sem perder suas características encontradas na tradição popular. Mais tarde no século XIX a literatura infantil clássica teria seu acervo completado com os contos de fadas do poeta e novelista dinamarquês Hans Christian Andersen (1805 – 1875), que é considerado por muitos como o primeiro autor “romântico” a escrever historias destinadas às crianças, segundo Coelho: [...] todas as narrativas recolhidas e adaptadas pelos Irmãos Grimm pertenciam à variada tradição oral, na qual eles a foram descobrir. Já com Andersen não aconteceu o mesmo. Duas foram as fontes de que ele se utilizou: a da literatura popular conservada pela tradição oral ou em manuscritos, e a da vida real que se oferecia aos seus olhos. Seus inúmeros contos mostram que ele “inventou” muito mais do que seus antecessores. (COELHO, 2010, p.151) Seus contos de fadas foram embasados nos ideais românticos da época e buscavam sempre a consolidação dos valores populares, visando passar padrões comportamentais que deveriam ser seguidos pela nova sociedade que se organizava, os ideais de fraternidade, generosidade e solidariedade eram uma constante em suas obras, que também apontavam os confrontos entre "poderosos" e "desprotegidos", "fortes" e "fracos", "exploradores" e "explorados" demonstrando a defesa da idéia de que todos os homens deveriam ter direitos iguais, “Andersen foi, portanto, a primeira voz autenticamente romântica acontar historias para crianças” (Coelho, 2010, p. 161). Segundo Coelho (2010) alguns contos presentes nos livros publicados de Andersen são: “O Patinho Feio”, “Os Sapatinhos Vermelhos”, “Nicolau Grande e Nicolau Pequeno”, “O Soldadinho de Chumbo”, “A Pequena Sereia”, “A Roupa Nova do Rei”, “A Princesa e o Grão de Ervilha”, “A Pequena Vendedora de Fósforos”, “A Pastora e o Limpador de Chaminés”, “A Polegarzinha”, entre outros. Contudo, apesar de Andersen ter seus contos consagrados no mundo da literatura infantil, muitos acreditam que ao contrario dos seus antecessores, sua forma de escrever possa ter uma papel negativo na formação das crianças, para Coelho: Nos dos Irmãos Grimm (e nos contos maravilhosos em geral) a violência e o mal passam quase despercebidos do leitor por que, alem de serem penetrados de magia que domina espaço todo, acabam totalmente vencidos em um “final feliz”, que os “neutraliza” (tal como acontece hoje nas estórias dos “super-homens” de toda espécie). Nos de Andersen, porem, a derrota final da personagem é quase regra, não só nos conto “realistas”, como nos “maravilhosos”. Se procedermos a uma estatística, veremos que as estórias 20 com fim negativo são em numero superior às de desenlace feliz. [...] Pode-se concluir que grande parte de suas historias (por se tratar de literatura para crianças – seres em formação), hoje, apresenta aspectos que podem ter influencia negativa sobre o espírito infantil [...] E negativos, não por que a idéia de sofrimento não deva existir n universo infantil (quem o pode evitar durante a vida), mas devido à passividade das personagens, à impassibilidade, à resignação e ao fatalismo com que se submetem a tudo quanto lhes acontece. (COELHO, 2010, p. 164 – 168) Como podemos perceber essa preocupação acontece devido à passividade das personagens de Andersen, que aceitam todos os males e injustiças que surgem na vida delas sem lutar, o que vai contra a forma de educação dos dias atuais, onde a criança deve ser incentivada a sempre buscar uma solução para os problemas do cotidiano de forma ativa e dinâmica. Para Coelho “em uma época em que precisamos, mais do que nunca, incentivar o dinamismo vital da criança e sua participação ativa na vida, uma literatura que aponta como única saída à passividade e resignação não estará ajudando em nada” (Coelho, 2010, p. 168). Porém, as obras de Andersen não devem ser descartadas das prateleiras infantis, pois algumas de suas obras não tem nada de negativo e as que tem ainda mostram problemas humanos de caráter universal, então talvez a solução não seja retira-las da literatura para as crianças e sim uma questão de reescrevê-las como aconteceu aos contos recolhidos pelos Irmãos Grimm. De acordo com Coelho (2010) podemos ainda destacar três autores de grande importância dentro da literatura infantil, são eles os autores ingleses Charles Lutwidge Dodgson(1832-1898) conhecido pelo seu pseudônimo Lewis Carroll, com seus livros Alice's Adventures in Wonderland e Alice Througth the Looking Glass and what Alice Found there, respectivamente em português, “Alice no País das Maravilhas” e “Alice através do Espelho e o que Alice encontrou lá” e James M. Barrie (1860 – 1937) com seus contos “Peter Pan, o menino que não queria crescer” - 1904, “Peter Pan nos Jardim de Kessington”- 1907 e “Peter Pan e Wendy” – 1911. E o escritor italiano Carlos Lorenzini (1826 – 1890), conhecido pelo seu pseudônimo Collodi com seu livro “As Aventuras de Pinóquio” de 1883. Esses autores juntamente com Perrault, os Irmãos Grimm e Andersen contribuíram diretamente para a permanência dos contos de fadas até os dias atuais. 1.2 A MORFOLOGIA DO CONTO Os contos de fadas são comumente confundidos com outros gêneros de narrativas, principalmente com os contos maravilhosos, alguns autores como Todorov (1992) defende que os contos de fadas são “uma das variedades do maravilhoso, do qual se distingue por uma 21 certa escritura e não pelo estatuto do sobrenatural” (TODOROV, 1992, p. 60), outros autores, como Coelho (2000) acreditam que há duas diferenças básicas entre os gêneros: A Origem e o propósito. Segundo Coelho (2000) a origem dos contos maravilhosos tem suas raízes nos contos vindos do Oriente, enquanto os contos de fadas têm como base as narrativas da tradição popular da Europa. Ela destaca também que assim como a origem dos contos difere o seu propósito também é distinto entre eles, sendo que os propósitos dos contos maravilhosos são de natureza material enquanto os dos contos de fadas seriam de natureza existencial. Contudo, a discussão sobre as diferenças ou semelhanças entre os contos de fadas e os contos maravilhosos podem ser melhor entendidas a partir dos estudos sobre a morfologia do conto realizados pelo russo Vladimir Iakovlevitch Propp (1895 – 1970) Segundo Vladimir Propp (2010) os contos podem ser caracterizados através da analise da sua estrutura narrativa. Assim, o mesmo afirma que essa analise pode ser feita através de alguns elementos, com base em sua obra podemos destacar os cinco elementos principais que podem ser analisados nos contos e que independente do que sejam acrescentados à narrativa eles não se modificam. Esses elementos são: aspiração ou desígnio, viagem, desafio ou obstáculo, mediador ou doador, conquista do objetivo 1. Aspiração ou desígnio: É o motivo primordial que leva o herói ou heroína a ação, pode ser uma tarefa, um dever, um ideal ou uma aspiração. É o ponto de partida da narrativa dos contos; 2. Viagem: De uma forma geral, o herói ou heroína empreende uma jornada, que pode ser real, isto é, ele abandona seu lar, seu reino, sua família. Ou interior, isto é, ele é despojado de seus direitos e ou identidade e passa a viver num ambiente pouco amistoso, apesar de não haver realmente ocorrido uma mudança de cenário. Assim, a viagem pode ser entendida com a jornada empreendida pelo personagem em busca do cumprimento da aspiração; 3. Desafio ou obstáculo: Este pode aparecer de diversas formas, sendo caracterizada como a prova que o herói ou heroína passa para alcançar e merecer sua recompensa, ela pode apresentar-se em 22 forma física, como uma floresta, uma torre, uma fera; ou como algo subjetivo, como uma maldição, uma profecia, uma tarefa impossível de ser realizada; ou ainda como um antagonista, como uma bruxa ou uma madrasta malvada; 4. Mediador ou doador: É um ser ou objeto mágico que auxilia o herói durante a sua jornada ajudando-o na conquista dos seus objetivos; 5. Conquista do objetivo: É quando o herói chega ao fim da jornada realizada, cumprindo todos os desafios impostos e saindo vitorioso dos mesmos, obtendo assim a tão esperada recompensa. È a hora do conhecido ‘“Felizes para Sempre” A partir desses cinco elementos básicos, outros diversos elementos podem surgir como variante, sem que com isso a estrutura básica da narrativa se modifique. Com base nesses cinco elementos Propp (2010) afirma que o conto maravilhoso ou o conto de fadas é: [...] aquele que possui um desenrolar da ação que parte de uma malfeitoria ou de uma falta, e que passa por funções intermédias para ir acabar em casamento ou em outras funções utilizadas como desfecho. A função limite pode ser a recompensa, alcançar o objeto da demanda ou, de uma maneira geral, a recuperação da malfeitoria, o socorro e a salvação durante a perseguição, etc. Chamamos a este desenrolar da ação uma sequência. Um conto pode ter várias sequências. (PROPP, 2010, P. 90) Assim, ao analisarmos as sequências que levam ao desfecho da historias nos contos de fadas e nos contos maravilhosos com base nesses cinco elementos principais levantados por Propp (2010) notaremosque a estruturas narrativas de ambos são idênticas, assim sendo, podemos perceber que os contos de fadas estão inseridos ou são uma vertente dos contos maravilhosos. 1.3 A RELAÇÃO DA CRIANÇA COM O CONTO DE FADAS Mas porque os contos de fadas são tão importantes na aprendizagem e formação da criança? Isso ocorre “porque os contos de fadas estão envolvidos no maravilhoso, um universo que denota a fantasia, partindo sempre duma situação real, concreta, lidando com emoções que qualquer criança já viveu...” (ABRAMOVICH, 1994, p. 120). 23 Os contos de fadas, ao se iniciarem com seu clássico “Era uma vez um reino distante...” são tão atemporais. O reino do qual o conto fala pode ser qualquer um, em qualquer lugar e seus personagens têm determinadas características que despertam assim a identificação imediata da criança com o conto. Podemos ver bem sobre esse processo de identificação com os personagens do conto de fadas no livro Estão mortas as Fadas? Onde segundo Amarilha: Através do processo de identificação com os personagens, a criança passa a viver o jogo ficcional projetando-se na trama da narrativa. Acrescenta-se à experiência o momento catártico, em que a identificação atinge o grau de elação emocional, concluindo de forma liberadora todo o processo de envolvimento. Portanto, o próprio jogo de ficção pode ser responsabilizado, parcialmente, pelo fascínio que (o conto de fadas) exerce sobre o receptor. (AMARILHA, 1997, p. 18): As historias dos contos de fadas idealizam enredos que demonstram situações de uma determinada época, com um determinado contexto de vida adulta de uma forma que as crianças possam idealizá-las, colocando-se no lugar das personagens e apreendendo assim as “lições” que a historia subjetivamente passa e assim compará-las com a sua vida e o seu próprio dia-a-dia. E por se tratar de algo tão subjetivo, mesmo nos dias atuais em que não se tem cavaleiros valentes ou príncipes em cavalos brancos, elas podem ser encaixadas em outras situações diversas de acordo com o grau de abstração e associação da criança em relação a historia vivenciada. Sendo assim os contos contribuem para a formação da personalidade, para o equilíbrio emocional, isto é para o bem estar da criança, pois através de suas personagens boas e más, dos obstáculos que estas enfrentam e os desfechos que nem sempre são felizes para todos, as crianças começam a perceber o mundo em que esta inserida e todas as dores e prazeres contidos nele, estes contos falam-nos das verdades universais e individualmente de cada assunto que as crianças podem vir a se preocupar em cada fase da vida. A história proporciona ao indivíduo viver além de sua vida imediata, vivenciar outras experiências. Por isso seduz, encanta e embriaga. Quando ouvimos uma história e nos envolvemos com ela, há um processo de identificação com alguns personagens. Isso faz com que o indivíduo viva um jogo ficcional, projetando-se na trama. O jogo que o texto proporciona é de natureza dramática. Ao entrar na trama de uma narrativa, o ouvinte ou leitor penetra no teatro. Mas, do lado do palco ele não só assiste ao desenrolar do enredo como pode encarnar um personagem, vestir sua máscara e viver suas emoções, seus dilemas. Dessa 24 forma, ele se projeta no outro através desse jogo de espelho, ganha autonomia e ensaia atitudes e esquemas práticos necessários a vida adulta (AMARILHA, 1997, p.53). Ao ouvir um conto de fadas é preciso que se dê tempo às crianças, é preciso que as crianças tenham a oportunidade de “mergulhar” na atmosfera do conto, que possam falar sobre ele, sobre assuntos e sentimentos despertados. Só assim o conto terá desempenhado sua função emocional e intelectual. Não se deve ocupá-las logo em seguida com outra atividade ou outra história. Quando um conto fala aos seus problemas e dificuldades interiores, a criança freqüentemente pede que lhe contem a história outra vez. Isso ocorre porque a criança precisa ouvir muitas vezes uma história para acreditar nela. Essa atitude poderá indicar que a história ouvida, de alguma forma está sendo importante e lhe trazendo respostas. A criança “sente” qual dos contos de fadas é verdadeiro para sua situação interna no momento (com a qual é incapaz de lidar por conta própria) e também sente onde a história lhe fornece uma forma de poder enfrentar um problema difícil (BETTELHEIM, 2009, p.74). As crianças identificam-se com os contos de fadas porque sua visão de mundo assemelha-se a ao mundo imaginário que os contos de fadas trazem para elas, e através desse mundo imaginário que as crianças encontram a solução para os seus conflitos, isto é, um consolo ou uma lição de vida, e isso ocorre de maneira bem mais significativo do que se o ouvissem da boca de um adulto, pois na maioria das vezes elas não conseguem confiar nos adultos por causa de suas atitudes para com elas, já com os contos, essa relação acaba caindo na cumplicidade, só ela e o personagem sabem o que se passa e nele elas podem confiar. Mesmo que o adulto consiga entender porque um determinado conto está encantando uma criança, não deve tentar explicar os motivos a ela, pois, por mais certo que ele esteja de suas interpretações, dizê-las à criança seria como privá-la da oportunidade de entender e enfrentar por ela mesma seus problemas, de sentir que é capaz de alguma forma, amenizar seus anseios. Segundo Bettelheim: Explicar a uma criança por que um conto de fadas é tão cativante para ela, destrói, acima de tudo, o encantamento da história, que depende, em grau considerável, da criança não saber absolutamente por que está maravilhada.(...) Nós crescemos, encontramos sentido na vida e segurança em nós mesmos por termos entendido e resolvido problemas pessoais por nossa conta, e não por eles terem sido explicados por outros . (BETTELHEIM, 2009, p.27) 25 Os contos de fadas desenvolvem a capacidade de fantasia e imaginação infantil, eles são para as crianças, o que há de mais real dentro delas. Os contos enquanto diverte a criança, a esclarecem sobre si mesma e favorecem o desenvolvimento da sua personalidade. Por isso, um conto trabalha o aspecto afetivo, psicológico e cognitivo. Sendo assim, seria interessante os contos estarem presentes na vida da criança desde a educação infantil, auxiliando-a na elaboração dos seus conflitos, auxiliando-os a estruturar uma resposta positiva, um final feliz a seus problemas. 1.4 OS CONTOS DE FADAS E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS Os contos de fadas sempre tiveram a função de distrair e instruir, podendo ser um valioso instrumento auxiliar na educação das crianças. Ao mesmo tempo em que os contos de fadas aliviam pressões inconscientes, ajudam no processo de simbolização, podendo ser considerado um rico instrumento pedagógico. A escola então não pode se restringir somente à transmissão de conhecimentos ela pode e deve contribuir para a formação pessoal de cada indivíduo. Apesar disso os contos são utilizados com uma finalidade pedagógica, buscando nivelar a criança e trazê-la à realidade concreta, racional. Os professores na maioria das vezes apenas utilizam à literatura infantil na sala de aula como um instrumento de controle sobre as crianças, isso ocorre porque os contos de fadas são sempre bem recebidos pelas crianças, então eles recorrem aos contos “(...) para acalmar as crianças quando estão muito inquietas e também para impor silêncio e disciplina ao caos que, as vezes, ocorre na sala de aula.” (AMARILHA, 1997, pág. 17) ou então transformá-los em tarefas escolares, desta forma os contos de fadas perdem sua função lúdica e estética e impedem que as emoções sejam vivenciadas. Sendo assim, compartilhar um conto de fadas significa deixá-lofluir, possibilitando que o professor e o aluno experimentem emoções novas. Significa também um outro modelo de educação que acolha o maravilhoso, a fantasia e a criatividade, para que os professores possam dividir com as crianças seu conhecimento e enfrentar a incerteza e o desconhecido. De acordo com Bettelheim em seu livro A psicanálise dos Contos de Fadas, o conto de fadas é um espelho onde podemos nos reconhecer, descobrindo todos os problemas e 26 todas as propostas de soluções que só podem ser elaborados na imaginação e que os educadores devem recorrer para poder entender melhor toda a complexidade e totalidade das crianças que estão sob sua responsabilidade. Segundo Amarilha os contos de fadas devem ser trazidos para o cotidianos escolar das crianças de forma lúdica, sem toda a pressão e o desgastes de atividades planejadas com o intuito de apenas ensinar a ler e a escrever, pois mesmo sem um objetivo técnico aparente, eles são significativos para a formação da criança. Amarilha (1997) afirma que: [...] mesmo sem tarefa, sem nota, sem prova, a literatura educa e que, portanto, é importante pedagogicamente [...] deixo, então, este convite para que brinquem com as palavras, brinquem de contar historias, de ler historias. Brinquem com a literatura e sejam felizes. (AMARILHA, 1997, p. 56) Sendo assim os educadores devem ter a literatura infantil e os contos de fadas como um meio de socialização, um instrumento que os ajude a inserir as crianças no mundo real de maneira lúdica, dando a ela a oportunidade de vivenciar seus medos e conflitos e que os mesmo possam ser pensados, repensados e assim solucionados. 27 2. A FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL NA CRIANÇA 2.1.CONCEITO DE ÉTICA E MORAL Para que se entenda melhor a formação da ética e da moral na criança, faz-se necessário, apontar algumas definições que recebem os termos, ética e moral, assim como estabelecer a diferença entre os dois termos. A dificuldade para conceituar tanto o tema ética como o tema moral, gera diferentes opiniões. Muitas vezes, a ética e a moral são vistas e empregadas como sinônimos, caracterizando a idéia de conjunto de princípios e ou padrões de conduta. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, a ética e a moral tem suas origens no grego “ethos”, que quer dizer o modo de ser, caráter, e no latim “mos”, ou no plural “mores” que quer dizer costume e remetem ao comportamento propriamente humano adquirido histórica e socialmente a partir das relações coletivas dos seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem.. No costume os sujeitos constroem valores, elaborando princípios e regras que regulam seu comportamento. Na ética podemos supor uma reflexão sobre os valores mais focados no individuo e no inter-humano, isto é, as pessoas estão preocupadas com seu próprio “eu”. Enquanto que a moral se dá tanto nas relações humanas, quanto nas de âmbito político, sempre nessas relações, podemos observar os sentimentos que se pressupõem de caráter moral, nas relações humanas, através das vivências cotidianas com seus amigos, familiares e na política na defesa dos direitos humanos e de conceitos como democracia. Para podermos estabelecer o conceito e a diferença de ética e moral nos amparamos em Ferreira (1975) e Silva (2002). De acordo com Ferreira (1975) ética é “o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto” (Ferreira, 1975, p. 594). Enquanto o mesmo define moral como “conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para um grupo ou pessoa determinada” (Ferreira, 1975, p. 950). Segundo Silva (2002, p. 92), “a ética constitui o domínio de investigação a respeito das noções de felicidade e infelicidade, bem e mal, justo e injusto e dos valores a que 28 os homens se submetem por tradição ou adesão”. Enquanto a moral é um conjunto de condutas como respeitar os direitos alheios, buscar ter uma vida boa e merecer ser objeto de admiração moral. Diante desses questionamentos podemos deduzir que apesar de possuírem a mesma origem etimológica, as palavras ética e moral têm significações diferentes, a ética tem como base a integridade do ser humano frente a seus semelhantes, é uma reflexão crítica sobre a moral. Enquanto a moral é vista como um conjunto de princípios, crenças e regras que orientam o comportamento dos indivíduos nas diversas sociedades e culturas existentes, sendo os mesmos capazes de distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado e o justo e o injusto; 2.2. A FORMAÇÃO ÉTICA E MORAL SEGUNDO PIAGET Segundo o epistemólogo suíço Jean Piaget (1896 – 1980), a partir de seus estudos e observações sobre o desenvolvimento da criança, concluiu que estas, ao contrário do que se pensava na época, não pensam como os adultos: certas habilidades ainda não foram desenvolvidas, incluindo a moralidade e a ética, estes não são valores intrínsecos aos seres humanos, não nascemos pessoas morais. Na sua obra “O juízo moral na criança”, Piaget (1994) destaca que a proposta de suas pesquisas é “estudar o julgamento moral, e não os comportamentos ou sentimentos morais” (PIAGET, 1994, p. 21), isto é, seus estudos baseiam-se no juízo da criança e não em suas ações morais, o que importa é a intenção da mesma ao praticar suas ações, ou seja, os valores que a motivaram a proceder daquela forma. Portanto, para Piaget a moralidade pressupõe intenção, e o agir é orientado por valores e princípios éticos, que representam julgamentos. Piaget utilizou-se de métodos clínicos para entender a representação que a criança faz da realidade, ele baseou sua teoria em dois tipos de dados: o juízo moral em situações hipotéticas, estudado por meio de histórias contadas às crianças, onde as histórias continham dilemas sobre desonestidade, mentira, injustiças, desastres materiais, alem de noções de honestidade, justiça e dignidade. Essas histórias eram contadas as crianças, que em seguida, deveriam dar suas opiniões emitindo, assim, juízos de valores sobre os conflitos. O outro se dava através da analise da prática e consciência do jogo infantil. Piaget definiu o desenvolvimento moral analisando as respostas das crianças diante de dilemas morais 29 propostos por ele e analisando a maneira pela qual a criança lidava com as regras nos jogos infantis. De acordo com os estudos de Piaget (1994), o desenvolvimento moral da criança se dá através interação e para que estas interações aconteçam, há a ocorrência de processos de organização interna e adaptação, isto é, assimilação e acomodação. Para Piaget os esquemas de assimilação modificam-se de acordo com os estágios de desenvolvimento da criança e consistem na tentativa destas em solucionar situações a partir de suas estruturas cognitivas e conhecimentos anteriores, enquanto que a acomodação ocorre quando a criança ao deparar-se com um novo fato retira dele informações consideradas relevantes e, a partir daí, há uma modificação na estrutura mental antiga para dominar o novo objeto de conhecimento. Sendo assim, para Piaget (1994), os valores morais são construídos a partir da interação do sujeito com os diversos ambientes sociais e será durante a convivência diária, principalmente com o adulto, só assim que ela irá construir seus valores, princípios e normas morais. Segundo Piaget: Toda ordem, partindo de uma pessoa respeitada, é o ponto de partida de uma regra obrigatória. [...] A obrigação de dizer a verdade, de não roubar etc.,tantos deveres que a criança sente profundamente, sem que emanem de sua própria consciência: são ordens devidas ao adulto e aceitas pela criança. Por conseqüência, esta moral do dever, sob sua forma original, é essencialmente heterônoma. O bem é obedecer à vontade do adulto. (PIAGET, 1994, p. 154). Piaget (1994) destaca três fases importantes para o desenvolvimento da moral da criança, denominando-as: Anomia, heteronomia e autonomia. a) Anomia Piaget (1994) aponta que na fase da anomia, a moral não ocorre, pois as normas de conduta são determinadas pelas necessidades básicas. Além de que, quando as regras são obedecidas, são seguidas pelo hábito e não por uma consciência do que se é certo ou errado, justo ou injusto e assim por diante. b) Heteronomia Segundo Piaget (1994) o correto é o cumprimento da regra e qualquer interpretação diferente desta não corresponde a uma atitude correta. Sendo assim, nesta fase as crianças interpretam a regra ao pé da letra, não percebendo o seu verdadeiro espírito. Sendo 30 assim, o julgamento final se dá pelas conseqüências da ação e não pela intencionalidade do praticante da ação, pois as crianças baseiam seus julgamentos em um realismo moral, que é definido como “a tendência da criança em considerar os deveres e os valores a eles relacionados como subsistentes em si, independentemente da consciência e se impondo obrigatoriamente, quaisquer que sejam as circunstâncias às quais o indivíduo está preso” (PIAGET, 1994, p. 93). La Taille complementa que o realismo moral ocasiona concepção objetiva da responsabilidade, isto é: A criança em fase do realismo moral julga mais culpado alguém que tenha quebrado dez copos sem querer do que alguém que somente tenha quebrado um durante uma ação ilícita. Vale dizer que julga pelo aspecto exterior da ação – o fato de ter quebrado muito ou pouco - e não pela intencionalidade da mesma [...] a heteronomia, agora expressa pelo realismo moral, corresponde a uma fase durante a qual as normas morais ainda não são elaboradas, ou reelaboradas pela consciência. (LA TAILLE, 1992, p. 52). Sendo assim, no realismo moral o dever é totalmente heterônomo, as crianças não conseguem ainda entender a função social das normas que as cercam. Isto é, o dever não passa de mera obediência às leis estabelecidas e impostas pelos adultos. c) Autonomia De acordo com Piaget (1994) a autonomia é a última fase do desenvolvimento da moral. È nessa fase que as crianças começam a legitimação das regras. O respeito a regras é gerado por meio de acordos mútuos e remete a uma progressiva conquista da moral autônoma. O senso de justiça só desenvolve-se na “proporção dos progressos de cooperação e do respeito mútuo; de início, cooperação entre as crianças, depois entre crianças e adultos, na medida em que a criança caminha para a adolescência e se considera, pelo menos em seu íntimo, como igual ao adulto” (PIAGET, 1994, p. 275). Na fase autônoma a criança já é capaz de considerar a intenção dos atos e a cooperação, isto é, as crianças devem compreender as razões das regras e criar o hábito de avaliá-las. Portanto, para desenvolver a autonomia na criança, faz-se necessário o convívio com colegas da mesma idade o que promove a justiça entre iguais, mas não se deve excluir a autoridade adulta, está autoridade deve ocorrer sem posicionamentos autoritários, pois provoca o respeito mútuo e conseqüentemente a autonomia moral da criança. Para Piaget: A moral da consciência autônoma não tende a submeter às personalidades a regras comuns em seu próprio conteúdo: limita-se a obrigar os indivíduos a “se situarem” uns em relação aos outros, sem que as leis de perspectiva 31 resultantes desta reciprocidade suprimam os pontos de vista particulares (PIAGET, 1994, p. 295). Segundo Piaget (1994) é respeitando e exigindo que sejam respeitados que as crianças constroem sua autonomia moral. 2.3. A CRISE ETICA E MORAL NO MUNDO MODERNO Vivemos uma crise de valores, hoje a valorização do privado em detrimento do publico é a principal causa dessa crise, como afirma Sennett, “o eu de cada pessoa tornou-se o seu próprio fardo; conhecer-se a si mesmo tornou-se antes uma finalidade do que um meio através do qual se conhece o mundo” (Sennett, 1988, p.16), as pessoas deixaram de buscar o “conhecer o outro” e priorizando assim a busca dos seus próprios interesses, fazendo com que a relação com o outro seja concebida de maneira insatisfatória. Segundo Sennett: Quanto mais regras de localização, mais as pessoas procuram detectar; ou pressionam-se mutuamente para se despojar das barreiras dos costumes, das boas maneiras e do gestual que se interpõem no caminho da franqueza e da abertura mútuas. A expectativa é de que quando as relações são chegadas, elas sejam calorosas; é uma espécie intensa de sociabilidade que as pessoas buscam ter, tentando remover as barreiras do contato intimo, mas essa expectativa é frustrada pelo ato. Quanto mais chegada são as pessoas, menos sociáveis, mais dolorosas, mais fratricidas serão suas relações. (SENNETT, 1988, p. 412) A sociedade moderna sente as conseqüências desse individualismo, pois nessa busca pelos próprios interesses, o individuo não se preocupa em como pode estar afetando o bem estar do outro. Sennett (1988) afirma que todas essas mudanças acontecem principalmente por causa do capitalismo e da globalização, que visa o lucro e faz com que questões de ordem pública, sejam vista e avaliadas visando apenas o interesse pessoal. Costa (1988) aponta que o mundo moderno está sob a ótica de uma cultura narcísica, onde valores que eram tidos com essenciais para os nossos antepassados, como dignidade, honra, generosidade, honestidade, tornaram-se obsoletos para o sujeito que compõem a sociedade moderna, essa falta de valores que visam à coletividade levou esses indivíduos a não crerem no poder da lei e da justiça para a solução e negociação de interesse coletivo. Estes valores deixaram assim de ser considerados e formulados. Para Costa: [,,,] o cidadão viu-se, agora, despido do direito à justiça [...] Sem o exercício perde-se o critério que permite o “cálculo de equivalência” na distribuição dos bens. Diante das desigualdades, que são realidade de fato, a justiça e a lei aparecem como valor. Por conseguinte, à perda do direito de participar, 32 soma-se agora a perda do direito de partilhar. Mais que isso, na ausência da justiça, e não tendo mais como reivindicar o que é de “meu direito” ou de “minha propriedade”, perde-se aos poucos a própria noção do que seja valor. Entregues a uma espécie de “relativismo” prático e generalizado, os indivíduos nada mais podem fazer, exceto sobreviver segundo a lei do mais forte. Se não há mais como recorrer a regras supraindividuais, historicamente estabelecidas pela negociação e pelo consenso, para dirimir direitos e deveres privados, tudo passa a ser uma questão de força, de deliberação ou decisão, em função de interesses particulares. Donde o recurso sistemático à violência, à delinqüência, à mentira, à escroqueria, ao banditismo “legalizado” e à demissão de responsabilidade, que caracterizam a “cultura cínico-narcísica” dos dias de hoje (COSTA, 1989, p.30-31). Para Silva (2002) outro importante fator que ocasiona à crise ética e moral que a nossa sociedade vem enfrentando é: o processo educacional, no qual as crianças estão inseridas, A sociedade atual vem ensinando as crianças desde muito cedo a preocuparem-se com a própria imagem em detrimento da imagem do outro. Alem de que “a imagem que temos de nós mesmos se constitui num valor a ser mantido, pois é vista como uma imagem positiva de si” (SILVA, 2002, p.255), esse fato, acompanhado de todo o processo educacionalfalho, e da influencia que os meios de comunicação passam para as crianças ao ensinarem apenas valores materiais e se focarem no individualismo, na busca pelo próprio sucesso, agravam ainda mais esse processo, pois a valorização excessiva dos valores não-morais leva a criança a desvalorizar e esquecer os valores morais. Yves Joel Jean Marie Rodolphe de La Taille (1998), professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, afirma também que “a imagem positiva de si” dependendo de como ela seja empregada, terá uma dimensão moral ou não-moral. Isto é, dependendo de como a criança escolha qual valor seguir e o que quer obter com ele determinará a que valores “a imagem positiva de si” será associada. Para La Taille: De fato, alguém poderá ter uma imagem positiva de si que não inclua a dimensão moral. Alguém poderá ter sua identidade associada a valores como ser rico, bonito, bem-sucedido, enquanto outros permaneceriam periféricos. Entre esses outros valores poderão estar, justamente, os valores morais, como a honestidade, a coragem, a lealdade, etc. Para outras pessoas, poderá ocorrer o contrário: os valores morais estarão no centro de sua identidade e outros (como ser bonito ou rico) na periferia. É bem provável que o lugar ocupado por estes valores seja forte determinante da conduta. Se alguém vê a si próprio como essencialmente honesto, tenderá a agir de forma honesta para preservar a identidade e sentirá forte vergonha quando suas ações infringirem os imperativos desta virtude. Em compensação, outra pessoa que vê a si própria, sobretudo como “bonita”, “melhor que os outros”, “gloriosa”, certamente agirá de forma a preservar tais atributos, mesmo que, para isto, infrações morais precisem ocorrer (LA TAILLE, 1998, p. 14-15). 33 Para La Taille (1998) além do problema da transformação e perda de valores dos éticos e morais, uma das principais preocupações com relação às nossas crianças é o limite, ou melhor, a falta dele que as mesmas demonstram diariamente não só em casa, mas também na escola. Segundo La Taille: Limite é uma palavra que tem voltado à tona ultimamente. É empregada com freqüência, em geral de forma queixosa: “Essas crianças não tem limites!”; ou então, com um quê de autoritarismo: “É preciso impor limites!”; ou ainda, como crítica à família do vizinho ou dos alunos: “Esses pais não colocam limites!” A obediência, o respeito, a disciplina, a retidão moral, a cidadania, enfim, tudo parece associado a essa metáfora. Tudo talvez, mas não todos. De fato, quem supostamente carece de limites é sempre uma criança [..] Lembremos, porém, um fato importante e nunca suficientemente enfatizado: os jovens são reflexos da sociedade em que vivem, e não de uma tribo de alienígenas misteriosamente desembarcada em nosso mundo, com costumes bárbaros adquiridos não se sabe onde. Se é verdade que eles carecem disso que chamamos de limites, é porque a sociedade como um todo deve estar privada deles (LA TAILLE, 1998, p. 11). Por conta de todo esse quadro em que a sociedade moderna encontra-se, podemos perceber que as questões éticas e morais têm resultado em diversas reflexões da nossa sociedade, onde há uma preocupação em desenvolver uma educação onde as crianças possam vivenciar o processo de construção de seus próprios valores morais e sociais. 2.4.ÉTICA E MORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL SEGUNDO OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS E O REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL A formação moral e a ética obteve um novo contexto no âmbito escolar devido à inserção em sala de aula dos temas transversais propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, cujo conteúdo visa à formação de cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa, e igualitária. Publicado em 1997, pelo Ministério da Educação e do Desporto - MEC, por meio da Secretaria de Educação Fundamental - SEF, os PCNS são compostos por dez volumes contendo orientações curriculares para o desenvolvimento do ensino fundamental no país. , o MEC também publicou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI, sendo que este é parte integrante da série de documentos dos PCNs. Os PCNs e RCNEI têm como objetivo, dentre outros, contribuir para que pedagogos e outros profissionais ligados à área de educação desenvolvam uma intervenção 34 pedagógica mais voltada para os ideais democráticos. Assim, proporcionando um exercício da cidadania mais efetivo. Para os PCNs e RCNEI ser cidadão é a participar efetivamente na construção e manutenção de valores e bens de um determinado contexto, isto é: Ser cidadão é participar de uma sociedade, tendo direito a ter direitos, bem como construir novos direitos e rever os já existentes [...] O bem comum é bem coletivo, bem público. O público é ‘o pertencente ou destinado à coletividade, o que é de uso de todos, aberto a quaisquer pessoas’. É, então, ‘o campo da democracia’, como espaço de realização de direitos civis – liberdade de ir e vir, de pensamento e fé, de propriedade; de direitos sociais – de bem estar econômico, de segurança; e de direitos políticos – de participação no exercício do poder – de todos os homens e mulheres. Ao entender o poder como possibilidade de atuação, de interferência e determinação de rumos na sociedade, verifica-se que, para haver uma sociedade realmente democrática, o exercício do poder deve se dar numa perspectiva de pluralidade (PARÂMETROS, 1998, p. 54 - 55). Para isso, os PCNs e o RCNEI propõem que os professores trabalhem de forma transversal, na educação infantil, os temas relacionados à moral e a ética. Tendo em vista o desenvolvimento do exercício da cidadania, como uma forma de solucionar a atual crise de valores morais e éticos que nossa sociedade está vivendo. Segundo Goergen (2001) educação e ética são duas faces de uma mesma moeda, pois para ele, a educação é capaz de “abrir aos alunos o mundo do agir moral por meio de um processo pedagógico/ reflexivo/ comunicativo a respeito das proposições morais que integram o ambiente cultural.” (GOERGEN, 2001, p. 153). Assim, considerando, como objetivo principal da educação, a formação e o desenvolvimento da criança, visando torná-la um individuo apto ao exercício da cidadania, o modelo de educação proposto pelos PCNs e RCNEI sugere, que ao se trabalhar com os temas Moral e Ética, um conjunto de conteúdos baseados nos princípios dos direitos humanos como: dignidade, respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade, que constituem a essência dos valores morais e éticos necessários a uma sociedade democrática. Sendo que segundo Goergen (2001): A educação moral nos tempos modernos é um processo de familiarização com um discurso moral a partir de princípios gerais, ligados a circunstâncias concretas, pois a moral é constituída por regras limitadas, configuradas concretamente no interior de um mundo de circunstâncias, mas à luz de princípios éticos mais gerais. Estes princípios ou normas não especificam no detalhe as condições de sua validade e observância, mas insinuam a necessidade de uma aprendizagem de como, em determinadas circunstâncias, estes princípios devem ser vividos ou mesmo justificadamente transgredidos (GOERGEN, 2001, p. 153). 35 Sendo assim, os processos educativos podem e devem fomentar a autonomia moral e ética na criança, em lugar do conformismo; possibilitando na criança a construção dos valores morais e éticos, frente à internalização das normas convencionais a sociedade em que estão inseridas. 36 3. OS CONTOS DE FADAS COMO AGENTE DA FORMAÇÃO MORAL NA CRIANÇA Este trabalho trata-se de uma pesquisa de campo realizadano período de 03 de dezembro de 2010 á 26 de fevereiro de 2011, nas escolas da rede publica de Salvador e Lauro de Freitas. A base, que subsidiará a discussão proposta neste trabalho, se dará a partir da pesquisa de campo, que segundo Lakatos e Marconi pode ser definida como: [...] a pesquisa em que se observa e coletam-se os dados diretamente no próprio local em que se deu o fato em estudo, caracterizando-se pelo contato direto com o mesmo, sem interferência do pesquisador, pois os dados são observados e coletados tal como ocorrem espontaneamente (LAKATOS E MARCONI, 1996, p. 75). Sendo assim, para Lakatos e Marconi (1996) o interesse da pesquisa de campo está voltado para o estudo de indivíduos, grupos, comunidades, instituições, entre outros campos. Tendo como objetivo, compreender os diversos aspectos da sociedade, conseguir informações e ou conhecimentos acerca de um problema e descobrir novos fenômenos e suas relações. Os sujeitos que participaram desta pesquisa foram: professoras do grupo 04 e 05 da educação infantil e do 1º ano do fundamental I, bem como as crianças de quatro á oito anos. Todas as docentes são formadas em Pedagogia e o tempo de atuação em sala de aula é varia de dois a vinte e cinco anos. O instrumento utilizado para a pesquisa foi o questionário estruturado e não disfarçado, este questionário é composto de quinze perguntas abertas referentes ao tema contos de fadas e a formação moral da criança. Foram entregue trinta questionários para as professoras da rede publica de Salvador e Lauro de Freitas, mas devido ao período de férias docentes e a paralisação logo após o inicio do ano letivo, apenas seis questionários foram devolvidos. Com as crianças foram realizados seis encontros para desenvolver a oficina. Como será demonstrado nesse passo a passo: 1º Passo: Nos dois primeiros encontros foram apresentados sete contos de fadas as crianças, sendo eles “A Bela e a Fera”; “Cinderela”; “Branca de Neve”; “Chapeuzinho Vermelho”; “Rapunzel”; “A pequena Sereia” e “A Bela Adormecida”, após a leitura dos contos os mesmo foram discutidos informalmente pelas crianças, elas falavam o que mais gostavam e o que não 37 gostavam em cada conto, quem gostariam de ser, de quem tinham mais medo ou não gostavam, etc. 2º Passo: Ao final do segundo encontros, através de uma conversa, as crianças decidiram juntas quais seriam os três contos de fadas a serem assistidos nos três encontros seguintes, sendo os filmes escolhidos “A Bela e a Fera”; “A pequena Sereia” e “Rapunzel”, terminado a exibição dos filmes, novamente as crianças conversaram sobre quais as diferenças entre o conto lido e o filme assistido, qual forma do conto apresentado ela gostou mais, o que viam e achavam das historias assistidas, demonstrando assim o que aprendiam indiretamente com ela. 3º Passo: No ultimo dia de oficina foi pedido que cada criança escolhesse seu conto de fadas preferido e desenhasse a cena mais significativa para ela, isto é, sua parte favorita da historias. Enquanto as crianças desenhavam foi realizada uma entrevista individual com cada uma delas, com um questionário não estruturado, contendo em media oito questões abertas, buscando constatar o que a mesma apreendeu com os contos de fadas, as perguntas feitas as crianças foram Você gotas de conto de fadas? Dos sete contos de fadas apresentados (A bela e a fera; Cinderela; Branca de Neve; Chapeuzinho Vermelho; Rapunzel; A pequena Sereia e A Bela Adormecida) quais você mais gosta? Por que você gosta dessa? E o que você aprende com essa historia? E qual historia você não gosta? Por que você não gosta dessa historia? Mas mesmo você não gostando da história, você aprendeu alguma coisa? Você algo parecido entre essas historias? 4º Passo: Para encerrar a oficina foi feito no final do sexto encontro, uma exposição dos desenhos das crianças, onde as mesmas contavam para todos sobre o desenho feito e o que o mesmo significava para ela. 3.1. ANÁLISE DOS DADOS Para facilitar a analise dos dados foram definidas seis categorias com base nas respostas das professoras: 1º - espaço físico para leitura; 2º - A importância dos contos de fadas no mundo moderno; 3º - Atividades trabalhadas em sala de aula; 4º - Identificação das 38 crianças com os contos; 5º - Contos recorrentes em sala de aula; 6º - A influencia dos contos de fadas na formação moral e ética. Enquanto que com base nas respostas das crianças foram definidas quatro categorias: 7º - Gosta dos contos de fadas; 8º - Conto que mais gosta; 9º - Conto que menos gosta; 10º - O que aprenderam com os contos de fadas; E articulando as respostas das professoras com as das crianças foram desenvolvidas mais três categorias: 11º - Os contos mais apreciados entre as crianças; 12º - Os contos menos apreciados entre as crianças; 13º - Valores adquiridos com os contos de fadas. 3.1.1 Espaço físico para leitura No quadro nº 01, contata-se que para 33,34% das professoras que participaram da pesquisa o espaço físico para a leitura não existe e também para 33,34% das professoras há um espaços específicos para essa finalidade, que é a biblioteca e o cantinho da leitura, enquanto que 16,66% a escola possui biblioteca, mas os alunos não possuem permissão para utilizá-la, juntamente com 16,66% que não possuem, mas a professora busca formas de levar a leitura para a sala de aula. Quadro nº 01: Espaço físico para leitura Espaço físico para leitura Quantidade % Não 2 33.34 Sim 2 33.34 Sim, mas não tem acesso 1 16.66 Não, mas leva os livros para a sala 1 16.66 Total 6 100 No quadro nº 01, as professoras nº 01 e nº 05 nos mostram duas situações contrarias, mas que as obriga ter a mesma atitude. A professora nº 01 aponta que não há bibliotecas ou cantinho para a leitura na escola, “mas eu estou diariamente lendo historias em sala e deixando-os manusear estes livros” enquanto que a professora nº 05 nos fala que “Na escola [...] tem biblioteca, mas, os alunos não tinham acesso a ela, então as leituras eram feitas na sala de aula” As demais limitaram-se a responder apenas sim e não sem justificar sua resposta. Assim, podemos verificar que apesar de existir a LEI 12.244/2010, que determina que as instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do País devem ter uma biblioteca, com um acervo de livros de, no mínimo, um título para cada aluno 39 matriculado, não é isso que ocorre nas escolas da rede publica e privada de Salvador e Lauro de Freitas. 3.1.2 A importância dos contos de fadas no mundo moderno As professoras pesquisadas foram unânimes em afirmar que os contos de fadas ainda têm espaço no mundo moderno, pois ajuda a desenvolver o raciocínio critico, adéqua à realidade, resgata valores, desenvolve a formação moral e ética. Percebemos claramente essa opinião na fala da professora nº 05, onde ela expressa que: [...] os contos de fada têm a capacidade de interagir com o imaginário infantil fazendo com que as crianças se identifiquem com a história e dali possa tirar lições ou exemplos de soluções para conflitos internos que estejam lhe afligindo. Bem como, podem ser um refúgio saudável da sua própria realidade, um meio de imaginar, um exercício de imaginar uma sociedade melhor e pessoas felizes, qual menina nunca se viu como uma princesinha amada e aceita por todos, e qual menino nunca se comparou a um príncipe forte e corajoso?! É nesse exercício de se imaginar nas histórias que a criança experimenta suas “vivências” fantasiosas e começa a se relacionar com os valores de bem e mal, certo e errado, do porque aquele personagem é do mal e porque o outro é o bonzinho. Na nossa sociedade atual esses
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